1 Professora de Educação Física, SEMEC 2 Professora Departamento de Educação Física, UFPI



Documentos relacionados
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: ALUNO COM DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA NO ENSINO REGULAR

Gênero: Temas Transversais e o Ensino de História

difusão de idéias EDUCAÇÃO INFANTIL SEGMENTO QUE DEVE SER VALORIZADO

DIFICULDADES DE LEITURA E ESCRITA: REFLEXÕES A PARTIR DA EXPERIÊNCIA DO PIBID

Organização Curricular e o ensino do currículo: um processo consensuado

Educação Física: Mais do que um espaço de desenvolvimento físico, um espaço de possibilidade dialógica.

O ORIENTADOR FRENTE À INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIENCIA NA ESCOLA REGULAR DE ENSINO

LURDINALVA PEDROSA MONTEIRO E DRª. KÁTIA APARECIDA DA SILVA AQUINO. Propor uma abordagem transversal para o ensino de Ciências requer um

OS CONHECIMENTOS DE ACADÊMICOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA E SUA IMPLICAÇÃO PARA A PRÁTICA DOCENTE

ASPECTOS HISTÓRICOS: QUANTO A FORMAÇÃOO, FUNÇÃO E DIFULCULDADES DO ADMINISTRADOR.

EDUCAÇÃO FÍSICA PARA PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS (PNEE): construindo a autonomia na escola

SAÚDE E EDUCAÇÃO INFANTIL Uma análise sobre as práticas pedagógicas nas escolas.

Projeto. Supervisão. Escolar. Adriana Bührer Taques Strassacapa Margarete Zornita

PROJETO CONVIVÊNCIA E VALORES

CUIDAR, EDUCAR E BRINCAR: REFLETINDO SOBRE A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

EDUCAÇÃO E CIDADANIA: OFICINAS DE DIREITOS HUMANOS COM CRIANÇAS E ADOLESCENTES NA ESCOLA

HANDFULT: RELATO DE EXPERIÊNCIA DO PIBID EDUCAÇÃO FÍSICA NA ESCOLA ESTADUAL PROFº JOSINO MACEDO

AÇÃO PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA NA ESCOLA, NOS PROJETOS ESPORTIVOS E NOS JOGOS ESCOLARES

CASTILHO, Grazielle (Acadêmica); Curso de graduação da Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Goiás (FEF/UFG).

AVALIAÇÃO DO PROJETO PEDAGÓGICO-CURRICULAR, ORGANIZAÇÃO ESCOLAR E DOS PLANOS DE ENSINO 1

A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO FISICA NAS SÉRIES INICIAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA LEILA REGINA VALOIS MOREIRA

Faculdade de Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em Educação RESUMO EXPANDIDO DO PROJETO DE PESQUISA

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

Rompendo os muros escolares: ética, cidadania e comunidade 1

SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO GERÊNCIA DO ENSINO FUNDAMENTAL COORDENAÇÃO DA EDUCAÇÃO INTEGRAL

ANÁLISE DOS ASPECTOS TEÓRICO METODOLÓGICOS DO CURSO DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE CONSELHEIROS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO

REFLEXÕES PEDAGÓGICAS SOBRE A DANÇA NO ENSINO MÉDIO

MATRIZES CURRICULARES MUNICIPAIS PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA - MATEMÁTICA: UMA CONSTRUÇÃO COLETIVA EM MOGI DAS CRUZES

Currículo e tecnologias digitais da informação e comunicação: um diálogo necessário para a escola atual

A EDUCAÇÃO FÍSICA NAS ESCOLAS MUNICIPAIS DE PONTA GROSSA/PR: ANÁLISE DO ENCAMINHAMENTO METODOLÓGICO DAS AULAS

DOENÇAS VIRAIS: UM DIÁLOGO SOBRE A AIDS NO PROEJA

WALDILÉIA DO SOCORRO CARDOSO PEREIRA

ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA FORMAÇÃO INICIAL DOS GRADUANDOS DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA

salto em distância. Os resultados tiveram diferenças bem significativas.

