118 Introdução A DIMENSÃO EDUCATIVA DO SERVIÇO SOCIAL E A INSTRUMENTALIDADE ARTÍSTICA Ana Flavia Luca de Castro Uni-FACEF Bianca Nogueira Mattos Uni-FACEF Eliana Bolorino Canteiro Martins Uni-FACEF Iara Maki Endo Marubayashi Uni-FACEF Para entendermos a proposta instrumental de apropriação da arte no exercício profissional precisamos, primeiramente, entender o conceito de instrumentalidade. Para Guerra (2000), instrumentalidade supera o uso de materiais e procedimentos técnicos de uma profissão. Por exemplo, no caso do serviço social, a instrumentalidade não diz respeito apenas aos relatórios sociais, visitas institucionais e recursos físicos, mas também aos elementos sócio-históricos construídos ao longo do tempo, que determinam as competências e a própria identidade profissional. Gramsci (1982, p. 120) também define que [..] cada trabalho produz novas capacidades e possibilidades de trabalho, pois cria condições de trabalho cada vez mais orgânicas: fichas, materiais bibliográficos, coletânea de obras fundamentais especializadas, etc o que daria elementos para a recusa de práticas baseadas no improviso. Guerra (2000) pontua que o assistente social trabalha com as condições objetivas e subjetivas do cotidiano dos usuários, atuando diretamente com a realidade social. É considerando essa atuação que identificamos a importância de considerar a instrumentalidade do serviço social dentro da academia e no exercício da profissão, para práticas efetivas e científicas, que busquem de fato a efetivação da práxis social. É no abarcamento, transformação e criação de métodos e possibilidades de atuação que o assistente social perpassa durante sua atividade profissional, que a identidade da profissão enriquece e ganha novas competências e enfim uma
119 instrumentalidade, que parte da realidade social e do movimento do real que se manifesta no cotidiano profissional. A Dimensão Educativa do Serviço Social e a Arte A prática alicerçada a teoria marxiana da qual a profissão se apropria, possibilita uma ação consciente e com embasamento, diferenciando assim da militância e das práticas respaldadas na ideologia dominante. Apesar de focalizarmos na dimensão educativa, a instrumentalidade está presente em todas as esferas do serviço social. Pois o serviço social se constitui como uma ciência social aplicada, ou seja, com cunho de intervenção direto. Iamamoto (2000) coloca que a história política é favorável ao arbítrio e não reconhece a cidadania. Isso reflete, na nossa profissão, nas raízes conservadoras, que tiveram início no serviço social brasileiro com a influencia do conservadorismo europeu e na sequencia pela sociologia conservadora norte americana, nos anos 40, como situa Iamamoto (2000). Superar o conservadorismo é um dos desafios atuais do serviço social, em busca do posicionamento crítico e da luta pela equidade social. Sendo assim compreendemos onde surge a dimensão educativa do serviço social, que é indissociável da política, ao passo que busca ações que promovam essa conscientização e debates a fim de levantar questionamentos. Guerra (2000) defende que, além da dimensão econômico-política do serviço social, existe um conjunto de procedimentos técnico-operativos, que se constituem na efetivação da prática profissional, esta que deve estar sempre alicerçada de embasamento teórico e posicionamentos concretos, como pontuamos anteriormente. Esses procedimentos são o que chamamos de instrumentalidade e são parte do que dá formato a atividade profissional.
120 Dentro dessa esfera da instrumentalidade chegamos à dimensão educativa, que, assim como constatamos ao longo dessa pesquisa sobre a arte e a cultura, possui também duas vertentes: a emancipatória e a alienadora. Quem já estudou um pouco sobre educação sabe que esta, por si só, também compactua dessa bipolaridade e é por isso que, quando o serviço social se apropria da educação, precisa se atentar a existência de duas perspectivas. Para Cardoso e Maciel (2000, p. 142): [...] a função (educativa) caracteriza-se pela incidência dos efeitos das ações profissionais na maneira de pensar e agir dos sujeitos envolvidos nas referidas ações, interferindo na formação de subjetividades e normas de conduta, elementos esses constitutivos de um determinado modo de vida ou cultura, como diria Gramsci (1976). Sendo assim, explicita-se a relevância de um saber e de um posicionamento profissional alicerçado em sua prática e, como é o caso, na dimensão educativa da profissão. Para Marx (1985, p. 66) Toda vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que desviam a teoria para o misticismo encontram sua solução racional na práxis humana e na compreensão dessa práxis.. É válido considerar, deste modo, a luta pela recusa do praticismo, prática eximida de teoria, e teoricismo, teoria distanciada da prática, estéreis que Iamamoto (2000) articula. Sendo assim, podemos pensar a prática social, que seria o trabalho social coletivo, no sentido de um trabalho livre e libertário, como manifestante de atividades criadoras e idearias. A arte, nesse sentido, se apresenta como elemento facilitador das relações sociais e promotor da reflexão e da participação, trazendo sentido para os participantes do grupo e promovendo um ambiente mais envolvente.
