Anjos: uma aproximação filosófica por Tomás de Aquino!

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Os homens criaram deuses a sua imagem e semelhança. A verdade é que nós fomos criados a imagem e semelhança do único e verdadeiro Deus.

Transcrição:

Anjos: uma aproximação filosófica por Tomás de Aquino! Bruno Guimarães de Miranda/IFTSSJ O livro De Substantiis Separatis (As substâncias separadas) de Santo Tomás de Aquino, traduzido por Luiz Astorga e editado recentemente (2006) para o português pela editora Sétimo Selo, com o título Sobre os A njos, oferece uma excelente introdução ao estudo dos anjos, bem como argumentos que demonstram sua existência, desde uma Miguel Arcanjo perspectiva filosófica. Apresento abaixo um fichamento deste livro para o proveito dos que desejam conhecer algo mais acerca destas criaturas. 1. Os primeiros filósofos consideravam que houvesse apenas os corpos, pondo como princípios primeiros certos elementos corpóreos, quer um único, quer mais de um. Julgavam tais princípios como divindades. Afirmavam não ser possível conhecer a verdade das coisas. Platão os refutou, propondo certas naturezas separadas da matéria das coisas que fluem, nas quais haveria verdade fixa. 2. Não é necessário que aquilo que o intelecto intelige tenha de ser separadamente nas coisas da natureza. Tampouco é preciso propor a subsistência dos universais fora dos singulares. Aristóteles tomou a via mais certa do movimento, para investigar as substâncias separadas: tudo o que se move é movido por outro; como não se pode ir ad infinitum, há um motor primeiro e imóvel, que é por si mesmo. 3. Platão e Aristóteles concordam quanto ao modo de existir das substâncias imateriais. Para Platão, o sumo Deus é a causa por que todas as substâncias imateriais são tanto unas quanto boas. Isto propôs também Aristóteles. Ambos concordam quanto à condição da natureza, pois são isentas de matéria, mas não de composição de potência e ato. Concordam ainda quanto à natureza da providência. 4. Discordam, porém, quando Platão diz haver, acima das almas dos céus, uma dupla ordem de substâncias imateriais: os intelectos e os deuses. Já Aristóteles afirma que há uma só ordem de coisas acima das almas dos céus. Platão não restringia o número de intelectos separados ao número dos movimentos celestes, Aristóteles sim. 5. Avicebrão afirmou que as substâncias separadas seriam compostas de matéria e forma, caso contrário não poderia haver diversidade entre elas. Se AQUINATE, n 6, (2008), 388-392 388

fossem unicamente matéria, não poderia haver várias, pois a matéria é una em si. E se fossem unicamente forma, não seriam diversas. 6. Tais argumentos contêm evidente improbabilidade, pois ele parte dos entes inferiores para os mais elevados mediante uma redução a princípios materiais. A matéria é comparada à forma como uma potência ao ato. Mas a potência é menos ente que o ato. 7. Não pode haver uma só matéria para as substâncias corpóreas e para as espirituais. Se há uma só matéria comum a ambas, é necessária uma distinção, que não pode ser segundo a quantidade, pois as substâncias imateriais não têm dimensões.resta que tal distinção se dá ou segundo as formas ou segundo a própria matéria. Como ela não se pode dar segundo as formas in infinitum, é preciso que a distinção exista na matéria segundo esta mesma matéria. Portanto, seriam totalmente diversas a matéria das substâncias espirituais e a das corpóreas. 8. É fácil refutar os argumentos de Avicebrão. O primeiro, por exemplo, concluía que não poderia haver diversidade entre as substâncias espirituais se não fossem compostas de matéria e forma. Mas não é necessário que sejam privadas de diversidade as coisas que são apenas matéria, e tampouco que o sejam aquelas que são apenas forma. E assim por diante. 9. Há aqueles que se desviaram da verdade negando a origem das substâncias espirituais no primeiro e sumo Autor. Alguns afirmaram que não tinham nenhuma causa para o seu ser. Outros, que possuíam causa de ser, mas que não procediam imediatamente do Sumo e Primeiro Princípio. Outros admitem que todas essas substâncias possuem a origem do seu ser a partir do Princípio Primeiro, mas que dos seus outros aspectos (viventes, inteligentes etc) são como causas para as inferiores. 10. Outros defendem que a origem do ser de tudo reside no primeiro e supremo Princípio de todas as coisas, mas não imediatamente, e sim através de certa ordem. Como o Princípio Primeiro é uno e simples, dele não procederia nada que não fosse uno. E isto carece da simplicidade do primeiro. Conforme se volta para a compreensão do seu simples e primeiro princípio, dela procede uma inteligência segunda. Conforme esta intelige a si própria, produz a alma da primeira esfera; e conforme intelige a si própria com relação à potência nela contida, dela procede o primeiro corpo. E assim até os últimos corpos das coisas, o processo parte do Princípio Primeiro. Logo de relance vêse que é opinião reprovável. O bem do universo é mais poderoso que o bem de qualquer natureza particular. 11. Para os platônicos, Deus é a causa imediata de todas as substâncias imateriais. Propuseram, porém, uma ordem de causalidade nas mencionadas substâncias; estabeleceram os princípios abstratos segundo a ordem das AQUINATE, n 6, (2008), 388-392 389