V Seminário de Metodologia de Ensino de Educação Física da FEUSP Relato de Experiência INSERINDO A EDUCAÇÃO INFANTIL NO CONTEXTO COPA DO MUNDO.

PRÁTICA PROFISSIONAL INTEGRADA: Uma estratégia de integração curricular

Educação Integral, Escola de Tempo Integral e Aluno em Tempo Integral na Escola.

PLURALIDADE CULTURAL E INCLUSÃO NA ESCOLA Uma pesquisa no IFC - Camboriú

A GESTÃO ESCOLAR E O PROCESSO DE DEMOCRATIZAÇÃO DA ESCOLA PÚBLICA

ANÁLISE DOS TEXTOS PRODUZIDOS POR UMA TURMA DO 3ºANO DO ENSINO MÉDIO À LUZ DOS CRITÉRIOS DO ENEM

A MEMÓRIA DISCURSIVA DE IMIGRANTE NO ESPAÇO ESCOLAR DE FRONTEIRA

Pesquisa. Há 40 anos atrás nos encontrávamos discutindo mecanismos e. A mulher no setor privado de ensino em Caxias do Sul.

Elvira Cristina de Azevedo Souza Lima' A Utilização do Jogo na Pré-Escola

A INCLUSÃO DE ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS NUMA ESCOLA PÚBLICA DO MUNICÍPIO DE GUARAPUAVA: DA TEORIA À PRÁTICA

Orientações para informação das turmas do Programa Mais Educação/Ensino Médio Inovador

CURSO PRÉ-VESTIBULAR UNE-TODOS: CONTRIBUINDO PARA A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA NA UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MATO GROSSO *

SÍNDROME DE DOWN E A INCLUSÃO SOCIAL NA ESCOLA

PREFEITURA MUNICIPAL DE LORENA

Diretrizes para Implementação dos Serviços de Responsabilização e Educação dos Agressores

BRINCAR E APRENDER: A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Educação especial: um novo olhar para a pessoa com deficiência

ESCOLA, LEITURA E A INTERPRETAÇÃO TEXTUAL- PIBID: LETRAS - PORTUGUÊS

1.3. Planejamento: concepções

RELATO DE EXPERIÊNCIA: PROJETO DE EXTENSÃO PRÁTICA DE ENSINO E FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES

Gênero no processo. construindo cidadania

INCLUSÃO ESCOLAR: UTOPIA OU REALIDADE? UMA CONTRIBUIÇÃO PARA A APRENDIZAGEM

ESTUDANDO CONCEITOS DE GEOMETRIA PLANA ATRAVÉS DO SOFTWARE GEOGEBRA

REGULAMENTO CURSO DESCENTRALIZADO

ITINERÁRIOS DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: O ESTÁGIO SUPERVISIONADO E A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA

Palavras-chave: Educação Física. Ensino Fundamental. Prática Pedagógica.

OS CANAIS DE PARTICIPAÇÃO NA GESTÃO DEMOCRÁTICA DO ENSINO PÚBLICO PÓS LDB 9394/96: COLEGIADO ESCOLAR E PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA

A Educação Bilíngüe. » Objetivo do modelo bilíngüe, segundo Skliar:

INTERPRETANDO A GEOMETRIA DE RODAS DE UM CARRO: UMA EXPERIÊNCIA COM MODELAGEM MATEMÁTICA

BRINCANDO COM GRÁFICOS E MEDINDO A SORTE

REFORÇO AO ENSINO DE FÍSICA PARA CURSOS TÉCNICOS INTEGRADOS DO INSTITUTO FEDERAL FARROUPILHA

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E EDUCAÇÃO ESPECIAL: uma experiência de inclusão

Re s p o n s a b i l i z a ç ã o e

INTRODUÇÃO. Sobre o Sou da Paz: Sobre os Festivais Esportivos:

Área de conhecimento: Economia Doméstica Eixo Temático: Administração, Habitação e Relações Humanas;

A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

QUESTIONÁRIO DO PROFESSOR. 01. Você já acessou a página O que achou? Tem sugestões a apresentar?