121 Para Barbosa (2000, online), a arte traz representações da realidade humana, como [...] traços espirituais, materiais, intelectuais e emocionais, que caracterizam a sociedade a partir de seus modos de vida, valores, tradições e crenças. Sendo assim, a arte tem importante papel na identidade cultural e social de uma determinada comunidade. Deste modo, entendemos que a arte se faz válida no processo educativo ao passo que considera elementos da realidade dos seus integrantes, assim como possibilita o caráter criativo dentro dos coletivos em que se insere. Para Lukács (1965), a arte se dirige contra a alienação, pois sempre possibilitará reflexão. Portanto seria a principal e fiel função da arte a de desfetichização, facilitando o poder de criação e de reconhecimento do produto criado, e enfrentando assim a alienação proveniente de estranhamentos, seja no trabalho ou em qualquer outra esfera produtiva. Outro elemento que se agrega as atividades artísticas é o respeito a diversidade cultural e as diferentes realidades sociais que podem estar representadas em um determinado grupo, assim como a horizontalidade, visto que a arte se constitui também como forma de linguagem e que, devido as suas diferentes variáveis, alcança a expressão e a participação de todos os membros de um grupo na troca de conhecimentos e experiências. Por isso a teoria da educação popular de Paulo Freire (1996) se encaixa nessa proposta de educação horizontal e que traga sentido para todos que nela estiverem. Paulo Freire (1996) também defende que a estética é um papel essencial no exercício da educação, ao passo que possibilita maior integração, sentido, e principalmente prazer no processo educativo. É preciso, porém, que tenhamos na resistência que nos preserva vivos, na compreensão do futuro como problema e na vocação para o ser mais como expressão da natureza humana em processo de estar sendo, fundamentos para a nossa rebeldia e não para a nossa resignação em face das ofensas que nos
122 destroem o ser. Não é na resignação mas na rebeldia em face das injustiças que nos afirmamos. FREIRE (2000, p. 106). Oficinas Artísticas Com objetivo de produzir conhecimentos para provocar melhorias na prática profissional e atingir os princípios éticos da categoria, o presente trabalho teve como eixo o método da pesquisa participante, ou seja, contempla uma práxis investigativa. Com a fundamentação teórica crítica e intencionalidade de transformação social e enxergando o profissional como parte também da sociedade e da classe trabalhadora, e não como um ser hierárquico que atende aos interesses da classe dominante, a pesquisa participante se faz muito válida, pois propõe a transformação participativa. Conheceremos a ligação da teoria com a prática profissional, a partir de oficinas realizadas no ambiente universitário, dentro da Unati, Universidade Aberta à Terceira Idade, com as oficinas Envelhecer com Arte, compostas pelo serviço social e pelos estudantes da Unati. A metodologia utilizada nas oficinas artísticas realizadas na Unati, intituladas Envelhecer com Arte, são as mesmas propostas para a atuação do assistente social em diferentes espaços de trabalho. É importante lembrar que em cada esfera essa proposta será realizada com suas particularidades, singularidades e que, nem sempre, será a melhor opção de instrumental. Isso porque as oficinas devem proceder da realidade a qual estará inserida, ou seja, deve ser construída coletivamente por todos os participantes, e não apenas os profissionais, além de atender à demandas específicas que necessitam de uma pesquisa prévia. Nas oficinas Envelhecer com Arte, buscamos atingir o objetivo, que é discutir temas de relevância social, a partir de atividades artísticas e lúdicas. Essas
123 atividades foram escolhidas com o objetivo de tornarem as atividades mais dinâmicas e principalmente prazerosas para os integrantes do grupo, possibilitando, assim, que todos participem e contribuam para o trabalho desenvolvido. É possível criar uma atividade que tenha sentido para todos se os usuários construam coletivamente os objetivos da oficina. Quando as atividades são interessantes para qualquer pessoa que participe dela, é mais fácil atingir a participação e o envolvimento integral do grupo. A oficina contou com 10 estudantes, todos da chamada terceira idade, que vieram de realidades econômicas diversas e com experiências de vida distintas. Sendo assim, a riqueza adquirida por todos em cada oficina é substancial. Alem de construir junto, partir da demanda e da realidade dos integrantes e propor atividades prazerosas, faz parte da metodologia das oficinas uma estrutura de práxis. Intercalamos atividades teóricas e reflexivas com atividades práticas. Nas atividades teóricas estudamos técnicas artísticas, depois conhecemos algumas obras referentes a essa modalidade artística e as analisamos coletivamente promovendo uma discussão reflexiva que traz elementos como relatos de experiências, percepção e interpretação e legado cultural de cada indivíduo. As obras escolhidas manifestam e explicitam expressões da questão social e ganchos pra análise da realidade social, relações sociais e cidadania. Isso provoca discussões polêmicas acerca do meio e da sociedade em que estamos inseridos. Por fim, utilizamos da modalidade artística estudada para representarmos o que foi debatido e expressarmos nossos sentimentos, inquietações e pensamentos. Assim produzimos arte, desenvolvendo criatividade e liberdade de expressão e fugindo do cotidiano mecanicista e repressor, ao qual somos submetidos diversas vezes. As dimensões artísticas trabalhadas durante as oficinas como instrumentalidade para discussão dos temas foram: música, literatura, artes plásticas, artes cênicas, cinema, dança e fotografia.
