O ENSINO DE QUIMICA NAS ESCOLAS DA REDE PUBLICA DE ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO DO MUNICÍPIO DE ITAPETINGA-BA: O OLHAR DOS ALUNOS. Amisson dos Santos Nunes* Dulcinéia da Silva Adorni** Resumo: Este trabalho relata os resultados de um levantamento sobre a situação atual do ensino de Química, sob a perspectiva dos alunos, nas instituições de Ensino Fundamental e Médio da rede pública de Itapetinga-BA. Foram investigadas questões como a percepção que os alunos têm da Química ao primeiro contato com a disciplina e atualmente; a forma como encaram o processo de avaliação; as relações que conseguem ou não estabelecer entre o conteúdo trabalhado na escola e seu cotidiano; a importância que atribuem à Química tanto para sua formação como para o seu dia a dia etc. Os resultados apontam a fragilidade existente no processo de ensino-aprendizagem que não consegue, entre outras coisas, estabelecer relações entre teoria e prática. Indicam também que apesar de todas as dificuldades a Química não parece ser para os alunos o bicho-de-sete-cabeças que comumente se pinta. Palavras-chave: Contextualização. Ensino-aprendizagem. Itapetinga. Química. Introdução A sociedade atual caracteriza-se por um desenvolvimento técnico-científico cada vez mais exigente. Para nela viver - e sobreviver - circulando com desenvoltura, o indivíduo precisa adquirir inúmeras habilidades. Cabe às instituições de ensino favorecer aos seus alunos um aprendizado significativo que lhes permita desenvolver tais habilidades, e assim, participar ativamente, como reais cidadãos, da sociedade na qual estão inseridos. Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio - PCNEM (BRASIL, 2002) ressaltam que os conteúdos abordados no ensino de química não devem se resumir à mera transmissão de informações, a qual não apresenta qualquer relação com o cotidiano do aluno, seus interesses e suas vivências. Considerando que o processo de ensino aprendizagem de qualquer conteúdo refere-se a uma atividade intencional, o ponto de partida é sempre uma reflexão que fundamenta a tomada de importantes decisões: o que ensinar, como ensinar e porque ensinar. Sendo assim, *Graduando do Curso de Licenciatura em Química pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB/Itapetinga. ** Professora Efetiva do Departamento de Estudos Básicos e Instrumentais DEBI/UESB/Itapetinga. Orientadora de Estágios no Curso de Licenciatura em Química.
2 os temas trabalhados devem sempre estar vinculados à realidade dos alunos, tendo como prioridade sua contribuição no que diz respeito a prepará-los para vida, tornando-se instrumentos de cidadania e competência social. Segundo Maia (2005, p.44) os professores têm que buscar tornar a aprendizagem do aluno significativa, promovendo interações entre os novos conhecimentos e os já existentes na estrutura cognitiva dos alunos. (...) A Química, assim como outras ciências, tem papel de destaque no desenvolvimento das sociedades, pois ela não se limita à pesquisa de laboratório e a produção industrial (...). Embora às vezes não se perceba, esta ciência está presente no nosso dia- a- dia e é parte importante dele, pois a aplicação dos conhecimentos químicos tem reflexos diretos sobre a qualidade de vida das populações e sobre o equilíbrio dos ambientes da terra. (UESBERCO & SALVADOR, 2002, p.3) Os autores, portanto, consideram essencial que o conhecimento químico faça parte da vida cotidiana das pessoas, a fim de que elas possam, criticamente, contribuir para a preservação e a conservação de todas as formas de vida, inclusive da espécie humana. Entretanto, quando analisamos a trajetória do ensino de química verificamos que, ao longo dos tempos, muitos alunos vêm demonstrando dificuldades em aprender. Na maioria das vezes, não percebem o significado ou a validade do que estudam. Usualmente os conteúdos parecem ser trabalhados de forma descontextualizada, tornando-se distantes, assépticos e difíceis, não despertando o interesse e a motivação dos alunos. Alguns professores de Química, talvez pela falta de formação específica na área, demonstram dificuldades em relacionar os conteúdos científicos com eventos da vida cotidiana. Suas práticas, na maioria das vezes, priorizam a reprodução do conhecimento, ou seja, a cópia e a memorização, acentuando a dicotomia teoria-prática presente no ensino. Partindo deste pressuposto, Andrighetto e Richter, (2009, p.1545) ressaltam que muitas vezes também o método de avaliação tem um caráter reducionista, limitando-se a um instrumento de coleta de informações, fundamentado numa concepção de educação que confunde aprendizado com capacidade de memorização e reprodução. Autores como Trevisan e Martins (2006), no entanto, ressaltam que propostas mais progressistas e sistematizadas indicam a possibilidade de se buscar a produção de conhecimento e a formação de um sujeito crítico e situado no mundo.