ISSN ÁREA TEMÁTICA: (marque uma das opções)

A PESQUISA NO ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS: RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA DOCENTE DE ENSINO

FORMAÇÃO PEDAGÓGICA DE DOCENTES NO ENSINO SUPERIOR

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS NOS ANOS INICIAIS: UMA PERSPECTIVA INTERGERACIONAL

REGULAMENTO GERAL OLIMPÍADA ESCOLAR DE NOVO HAMBURGO 2012

II Jogos Estudantis do Colégio Vital Brazil

PROBLEMATIZANDO ATIVIDADES EXPERIMENTAIS NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES/AS

PEDAGOGIA HOSPITALAR: as politícas públicas que norteiam à implementação das classes hospitalares.

Rousseau e educação: fundamentos educacionais infantil.

A RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS NO ENSINO DAS PROPRIEDADES DE POTÊNCIAS

FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM LOGO: APRENDIZAGEM DE PROGRAMAÇÃO E GEOMETRIA * 1. COSTA, Igor de Oliveira 1, TEIXEIRA JÚNIOR, Waine 2

Profª. Maria Ivone Grilo

CURSO: LICENCIATURA DA MATEMÁTICA DISCIPLINA: PRÁTICA DE ENSINO 4

REGULAMENTO GERAL DO JICOF JOGOS INTERNOS DO COLÉGIO FRACTAL

ESTÁGIO DOCENTE DICIONÁRIO

A PROPOSTA DE ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA DOS PCN E SUA TRANSPOSIÇÃO ENTRE OS PROFESSORES DE INGLÊS DE ARAPIRACA

A IMPORTÂNCIA DAS DISCIPLINAS DE MATEMÁTICA E FÍSICA NO ENEM: PERCEPÇÃO DOS ALUNOS DO CURSO PRÉ- UNIVERSITÁRIO DA UFPB LITORAL NORTE

CALENDÁRIO 2014 MATERIAIS COMPLEMENTARES DIA 1 DE AGOSTO DIA DO ESTUDANTE

A EXPLORAÇÃO DE SITUAÇÕES -PROBLEMA NA INTRODUÇÃO DO ESTUDO DE FRAÇÕES. GT 01 - Educação Matemática nos Anos Iniciais e Ensino Fundamental

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO RIO GRANDE DO SUL CURSO: PEDAGOGIA PROJETO DE INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA

O ENSINO DA DANÇA E DO RITMO NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA: UM RELATO DE EXPERIENCIA NA REDE ESTADUAL

O USO DE SOFTWARES EDUCATIVOS: E as suas contribuições no processo de ensino e aprendizagem de uma aluna com Síndrome de Down

Relato de experiência sobre uma formação continuada para nutricionistas da Rede Estadual de Ensino de Pernambuco

TRABALHANDO A CULTURA ALAGOANA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA EXPERIÊNCIA DO PIBID DE PEDAGOGIA

ISSN ÁREA TEMÁTICA: (marque uma das opções)

Justificativa: Cláudia Queiroz Miranda (SEEDF 1 ) webclaudia33@gmail.com Raimunda de Oliveira (SEEDF) deoliveirarai@hotmail.com

INTERVENÇÕES ESPECÍFICAS DE MATEMÁTICA PARA ALUNOS DO PROEJA: DESCOBRINDO E SE REDESCOBRINDO NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA

Transcrição:

MENINOS, MENINAS OU TODO MUNDO JUNTO? A QUESTÃO DO GÊNERO NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA NAS ESCOLAS DA REGIÃO SUDESTE DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE TERESINA Maria do Socorro Nogueira 1 Ana Maria da Silva Rodrigues 2 1 Professora de Educação Física, SEMEC 2 Professora Departamento de Educação Física, UFPI socorrnogueira@hotmail.com RESUMO O presente estudo teve como objetivo analisar as relações de gênero que permeiam as aulas de educação física nas escolas. A amostra foi composta de 18 (dezoito) professores, de 07 (sete) escolas da região sudeste da Rede Pública Municipal de Teresina (PI). Através da observação de uma aula de cada um dos professores pretendeu-se verificar nas práticas cotidianas aspectos relativos ao gênero em brincadeiras, jogos, torneios e competições. Os resultados evidenciam que na disciplina Educação Física, os professores continuam em suas aulas reproduzindo relações sociais discriminatórias e estereotipadas, pois a maioria separa as turmas levando em consideração o gênero dos alunos. Analisou-se ainda as orientações pedagógicas da Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SEMEC), que tratam deste tema e se percebeu orientações contraditórias quanto ao objetivo das aulas (aptidão física e cultura corporal) e com isso, se reafirma as discriminações sexistas. Conclui-se pela necessidade de redefinição de conceitos e objetivos e de debates sobre como a educação física na escola pode favorecer a interação entre meninos e meninas. Palavras-chave: Educação Física, Escola Pública, Gênero. 1 INTRODUÇÃO A Educação Física é uma disciplina que na escola diferencia-se das demais do currículo escolar quanto à formação de turmas, pois tem-se verificado a separação dos alunos por gêneros masculino e feminino. Entende-se que esta é uma atitude segregadora e discriminatória. Fazse necessário estudar o porquê desta prática ainda fazer parte do cotidiano escolar, pois hoje alguns professores, em oposição a essa separação, preferem trabalhar com turmas mistas, por entenderem que separar meninos e meninas é reproduzir os preconceitos ainda vigentes na sociedade. Mead (1980) apud Muraro (2002) considera que a formação da personalidade de cada sexo é produto de uma sociedade que cuida para que cada geração masculina e feminina se adapte ao tipo que impõe. Esta posição é reafirmada por Norma Ferro, quando evidencia que: O homem não nasce homem, da mesma maneira que a mulher não nasce mulher (...) vão sendo construídos dentro de certas coordenadas históricas. Nem estão inseridos no reino da natureza, nem previstos por ela. São produtos de um processo histórico. Seu destino esta inscrito pela sociedade em que nascem. Assim, o homem não é senão de suas relações com outros homens e de todos eles com a natureza num espaço e momento determinado. (FERRO APUD TOLEDO, 2003, p. 33). Portanto, por gênero, entende-se a construção histórico-social dos sexos que por se tratar de uma construção as relações entre os homens e mulheres, sendo que os conceitos de masculino e feminino são diversos e estão em constante transformação na medida em que nos revelam situações conflituosas entre os sexos, bem como servem para representar a realidade social e mostram a possibilidade de intervir nesta (TEIXEIRA, ASSUNÇÃO, 2000; LUZ JÚNIOR, 2003).