concepções inteligíveis. O Princípio Primeiro, Deus, é o próprio ser. Abaixo, outro princípio separado, a vida, e ainda outro, o intelecto. Uma substância separada que seja inteligente, vivente e ente, será ente por participação no Princípio Primeiro, vivente por participação no segundo princípio separado, e inteligente por participação no outro princípio separado. Tal posição, se pode ser verdadeira em certo sentido, não o pode ser simpliciter. Um efeito singular não se remete a vários primeiros princípios segundo uma mesma noção, porque um efeito não pode ser mais simples que a causa. Todas as substâncias imateriais recebem imediatamente de Deus o seu ser, d Ele também recebem imediatamente seu viver e seu ser intelectivo. 12. Orígenes, desejando salvar a processão imediata do Princípio Primeiro, lhes retirou toda e qualquer ordem da natureza. Considerou que de um autor único e justo não podem proceder coisas diversas e desiquais sem que haja alguma diversidade precedente. Propõe que todas as coisas produzidas primeiramente por Deus foram iguais. Algumas, voltadas para seu princípio, progrediram em sua bondade; outras, através de um movimento desordenado de sua vontade, se desviaram de seu princípio e se deterioraram, dando ocasião à produção dos corpos. O princípio dessa posição é vazio e impossível. As substâncias espirituais são imateriais; se há nelas qualquer diversidade, é preciso que ela exista segundo uma diferença formal. E seria necessário que fossem imperfeitas. O referido parecer subtrai ao universo das coisas produzidas por Deus a perfeição do bem. 13. Alguns propuseram que Deus e as demais substâncias imateriais não possuem a cognição dos singulares nem exercem providência com respeito aos atos das inferiores, especialmente os dos humanos. Julgaram que Deus não conhece por seu intelecto senão a Si próprio. Ainda: é necessário que a ordem da providência proceda d Ele segundo a natureza do bem. Alguns consideraram que a providência divina se estende somente às substâncias imateriais, nas quais não viam nenhum mal; as inferiores estariam submetidas à providência divina somente quanto aos gêneros, não quanto aos indivíduos. Mas Deus possui certíssima cognição de todas as coisas a qualquer momento. N Ele não é uma coisa o ser e outra o inteligir. Sua substância é seu ser, também sua substância é seu inteligir. Sendo uno, simples, fixo e eterno, Deus tem, em uma única e simples intuição, o conhecimento fixo e eterno de tudo. 14. Assim como é necessário que a cognição divina se estenda até as menores coisas, também é necessário que o governo da providência divina abranja e sujeite todas as coisas. O Primeiro Motor Imóvel, que é Deus, é princípio de todos os movimentos, é mais fortemente causa de todos os movimentos que as próprias causas que movem os singulares. Por meio de seu intelecto, move tudo a seus fins próprios isto é a providência. De outro modo, o universo AQUINATE, n 6, (2008), 388-392 390