124 Passado um tempo (3 meses) da conclusão das oficinas, foram realizadas entrevistas presenciais semi-estruturadas, onde foi elaborado um roteiro de orientação, se constituindo apenas como um eixo de discussão para possibilitar que os sujeitos discorressem de forma mais aberta sobre suas percepções, interpretações e apropriações das atividades. Esse roteiro foi pensado a partir da linguagem popular, de forma que os entrevistados compreendessem claramente as questões. Com essas entrevistas se objetivou compreender o real aproveitamento das oficinas, a assimilação dos novos conhecimentos e a participação dos integrantes com a inserção do instrumental artístico nas atividades. Pudemos perceber nas falas dos participantes que a apropriação da arte facilitou o processo de reflexão, a crítica, o processo criativo e a fruição das artes. A arte exprime, produz a obra e recria o autor, como podemos ver no seguinte trecho da obra de Marx (2010, p. 248): O objeto da arte como qualquer outro produto cria um público capaz de compreender a arte e de fruir a sua beleza. Portanto a produção não produz somente um objeto para o sujeito, mas também um sujeito para o objeto. Alguns dos estudantes também citaram que a aproximação com a sua realidade e a participação no processo de elaboração das atividades, trouxe mais sentido as discussões. Nesse sentido relembramos nossa discussão anterior, nesta monografia, onde vimos que tanto a educação, quanto a arte e a cultura, precisam ser reflexos da realidade social para uma real fruição.
125 Considerações Finais Com os estudos teóricos realizados juntamente com a analise das entrevistas, foi possível verificar que a arte se instaura como elemento facilitador da ação profissional do assistente social, pois como forma de linguagem horizontal, pode promover não só a criatividade e a participação dos integrantes como incentivar a reflexão e permitir ao Serviço Social que se efetive a dimensão educativa através da esfera política e da participação popular. Também foi possível compreender que, com ações construídas coletivamente que respeitem o interesse de todos os participantes e faça sentido para o grupo, juntamente com uma linguagem acessível a todos e elementos da realidade social do coletivo, é possível ser realizada uma atividade prazerosa e envolvente e conquistado assim o objetivo de integração, socialização e construção do conhecimento e do protagonismo social.
126 Referências Bibliográficas BARBOSA, Ana Mãe. Arte, Educação e Cultura. BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Disponível em: <http://www.dc.mre.gov.br/search?searchabletext=revista7- mat5> Acesso em: abr. 2011. CARDOSO, Franci Gomes; MACIEL, Marina. Capacitação em Serviço Social e Política Social Módulo 4. CFES ABEPSS CEAD/ NED. Item 4.4.4 Mobilização social e práticas educativas. Unb. Brasília / DF, 2000 CARMO, Onilda Alves; MATTOS, Bianca Nogueira. O Serviço Social na Educação, a Educação na Arte. Esfera de Instrumentalidade Profissional. Franca: UNESP, 2011. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Unesp, 2000. GUERRA, Yolanda. Capacitação em Serviço Social e Política Social Módulo 4. CFES ABEPSS CEAD/ NED - Item 4.2.2 Instrumentalidade do Trabalho do Assistente Social. Unb. Brasília / DF, 2000. GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da Cultura. 4.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1982. IAMAMOTO, Marilda Vilela. Renovação e Conservadorismo no Serviço Social. Ensaios Críticos. 5.ed. São Paulo: Cortez, 2000. LUKÁCS, György. Literatura y arte como sobrestrutura. In: Aportaciones a La historia de la estética. México: Grijaldo, 1965. MARX, Karl. O Pensamento Vivo de Marx. São Paulo: Martin Claret, 1985.. Cultura, arte e literatura textos escolhidos. São Paulo: Expressão Popular, 2010.