No que se refere às questões do gênero nas aulas de educação física, isso fica evidenciado na prática rotineira de se formar turmas exclusivas de meninas e de meninos, revelando assim a visão sexista discriminatória entre os sexos dominante na sociedade e consequentemente na escola que em seu caráter normativo e seu papel de transmissora de conhecimento também está contaminada pelo sexismo, constituído em um código secreto e silencioso que molda e discrimina o comportamento de meninas e meninos, homens e mulheres (COLETIVO DE AUTORES, 1998). Tanto no início da história da educação física brasileira, quanto na atualidade tem-se registros em formas de leis e propostas que revelam traços dessa visão sexista apoiada pela pedagogia tradicional e influenciada pela tendência biologicista, que tem como objeto de estudo o desenvolvimento da aptidão física. Ainda em 1822, nos pareceres sobre a Reforma de Ensino Leôncio de Carvalho de 1879, Rui Barbosa recomendava a distinção entre as atividades, para os alunos a ginástica sueca e para as alunas a calistenia. Estes pareceres, à época, eram considerados um tratado da educação física (GHIRALDELLI JÚNIOR, 1997). Outro documento já bem mais recente, o Decreto Federal nº. 69,450/71, titulo IV, capitulo I, art.5º e III, discute de modo específico a formação de turmas separadas por sexo para as aulas de educação física, afirmando: Quanto à composição das turmas, 50 alunos do mesmo sexo, preferencialmente silenciados por nível de aptidão física. (COLETIVO DE AUTORES, 1998, p.37). No final da década de 1970 e início de 1980 surgem os movimentos renovadores na educação física. Estes iniciam os questionamentos da função e da dimensão política desta disciplina surgindo como critica a perspectiva da aptidão física, propondo nova forma de se pensar esta disciplina como cultura corporal de movimento. Sugestão que tem embasado as propostas curriculares atuais (GHIRALDELLI JÚNIOR, 1997; COLETIVO DE AUTORES, 1998). Observe-se que a Nova LDB (9.394/96) não faz referência à composição de turmas, e nenhum Decreto complementar foi promulgado, isto permitiu a flexibilização na composição de turmas, a ser deliberada pela escola (BRASIL, 1997). O que se percebe, atualmente, até mesmo em propostas pedagógicas recentes são interpretações defendidas ora a favor de turmas mistas nas aulas de Educação Física, posição esta defendida por aqueles que consideram a Educação Física como reflexão sobre a cultura corporal, ora a favor que estas possam ser formadas levando-se em consideração o sexo dos alunos, ou seja, separarem-se meninos de meninas o que é uma orientação da educação física voltada para o desenvolvimento da aptidão física. A legislação que orienta as aulas de educação física nas escolas da rede pública municipal da cidade de Teresina se constitui, principalmente, de duas propostas nas quais se verifica divergência na composição de turmas para as aulas de educação física. A Proposta Curricular do Ensino Fundamental de Teresina, publicada em 1995 e ainda em vigor, considera a educação física uma disciplina que trata pedagogicamente da área chamada cultura corporal, dentre seus objetivos propõe discutir valores éticos, políticos e sociais do corpo. No trato metodológico orienta que o professor organize atividades para integrar e evitar preconceito, discriminação e estereótipos. Ao relacionar a área com a cultura corporal defende que meninas e meninos possam, nas aulas de educação física, conviver e aprender juntos, mesmo que isto não esteja textualmente na referida proposta (TERESINA, 1995). Já as Diretrizes Orientadoras para o Funcionamento da Educação Física nas Escolas da Rede Pública Municipal de Teresina, de 1998, tem como objetivo orientar os diretores, pedagogos e professores de educação física para o funcionamento da disciplina. Todavia, apesar de propor a exclusão do paradigma da aptidão física na educação física escolar e evidenciar o paradigma da cultura corporal, contraditoriamente quando trata formação de turmas orienta que: 1.1. As turmas de educação física deverão ser formadas, por blocos, por série, por sexo ou mista. (TERESINA, 1998, p. 5). Esta proposta, ao admitir a possibilidade de formarem-se turmas por sexo, além de contradizer a primeira também se revela contraditória, pois turmas separadas por sexo se justificam quando a educação física objetiva o desenvolvimento da aptidão física e não quando se pensa a educação física enquanto cultura corporal. Além disso, esta proposta cita os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN s (BRASIL, 1997) quando se refere à educação física como a área do conhecimento que introduz e integra os

