O MODERNISMO NA VISÃO DE MANUEL BANDEIRA E PÉRICLES RAMOS Luís Fernando Marozo (UNIPAMPA) Yanna Karlla Gontijo Cunha FURG)



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Transcrição:

O MODERNISMO NA VISÃO DE MANUEL BANDEIRA E PÉRICLES RAMOS Luís Fernando Marozo (UNIPAMPA) Yanna Karlla Gontijo Cunha FURG) 1- INTRODUÇÃO Este trabalho tem como objetivo comparar a visão de Péricles Eugênio da Silva Ramos e de Manuel Bandeira sobre o modernismo brasileiro. Ambos escrevem uma história da poesia nacional e foram sujeitos que participam de diferentes funções no sistema literário. Nesse sentido, esses autores não apenas compilaram um conjunto de poetas, pois os lugares que ocuparam na vida cultural dão as suas histórias uma perspectiva crítica de quem participou e conviveu com o movimento modernismo. Péricles Eugênio da Silva Ramos (1919-1992) nasceu em Lorena/SP. Em 1943 graduou em Direito pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Anteriormente, em 1936 aparecera como escritor de poesia nas páginas do jornal carioca Diário de Noticias. Seu reconhecimento, em âmbito Nacional, deu-se em 1946 com a publicação de Lamentação floral. Foi fundador do Clube de Poesia de São Paulo. Atuou como professor de Literatura Portuguesa na Faculdade Cásper Líbero de 1966 até sua morte. Eugênio assumiu outros cargos relacionados à Cultura durante sua vida; atuou como tradutor e organizador de antologias. Este breve resumo biográfico mostra um homem engajado na arte, assumindo vários papéis no sistema literário. Em Do barroco ao modernismo: estudos da poesia brasileira (1979) mostrase um narrador (historiador) especializado no campo literário o que contribui para entendermos tanto seu recorte de gênero quanto seu olhar crítico em relação a ele. O enfoque crítico e técnico acerca do corpus [a poesia] mostra um escritor conhecedor da tradição poética e de suas influências. Há, no decorrer do texto, uma preocupação em elucidar ao leitor os aspectos formais presente em cada período de nossa poesia, aspecto esse que não é explorado em histórias da literatura mais totalizadoras. Manuel Bandeira, por sua vez, dispensa maiores apresentações na medida em que é um dos poetas mais aclamados do panteão da literatura brasileira. Além de poeta, atuou em outras áreas, foi ainda cronista, crítico de arte, professor e historiador da literatura. Nesse campo específico produziu Noções de história das literaturas, Literatura hispano-americana e Apresentação da poesia brasileira. A escolha por refletir a perspectiva desses dois poetas sobre o modernismo brasileiro dá-se pelo fato de que historiar sua geração envolve não apenas uma questão de elencar um conjunto de poetas, mas a difícil situação de conviver diretamente com aqueles que foram incluídos e excluídos dos compêndios. O

historiador resume o que vai narrar no futuro, mas quando o faz assume a posição de juiz. Segundo Paul Ricoeur, os historiadores estão na posição de juízes: colocados na situação de uma disputa real ou potencial, tentam provar que uma explicação dada é melhor que outra (RICOEUR, 1994: 124). Péricles não trata diretamente de sua geração e evita maiores conflitos, mas Bandeira tem de ser extremamente hábil, pois como explica em Itinerário de Pasárgada (1984), texto autobiográfico, o Modernismo era a cumbuca onde ele não colocava o dedo mindinho. Bandeira morava no Rio, espaço da Academia, dos parnasianos e simbolistas guardiões da tradição contra a qual a geração paulista investia duramente. Ser modernista, na então Capital Federal, era contrapor-se à "cultura estabelecida", até porque as vinculações dos poetas cariocas à sua cidade eram complexas e se, por um lado, buscavam se modernizarem, por outro não comportavam a "radicalidade" paulista. Nesse sentido, estudar o Modernismo na Apresentação e Do Barroco ao Modernismo possibilita averiguar a quem eram dirigidas essas histórias, quais suas bases teóricas e as implicações de historiar o presente. 2- PÉRICLES Do barroco ao modernismo: estudos da poesia brasileira, de Péricles Eugenio da Silva Ramos, é uma publicação que integra um projeto vinculado à Biblioteca Universitária de Literatura Brasileira que pretende reunir textos representativos das obras críticas de nossos maiores escritos. O projeto divide-se em Série A, Série B e Série C. Na Série A encontram-se os textos que se enquadram no gênero ensaio, crítica e história da literatura. É nessa primeira série, portanto, que se encontra o texto de Péricles, com o intuito de ampliar a visão crítica e teórica do estudo sobre a poesia brasileira. A obra divide-se em 28 capítulos. Os estilos literários assume um papel importante na organização do sumário, sendo que entre eles ora está presente uma obra, outras vezes um autor. Os textos que compõe a obra foram publicados, anteriormente e isoladamente, em jornais paulistas. Essa informação é de suma importância em nossa reconstrução da narrativa proposta por Péricles acerca da poesia brasileira, pois já quebramos com o conceito de uma escrita homogênea, linear e totalitária. Uma explicação sobre o sumário pode ser compreendida com a seguinte afirmação:

As águas passam, mas deixam alguma coisa de seu murmúrio na lembrança das margens; da mesma forma, passam as corrente literárias, mas alguma coisa de seus programas característicos se transmite como herança, às vezes até despercebida, às gerações futuras. (RAMOS, 1979: 276) Nesse sentido, a obra de Péricles caminha na busca de esclarecer essas influencias não percebida. De maneira geral, os principais períodos literários que encontramos nas histórias tradicionais aparecem na escrita de Péricles; não de maneira isolada e geral, mas sim como adjetivação, tais como: Poesia Barroca, Poesia Arcádia, Poesia Romântica, Poesia Simbolista e Poesia Modernista. Intercalando esses títulos encontramos ainda outros nomeados como Poesia de Álvares de Azevedo, Poesia e Poética de Gonçalves dias, Uma antologia de Sousândrade, A poesia de Fagundes Varela. Nomes de poetas também aparecem, como Cláudio Manuel da Costa, Artur de Oliveira e os primeiros Decadentes, Willis e Amarailis, Cassiano Ricardo. Outras vezes percebe-se a titulação do sumário pelo nome da obra, como Solombra que fecha da história da literatura em análise. A busca de Péricles pelo novo e sua opção estritamente estética, em relação à poesia é percebida por suas escolhas, Cassiano Ricardo e Guilherme de Almeida são nomes mais significativos no texto de Péricles que Mario de Andrade e Manuel Bandeira. Tal atitude é justificada pelo empenho daqueles dois poetas para a inovação das técnicas. As escolhas de Péricles deixa subtendido que a história da poesia não é a história dos grandes poetas, pois se assim fosse não haveria necessidade de novas escritas e reflexões, porém atribui créditos às influências dos poetas destacados. Um exemplo que ilustra bem essa afirmação é o fechamento da obra de Péricles: Solombra, de Cecília Meirelles aparece como obra exemplar da nossa poesia, porém não deixa de destacar a influência que recebera de Guilherme Almeida. Péricles desloca a influência para alguns poetas pouco mencionados nas histórias anteriores, como é o caso de Sousândrade, Arthur de Oliveira, Guerra-Duval, este último segundo Péricles, precursor do verso-livre. O critério é estilístico e as escolas literárias surgem como elementos utilizados pelo narrador na busca de mostrar o aprimoramento da poesia desde seu surgimento até seu momento presente, cujo ápice recai sobre a obra Solombra, de Cecilia Meirelles. Em relação à periodização percebe-se que na obra de Péricles há uma coerência entre o conceito de história da literatura, os critérios e sua organização. Apesar de não deixar explícito, o conceito de história da literatura aparece como a história do desenvolvimento interno da arte, neste caso a história do desenvolvimento interno da poesia. Para isso, parte dos primórdios da escrita literária em nosso país

