COMPORTAMENTOS DE SAÚDE E ESTILOS DE VIDA EM CONTEXTO MIGRATÓRIO: UM ESTUDO COM MULHERES E HOMENS BRASILEIROS IMIGRANTES EM PORTUGAL

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Transcrição:

COMPORTAMENTOS DE SAÚDE E ESTILOS DE VIDA EM CONTEXTO MIGRATÓRIO: UM ESTUDO COM MULHERES E HOMENS BRASILEIROS IMIGRANTES EM PORTUGAL Lyria Maria dos Reis 1 Natália Ramos 2 Os processos migratórios sempre fizeram parte dos caminhos percorridos pela humanidade. Por diversos motivos, homens e mulheres partem em busca de novos mundos, novas realidades e mudam de um espaço para outro, dentro do seu próprio país e entre os países no mundo. Atualmente, mais de 210 milhões de pessoas vivem fora dos seus países de origem, sendo imigrantes legais, ilegais e refugiados. Historicamente, Portugal foi um país predominantemente de emigrantes até a década de 60 do século passado. A partir dos anos 70 esta tendência alterou-se, com o retorno de grande quantidade de cidadãos provenientes das antigas colónias africanas. No início dos anos 80, houve um aumento do número de estrangeiros residentes no país, principalmente cidadãos de origem caboverdiana, entre outras. Em meados dos anos 80, aumentou também o fluxo de cidadãos brasileiros. Os anos 90 caracterizaram-se pelo crescimento e consolidação da população imigrante residente em Portugal, nomeadamente os indivíduos procedentes dos países africanos de expressão portuguesa e intensificou-se o número de brasileiros a procurar Portugal como destino migratório. No início do século XXI chegaram também os imigrantes do leste europeu (SEF, 2006). Embora se considere recente a imigração brasileira em Portugal, sempre houve trânsito de indivíduos entre Portugal e Brasil (Machado, 2007). Brasileiros e portugueses sempre atravessaram o oceano Atlântico pelos mais diversos motivos. Em alguns momentos foram mais portugueses para o Brasil, em outros momentos e como tem ocorrido nas últimas três décadas, o movimento mais intenso tem se verificado no sentido Brasil - Portugal. Os brasileiros são hoje a maior comunidade imigrante residente em Portugal com o número de 106.961 indivíduos com situação regularizada junto ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras-SEF, representando 24% da população estrangeira residente no país, sendo 53,8% do sexo feminino (57.494) e 46,2% do sexo masculino (49.467) (SEF, 2008). É uma população muito diversificada em função do estatuto social de cada imigrante. Num primeiro momento, a imigração brasileira 1 Doutoranda em Psicologia CEMRI, Universidade Aberta. lyriareis@gmail.com 2 Doutora em Psicologia, prof. Associada Universidade Aberta. CEMRI, Universidade Aberta. natalia@univ-ab.pt 1

recente foi caracterizada como sendo mais qualificada e posicionada em lugares mais altos nas hierarquias do mercado de trabalho. Ao longo do tempo e com o aumento do fluxo, essas características modificaram-se e houve um aumento do contingente de brasileiros com menores qualificações e ocupando cargos do setor primário no mercado de trabalho (Machado, 2007; Peixoto & Figueiredo in Malheiros, 2007). Por esse motivo, a imigração brasileira em Portugal tem sido considerada como duas vagas migratórias (CBL, 2004; Peixoto e Figueiredo in Malheiros, 2007). Há uma grande variedade de trabalhos desempenhados pelos brasileiros atualmente residentes em Portugal, desde trabalhos indiferenciados e mal remunerados até funções bastante diferenciadas e muito bem remuneradas, o que reflete a diversidade e desigualdade que ocorre também no Brasil. Muitos brasileiros dedicam-se a atividades da restauração, da construção civil, do comércio e serviços. Há também profissionais da área da saúde, principalmente cirurgiões dentistas que chegaram em grande quantidade a Portugal, nos anos 80 e 90 do século passado e também em diversas outras áreas, porém menos representativas. Os imigrantes brasileiros estão dispersos por todo o país mas a sua maior concentração é na região metropolitana de Lisboa. Os processos migratórios provocam alterações nos contextos de inserção dos indivíduos migrantes. No caso das migrações internacionais, as dificuldades encontradas pelas pessoas dependem tanto do meio que deixam para trás (país de origem) como também do novo lugar em que vão se instalar (país de acolhimento). Por esse motivo, os processos migratórios devem ser sempre observados de forma específica, de qual contexto sai o indivíduo e em qual contexto irá se inserir. Não só devem ser observados os lugares, os espaços territoriais, mas também as condições biopsicossociais em que se encontram as pessoas e para qual contexto se movem. Antes da viagem existe o processo de preparação, as expectativas, os sonhos. Depois, a viagem em si, a chegada e o início do processo de adaptação e integração ao novo ambiente. Quando um indivíduo migra, está sujeito a um processo de adaptação a uma nova cultura, a outra língua e a regras culturais diferentes da conhecida. Esse processo de adaptação, denominado de aculturação, foi definido pela primeira vez em 1936 por Redfield, Linton e Herskovitz, como o conjunto de transformações culturais resultantes dos contactos contínuos e directos entre dois grupos culturais independentes 3. 3 RAMOS, Natália. Maternage en milieu portugais autochtone el immigré: De la tradition à la modernité. Une étude ethnopsychologique. 1993. 736 p. Tese de doutorado em Psicologia. Paris V. Universidade René Descartes. Sorbonne. Paris. 2

