Fotoclube do Paraná: apontamentos para a construção de um regime de visualidade fotográfica 1



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Transcrição:

Fotoclube do Paraná: apontamentos para a construção de um regime de visualidade fotográfica 1 Éverly PEGORARO Jornalista, professora do Departamento de Comunicação Social da Unicentro, mestre em História Social pela Universidade Federal Fluminense, doutoranda em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro/Unicentro. Unicentro/Paraná RESUMO A partir da contextualização de três momentos definidos da História da Fotografia no Brasil, este texto aponta características do fotoclubismo no país e no Paraná e situa a prática fotoclubística como mediadora de um regime de visualidade no século XX. Também apresenta alguns aspectos iniciais do Fotoclube do Paraná, associação de fotoamadores iniciada em 1938, em Curitiba, época da efervescência do fotoclubismo no País. O fotoclube, além da troca de experiências, pode ter representado um espaço de confrontação, transformação e competição entre os próprios fotoclubistas, engendrando processos de comunicação que, por sua vez, contribuíram para a constituição de narrativas históricas e de regimes de visualidade. PALAVRAS-CHAVE: Fotografia; História; Paraná; Fotoclubismo. Quem são os homens que conseguiram domar a luz e a técnica, transformandoas em fotografia no Paraná? Que nomes, opiniões e características têm os desbravadores da prática fotográfica no Estado, vinculados ao fotoclubismo? Qual a significação da fotografia para esses fotoclubistas e que regimes de visualidade instauraram? Esse texto traz algumas características iniciais do fotoclubismo no país e no Paraná, prática que se intensificou nas primeiras décadas do século XX. Geralmente, quem participava dessas associações eram membros de uma classe burguesa emergente. O fotoclube se constituía no espaço ideal para reconhecimento social, publicização de trabalhos através de concursos e exposições, quando os associados podiam mostrar a cultura adquirida em viagens pelo País e pelo exterior, e ainda suas habilidades artísticas (MAGALHÃES & PEREGRINO, 2004). Helouise Costa e Renato Rodrigues da Silva (2004) definem três momentos relevantes para a história da fotografia no Brasil. O primeiro refere-se à prática fotográfica documental do século XIX, com suas experimentações e apostas na 1 Trabalho apresentado no GT História da Mídia Audiovisual e Visual, componente do I Encontro Paraná/Santa Catarina de História da Mídia. 1

modernização, mas ao mesmo tempo criticando os rumos tomados por ela. A segunda fase tem o pictorialismo como principal método, quando os fotógrafos tentam adaptar ao meio as concepções clássicas de arte. O terceiro momento enquadra-se na experiência moderna propriamente dita a linguagem fotográfica busca compatibilizar a estrutura narrativa do código perspéctico com as intenções plásticas da modernidade. O fotoclubismo oscila entre as duas últimas fases, pois os primeiros fotoclubes ainda apostavam no fotopictorialismo, numa postura conservadora. Ao mesmo tempo, a partir do início do século XX, principalmente acompanhando as intensas mudanças que se davam no campo da cultura, o movimento modernista influenciou fotógrafos a ousarem em suas experiências estéticas. A prática fotoclubística difundiu-se principalmente entre a classe média urbana. Graças ao desenvolvimento técnico da fotografia, formou-se um potencial mercado de consumo da prática fotográfica. A fotografia deixou de ser uma atividade de poucos para se tornar mais democrática. E o fotoclubismo, por sua vez, seria uma reação à massificação da produção fotográfica predominante. De caráter elitista, o fotoclubismo visava fazer da fotografia uma atividade artística. A condição do fotógrafo clubista, em termos gerais, era a de profissional liberal que, dono de uma situação financeira privilegiada, podia se dedicar à fotografia em suas horas vagas. Para esta classe média urbana em ascensão, carente de símbolos que a identificassem socialmente, o fotoclubismo veio bem a calhar, criando-lhe uma forte identidade cultural. O pequeno burguês agora é um artista. (COSTA e DA SILVA, 2004, p. 22) Pode-se entender a fotografia como uma das opções de mediação de um regime de visualidade do século XX. Ser fotografado e compartilhar o hábito de fotografar faziam parte do conjunto de elementos da visualidade que definia o que era ser moderno em consonância com o imaginário da época. A fotografia moderna no Brasil, pela sua própria origem social, serviu como mecanismo de adequação da classe média às modificações que vinham sendo operadas na sociedade (COSTA e DA SILVA, 2004, p.13). A prática fotográfica no Paraná surgia em várias frentes. Entretanto, duas delas contavam com considerável legitimidade social: a prática fotográfica exercida na imprensa e a vinculada a grupos que partilhavam do mesmo interesse como atividade de 2

