Hemicrânia contínua e cefaleia primária da tosse em mulher de 71 anos Hemicrania continua and primary cough headache in a 71 years of age woman

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RELATO DE CASO Hemicrânia contínua e cefaleia primária da tosse em mulher de 71 anos Hemicrania continua and primary cough headache in a 71 years of age woman Roldão Faleiro de Almeida, João Bosco Lima Gomes, Inês Alice Teixeira Leão, Cíntia Horta Rezende Goulart Ambulatório de cefaleia do Hospital da Polícia Militar de Minas Gerais Belo Horizonte-MG Almeida RF, Gomes JBL, Leão IAT, Goulart CHR Hemicrânia contínua e cefaleia primária da tosse em mulher de 71 anos. Migrâneas cefaleias 2008;11(4):260-264 RESUMO Introdução: Hemicrânia contínua é uma cefaleia primária incomum, sustentada por duas características básicas: dor mantida estritamente unilateral e absoluta resposta à indometacina. A cefaleia primária da tosse é também considerada uma cefaleia incomum, podendo apresentar uma boa resposta à indometacina. Relato de caso: Relatamos o caso de uma mulher de 71 anos, portadora de hemicrânia contínua e de cefaleia primária da tosse, cujas dores de cabeça responderam de modo absoluto à indometacina. Con- clusão: Pacientes com hemicrânia contínua apresentam uma absoluta resposta ao tratamento com indometacina, o que é fundamental para o correto diagnóstico. Pacientes com cefaleia primária da tosse também podem apresentar uma absoluta resposta a esta medicação. Acreditamos que este seja o primeiro caso de hemicrânia contínua e cefaleia primária da tosse na mesma pessoa. Palavras alavras-chave: Hemicrânia contínua; cefaleia primária da tosse; indometacina. ABSTRACT Introduction: Hemicrania continua (HC) is an uncommon primary headache disorder which clinically is considered a syndrome with two pivotal characteristics: strictly and steady unilateral headache, and absolute response to indomethacin. Primary cough headache is an uncommon headache disorder as well, and has a good response to indomethacin. Case report: We report a case of a 71-year-old woman with hemicrania continua and primary cough headache who had an absolute response to indomethacin. Conclusion: Hemicrania continua has an absolute response to indomethacin, and this fact is fundamental to the correct diagnose. Primary cough headache may have an absolute response to this drug as well. To our knowledge, this is the first case of hemicrania continua and primary cough headache in the same patient. Key words: Hemicrania continua; primary cough headache; indomethacin. INTRODUÇÃO Considerada uma cefaleia incomum, a hemicrânia contínua (HC) repousa sobre dois inabaláveis sustentáculos: (1) contínua dor de moderada intensidade estritamente unilateral, de longa duração, com flutuações na sua intensidade; e (2) absoluta resposta à indometacina (o que não a impede de responder também a outras medicações ). A cefaleia primária da tosse é uma condição incomum, sendo desencadeada única e exclusivamente pela tosse ou esforço abdominal (manobras de Valsalva), na ausência de qualquer lesão intracraniana. Em torno de 40% dos casos, a cefaleia da tosse pode ser secundária à malformação de Chiari tipo I. A despeito da cefaleia primária da tosse e da HC compartilharem o mesmo espaço no grupo IV da classificação atual, e responderem ao tratamento com indometacina (condição fundamental para o diagnóstico da HC), a sua fisiopatologia ainda não é bem conhecida. Citaremos o caso de uma mulher cujas características sugerem essas duas modalidades de cefaleia, tendo 260 Migrâneas cefaleias, v.11, n.4, p.260-264, out./nov/dez. 2008

HEMICRÂNIA CONTÍNUA E CEFALEIA PRIMÁRIA DA TOSSE EM MULHER DE 71 ANOS havido absoluta e sustentada resposta à indometacina. Este é o primeiro caso da coexistência destas duas modalidades de cefaleia na mesma pessoa que temos conhecimento. RELATO DE CASO Uma mulher de 71 anos de idade procurou-nos em junho de 2008 com história de uma incessante cefaleia hemicraniana direita iniciada havia sete meses. Relatava que a dor era diária, não pulsátil ("parada"), de intensidade moderada, porém com períodos de exacerbações para dor mais forte que eram acompanhados de semiptose palpebral e lacrimejamento ipsilaterais à dor. Havia usado naratriptano e nimesulida sem o menor benefício, porém relatou melhora parcial com naproxeno. Também relatou-nos que, nos últimos três meses, além deste quadro, passou a sofrer episódios de forte cefaleia, que durava