alunos na cultura corporal do movimento, com as finalidades de lazer, expressão de sentimentos, afetos e emoção, manutenção e melhoria da saúde. Aponta para a perspectiva metodológica de ensino e aprendizagem que busca o desenvolvimento da autonomia, cooperação, participação social e da afirmação de valores e princípios e valores democráticos. Estes princípios democráticos visam à recuperação de qualquer tipo de discriminação e exclusão social. Sobre isso afirma que: No que tange a questão de gênero, as aulas mistas de educação física podem dar oportunidade para que meninos e meninas convivam, observem-se, descubram e possam aprender a ser tolerantes, a não discriminar e a compreender as diferenças, de forma a não reproduzir estereotipadamente relações sociais autoritárias. (BRASIL, 1997, p. 3) Ainda segundo os PCNs, sobre o papel da escola e do professor de educação física, dizem que a escola configura-se como um espaço diferenciado aonde as diferentes competências com os quais as crianças chegam à escola deverão ser ressignificadas e ao professor é atribuída a função de oportunizar uma variedade de atividades em que diferentes competências sejam exercidas e as diferenças individuais sejam valorizadas. Destaca sobre esta questão a diferença entre as competências de meninos e meninas que por razão cultural, ao ingressar na escola as experiências dos meninos são maiores no manuseio de bolas e em atividades que demandam força e velocidade e as meninas em atividades expressivas e nas que exigem equilíbrio, coordenação e ritmo. Assim, as intervenções didáticas podem propiciar experiências de respeito a diferenças e de intercâmbio onde sejam oportunizadas vivências às meninas que, tradicionalmente, fora da escola são oportunizadas aos meninos e vice-versa, para que estes possam se enriquecer mutuamente ao invés de entrarem em conflitos pautados em estereótipos e preconceitos. Assim sendo, estas propostas Proposta Curricular do Ensino Fundamental e Diretrizes Orientadoras para o Funcionamento da Educação Física nas Escolas da Rede Publica Municipal de Teresina se mostram contraditórias no aspecto da composição de turmas que orientam o trabalho dos professores de educação física nas escolas. Necessário se faz analisar de que forma estas contradições e as relações de gênero se revelam na prática pedagógica, ou seja, nas aulas de educação física. 2 METODOLOGIA Este estudo analisou as relações do gênero que permeiam as aulas de educação física da rede pública municipal da cidade de Teresina. Para isso, optou-se por pesquisar as escolas da região sudeste da cidade, que conta com dez escolas com Ensino Fundamental, sendo que três delas foram excluídas porque possuíam turmas apenas de 1ª a 4ª séries e não havia aulas de educação física. Os dados foram coletados em sete escolas no segundo semestre do ano de 2005, nos turnos manhã e tarde visto que a disciplina, apesar de obrigatória, é optativa para o aluno do turno da noite, e devido a isso, não é ofertada. A amostra foi constituída por 18 professores das seguintes escolas: Arthur Medeiros (01 professor), Barjas Negri (02 professores), Extrema (02 professores), Mario Covas (02 professores), Porfírio Cordão (02 professores), Parque Itararé (06 professores) e São Sebastião (03 professores). As informações composição das turmas, regulamentos de torneios interclasses e jogos estudantis municipais foram obtidas junto a Secretaria das escolas, e as informações que se referem à condução das aulas, levando-se em consideração o tipo de turma adotada pelo professor e as aulas em si, foram obtidas através de observação destas. 3 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS A Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Teresina (SEMEC) adota diferenciação quanto à classificação das turmas de Educação Física em relação às demais disciplinas. Enquanto nestas todas as turmas são classificadas como do tipo 1 (um), para a

