EDUCAÇÃO E TEMOR NA SUMA TEOLÓGICA DE TOMÁS DE AQUINO: UM ESTUDO NO CAMPO DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

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Transcrição:

EDUCAÇÃO E TEMOR NA SUMA TEOLÓGICA DE TOMÁS DE AQUINO: UM ESTUDO NO CAMPO DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO EDUCATION AND FEAR IN THE SUMMA THEOLOGICA BY THOMAS AQUINAS: A STUDY IN THE FIELD OF HISTORY OF EDUCATION EDUCAÇÃO E TEMOR NA SUMA TEOLÓGICA EDUCATION AND FEAR IN THE SUMMA THEOLOGICA SANTIN, Rafael Henrique 1 OLIVEIRA, Terezinha 2 Resumo Este texto aborda a relação entre temor e educação na Suma Teológica de Tomás de Aquino. Nosso objetivo principal é analisar a Questão 41 da primeira Seção da segunda Parte da Suma Teológica, a fim de apresentar a concepção tomasiana de temor como paixão da alma e as possíveis relações entre o temor e a formação humana no contexto da cristandade ocidental do século XIII. O método empregado para a análise da fonte foi o da História Social na perspectiva da Longa Duração, cujos fundamentos buscamos nas obras de Marc Bloch, Lucien Febvre, Fernand Braudel e Claudinei Mendes. Assim, verificamos que o temor, paixão da alma que se manifesta diante de um mal futuro impossível de evitar, se desdobra em diferentes espécies, designando diversas formas de imobilidade dos homens diante dos acontecimentos cotidianos. Observamos, ainda, que o temor e suas várias espécies derivam do modo como os homens apreendem a realidade: podemos temer ou não alguma coisa, a depender do modo como fomos educados e da forma como pensamos a vida. Enfim, ressaltamos a importância desse debate para a formação os intelectuais ocidentais do século XIII, época marcada pelo desenvolvimento citadino e que, portanto, demandava novos saberes e novas perspectivas. Palavras-chave: História da Educação Medieval. Tomás de Aquino. Suma Teológica. Temor. Abstract 1 Professor do Instituto Federal do Paraná (IFPR), campus Palmas. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Membro do Grupo de Pesquisa Transformações Sociais e Educação na Antiguidade e Medievalidade. 2 Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Diretora da Editora da UEM. Bolsista de Produtividade em Pesquisa 1D do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Coordenadora do Grupo de Pesquisa Transformações Sociais e Educação na Antiguidade e Medievalidade. 6

This text is about the connection between fear and education in the Summa Theologica by Thomas Aquinas. Our main objective is to analyze the Question 41 of the first section of the second part of the Summa Theologica, in order to present the tomasian conception of fear as passion of the soul and the possible connection between fear and the human formation in context of Western Christianity in the 13th century. The method used to this research was the Social History from the perspective of the Long Duration. We find the foundations of this method in historians of the 20 th century, as in Marc Bloch, Lucien Febvre, Fernand Braudel and Claudinei Mendes. Like this, we observe that the fear is a passion of the soul that appears when the men come across with a evil future impossible to avoid and splits into a various kind of fear, assigning various forms of immobility of men before the daily events. We also observed that the fear and its various species are derived from how men perceive the reality: we fear or do not something, depending on the way we are educated and the way we think the life. Finally, we emphasize the importance of this debate for the formation of the Western intellectuals of the 13th century, time marked by the development of the city and that, therefore, demanded new knowledges and new perspectives. Keywords: History of Medieval Education. Thomas Aquinas. Summa Theologica. Fear. Introdução Este artigo, situado no campo da História da Educação, tem como objetivo analisar a relação entre temor e educação na Suma Teológica de Tomás de Aquino (1225-1275), destacando a relevância da obra tomasiana como fonte para os estudos em História da Educação Medieval. Mais do que uma síntese de Teologia, a obra em questão foi escrita para a formação dos estudantes da Universidade de Paris (OLIVEIRA, 2007; 2012), que participavam cotidianamente dos debates na instituição e precisavam conhecer os temas e as perspectivas que eram discutidas. Trata-se, portanto, de um documento importante para analisarmos o modo como os medievais, e mais particularmente Tomás de Aquino, concebiam a formação dos alunos nas Universidades. O temor figura na obra do teólogo dominicano como uma das paixões da alma, que são atos da vontade e impulsionam o homem para a ação. Assim, amor, desejo, alegria, ódio, aversão, tristeza, esperança, desespero, audácia, temor e ira são 11 disposições da alma, que são chamadas por Tomás de Aquino de paixões, que definem diferentes estados capazes de delinear os contornos da ação humana. Isso significa que as paixões se colocam como princípios das ações humanas, de modo que o amor, por exemplo, provoca determinas reações, diferentes daquelas geradas pelo ódio. Uma pessoa acometida por algo ruim e de difícil solução, por exemplo, assume um estado de ira, visando mobilizar elementos capazes de extirpar o mal que lhe aflige. Outro exemplo é a esperança: alguém que deseja um bem 7