3 A fim de entender melhor como se desenvolve o processo de ensino-aprendizagem em Química no Ensino Fundamental e Médio da Rede Pública de Ensino de Itapetinga, sob a perspectiva dos alunos, foi realizado um levantamento junto às escolas do município. Metodologia A presente pesquisa foi realizada como exigência da disciplina Estágio Curricular I do Curso de Licenciatura em Química da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia-UESB, campus de Itapetinga, BA. Inicialmente foi feito um levantamento, através da aplicação de um questionário aos alunos, nas instituições de Ensino Médio e Fundamental do município (duas escolas municipais e quatro estaduais). Em uma instituição de Ensino Médio não foi possível aplicar o questionário porque a disciplina não estava sendo oferecida devido à falta de professor. Segundo a direção, Química seria oferecida no segundo semestre, com a contratação do referido docente. Da mesma forma, algumas turmas do 9º ano do Ensino Fundamental (antiga oitava série) ficaram fora deste levantamento pelo fato da disciplina fazer parte apenas do currículo do segundo semestre. No Ensino Fundamental a Química está embutida na disciplina Ciências, que aborda também conteúdos de Biologia e Física. Foi solicitado a cinco alunos voluntários de cada turma, tanto do Ensino Fundamental quanto do Médio (perfazendo um total de 315 sujeitos), que respondessem um questionário com dez perguntas objetivas cada qual com quatro alternativas, exceto a última questão que tinha apenas duas (sim e não) e solicitava justificativa. As questões buscavam identificar desde a importância que os alunos atribuem à Química para a sua formação e no seu cotidiano, até futuras expectativas quanto a tornarem-se ou não um profissional da área. Após a coleta de dados, os mesmos foram categorizados e analisados, conforme veremos a seguir. Resultados e Discussão Como não apareceram diferenças significativas entre os resultados obtidos no Ensino Fundamental e os obtidos no Ensino Médio, optamos por resumir os mesmos num único quadro, conforme pode ser observado abaixo.
4 valores em percentual 80 70 60 50 40 30 20 10 0 Questão 1 Questão 2 questão 3 questão 4 Questão 5 Questão 6 Questão 7 Questão 8 Questão 9 Questão 10 Alternativa A Alternativa B Alternativa C Alternativa D Percentuais atribuídos a cada resposta obtida através do questionário E.F. e E.M. Indagados sobre a importância das aulas de Química para a sua formação, constatamos que 54% dos alunos consideram-nas indispensáveis para a sua formação, enquanto 40 as consideram de importância regular, 2,5% acham irrelevantes e 3,5 não souberam dizer. Entretanto, quando indagados sobre a importância da Química para a o seu dia-a-dia, 40% responderam que ela é realmente importante, 47% que é de importância regular, 10% consideraram-na irrelevante e 3% não souberam responder. Este dado nos leva a um paradoxo: ao mesmo tempo em que a Química é considerada, por um percentual significativo de alunos, indispensável para a formação, os mesmos consideram-na de importância regular para o seu cotidiano. Este fato possibilitou-nos formular pelo a seguinte hipótese: os alunos atribuem à Química uma importância apenas teórica talvez eles a estejam vendo como conteúdo importante para passar de um ano a outro na instituição escolar, no entanto, não conseguem compreender sua importância prática ou o seu papel no cotidiano. É possível observarmos, ainda, que embora o percentual de alunos que consideram a Química irrelevante para o seu dia-a-dia seja pequeno, ele é maior que o apresentado nas respostas à pergunta anterior. Dado este que nos leva a corroborar com a afirmação de Uesberco & Salvador (2002, p.3) alguns professores de Química, talvez por não terem formação específica na área, demonstram dificuldades em relacionar os conteúdos científicos com eventos da vida cotidiana. Em outras palavras, a dicotomia entre teoria e prática estar impedindo aos alunos compreenderem a importância desta área de conhecimento para o seu cotidiano.