Educação Física têm-se turmas do tipo 2 (dois) que são aquelas onde não há separação dos alunos por sexo, são mistas, turmas do tipo 3 (três) e 4 (quatro) que são aquelas onde há separação por sexo, sendo as turmas do tipo 3 (três) exclusivamente formadas por alunos do sexo masculino e as turmas do tipo 4 (quatro) formadas exclusivamente por alunos do sexo feminino. Considerando-se as 7 (sete) pesquisadas, em relação à composição de turmas, observouse que 3 (três) adotam somente turmas do tipo 3 e 4, 2 (duas) adotam somente turmas do tipo 2 e 2 (duas) adotam tanto turmas do tipo 2 quanto dos tipos 3 e 4, ou seja, a maioria das escolas continuam separando meninos e meninas, considerando apenas as diferenças de rendimento físico e contribuindo para a reprodução de relação sociais discriminatórias e estereotipadas. Das 02 (duas) escolas que adotam turmas do tipo 2 (mista), totalizando 05 (cinco) professores, poderia se afirmar que as aulas contribuem para a cidadania, pois as turmas mistas oportunizam que meninos e meninas convivam, observem-se, descubram-se e aprendam a ser tolerantes, a não discriminar e compreender as diferenças, no entanto, as observações realizadas nas aulas indicam alguns contrapontos. Em relação às atividades desenvolvidas nas turmas de 1ª a 4ª série, observa-se que algumas têm a participação de meninos e meninas na mesma atividade e ao mesmo tempo, mas quando se trata de esportes, mesmo a turma sendo mista, separa-se time de meninos e time de meninas. Isso fica evidenciado nos torneios interclasses, pois as equipes, em todas as modalidades, eram divididas em masculinas e femininas. E ainda, quando o professor disponibiliza materiais para que as atividades pedagógicas sejam desenvolvidas, como a bola de futebol, as bolas de gude, etc., estes são entregues para os meninos enquanto que o bambolê, a corda e a peteca, são entregues às meninas, ou seja, o professor contribui para que a escolha de brincadeira seja diferenciada segundo o sexo. Nas turmas de 5ª a 8ª série, as atividades diárias da aula são executadas por meninos e meninas ao mesmo tempo, mas a exemplo do que ocorre nas turmas de 1ª a 4ª séries, em relação aos torneios interclasses estes sempre separam as equipes masculinas e femininas. Portanto, mesmo nas escolas em que as turmas são mistas várias são as situações que se percebe a reprodução da educação sexista nas aulas de educação física. Outro fato observado foi que nas 02 (duas) escolas onde se adota tanto as turmas mistas quanto as separadas pelo sexo, as turmas mistas são adotadas exclusivamente para as séries de 1ª a 4ª e as turmas separadas pelo sexo são de 5ª a 8ª série, isso segundo os professores porque a partir da 5ª série as diferenças de rendimento físico entre os sexos se acentuam. Este fato evidencia que os professores ainda consideram que o objetivo de suas aulas é o desenvolvimento da aptidão física e não a cultura corporal e corrobora o exposto por Felipe (2000). O fato de nas outras disciplinas incluírem em uma mesma turma ambos os sexos não garante que o sexismo não esteja presente, pois este continua na linguagem, nos conteúdos e na forma de abordar esses conteúdos; mas a educação física vai além, ela segrega quando separa turmas que em todas as outras aulas estão juntas e que somente nesta disciplina são divididas em turmas de meninos e turmas de meninas. O esporte é o conteúdo da Educação Física, que nas escolas públicas da rede municipal, tem papel de destaque. Um dos eventos mais importantes do calendário anual da SEMEC são os jogos Estudantis Municipais, os JEM s. Este evento tem papel fundamental para esta disciplina na escola e também, a exemplo das aulas de educação física, justifica uma análise das relações de gênero que se apresentam no trato com o esporte. Embora a orientação para que as turmas nas aulas de educação física sejam mistas desde 1995, os JEM s até o ano de 2004 separavam todas as equipes pelos gêneros, masculino e feminino. A partir do ano de 2005, isso se modificou e em algumas modalidades o regulamento permitiu equipes mistas. Foram disputadas 12 (doze) modalidades esportivas, quais sejam: voleibol, futsal, futebol, handebol, atletismo, ciclismo, voleibol de areia, queimada, xadrez e tênis de mesa; destas, somente as 4 (quatro) últimas foram disputados por equipes mistas, ou seja, na maioria das disputas os alunos são separados levando-se em consideração o gênero. No meio científico, mesmo considerando as diferenças entre os gêneros, Velloso (2003) afirma que biologicamente não há razão para a distinção de gênero atual no esporte. Primeiro, porque há diversos esportes, tais como tiro ao alvo, automobilismo, ciclismo, vôlei, salto triplo e em altura e também a corrida em que tal separação não se justifica nem mesmo pelas diferenças