poucos segundos, iniciada na região occipital direita, espalhando-se pela cabeça, sendo desencadeada única e exclusivamente por manobras de Valsalva (i.e., tosse e espirro). Em decorrência do surgimento desta cefaleia, foi encaminhada a um neurologista, que iniciou indometacina 50 mg em três tomadas diárias (e omeprazol), com total remissão de suas dores de cabeça em poucos dias (com ressurgimento das mesmas ao suspender a medicação), e a transferiu para este ambulatório para um melhor esclarecimento diagnóstico. Ao exame clínico-neurológico não foi constatada nenhuma anormalidade digna de nota. Ressonância magnética (RM) da coluna cervical, RM e angio-rm do encéfalo não detectaram nenhuma anormalidade digna de nota. Posteriormente, a indometacina foi reduzida para 50 mg/dia, sem retorno das duas modalidades de cefaleia, sendo que, até o momento, a paciente continua usando a medicação na mesma dose e encontra-se totalmente assintomática. DISCUSSÃO A HC foi descrita pela primeira vez em 1984 por Sjaastad e Spierings 1 em dois pacientes (uma mulher de 63 anos e um homem de 53 anos), sendo citada a resposta parcial ao ácido acetil-salicílico e enfatizada a dramática e absoluta resposta à indometacina, como podemos ver de acordo com a descrição de um dos casos pelos próprios autores: "He took the first capsule on the night of September 10th, 1982, and woke up the next morning free of headache for the first time since August 1975!". A HC é considerada uma modalidade incomum de cefaleia que se caracteriza por uma dor contínua (acompanhando o paciente desde o momento em ele acorda até o momento em que ele dorme), 1 estritamente unilateral, de intensidade moderada, porém com exacerbações para dor intensa que são frequentemente acompanhadas de manifestações autonômicas cranianas. Essas, por sua vez, são bem menos pronunciadas em comparação à cefaleia em salvas e hemicrânia paroxística crônica. 2 De acordo com os critérios diagnósticos da Sociedade Internacional de Cefaleia, 3 a duração da HC deve ser superior a três meses, sendo necessária pelo menos uma das seguintes manifestações autonômicas cranianas: 1) hiperemia conjuntival e/ou lacrimejamento; 2) congestão nasal e/ou rinorreia; 3) ptose palpebral e/ou miose. Deve haver uma resposta completa a doses terapêuticas de indometacina. Ao fazer uma revisão de 18 casos, Bordini et al. 2 constataram que a HC é bem mais prevalente no gênero feminino (15 casos), e a média de idade para o início foi de 35,2±10,8 anos. A dor foi estritamente unilateral em 15 casos (geralmente nas áreas fronto-temporais). Em dois casos, nos quais a dor originalmente era unilateral, ela podia ser sentida bilateralmente, porém com marcado predomínio no seu local de origem. As flutuações da intensidade ocorreram, na maioria dos casos, durando de horas até dois a cinco dias. Episódios de cefaleia em pontadas (i.e., jabs & jolts) ocorreram ocasionalmente em todos os casos. Dentre as manifestações autonômicas sistêmicas, as mais comuns foram fotofobia (11 casos) e náusea (dez casos), enquanto as manifestações autonômicas cranianas mais encontradas foram hiperemia conjuntival (seis casos) e lacrimejamento (cinco casos). Não foram encontrados mecanismos mecânicos precipitantes de dor. 2 A HC pode apresentar formas diferentes de evolução, isto é, forma remitente e não remitente ou crônica, sendo essa a mais prevalente, 4,5 porém este padrão temporal não é contemplado pela classificação atual. 3 Os mecanismos fisiopatológicos da HC ainda permanecem obscuros. Exames de neuroimagem funcional nestes pacientes, usando tomografia por emissão de positrons, demonstram ativação hipotalâmica posterior e do tronco cerebral, como ocorre respectivamente nos portadores de cefaleia em salvas e nos migranosos. 6 Migrâneas cefaleias, v.11, n.4, p.260-264, out./nov/dez. 2008 261

