Fronteiras
Resenha Práticas Lúdicas na Formação Vocal em Teatro 1 Eugênio Tadeu Pereira 1 ARAÚJO, Tiago (UFMG) 2 São Paulo. Ed. Hucitec, 2015. Coleção Teatro 87. Série Pedagogia do Teatro, 14. ISBN 978-85-8404-055-1 Eugênio Tadeu Pereira é professor, com trajetória dividida entre a educação básica e a universitária. Seu projeto de ensino e aprendizagem pode ser entendido a partir de suas palavras como a investigação [que ] é um processo instaurado por meio do atrito entre o que sabemos, o que vemos, o que o outro sabe e o que as circunstâncias nos mostram. Este processo de pesquisa foi construído no contato com estudantes universitários e na busca pela compreensão da atividade lúdica como relação pedagógica em salas de aula. Para estabelecer os primeiros fundamentos, o autor escolheu a noção de formatividade, encontrada em Luigi Pareyson: enquanto algo acontece, inventamos e descobrimos as regras que o fazem acontecer (PAREYSON, Luigi. Estética: teoria da forma atividade. Petrópolis: Vozes, 1993). Suas questões de pesquisa surgiram da constatação de que alunos da Graduação em Teatro vinham enfrentando dificuldades em utilizar conscientemente a voz em seus aspectos sonoros e musicais, e que estas dificuldades demonstravam uma compreensão insuficiente da escuta da própria voz e da voz do parceiro, bem como, uma carência de conhecimentos sobre o fenômeno da produção vocal. Estava assim, estabelecido o contexto. Como metodologia de experimentação, o autor escolheu o jogo, uma prática complexa que, segundo suas palavras, provoca desafios, riscos, escolhas, atenção e interação entre sujeitos, favorecendo o ato de compartilhar experiências com os outros jogadores. Numa perspectiva como esta, o autor deixa claro que é preciso que o pesquisador se coloque dentro do processo como alguém que participa diretamente da pesquisa. A Pesquisa-ação foi então escolhida como metodologia de organização dos procedimentos a serem desenvolvidos 1 Resenha aprovada em 01/05/2016. 2 Tiago Araújo é graduado em Ciências Sociais com ênfase em Antropologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (2008), tendo defendido monografia em Antropologia da Festa, Antropologia da Dádiva e Performance. Possui experiência com gestão de projetos de cunho associativista, como facilitador de vivências socioculturais para agrupamentos autogeridos, desde 1999. Tornou-se Palhaço com registro profissional em 2007. Ocupou o cargo de chefia do Departamento de Centros Culturais da Fundação Municipal de Cultura, de Belo Horizonte, de 2012 a 2014. Atualmente cursa o Mestrado no Programa de Estudos Interdisciplinares do Lazer, na Escola de Educação Física Fisioterapia e Terapia Ocupacional (EFFTO) da Universidade Federal de Minas Gerais(UFMG). 66
67 com o grupo focal. Isto porque nela, o pesquisador está enredado com o objeto e com os sujeitos, (...), a investigação se caracteriza por ações em torno de questões coletivas nas quais os participantes e investigadores estão envolvidos de modo cooperativo e participativo, destaca o autor, citando Michel Thiollent. Os procedimentos de pesquisa se basearam em elementos de sua prática docente, tais como, potencial lúdico, exploração e compreensão de nuances vocais, uso consciente de recursos vocais, apropriação de parâmetros sonoros e musicais, relações intrínsecas entre corpo e voz, capacidade de escuta, habilidade de entrar em ficção, tônus corporal durante a prática de jogo e o estabelecimento de vínculos entre os participantes no momento presente do jogo. A avaliação continuada fez parte da estratégia, de modo coletivo e buscando reflexões baseadas nas seguintes provocações: O objetivo foi alcançado? Houve jogo? Houve escuta entre os jogadores? As participações foram equilibradas? Quais aspectos do aprendizado vocal e musical foram abordados?. De cada um, um cadinho; nas partes, no todo. Cada gesto contém o toque, o som, a cor daquilo que vivido foi; daquilo que soou. Dado o contexto, vamos aqui chamar atenção para aspectos que nos estimularam a produzir esta resenha, que são pertinentes à nossa pesquisa, no momento vinculada à Escola de Educação Física e Terapia Ocupacional da UFMG, no Mestrado em Estudos Interdisciplinares do Lazer. Estes aspectos tem vinculação com os desejos de percepção de uma metodologia de pesquisa em Artes e em Educação, que capaz de dar conta de processos criativos como procedimentos de abordagem do objeto de trabalho e de questionar o procedimento do pesquisador em relação ao seu objeto. Em primeiro lugar, a sala de aula como lugar de experiências. O autor fala essencialmente da sala de aula universitária, contudo suas reflexões são transponíveis para todas as salas de aula, na nossa opinião. Neste lugar de experiências, a formatividade aparece como espaço de reflexão, sendo esta um processo de ensino aprendizagem com foco na autonomia; isto porque, como diz o autor, nessa ação reflexiva o estudante compreende e se apropria dos elementos que constituem o fazer, possibilitando-lhe atribuir significado àquilo que está sendo aprendido em benefício de sua formação. Eugenio Tadeu traz à tona o fato de que a atitude reflexiva é própria ao fazer teatral, e artístico por conseguinte, e concordamos com ele, quando diz que isto se dá porque a ação reflexiva exige do sujeito o conhecimento das regras, escuta, presença e tomada de decisões para poder usufruir das possibilidades, e desenvolver a elaboração de estruturas cênicas próprias ao fazer teatral. A perspectiva do aprendizado a partir da experiência, seja na sala de aula seja na esfera do espetáculo dizemos nós, é coerente como procedimento de pesquisa em arte e de ensino e