A aculturação pode se processar de diversas formas, de indivíduo para indivíduo, e normalmente é lenta. É lentamente que o indivíduo migrante vai reaprendendo costumes e regras sociais e de funcionamento da vida cotidiana no novo espaço. Diversos autores relatam que os processos migratórios e principalmente as migrações internacionais podem afetar a saúde dos indivíduos de diversas formas (Ramos, 1993, 2004; Dias, 2007). O processo migratório é um fenómeno que causa rupturas espaciais e temporais nas pessoas, faz com que as mesmas experimentem transformações diversas, tais como modificações ao nível psicológico, físico, biológico, social, cultural, familiar, político, o que implica a necessidade de adaptação psicológica e social dos indivíduos e das famílias no contexto da nova realidade vivenciada (Ramos, 2004, 2008). Em alguns casos, estas mudanças podem ter consequências positivas quando ocorre melhoria nas condições socioeconómicas, educacionais e sanitárias mas também poderão gerar um impacto negativo quando ocorrem dificuldades de adaptação, integração, problemas psicológicos e estresse de aculturação (Ramos, 1993). Não são muitos os estudos realizados sobre o tema saúde e imigração, embora alguns estudos disponíveis apontem para uma maior vulnerabilidade a doenças ou a outros problemas de saúde nas populações imigrantes (Carballo et al in Dias & Gonçalves, 2007). Relativamente às doenças não transmissíveis como doenças cardiovasculares, diabetes, câncer, entre outras, estudos comparativos demonstraram uma maior taxa de prevalência entre populações migrantes que na população autóctone (Hyman, 2007 in Dias & Gonçalves, 2007). Outros autores também relatam a possibilidade de um impacto negativo que as migrações podem causar na saúde mental dos indivíduos migrantes, como resultado do estresse presente ao longo do processo migratório e, sobretudo no período de aculturação. A definição mais utilizada para o conceito saúde tem sido a preconizada pela Organização Mundial da Saúde como o completo bem-estar físico, mental e social e não somente a ausência de doenças ou enfermidades. Além dos aspectos físicos, a saúde deve ser observada também em relação aos fatores psicológicos, comportamentais e ligados aos estilos de vida. Os aspectos culturais e as condições sociais em que as pessoas vivem e trabalham também podem apresentar um impacto direto na saúde tanto individual como coletiva. Alguns factores tais como a pobreza e a exclusão estão ligados e interferem diretamente com as condições de saúde das pessoas e das comunidades, afetando profundamente o potencial de desenvolvimento físico e psicológico dos indivíduos. As populações imigrantes que apresentam dificuldade de adaptação e integração nos 3

mais diversos aspectos (cultural, social, laboral, educacional) podem ter a sua saúde física e/ou mental comprometida. Um dos pontos que merecem ser investigadores na saúde dos imigrantes são os hábitos, os comportamentos relacionados à saúde e os estilos de vida. Embora alguns estudos já tivessem sido realizados anteriormente, um dos principais estudos que comprovaram a relação comportamento e saúde é proveniente do estudo Alameda County, realizado por Berkman e Syme (Bennet, 2002). Este foi um estudo longitudinal efetuado durante mais de 20 anos, que acompanhou e avaliou a saúde de mais de 7000 indivíduos autóctones saudáveis e identificou fatores associados à saúde/doença durante este período. O estudo esclareceu a associação entre fatores relacionados ao estilo de vida e a saúde/doença e entre eles estão não fumar, ter peso ideal, consumir álcool moderadamente e prática regular de exercício físico. O processo saúde-doença, para além do contexto biológico e individual é determinado por e manifesta-se de forma decisiva no contexto socioeconómico e cultural em que nascem, crescem e vivem as pessoas. Dessa forma, é importante também conhecer o contexto em que vivem os migrantes, visto que nasceram em um contexto onde conheciam a cultura, a ordem natural dos acontecimentos e o modo de resolução dos seus problemas nos diversos níveis e, num dado momento de suas vidas, passaram a viver em outro contexto cultural, diferenciado do seu, com outras normas estabelecidas culturalmente que terão de reaprender e que, de alguma forma, poderão influenciar na sua saúde. Em 1991, Dahlgren e Whitehead (CNDSS, 2008) propuseram o modelo dos determinantes sociais da saúde que, além dos aspectos biológicos (idade, sexo, fatores hereditários), incluem também os estilos de vida, as redes sociais e comunitárias, as condições de vida e de trabalho e as condições socioeconómicas, culturais e ambientais gerais. Os comportamentos relacionados à saúde e os estilos de vida são importantes fatores que devem ser analisados quando se estuda a saúde não só de indivíduos autóctones como também nos indivíduos migrantes. Esses fatores (tabagismo, consumo de álcool, prática de atividade física) são fortemente influenciados por fatores económicos, sociais e culturais e são os principais determinantes de risco para morte por câncer. Tanto o câncer como outras doenças crônicas, não transmissíveis, são resultado da exposição aos fatores de risco ao longo da vida, sendo necessárias ações de prevenção. O tabagismo é reconhecido como uma doença crônica gerada pela dependência da nicotina e uma das principais causas de mortes prematuras e incapacidades, não somente nos países 4