5 Em relação à primeira impressão quanto ao ensino de química, 56% dos alunos responderam que tiveram uma boa impressão, 21% disseram que foi regular, 15% ruim e 8% indiferente. No entanto, quando perguntamos sobre como consideram as aulas de Química atualmente, observamos um acréscimo no número de alunos que as consideram interessam: 63%. Para 17% as aulas são regulares, para 14% são chatas e para 6% indiferentes. Esses dados demonstram que, mesmo sendo significativos os percentuais dos alunos que avaliam as aulas como chatas e indiferentes, parte majoritária deles refere não apenas ter tido boa impressão por ocasião do primeiro contato escolar com a área de conhecimento, mas que esta impressão inicial se mantém. Em relação à forma como são avaliados na disciplina, 29% dos alunos responderam que consideram a avaliação eficiente, 50% regular, 6% ruim e 15% não souberam responder. Esse elevado índice dos alunos que considera regular corrobora com a afirmação de Andrighetto e Richter, (2009, p.1545) que ressaltam que muitas vezes o método de avaliação vem sendo utilizado de forma errônea, reducionista, limitando-se a um instrumento de coleta de informações. Quando indagados de que maneira suas dúvidas em sala de aula a respeito do conteúdo de Química são respondidas, 42% dos alunos responderam que as mesmas são respondidas de forma eficiente, 44% de forma regular, 8% deficiente e 6% disseram nunca terem dúvidas. Os dados explicitam que nem sempre esses alunos estão saindo das aulas com suas dúvidas respondidas de maneira satisfatória pelos professores, o que, segundo Maia (2005, p.44) pode levá-los a não compreenderem os assuntos das aulas seguintes. Neste sentido, cabe aos professores buscarem formas de tornar a aprendizagem do aluno mais significativa, favorecendo a interação entre os novos conhecimentos com aqueles que os alunos já possuem. Quanto às aulas práticas, 8% dos alunos responderam que as têm mensalmente, 3% quinzenalmente, 50% semanalmente e 39% responderam nunca ter participado de uma aula prática. Observamos certa confusão quanto à esta questão, os alunos parecem não ter muita noção sobre o que é uma aula prática. Observação esta que reforça a idéia de que a dinâmica da sala de aula parece mesmo ser a das aulas expositivas, que priorizam a memorização de conceitos em detrimento da compreensão dos fenômenos. Esta hipótese é reforçada na análise dos dados da questão seguinte, pois quando indagados sobre a estrutura que a instituição oferece para o desenvolvimento de atividades práticas e didáticas, apenas 28% dos alunos
6 responderam que na sua percepção o apoio oferecido aos professores é eficiente, para 30% deles é considerado regular, 17% o acham deficiente e 24% acreditam que a instituição não oferece nenhum apoio ou estrutura apropriada. Indagados sobre a relação que conseguem estabelecer entre os conteúdos vistos em sala de aula e sua vida cotidiana, 22% responderam que sempre conseguem estabelecer esta relação, 68% disseram que as vezes conseguem estabelecê-la, 4% nunca conseguiram estabelecer qualquer relação e 6% não souberam responder. Este dado favorece a hipótese de que os professores não estão conseguindo estabelecer a relação entre teoria e prática, entre o conhecimento escolar e o cotidiano dos alunos. Neste sentido, não está sendo alcançada a proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (BRASIL, 2002) que deixam claro que os conteúdos abordados no ensino de química não devem se resumir à mera transmissão de informações e sim priorizar a relação com o cotidiano do aluno, seus interesses e suas vivências. Por fim, quando perguntado aos alunos se conseguem se imaginar como futuros profissionais da área de química, 76% responderam que não e 24% que sim. A maioria das justificativas para o não se baseou na concepção que têm dos profissionais da área de exatas, os quais são tachados de loucos e no fato de ser uma área fundamentada em conhecimentos matemáticos. Sendo que ambas as justificativas estão ligadas entre si: é louco quem gosta de matemática ou de áreas afins, por é muito difícil. Conclusão Em síntese, podemos concluir que o processo de ensino-aprendizagem em Química, desenvolvido nas escolas públicas do município de Itapetinga, encontra-se fragilizado. Situação essa que acreditamos não diferir muitos de outras localidades de nosso país. Os resultados aqui apresentados de forma resumida nos mostraram que o ensino de Química ainda não consegue articular teoria e prática, conteúdo escolar e cotidiano dos alunos. Faltam profissionais licenciados na área, assim como a estrutura oferecida aos professores nas instituições é tênue, não oferecendo-lhes subsídios adequados para realização de aulas contextualizadas que possam contribuir para a efetivação da inclusão e cidadania de seus alunos. É urgente um investimento maior por parte de nossos governantes nas instituições de ensino, na formação inicial e continuada de professores, na educação de um modo geral.
7 Apesar de todas as dificuldades aqui apontadas, o presente trabalho serviu-nos também como alento, pois desmistifica, de certa forma, a idéia de que a Química é um bicho-de-setecabeças para os alunos. Muitos deles afirmaram interesse pela área. Cabe a nós, educadores, através de ações educativas significativas, favorecer que este interesse se mantenha e se solidifique. Embora o trabalho aqui apresentado não esgote a discussão sobre a temática, possibilita novas reflexões e a busca de estratégias que visem tornar mais eficaz e eficiente o ensino de Química nas escolas públicas tanto de Ensino Fundamental quanto de Ensino Médio. Referências: ANDRIGHETTO,Marcos Jose. RICHTER,Cleiton Jose. Avaliaçao escolar. 1 Simposio nacional de Ensino de Ciencias e Tecnologia.2009. Disponivel em: http://www.pg.utfpr.edu.br/sinect/anais/artigos/13%20formacaodeprofessoresnoensinodecie nciaetecnologia/formacaodeprofessoresnoensinodecienciaetecnologia_artigo3.pdf. Acessado em 13/05/2010. BRASIL, MEC. As Novas Diretrizes Curriculares que Mudam o Ensino Médio Brasileiro, Brasília, 2002. MACHADO, Jorge R.C. A história da ciência nos livros de química: muletas ou pilares?. Belém, UFPa, 1995. MAIA, Daltamir J. et al. Um experimento para introduzir conceitos de equilíbrio químico e acidez no Ensino Médio. Química nova na escola., N 26, 2005. p.44-46. TREVISAN, Tatiana Santini e MARTINS, Pura Lúcia Oliver. A prática pedagógica do professor de química: possibilidades e limites. UNIrevista. Vol. 1, n 2 : abril, 2006. Disponível em: http://www.unirevista.unisinos.br/_pdf/unirev_trevisan_e_martins.pdf Acessado em 13/05/2010. USBERCO, João. SALVADOR, Edgard. Química. Volume único.5 ed. p.3, São Paulo:Saraiva, 2002.