lazer, símbolo de pertencimento e status, como o Fotoclube do Paraná 2. De acordo com a ata de fundação, os senhores Ely Azambuja Germano, Carlos Zchmpefennig, Lothar Witt, Affonso Wischral, Juviniano Ribas de Almeida e Paulo Soleide reuniram-se no dia 24 de agosto de 1938 com o intuito de fundarem uma sociedade de fotoamadores. Após um sorteio entre os membros presentes, coube a Affonso Wischral o título de sócio número um do fotoclube. Já no primeiro ano de atividades, no concurso anual de fotografias da associação, mais de 200 trabalhos foram expostos, comprovando que a Curitiba de fins de 1930 tinha um potencial grupo de fotoamadores (JORNAL DO ESTADO, 26 de agosto de 1988). Percebe-se que muitos associados ao Fotoclube do Paraná ocupavam o que se pode chamar de lugar duplo na prática fotográfica: ao mesmo tempo eram fotoclubistas e fotógrafos de imprensa. Em outros fotoclubes do país, havia intensa rivalidade e até mesmo um certo preconceito entre essas duas posições (COSTA e DA SILVA, 2004). Em um levantamento inicial, cita-se Domingos Foggiatto (1887-1970), que atuou nos jornais O Dia, Gazeta do Povo e Diário da Tarde. Ele trabalhou na parte gráfica dos impressos e vendia suas fotografias para os periódicos. Uma terceira faceta pode ser percebida nesse curioso fotógrafo, além de fotoclubista e fotógrafo de imprensa. Em 1940, a convite do interventor Manoel Ribas, Foggiatto é nomeado fotógrafo oficial do Estado no antigo DEIP (Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda), cargo em que seria nomeado oficialmente onze anos depois. Consta que ele foi um dos membros fundadores do Fotoclube do Paraná. Na Curitiba da década de 1940, com ares de sociedade culta e européia, o Fotoclube do Paraná agremiou diferentes fotógrafos amadores que compartilhavam o mesmo interesse e detinham os mesmos conhecimentos técnicos sobre a prática fotográfica, ainda uma novidade para a grande maioria dos paranaenses. Alguns tinham outras profissões para o sustento, como medicina ou advocacia, e viam a fotografia como hobby. Mas também havia aqueles que ganhavam a vida com a prática fotográfica, seja como fotógrafos ou como proprietários de laboratório fotográfico. Um dos nomes mais conhecidos do fotoclubismo paranaense é Helmuth Wagner 2 Primeiramente, a associação chamava-se Sociedade Paranaense de Foto Amadores, passando em 1942 a Foto Clube do Paraná. Em 1950, se transformou em Foto Cine Clube do Paraná e, em 1959, retornou ao nome de Foto Clube do Paraná. Durante a gestão de Ney Braga na Prefeitura de Curitiba, em 1958, foi considerado de Utilidade Pública pela Lei nº 1556, de 23 de abril. O reconhecimento do Estado veio em 1971, através da Lei Estadual nº 6203, de 14 de julho. Neste texto, trataremos em todos os períodos como Fotoclube do Paraná. 3

(1924-1988). Além de ser um dos sócios mais premiados do Fotoclube do Paraná, também foi o que mais tempo permaneceu a sua presidência: 14 anos. Durante quatro décadas, fotografou a natureza, a cultura e o povo do Paraná. Editou obras fotográficas, como Serra do Mar, em 1981 e Sete Quedas, em 1987. Sua história gerou o documentário Helmuth Wagner Alma da imagem, lançado em 2009. Até o fim da década de 1990, quando ainda tinha atividades regulares, o Fotoclube do Paraná contabilizava mais de mil pessoas que, em algum momento desde 1938, foram associadas. Nesse mesmo período, a associação participou de 12 salões internacionais de fotografia, 22 salões nacionais, duas bienais nacionais e dezenas de outras mostras menores (GAZETA DO POVO, 24 de agosto de 1998). Marcas de uma época Durante todo o século XX, principalmente até meados de 1960, o Paraná procurou legitimar-se como moderno e progressista. O Estado vivia um tempo de significativo crescimento econômico e cultural. O governo paranaense incentivava a colonização, através do oferecimento de facilidades de trabalho e aquisição de terras a imigrantes italianos, poloneses, ucranianos e alemães. Enfim, àqueles povos que tinham, efetivamente, vontade de trabalhar e povoar uma terra próspera como o Paraná, clamava o discurso oficial. O período é marcado pelas tentativas de ultrapassar o conceito de um Paraná provinciano, ou seja, a expectativa de superar o atraso (brasileiro e paranaense) através de um projeto de integração e legitimação modernizadoras. Um dos movimentos mais conhecidos no Paraná, que pregava ideais civilizatórios e modernistas, foi o Paranismo. Promovido pela elite intelectual, os paranistas buscavam a idealização de uma identidade regional paranaense que demonstrasse como o Paraná estava em pleno progresso. No campo político, o governador Moysés Lupion (mandatos em 1946-1950 e 1955-1959), por exemplo, pregava que queria libertar o Paraná de seu isolamento provinciano, colocando-o entre os primeiros da Federação (IPARDES, 1989). O governador Bento Munhoz da Rocha (mandato incompleto entre 1951-1955) também foi um defensor da legitimação do Paraná moderno. Em sua gestão, promoveu obras como o Centro Cívico, a Biblioteca Pública do Paraná e o Teatro Guaíra. É dele, 4