desenvolvidos como também nos países em desenvolvimento. Estudos comprovam que o tabaco aumenta o risco de morte por doença coronariana, hipertensão arterial, acidente vascular cerebral, bronquites, enfisemas e câncer (INCA). O consumo de bebidas alcoólicas é um hábito existente em grande parte dos países do mundo. Quando consumido em excesso, o álcool pode provocar consequências sociais como violência, suicídio, acidentes de trânsito, além de causar dependência química em algumas pessoas e também problemas de saúde como cirrose, pancreatite, hipertensão arterial, infarto e certos tipos de cânceres. O consumo de álcool também está associado às condições socioeconómicas e de educação em que vivem as pessoas. Mas também existem alguns estudos que comprovam que o consumo moderado de álcool pode diminuir o risco de morte por doenças coronarianas (INCA). Segundo a Organização Mundial de Saúde, a prática regular de atividade física reduz o risco de mortes prematuras, doenças do coração, acidente vascular cerebral, câncer de cólon e mama e diabetes tipo II. Atua também na prevenção e redução da hipertensão arterial, previne o ganho de peso, auxilia na prevenção da osteoporose, promove o bem-estar, reduz o estresse, a ansiedade e a depressão. A prática de atividade física entre jovens também desestimula o uso do tabaco, do álcool, das drogas e promove a integração social (INCA). Um fator também importante para a saúde são as práticas preventivas e detecção precoce de problemas de saúde que podem ser alcançadas com a procura regular por profissionais/serviços de saúde. Ações de prevenção primária e detecção precoce de doenças são capazes de reduzir a morbidade e mortalidade por doenças não transmissíveis tais como as doenças cardiovasculares e o câncer. Este texto tem como objetivo apresentar alguns resultados preliminares sobre migrações e saúde, especificamente sobre comportamentos relacionados à saúde e estilos de vida de mulheres e homens brasileiros imigrantes residentes na região de Lisboa e é parte de um projeto de doutorado que procura investigar os fatores determinantes da saúde em contexto migratório. Utiliza alguns aspectos do modelo de determinação da saúde de Dahlgren e Whitehead e introduz o fator migração para análise das alterações de comportamentos relacionados à saúde dos indivíduos migrantes. As variáveis analisadas nesta comunicação são principalmente o tabagismo, o consumo de álcool, a prática de atividades físicas e a procura por serviços de saúde ao nível da prevenção. A pesquisa é quali-quantitativa, exploratória, descritiva e transversal, com uma amostra não probabilística constituída através da técnica de bola de neve, tendo sido realizadas entrevistas com imigrantes brasileiros, maiores de 18 anos, de ambos os sexos, residentes em Portugal há mais de 1 5