difícil de ser alcançado enche-se de esperança, a fim de não se esquecer do que precisa para conseguir o que ambiciona. Verificamos, assim, que o problema das paixões da alma na obra tomasiana contém várias possibilidades de análise, dentre as quais escolhemos, para este texto, o modo como o autor concebe o temor, visando destacar as implicações do estudo dessa paixão para a formação do universitário do século XIII. Com isso, esperamos encontrar nas reflexões de Tomás de Aquino oportunidades de aprender mais sobre os homens e as sociedades, particularmente a forma como se pensa a formação de educadores. Para o desenvolvimento de nossas considerações, partimos da História Social e da Longa Duração, pautados principalmente por Bloch (2001), Febvre (1985), Braudel (2014) e Mendes (2011). Nesse sentido, analisamos nosso objeto e nossas fontes em relação à sociedade nas quais foram produzidas, ressaltando o compromisso de Tomás de Aquino com o projeto político de civilidade no espaço citadino do Ocidente medieval. Procuramos, ainda, assumir a postura de fazer uma história-problema 3, pela qual podemos buscar nos estudos históricos uma compreensão mais abrangente da natureza dos homens e das sociedades. Com isso, esperamos encontrar lições importantes sobre problemas que atingem também a nós, pessoas do século XXI, particularmente aqueles que envolvem a educação e a formação de educadores. A Suma Teológica, de acordo com o próprio Tomás de Aquino, foi destinada aos alunos da Universidade. O teólogo começou a escrever a Suma em 1265, mesmo ano em que é enviado a Roma para dirigir a escola de Santa Sabina e que começa a escrever, também, seus comentários às obras de Aristóteles, mas não chegou a terminá-la. Antes de começar a compor a obra em questão, ele foi aluno (1245-1248) e professor (1252-1259) em Paris, primeiro como bacharel sentenciário e depois como mestre de Teologia, até ser convidado a assumir compromissos da Ordem Dominicana em Nápoles, para a organização dos seus estudos e Orvieto, para servir à corte do papa Urbano IV (1195-1264) que pensava uma união do Oriente cristão com o Ocidente cristão (TORRELL, 2004). 3 O desenvolvimento de uma história-problema, em contraposição a uma história factualista, encontra-se no seio do movimento dos Annales e aponta para uma abordagem mais abrangente da História: A revista e o movimento fundados por Bloch e Febvre, na França, em 1929, tornaram-se a manifestação mais efetiva e duradoura contra uma historiografia factualista, centrada nas idéias e decisões de grandes homens, em batalhas e em estratégias diplomáticas. Contra ela, propunham uma história-problema, viabilizada pela abertura da disciplina às temáticas e métodos das demais ciências humanas, num constante processo de alargamento de objetos e aperfeiçoamento metodológico. A interdisciplinaridade serviria, desde então, como base para a formulação de novos problemas, métodos e abordagens da pesquisa histórica, que estaria inscrita na vaguidão oportuna da palavra social, enfatizada por Febvre, em Combates por la historia (CASTRO, 1997, p. 45-46). 8