aprendizagem de linguagem artística. O autor cita Jorge Larossa Bondía para destacar que ao entrar em contato com uma dada materialidade e em uma dada situação, o sujeito da experiência é levado a tomar decisões que irão desencadear uma transformação, que se dá tanto na própria materialidade quanto no sujeito que nela atua, podemos entender das reflexões de ambos os autores. Isto é fundamental para o processo de ensino e aprendizagem, para o processo criativo e para a fruição da manifestação artística, porque tanto quanto a manifestação arteística, o processo pedagógico só se completa como experiência quando alcança algum tipo de reflexão, e então, se torna significativo. Assim nos processos educativos como nos artísticos, cada experiência é uma mola propulsora que impele o sujeito a ir adiante, sendo concebida em um ciclo que se fecha e aponta para outro, diz Tadeu. Um segundo aspecto desenvolvido por Eugênio Tadeu na sua pesquisa que é pertinente a esta resenha é a situação lúdica. Ele a entende como o que não se opõe ao sério, mas à realidade, gerando meios para o equilíbrio emocional (grifos do autor). Esta perspectiva do lúdico se coaduna com a proposta de pesquisa da atividade criadora do ponto de vista vocal e musical, ao nosso ver, por proporcionar a experimentação, já enfatizada pelo autor, e que ocupa espaço conceitual indiscutível na prática artística. O autor ressalta que o impulso lúdico molda o atrito existente entre o impulso sensível e o impulso formal, sendo essa forma um fato, ou seja, algo que acontece, citando Friedrich Schiller. Na sequência de suas reflexões, o autor dá enfoque ao fato de que a situação lúdica é constituída por atitudes que o jogador decide tomar no transcorrer da situação, pois é impelido a escolher seus atos para conduzir o seu percurso, circunstâncias pertinentes ao ato educativo e ao ato criativo. A perspectiva do lazer como atividade que pode ser pedagógica está intrinsecamente ligada à pesquisa que venho desenvolvendo relativa à dádiva, num entendimento baseado na antropologia de Marcel Mauss ( ): um modo amplo de constituição da vida social como um constante dar-e-receber. As trocas como obrigações a serem organizadas, e até hierarquizadas, de modo particular em cada caso. E, aqui, chamarei atenção para a perspectiva de Maus de que não existe a dádiva sem a expectativa de retribuição. Assim como na perspectiva de Tadeu sobre o ensino e aprendizagem, no caso de voz para a cena, a antropologia da dádiva vai mostrar que a troca se revela um possibilidade de mesclar afectos e perceptos, e permite a comunicação intersubjetiva, ampliando o aprendizado direto para a compreensão da atividade de aprender. Pensamos que esta pesquisa desenvolvida pelo autor pode servir de processo reflexivo em várias instâncias da atividade artística, chegando mesmo a lançar alguma luz sobre as novas relações ente manifestação artística e fruição. 68
E, para finalizar esta reflexão sobre o trabalho de Eugenio Tadeu, nos chama a atenção a perspectiva de mediação que o autor coloca sobre a atividade artística e sobre a atividade pedagógica da arte. O mediar converge para o ato de formar, na nossa visão da forma como o autor coloca estas duas questões, e que pode, sim, estar subliminar à leitura direta. Quando compara o impulso lúdico de Schiller à estética da formatividade de Pareyson, Tadeu coloca a materialização da formação muito próxima da atitude de mediar o outro, mas também a si mesmo, entre o não saber e o saber. Citando Pareyson diz que formar significa fazer, executar, levar a termo, produzir, realizar e, por outro lado, encontrar o modo de fazer, inventar, descobrir, figurar, saber fazer, trazendo para o primeiro plano da atividade de aprendizado o jogo de comparações e associações que leva à invenção. Esta forma de mediar a transformação entre não saber e saber envolve os sentidos, o prazer e a reflexão, atitudes estas caras ao aprender e ao criar artisticamente, e hoje em dia cara à troca direta entre artista e fruidor. Trata-se de gerar um fluxo criativo proporcionado pelo jogo que, em última instância, serve à mediação dos aprendizados porque propicia meios pelos quais são aprimoradas a escuta, a expressividade, a técnica e a capacidade de agir em relação às regras e aos parceiros, desenvolvendo, também, o próprio potencial lúdico do indivíduo. Esta atitude e esta forma de mediar a formatividade se coadunam com a perspectiva da antropologia da dádiva e sugerem procedimentos para as relações entre artista e artista, artista e fruidor, fruidores entre si, docentes e discentes, docentes entre si e discentes entre si!!! Estas reflexões me trazem de volta à perspectiva do potencial educativo da arte... Cada vez que um pesquisador desenvolve suas reflexões de modo a colocar a experiência em relação íntima com a teoria, facilita e estimula a dádiva. E nnao ter mencionado o número das páginas das citações que fiz sobre o texto de Tadeu, minha contribuição para o jogo de leitura que espero ter estimulado em quem por ventura tenha lido este pequeno escrito. Procurar enquanto se procura... 69