até o momento de sua escrita, apontando os casos paradigmáticos para o entendimento da evolução na escrita poética. Essa evolução carrega consigo um conceito de poesia, que está muito relacionado com seu ofício de poeta. Esse conceito fica evidente ao tratar no capítulo Poesia Moderna da geração de 45. Denominada pelo autor como fase do construtivismo, no qual ele se insere como poeta, Péricles se qualifica como escritor de uma poesia nítida, em que o sentimento se resolvesse em imagens. É essa concepção de poesia que perpassa, em muitos casos, a escolha dos poetas com qualidade superior. O autor não tenta apreender nossa poesia a partir das características presentes no estilo como um todo, mas ao contrário destaca o que de diferente existe na produção dos poetas que aqui escreviam nessa época. Ou seja, a autor parte da produção e não do contexto. O autor assume essa posição porque acredita que a história da poesia, para poder mostrar-se realmente proveitosa, tem de levar em conta não tanto os rótulos que se dão à poesia em determinado período, não tanto o que os poetas pretende ou dizem fazer, mas aquilo que efetivamente fazem; o que se deve escalpelar é o estilo: só a comunidade dos traços estilísticos pode levar a reunir os poetas em corrente do mesmo nome. (RAMOS, 1979: 165). Para o autor o que faz com que a crítica agrupe poetas no mesmo período não é por seu tempo de escrita. Há poetas que escreveram no momento de um período literário, como Sousândrade no Romantismo e não assume características dessa escola. O olhar que permite Péricles destacar determinadas diferenças entre o modernismo é possibilitado pelo aspecto temporal e pela concepção de história subjacente à obra. A produção da poesia carrega consigo uma localização no tempo cronológico, porém os estudos teóricos e críticos nos possibilitam inseri-la em estilos distintos dos quais ela surgiu. Nesse sentido, o grande herói da narrativa de Péricles é o desenvolvimento dos estudos acerca da poesia. O papel secundário aos aspectos psicológicos e sociológicos é explicitado pelo próprio autor ao falar sobre a periodização na poesia modernista: A fase se encerra [fase primitivista] com a extinção da Revista de Antropofagia, em 1929. Melhor tomar esse fato como termo, em vez da Revolução de 30. E ainda acrescenta, a literatura não precisa regular-se por balizas extraliterárias quando em sua própria história se acham marcos muito mais coerentes. (RAMOS, 1979, p. 272). Péricles Ramos como um leitor tanto da poesia brasileira como das histórias da literatura anteriores. Essa leitura fica subjacente a sua produção, ora mais explicitamente, ora mais subtendida.

3- BANDEIRA Em 1940, a editora Fondo de Cultura Económica, do México, encomenda ao poeta Manuel Bandeira uma Apresentação da poesia brasileira. Os editores mexicanos desejavam um ensaio introdutório e uma antologia com o melhor da poesia brasileira, dos tempos da Colônia ao Modernismo. A obra somente seria publicada no México em 1951, cinco anos depois da primeira edição no Brasil. A editora Casa do Estudante do Brasil foi responsável por três publicações em português, a primeira, de 1946, e as outras duas edições posteriores, de 1954 e 1957. Em 1965, ainda sairia pelas Edições de Ouro, a última edição antes da morte do autor. A cada nova edição, Bandeira foi ampliando com novos nomes, novas obras e novos grupos que surgiam 1. A Apresentação da poesia brasileira registra, a partir do capítulo sobre os modernistas, uma mudança de recepção da poesia escrita no Brasil por fazer uma leitura primária. Manuel Bandeira desde o início do texto enumera cronologicamente os autores, ordenando-os por estilos e épocas, assim desenvolve uma leitura em que os primeiros autores são responsáveis pela construção da autonomia nacional. Para isso, dialoga com fontes históricas e críticas que tinham como preocupação dar um caráter para a nação. A partir período romântico, principalmente com a segunda geração, novas preocupações surgem. Privilegia-se a individualidade e o desenvolvimento de um lirismo nacional em que parnasianos e simbolistas são fundamentais para dar continuidade à expressão da subjetividade brasileira. Ocorre que essa empresa é feita já em um sistema literário diferenciado dos outros sistemas, o que não ocorria até então. Até o romantismo, o discurso literário era indiferenciado dos sistemas religioso, político, econômico. No modernismo, o historiador procura privilegiar os herdeiros dessa tradição lírica, agora em outro momento de desenvolvimento tanto do país como das instituições e meios de comunicação que formam o sistema literário. Conquistado o processo da identidade poética nacional, na qual os escritores fazem parte de um 1 A referência, para este capítulo, será a Apresentação da literatura brasileira, editada em 1965. A escolha deve-se ao fato de ser a última edição alterada pelo próprio historiador. Bandeira soma, na última, informações sobre os novos movimentos como o concretismo e a poesia práxis, ausentes nas publicações anteriores. As notas de pé-de-página constituem uma estratégia para agregar notícias sobre os poetas e suas publicações posteriores à primeira, segunda e terceira edições.