Assim, podemos considerar que a Suma Teológica, além de ser um registro histórico do compromisso de Tomás de Aquino com os debates relevantes de sua época, é também uma obra de formação pedagógica, um exemplum para os futuros mestres em Teologia o próprio autor, no Prólogo, evidencia o caráter pedagógico da Suma Teológica: O doutor da verdade católica deve não apenas ensinar aos que estão mais adiantados, mas também instruir os principiantes, segundo o que diz o Apóstolo: Como a criancinhas em Cristo, é leite o que vos dei a beber, e não alimento sólido. Por esta razão nos propusemos nesta obra expor o que se refere à religião cristã do modo mais apropriado à formação dos iniciantes. Observamos que os noviços nessa doutrina encontram grande dificuldade nos escritos de diferentes autores, seja pelo acúmulo de questões, artigos e argumentos inúteis; seja porque aquilo que lhes é necessário saber não é exposto segundo a ordem da própria disciplina, mas segundo o que vai sendo pedido pela explicação dos livros ou pelas disputas ocasionais; seja ainda pela repetição frequente dos mesmos temas, o que gera no espírito dos ouvintes cansaço e confusão. No empenho de evitar esses e outros inconvenientes, tentaremos, confiando no auxílio divino, apresentar a doutrina sagrada sucinta e claramente, conforme a matéria o permitir. (TOMÁS DE AQUINO, ST, I, Prol.). Esse aspecto é evidenciado não somente pelo conteúdo, mas também pela forma, pelo modo como as Questões e os Artigos são escritos e organizados. Com efeito, o modo como essa obra está estrutura reflete o modus operandi da disputatio que, de acordo com Lauand (2004), Libera (1990), Le Goff (2010) e outros historiadores da Idade Média, era a principal prática da Universidade medieval. A disputa, segundo Libera (1990), era o principal acontecimento do programa da Universidade medieval: o mestre reunia seus alunos a fim de debater um tema pré-definido, no caso das disputas ordinárias, ou um tema a ser definido pela plenária, no caso das disputas de quolibet; primeiro, estabelecia-se o tema e uma hipótese; depois, levantavam-se as objeções que visavam confirmar ou refutar a hipótese estabelecida; em seguida, faziam-se questionamentos contrários às objeções; só depois das objeções e das contra-objeções é que o mestre dava uma resposta, considerando os rumos tomados pelo debate até ali; ao final, caso necessário, o mestre respondia cada uma das objeções, explicando se, como e porque ele as considerava equivocadas. As Questões da Suma Teológica têm essa estrutura, de modo que, a 9