ROLDÃO FALEIRO DE ALMEIDA E COLABORADORES Em relação à indometacina, esta medicação tem se mostrado muito eficaz no tratamento da cefaleia primária da tosse (até mesmo em alguns casos sintomáticos), hemicrânia paroxística 7 e HC, com sustentado alívio dos sintomas, boa tolerabilidade e segurança, mesmo se usada por tempo prolongado. 8 O aumento da dose (acima de 150-200 mg/dia) geralmente tende a conduzir ao aumento dos efeitos adversos, porém sem corresponder ao aumento dos benefícios clínicos. 8 Assim sendo, podemos dizer que os sofredores de HC podem apresentar uma eficácia sustentada com a indometacina, sem taquifilaxia, em dose de manutenção baixa. 2,8 As características clínicas que fazem com que estes pacientes venham a responder à ação deste fármaco ainda não são conhecidas. Este efeito pode decorrer do curso natural da moléstia ou do efeito desta medicação na sua fisiopatologia. 8 Em dezoito portadores de HC tratados com esta medicação, uma paciente desenvolveu uma úlcera hemorrágica e teve que ser operada, mas recusou-se a descontinuar o referido medicamento. 2 É importante frisar que, apesar da absoluta resposta terapêutica, a indometecina conduz somente à remissão da HC, não à cura. Ao revisar os registros de 192 pacientes com diagnóstico putativo (suposto) de HC, Marmura MJ et al. 6 constataram que apenas 43 destes pacientes tiveram uma absoluta resposta à indometacina, sugerindo que talvez outras cefaleias primárias que respondem mal (ou não respondem) a esta medicação possam adotar um comportamento que mimetize a HC ou até mesmo coexistir com esta cefaleia no mesmo paciente. A HC deve ser diferenciada das dores que podem apresentar-se com unilateralidade mantida: enxaqueca estritamente unilateral, cefaleia do tipo tensional unilateral e a dor facial atípica, ressaltando que, a despeito de poderem exibir um padrão crônico ou remitente e serem mais prevalentes no gênero feminino, elas não respondem (ou respondem mal) à indometacina. 9 Em relação à cefaleia cervicogênica, esta também apresenta algumas diferenças em relação à HC: desencadeamento por movimentos do pescoço e pela pressão externa de alguns pontos localizados na região cervical e/ou occipital (o que não é observado na HC). Além do mais, a cefaleia cervicogênica habitualmente não responde à indometacina. 2 A cefaleia em salvas, além de apresentar um padrão temporal que difere da HC, caracteriza-se pela excruciante severidade da dor, proeminentes manifestações autonômicas cranianas e prevalência no gênero masculino. A hemicrânia paroxística crônica, a despeito de ser mais prevalente no gênero feminino e responder habitualmente à indometacina, diferencia-se da HC em relação ao padrão temporal, severidade da dor e pelas manifestações autonômicas cranianas mais evidentes. 2 A resposta terapêutica em pacientes sofredores de HC não é exclusiva da indometacina. Rofecoxib, uma inibidor de COX-2, atualmente em desuso, também mostrou-se eficaz no tratamento da HC, 10 a despeito da absoluta resposta previamente obtida com indometacina. O fato da HC ser uma cefaleia absolutamente responsiva à indometacina foi posto a prova por Kuritzky 11 que citou quatro casos com diagnóstico suposto de HC, sendo todos resistentes a esta medicação. Porém ocorreu um certo deslize em relação à dose da medicação: no primeiro caso, a dose foi de 100 mg/dia; no segundo caso, a dose foi de 75-100 mg/dia; no terceiro, a dose não foi citada, e no quarto foi citada dose acima de 100 mg/dia, mas não foi especificada. É importante lembrar que a dose terapêutica da indometacina varia de 75 mg-150 mg/dia). Isto provocou uma imediata reação do pai da HC, isto é, Sjaastad, 12 que escreveu: "In four cases presented by Kuritzky, the indomethacin response is lacking. If this is true, by definition these patients do not have hemicrania continua"..."maybe they have, but the dosages have not exceed 100 mg a day". A cefaleia primária da tosse é uma modalidade de dor de cabeça que é desencadeada pela tosse ou esforço abdominal (manobra de Valsalva), na ausência de lesão intracraniana, sendo de fundamental importância a realização de exames de neuroimagem para descartar cefaleia secundária. 3 Os primeiros casos de cefaleia da tosse foram descritos em 1932 por Tinel, sendo a dor geralmente de intensidade moderada a grave, de qualidade explosiva, durando de segundos até trinta minutos, e, embora ela seja habitualmente bilateral, ocasionalmente pode ser unilateral. 13 A etiologia da cefaleia primária da tosse não está completamente elucidada, porém provavelmente parece estar associada ao aumento da pressão intracraniana. Talvez ela possa decorrer do estiramento de estruturas sensíveis a dor, localizadas no tronco cerebral, e o motivo que a leva a afetar algumas pessoas talvez seja devido ao fato dessas pessoas possuírem um reduzido limiar para o desenvolvimento de dor, associada ao aumento da pressão intracraniana que é, por sua vez, normalmente desencadeado pela tosse. 13 262 Migrâneas cefaleias, v.11, n.4, p.260-264, out./nov/dez. 2008