ano. A amostra em análise nesta comunicação é de 57 mulheres e 32 homens, entrevistados na região da grande Lisboa. Os resultados preliminares indicam algumas alterações ao nível dos comportamentos relacionados à saúde entre homens e mulheres brasileiros. Quanto ao tabagismo, foi encontrada uma percentagem de 73% de não fumantes e 27% de fumantes enquanto residentes no Brasil. Após o processo migratório, 77,5% passaram a não fumantes e 22,5% dos indivíduos continuaram o hábito tabágico. A redução mais significativa foi encontrada entre os homens brasileiros. Cerca de 44% dos homens eram fumantes no Brasil. A percentagem passou para 34,4% dos homens em Portugal. Na amostra estudada, a percentagem de mulheres brasileiras fumantes em Portugal é de 15,8%. Quanto à frequência de consumo de bebidas alcoólicas, 23,6% do total de entrevistados relatavam não consumir bebidas alcoólicas enquanto viviam no Brasil. Em Portugal, essa porcentagem passou para 19,1%. Quando analisadas as respostas dos entrevistados, cerca de 54% mantiveram o mesmo nível de consumo de bebidas alcoólicas não tendo sido verificados consumos excessivos. Foi verificado um aumento de 13,5% para 24,7% dos indivíduos que não ingeriam bebidas alcoólicas e passaram a consumir raramente (menos de 1 a 2 por mês) e uma diminuição de 40,4% para 34,8% dos que relatavam a frequência de consumo de 1 vez por semana/finais de semana. Portugal é tradicionalmente um país produtor e consumidor de vinho. Também houve uma alteração no tipo de bebidas consumidas entre os brasileiros, verificando-se a introdução do vinho, enquanto no Brasil a bebida mais consumida era a cerveja. Uma das variáveis onde pudemos observar alterações significativas foi na prática de atividade física entre os indivíduos migrantes. Cerca de 62% dos brasileiros entrevistados praticavam algum tipo de atividade física enquanto viviam no Brasil e apenas 38,2% em Portugal. Os homens foram os que mais abandonaram a prática de atividade física, passando de 75% para apenas 37,5%. As atividades físicas mais praticadas anteriormente eram o futebol e os exercícios físicos realizados em ginásios/academias. Entre as mulheres, 54,4% praticavam atividades físicas regulares no Brasil. A porcentagem diminuiu para 38,6% em Portugal. As alterações mais significativas estão relacionadas com a procura por serviços de saúde preventivos. Na amostra estudada, 62,9% relatavam realizar exames médicos preventivos anualmente e porcentagem baixou para 36% no total da amostra. Na análise por sexo, a porcentagem passou de 66,7% para 42,1% para as mulheres e de 56,3% para 25% para os homens, havendo uma diminuição da procura por serviços preventivos tanto em homens como nas mulheres. Quarenta e dois por cento das mulheres relatam fazer exames médicos preventivos regularmente (1 6

vez por ano) enquanto apenas 25% dos homens o fazem. É conhecido que as mulheres procuram mais os serviços de saúde mas diversos podem ser os factores para que tenha ocorrido essa diminuição. Em alguns casos nos imigrantes, existe a dificuldade de conseguir o cartão de Utente, que é o cartão do usuário do Serviço Nacional de Saúde Português, o que dificulta o acesso aos serviços. Em outros casos, o pouco conhecimento que os imigrantes tem sobre o funcionamento dos serviços faz com que procure os atendimentos de saúde somente em situação de crise ou urgência. Os estilos de vida estão entre os diversos fatores determinantes da saúde. É muito importante que existam políticas de educação e prevenção das doenças crônicas, não transmissíveis tanto nas populações autóctones como para as populações imigrantes. Também devem ser consideradas a participação e a contribuição dos diversos atores sociais na promoção da saúde e da qualidade de vida de todos os indivíduos envolvidos. De acordo com a Carta de Ottawa da Primeira Conferência Internacional sobre promoção da saúde, ocorrida em 1986, a paz, a habitação, a educação, a alimentação, a renda, o ecossistema estável, os recursos sustentáveis, a justiça social são prérequisitos fundamentais para a saúde e estabelecer políticas públicas saudáveis, criar ambientes favoráveis, fortalecer ações comunitárias, facilitar o desenvolvimento pessoal e reorientar os serviços de saúde são condições muito importantes para a promoção da saúde de todos, não só de indivíduos autóctones como também para os imigrantes, que também devem reconstruir as suas redes sociais e de apoio, favorecendo assim a melhor integração e coesão social nos países de acolhimento. Bibliografia BENNETT, Paul. Introdução clínica à psicologia da saúde. Lisboa: Climepsi Editores. 2002. CARTA DE OTTAWA. Disponível em: <http://www.opas.org.br/promocao/uploadarq/ottawa.pdf> Acesso em: 21 de Junho de 2010. COMISSÃO NACIONAL SOBRE DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE (CBDSS). As Causas Sociais das Iniquidades em Saúde no Brasil. Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz. 2008. DIAS, Sónia & GONÇALVES, Aldina. Migração e Saúde. In: Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural ACIDI. Imigração e Saúde - Revista Migrações. nº1. Lisboa: ACIDI, 2007. INSTITUTO NACIONAL DO CÂNCER - INCA. Inquérito Domiciliar Comportamentos de Risco e Morbidade Referida de Doenças e Agravos não transmissíveis. Disponível em: <http://www.inca.gov.br/inquerito/>. Acesso em: 18 de Junho de 2010. 7

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