genéticas entre os homens e mulheres; portanto, a distinção de gênero atual no esporte apóia-se mais no preconceito que na ciência. Vale ressaltar que nos JEM s as modalidades ciclismo, voleibol e atletismo são disputados em equipes separadas pelo gênero. Surge daí a necessidade de se pensar em outros critérios para se formar equipes, uma vez que o preconceito que justifica o gênero como critério para se formar equipes deve ser superado no cotidiano escolar. Atualmente, considera-se mais lógico criar categorias que separem os competidores por idade, altura, peso ou alguma outra característica mensurável, o que por sua vez possibilita pensar o esporte com equipes mistas, onde meninos e meninas possam conviver, compreender as diferenças e combater preconceitos. Velloso (2003) argumenta que pode haver mais diferenças físicas entre dois homens e duas mulheres do que entre um homem e uma mulher e que só teria sentido mensurar diferenças físicas e biológicas entre homens e mulheres se conseguíssemos apagar os efeitos de aspectos históricos e sociais envolvidos no desenvolvimento destes. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Conclui-se que a disciplina de Educação Física através de suas aulas continua a reproduzir uma educação sexista na medida em que os professores continuam a basear-se no gênero para formar turmas, a reforçar os papéis sexuais na escolha de atividades próprias para meninos e meninas e separar equipes masculinas e femininas nas competições escolares. Comprova-se, portanto, a necessidade de novas discussões a cerca deste assunto, pois a escolha dos professores de Educação Física, no que se refere à formação de turmas, não deve diferenciar-se, mas juntar-se a de todos os outros professores na construção de uma escola realmente democrática. A Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SEMEC) também tem papel fundamental na mudança, posicionando de forma clara quanto ao conceito de educação física e seu papel na escola. Assim sendo, pode contribuir para reverter esse quadro promovendo debates que levem os professores e a administração escolar à ampla discussão em toda a rede municipal de ensino objetivando confrontar as referidas propostas para que se superem as contradições. 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Educação Física. Brasília: MEC/SEF, 1997. COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do Ensino da Educação Física. São Paulo: Cortez, 1998. (Coleção Magistério 2º grau. Série Formação do Professor). FELIPE, Jane. Infância, Gênero e Sexualidade. Educação e Realidade. v. 25, n. 1, p. 115-131. Porto Alegre: Mediação, Jan-Jul., 2000. GHIRALDELLI, Paulo Júnior. Educação Física Progressista a Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos e a Educação Física Brasileira. 6. ed. São Paulo: Loyola, 19997. LUZ JÚNIOR, Agripino Alves. Educação Física e Gênero: olhares em cena. São Luís: Impressa Universitária/UFMA/CORSUP, 2003. MURARO, Rose Marie. Feminino e masculino: uma nova consciência para o encontro das diferenças. Rio de janeiro: Sextante, 2002. TEIXEIRA, A. L.; ASSUNÇÃO, M. M. S. de. As Relações de Gênero no Ensino Fundamental: Temas Transversais e Prática Docente. Revista Presença Pedagógica, V.6, N.33, p. 19-27, maio/jun., 2000. TERESINA. Diretrizes Orientadoras para o Funcionamento da Educação Física nas escolas da Rede Pública Municipal. Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SEMEC), Teresina, 1998.. Proposta Curricular do Ensino Fundamental do Município de Teresina. Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SEMEC), 1995. TOLEDO, Cecília. Mulheres: o Gênero nos une, a classe nos divide. 2. ed. São Paulo: Instituto José Luís e Rosa Sunderman, 2003.

VELLOSO, R. Guerra dos Sexos. Revista Super Interessante. São Paulo, ed. Abril, edição 191, p.83-87, ago., 2003.