sistema, os poetas modernistas são caracterizados pelo individualismo através do qual cada autor busca seu estilo próprio, embora sem romper com o passado. Para Siegfried Schmidt (1996), as histórias são construções motivadas por necessidades sociais e precisam ser legitimadas, ou seja, não são auto-evidentes. Bandeira deixa isso claro quando apresenta as datas e fatos do modernismo por um viés singular. Ocorre que o Rio de Janeiro caracterizava-se como a capital das letras nacionais desde o estabelecimento do Império. No século XX, a cidade de São Paulo começava a afirmar-se tanto economicamente como culturalmente. É possível averiguar as disputas quando se estuda os manifestos ocorridos dos anos 20 aos 40, tempo em que se forma um pensamento acadêmico e quando a crítica literária era quase inexistente 2. A proximidade temporal faz com que Bandeira, embora se utilize de textos de escritores, poetas e críticos, publicados em revistas, manifestos e conferências, possa expor suas ideias como alguém que viveu esse período. Entretanto, a leitura dos modernistas não dá ênfase às celeumas entre os contemporâneos. Essa escolha demonstra uma percepção diferente de historiadores posteriores a ele, como Antônio Cândido (1985), que marcam o movimento como uma ruptura com o passado. Esse consagrado historiador defende ser o Modernismo a tendência mais autêntica da arte e do pensamento brasileiro. Nele fundiram-se a libertação do academismo, dos recalques históricos, do oficialismo literário; as tendências de educação política e reforma social; o ardor de conhecer o país (CÂNDIDO, 1985: 124). Esses aspectos apontados por Cândido são apenas tangenciados por Bandeira. Schmidt defende ser a história uma construção cognitiva de sujeitos presentes, cujo sentido é o de organizar sua recordação de forma narrativa (SCHMIDT, 1986: 121). Nessa perspectiva, a Apresentação explicita a diferença entre a experiência e as escolhas explicativas que são feitas para sua narração. Embora demonstre que a história do modernismo circunscreve-se em revistas, manifestos e artigos, quando trata dos poetas individualmente, Bandeira privilegia uma leitura evolutiva na qual defende a contribuição dos parnasianos e dos simbolistas para aquele movimento. Nessa medida, a ruptura, os conflitos e o nacionalismo, apontados por Cândido, são lidos de modo implícito no relato sobre o movimento, enquanto que na apresentação dos poetas fica explicito a preferência por outra leitura, uma que marque a evolução, a crítica e o individualismo. Essa atitude possibilita separar a parte histórica do Modernismo da leitura que o historiador faz dos poetas e dos meios nos quais a comunicação foi desenvolvida. 2 Ver: MARTINS, Wilson. A crítica modernista. IN: COUTINHO, Afrânio (dir.). A literatura no Brasil: era modernista, v.5. Rio de Janeiro: José Olympio, 1986.

Entretanto, também a ausência denuncia a visão crítica de quem conviveu com essa geração e por isso teve de utilizar-se de várias estratégias para o seu convívio diário. Se, para Schmidt e para o estudo empírico da literatura, os dados são sempre avaliados e interpretados, e não oferecidos objetivamente, o importante não é a veracidade, mas a sinceridade diante dos pressupostos escolhidos não somente para o desenvolvimento de um trabalho, mas como possibilidade de um modo de vida. Assim, as escolhas de Bandeira passam pelo modo como pensa a poesia e a ciência. Para historiar a literatura do século XIX, Bandeira busca o valor científico de historiadores como Sílvio Romero e José Veríssimo, pois neles encontra os procedimentos escolhidos por aquilo que acreditava como prática da ciência historiográfica, embora faça sua leitura da história. Seu conceito de poesia está, naquele momento, de certa maneira pautado também pela escolha, no presente, das diferentes recepções. No Modernismo, por outro lado, ele é o próprio construtor histórico e sua aproximação com a narração denota uma perspectiva mais restrita. Nesse sentido, a Apresentação da poesia brasileira é observada como uma aquisição verbalizada, orientada teórica e sistematicamente por experiências empíricas intersubjetivas, cujo objetivo é o de incorporar e legitimar experiência e fazer essa experiência acessível a outros. Bandeira que não explicitou qual seria sua construção teórica para tratar do passado; no presente também não o faz. Contudo, a ausência de exposição dos critérios utilizados não impede de perceber os efeitos da produção da nova geração, principalmente pelo apagamento dos objetivos sociopolíticos nacionais. Os poetas com quem conviveu, apesar de disputarem dentro do sistema artístico, buscam definir o espaço público de luta e marcar a consciência do local de sua fala para a construção de uma memória futura. 4- CONCLUSÃO As duas escritas da poesia brasileira contribuem para a ampliação da visão acerca da poesia produzida em nosso território, bem como nos fornece dois olhares estéticos sobre o discurso poético. Bandeira e Péricles buscam as fontes para defender concepções de poesia que resultaram também em sua prática como poetas. Ambos buscam de seu modo aspectos formais de cada período, buscando com isso legitimar sua escrita a partir de um discurso de observador com profundo conhecimento das questões técnicas e históricas da poesia. Todavia, os textos mais se distanciam do que se aproximam. Enquanto Bandeira escreve para os Mexicanos, Péricles escreve artigos em jornais que