também, a intenção de projetar Curitiba como centro de orgulho paranaense (IPARDES, 1989). A mesma época destaca-se com o ideal da cidade como espaço de convívio e trocas de experiências. Esse contexto de desenvolvimento refletiu-se, também, na prática fotoclubística, que se tornou um fenômeno de grande disseminação social Brasil afora. Também é a partir da década de 1940 que se dá uma transformação da linguagem fotográfica. Em um ambiente ainda conservador, a originalidade dos fotógrafos desse período estava na busca de uma visão pessoal, desenvolvida intuitivamente, sem um projeto explícito de modernidade. A fotografia representa uma prática eficaz para a legitimação de discursos, através da educação do olhar. Além disso, ela compõe historicamente a textualidade de uma determinada época, pois engendra uma capacidade narrativa que se processa nessa temporalidade. Dessa forma, é possível estabelecer um diálogo de sentidos com outras referências culturais de caráter verbal e não-verbal. As imagens nos contam histórias, atualizam memórias, imaginam a história. Esse [é] o campo que define a ordem do visível (e do invisível) (MAUAD, 2008, p. 20). A fotografia se insere historicamente em circuitos sociais dos quais também interagem os fotógrafos. Como explica Peter Burke (2004), representações da sociedade nos dizem sobre a relação entre o realizador da representação e a pessoa representada. Esta pode ser vista com maior ou menor distância, em diferentes enfoques. Assim, o que se vê é uma visão de sociedade, num sentido ideológico, mas também visual. Fotógrafos e personagens dessas representações sabem que fazem parte da representação e, simultaneamente, as vêem na condição de espectadores. A pesquisa está em seu início e pretende desenvolver a ideia de que os fotoclubistas são agentes sociais que, através desse espaço de interação e troca de experiências, discutiam a prática fotográfica, delineando sua significação no regime de visualidade no século XX. Vale a pena lembrar os conceitos de Pierre Bourdieu (1982), que explica que o indivíduo se insere e se relaciona em múltiplos campos sociais. Neles, os agentes sociais se comunicam, efetuam trocas simbólicas, se posicionam e estruturam posições sociais. Essas ações são resultado, também, de um habitus, que para Bourdieu é o sistema de disposições socialmente constituídas, internalizadas pelo indivíduo ao longo de suas experiências. Dessa forma, entende-se que os fotoclubistas, com seus conceitos, suas opiniões e seu aparato tecnológico, constituíram grupos de atores que 5

instauraram regimes de visualidade. O plural, nesse sentido, não é desproposital. Mesmo que tenham pertencido ao mesmo fotoclube, os associados podem não ter apresentado uma voz única, mas propiciado leituras dissonantes, contrastantes. O Fotoclube do Paraná, além da troca de experiências, pode ter representado um espaço de confrontação, transformação e competição entre os próprios fotoclubistas. Essas ações são entendidas como embates que acontecem no mundo social, como resultado da busca dos agentes sociais por posições nos campos sociais em que se posicionam. É a partir disso que se dá a relação entre o sujeito e a sociedade e, num sentido mais amplo, engendra processos de comunicação que, por sua vez e no caso específico do Fotoclube do Paraná, contribuem para a constituição de narrativas históricas e de regimes de visualidade. REFERÊNCIAS BOURDIEU, Pierre. Campo do poder, campo intelectual e habitus de classe. In:. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1982. BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. São Paulo: Edusc, 2004. COSTA, Helouise. DA SILVA, Renato Rodrigues. A Fotografia Moderna no Brasil. São Paulo: CosacNaify, 2004. GAZETA DO POVO, 24 de agosto de 1998. Foto Clube do Paraná comemora seus 60 anos de sua fundação. IPARDES, Fundação Edson Vieira. O Paraná reinventado: política e governo. Curitiba: Ipardes/SEPL/Fuem. 1989. JORNAL DO ESTADO, 26 de agosto de 1988. 50 anos. Foto Clube do Paraná. 1938 1988. MAGALHÃES, Angela & PEREGRINO, Nadja Fonseca. A fotografia no Brasil: um olhar das origens ao contemporâneo, Rio de Janeiro: Funarte, 2004. MAUAD, Ana Maria. Poses e flagrantes: ensaios sobre história e fotografias. Niterói: Editora da UFF, 2008. 6