HEMICRÂNIA CONTÍNUA E CEFALEIA PRIMÁRIA DA TOSSE EM MULHER DE 71 ANOS de resistência pré-capilares, com consequente redução da pressão intracraniana. 14 Acetazolamida, naproxeno e, até mesmo, a punção lombar mostraram-se eficazes no tratamento da cefaleia primária da tosse. 13 CONCLUSÃO A cefaleia primária da tosse e hemicrânia contínua são modalidades incomuns de cefaleia que, a despeito de provavelmente não compartilharem os mesmos mecanismos fisiopatológicos, respondem ao tratamento com indometacina (condição fundamental para o diagnóstico da HC) e podem coexistir no mesmo indivíduo. O mecanismo de ação deste fármaco não está ainda totalmente esclarecido, mas o fato de reduzir a pressão intracraniana, justifica, de certa forma, a sua eficácia no tratamento da cefaleia da tosse (o que não se aplica aos casos de HC). A duração do tratamento da HC com a indometacina pode ser de alguns meses (forma remitente) ou ininterrupto (forma crônica ou não remitente). No caso da cefaleia primária da tosse, o tratamento pode variar de meses a vários anos. Este é o primeiro caso da coexistência destas duas moléstias na mesma pessoa que temos conhecimento. A cefaleia da tosse é sintomática em torno de 40% dos casos, sendo uma queixa frequente (50%-60% dos casos) na malformação de Chiari tipo I. 14 É importante lembrar que a cefaleia da tosse secundária à síndrome de Chiari pode apresentar uma absoluta resposta à indometacina. 14,15 O mecanismo da dor neste caso não é ainda precisamente conhecido. Um bloqueio tipo válvula realizado pelas amígdalas cerebelares no forame magno, resultando em uma dissociação na pressão crânio-espinhal, é considerada uma idéia plausível. Isto poderia levar a uma obstrução do fluxo liquórico com distorção de estruturas produtoras de dor. 14 A cefaleia primária da tosse também mostrou-se responsiva de modo dramático à indometacina (50 mg 3 vezes/dia) em paciente do gênero masculino exfumante portador de DPOC que não obtivera alívio ao usar propranolol, metisergida, ergotamina e aspirina. 16 Esta medicação promove uma redução de 25%- 35% do fluxo sanguíneo cerebral em humanos, sendo esta redução decorrente da vasoconstrição de vasos REFERÊNCIAS 1. Sjaastad O, Spierings EL. Hemicrania continua: another headache absolutely responsive to indomethacin. Cephalalgia. 1984; 4(1): 65-70. 2. Bordini C, Antonaci F, Stovner LJ, Schrader H, Sjaastad O. Hemicrania continua: a clinical review. Headache. 1991; 31(1):20-6. 3. Classificação Internacional das Cefaleias. Subcomitê de classificação das cefaleias da Sociedade Internacional de Cefaleias (2ª edição). São Paulo. Editora Segmento Farma, 2004. 4. Dodick D. Hemicrania continua: diagnostic criteria and nosologic status. Cephalalgia. 2001;21(9):869-72. 5. Pareja JA, Vincent M, Antonaci F, Sjaastad O. Hemicrania continua: diagnostic criteria and nosologic status. Cephalalgia. 2001;21(9):874-7. 6. Marmura MJ, Silberstein SD & Gupta M. Hemicrania continua: who responds to indomethacin? Cephalalgia 2009;29:283-5. 7. Almeida RF. Hemicrânia paroxística episódica: um novo caso? Migrâneas Cefaleias 2006,9;(1):23-6. 8. Pareja JA, Caminero AB, Franco E, Casado JL, Pascual J, Sánchez del Río M. Dose, efficacy and tolerability of long-term indomethacin treatment of chronic paroxysmal hemicrania and hemicrania continua. Cephalalgia. 2001;21(9):906-10. Migrâneas cefaleias, v.11, n.4, p.260-264, out./nov/dez. 2008 263

ROLDÃO FALEIRO DE ALMEIDA E COLABORADORES 9. Pareja JA, Antonaci F, Vincent M. The hemicrania continua diagnosis. Cephalalgia. 2001;21(10):940-6. 10. Peres MF, Zukerman E. Hemicrania continua responsive to rofecoxib. Cephalalgia. 2000;20(2):130-1. 11. Kuritzky A. Indomethacin-resistant hemicrania continua. Cephalalgia. 1992;12(1):57-9. 12. Sjaastad O. Indomethacin-resistent hemicrania continua. Cephalalgia 1992;12. 13. Boes CJ, Matharu MS, Goadsby PJ. Benign cough headache. Cephalalgia. 2002;22(10):772-9. 14. Ertsey C, Jelencsik I. Cough headache associated with Chiari type-i malformation: responsiveness to indomethacin. Cephalalgia. 2000;20(5):518-20. 15. Stancioli FG et al. Relato de caso. Cefaleia da tosse atribuída à malformação de Chiari tipo I. Migrâneas & Cefaleias 2008;11(2):124-6. 16. Mathew NT. Indomethacin responsive headache syndromes. Headache. 1981;21(4):147-50. Endereço para correspondência Dr.. Roldão Faleiro de Almeida Rua Castelo de Guimarães, 471 / 401 Bairro Castelo 31.330-250 Belo Horizonte- MG roldaoalmeida@ig.com.br 264 Migrâneas cefaleias, v.11, n.4, p.260-264, out./nov/dez. 2008