posteriormente são compilados o que resulta no livro. Bandeira enfatiza a história da poesia e Péricles a história da crítica. Para Bandeira, no Modernismo, à linguagem, nova preocupação, soma-se à visão sobre a terra, à história e à sociedade, para dialogar e/ou debater com a tradição da poesia intimista de caráter religioso, filosófico e pessimista. Os vários grupos modernistas, com várias estratégias, buscam liberdades de expressão na poesia (novos modos de pensar o mundo) e de identidades tanto coletivas (América, Brasil, Regiões) como individuais. De certa maneira, o Modernismo seria o espaço de luta entre tradição/renovação em que, através de várias identidades poéticas, marcada pelos diversos grupos, encontraria a síntese dos diversos temas: a religião, o social, a terra, o existencial. Para Péricles o Modernismo é um processo que parte da fase primitiva para chegar à fase construtiva, fase essa em que Péricles se enquadra. Nesse sentido, a geração de 45 seria o aperfeiçoamento da técnica da poesia, uma nova fase de experiência com a palavra. Para Bandeira, o Modernismo não possui uma geração organizada em 45, o pernambucano defende que o que há são poetas das mais diversas tendências, ou seja, o fato de Péricles dar ênfase à fase anterior a sua geração e Bandeira tratar diretamente da sua geração interferirá na estrutura e nos sentidos dos textos. REFERÊNCIAS ANDRADE, Mário; BANDEIRA, Manuel. Itinerários. Cartas a Alphonsus de Guimaraens Filho. São Paulo: Duas Cidades, 1974. BANDEIRA, Manuel. Apresentação da Poesia Brasileira. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1965.. Itinerário de Pasárgada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. CERTEAU, Michel. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense, 1982. JAUSS, Hans Robert. A história de literatura como provocação à teoria literária. São Paulo: Ática, 1994. LE GOFF, Jacques. História e Memória. São Paulo: UNICAMP, 2003.

MARTINS, Wilson. A crítica modernista. IN: COUTINHO, Afrânio (dir.). A literatura no Brasil: era modernista, v.5. Rio de Janeiro: José Olympio, 1986. MORAES, Marco Antonio de (org). Correspondência entre Mário de Andrade e Manuel Bandeira. São Paulo: EDUSP, 2000. OLINTO, Heidrun Krieger (org.). Histórias de literatura: as novas teorias alemãs. São Paulo: Ática, 1996. PERKINS, David. História da literatura como narração. Trad: Maria Ângela Aguiar. Cadernos do Centro de Pesquisas Literárias da PUCRS, Porto Alegre, v.3, n.1,mar.1999. Série Traduções. RAMOS, Péricles Eugenio da Silva. Do barroco ao modernismo: estudos de poesia brasileira. Rio de Janeiro: Livros técnicos e científicos, 1979. RICOUER, Paul. Tempo e Narrativa. Campinas: Papirus, 1994. SCHMIDT, Siegfried J. Sobre a escrita de histórias da literatura: observações de um ponto de vista construtivista. In: OLINTO, Heidrun Krieger (Org.). Histórias de literatura: as novas teorias alemãs. São Paulo: Ática, 1996. p. 101-132.