seria movido pelo acaso. Logo, a divina Providência é necessária e absolutamente perfeita. 15. A ordem da cognição se dá de acordo com a proporção da ordem que encontramos nas coisas segundo seu próprio ser. A perfeição e a verdade da cognição consistem em que ela possua a semelhança das coisas conhecidas. Os mais elevados dentre os entes possuem o ser e a bondade mais universalmente; porque tudo aquilo que é encontrado em inferiores existe mais eminentemente nos superiores. Quanto mais elevado é um poder cognitivo, tanto mais é universal, mas não de maneira que conheça somente uma natureza universal. Nada impede que certas coisas ocorram fortuita ou casualmente segundo o que compete à cognição humana, tendo sido, porém, ordenadas segundo a providência divina. Alguns efeitos são considerados maus, mas é bom que seja permitido por Deus sucederem tais coisas, porque do mal de um provém o bem de outro, assim como, nas coisas naturais, a corrupção de um é a geração de outro, e como, nas morais, resulta da perseguição do tirano a paciência do justo. Não convém serem os males totalmente impedidos pela providência divina. 16. Os maniqueus se equivocaram por reduzirem a origem das coisas a dois princípios de criação, um o autor dos bens e o outro o dos males. Seriam princípios corpóreos, o autor dos bens certa luz corpórea infinita e possuidora de poder intelectivo; o autor dos males certas trevas corpóreas infinitas. Estabeleceram o governo das coisas não sob um único principado, mas sob contrários. Mas é irracional propor que algo seja o princípio primeiro dos males, como o contrário do Sumo Bem. Cada coisa é boa pelo fato de que consegue ato e perfeição próprios, e má pelo fato de que está privada dos devidos ato e perfeição. Nada atua ou é atuado senão enquanto é bom. Enquanto é mau, é-o porque carece de ser atuado ou de atuar. É evidente que o bem tem razão de fim; todo governo existe segundo a natureza do bem. Não pode haver nem governo, nem principado, nem regime do mal enquanto é mal. 17. Acerca das substâncias espirituais, afirma a religião cristã que todas são feitas por Deus, conforme as Escrituras, e são produzidas por Ele imediatamente. É contrário à doutrina cristã que as substâncias espirituais tenham bondade, ser, vida e similares a partir de princípios diversos, ou ainda que derivem da suma divindade de maneira tal que teriam existido desde toda a eternidade. A fé católica é que elas adquiriram ser depois de, anteriormente, não ter sido. Não se pode saber explicitamente, a partir das Escrituras, quando teriam sido criados os anjos. Mas não foram criados após as coisas corpóreas. Para Agostinho, a criatura espiritual foi criada juntamente com as criaturas corpóreas, conforme Gn 1, 1: No princípio, Deus criou o céu e a terra. AQUINATE, n 6, (2008), 388-392 391

Alguns afirmam que os anjos foram gerados anteriormente a toda a criação das coisas corpóreas. Nenhum destes pareceres é contrário à sã doutrina. A questão sobre onde foram criados os anjos não tem lugar, pois lugar é algo corpóreo. 18. Os anjos são incorpóreos, ministros de Deus, enviados para exercer o seu ministério a favor daqueles que hão de receber a herança da salvação. São substâncias simples e imateriais; mas não se julgue que o anjo se iguala, por sua incorporeidade e imaterialidade, à simplicidade da substância divina. O lugar próprio dos anjos é espiritual; as substâncias espirituais supremas estão dispostas no limiar da Trindade, em luz e alegria espirituais. Os anjos não estão num lugar de modo corpóreo, mas espiritual. 19. Há espíritos bons e espíritos maus, conforme a Escritura. Aos bons chamamos anjos, e demônios são apenas aqueles considerados maus; mas não são maus por natureza. Esses maus não o foram sempre, mas iniciaram seu mal por arbítrio próprio, seguindo a inclinação para as paixões. A aversão a Deus é para os próprios demônios um mal e um afastamento do que lhes convém, pois pela soberba quiseram elevar-se acima de si mesmos. Os demônios não vêm apenas das ordens inferiores, mas também das superiores, incorpóreas e imateriais. A substância intelectual, separada de um corpo, está necessária e absolutamente fora do tempo. Quanto mais alguma coisa seja próxima de Deus, mais perfeitamente é confirmada na participação da bondade. As substâncias incorpóreas estão acima de todos os corpos; possuem comunhões mais abundantes com Deus, permanecendo voltadas e tendentes sempre ao que é superior, na força do divino e indeclinável amor. AQUINATE, n 6, (2008), 388-392 392