nosso ver, elas tinham o intuito de ensinar os estudantes a se portar numa disputatio, principal atividade da qual deveriam participar 4. Diante disso, faremos alguns apontamentos sobre a nossa fonte principal, que é a Questão 41, intitulada O temor em si mesmo. Ela faz parte do Tratado sobre as paixões da alma que, por sua vez, é composto por 27 Questões e integra a primeira Seção da segunda Parte (I-II) da Suma Teológica. Essas 27 Questões do Tratado sobre as paixões da alma estão ordenadas de acordo com os temas, partindo sempre do mais geral para o mais específico. Assim, da q. 22 até a q. 25 o autor trata da natureza das paixões da alma em geral; e da q. 26 até a q. 48 ele aborda as características de cada uma das 11 paixões. O teólogo dominicano dedica, ao todo, 3 Questões para a análise do temor, da q. 41 até a q. 44, nas quais ele reflete sobre o temor em si mesmo (q. 41), bem como sobre o objeto (q. 42), a causa (q. 43) e os efeitos (q. 44) dessa paixão. Todavia, em virtude do recorte de nossas reflexões neste texto, analisaremos somente a Questão 41. Temor e educação na Suma Teológica de Tomás de Aquino Antes mesmo de passarmos às reflexões de Tomás de Aquino acerca do temor, é preciso destacar alguns aspectos importantes. Em primeiro lugar, entendemos que as paixões da alma são, na perspectiva tomasiana, princípios da ação do homem. Para termos uma ideia, o teólogo dominicano afirma, na q. 28 da parte I-II da Suma Teológica, que tudo o que o homem faz, o faz porque ama, isto é, porque encontra compatibilidade no bem que deseja e que o move para a ação. O homem, sendo imagem e semelhança de Deus, contém em si não somente um conhecimento tácito de que se destina à bem-aventurança, mas também o princípio que o move para a consecução dessa finalidade (TOMÁS DE AQUINO, ST, I-II, q. 1). Contudo, o fato de ter em si o princípio e uma noção do fim não significa que o homem trilhe 4 Cavalcante (2012), em sua tese de doutorado, faz uma análise pertinente da importância histórica da disputatio medieval: É importante não perdermos de vista a responsabilidade intelectual do mestre, à qual Le Goff se refere, principalmente ao considerarmos que a disputatio exerceu profunda influência no estilo dos trabalhos escritos e, no século XIII, muitos comentários passaram a estruturar-se sob a forma de questões disputadas. A mesma influência exerceu sobre as summae que, anteriormente, eram apenas resumos rápidos, geralmente de vida curta e de conteúdo convencional e, com essa reorganização interna, passaram a empreender textos altamente elaborados e se constituíram na forma mais acabada e fundamental para a elaboração filosófica da Universidade medieval. Esse é o caso da Suma de Teologia de Tomás de Aquino, obra de exposição sistemática e clara da doutrina cristã, organizada internamente como mini disputas e escrita, segundo seu autor, para iniciantes nos estudos teológicos (CAVALCANTE, 2012, p. 36). 10

naturalmente esse caminho, mas é algo que ele faz voluntariamente, dependente das escolhas que ele faz e das atitudes que toma no dia-a-dia (TOMÁS DE AQUINO, ST, I-II, q. 6). Convém distinguir, entretanto, os conceitos de voluntário e natural. Voluntário, para Tomás de Aquino, é tudo aqui que deriva da vontade, que é contingente em relação à apreensão do intelecto e a disposição para a ação. As ações voluntárias, portanto, não acontecem necessariamente, sendo necessário que as façamos porque queremos faze-las. Já as ações naturais advêm das disposições naturais do ser, independentemente das escolhas que fazemos. As trocas gasosas que acontece nos pulmões é um processo natural, que independe da vontade humana não podemos não querer que essas trocas sejam feitas. O mesmo acontece com a digestão dos alimentos pelo organismo. Contudo, podemos prender a respiração por um certo período, pelo tempo que desejarmos, bem como escolher os alimentos que ingerimos. As paixões da alma fazem parte dessa complexidade da ação humana, cujo fundamento é a dupla potência da alma: intelecto e vontade. Elas são, pois, atos voluntários e decorrem da vontade consciente. Nessa perspectiva, o temor é a paixão que se opõe à audácia e precede a ira, na medida em que se refere ao mal futuro impossível de evitar (TOMÁS DE AQUINO, ST, I-II, q. 23). A Questão 41 está dividida em 4 Artigos nos quais se pergunta, primeiro, se o temor é paixão da alma; segundo, se o temor é uma paixão especial; terceiro, se há um temor natural; e, quarto, quais as espécies de temor. Assim, para responder ao primeiro questionamento, mestre Tomás afirma que o temor é uma paixão da alma porque pertence às potências apetitiva e sensitiva e refere-se ao mal futuro impossível de impedir. Na resposta dada à segunda objeção, o teólogo dominicano faz uma reflexão importante: QUANTO AO 2, deve-se dizer que como a paixão de um corpo natural provém da presença corporal de um agente, assim a paixão da alma provém da presença psíquica de um agente, sem que ele esteja presente corporalmente ou realmente; isto é, enquanto o mal, que na realidade é futuro, está presente segundo a apreensão da alma. (TOMÁS DE AQUINO, ST, I-II, q. 41, a. 1, resp. 2). Nesse sentido, o temor, entendido como paixão da alma, se caracteriza como um processo psíquico, isto é, o temor se desenvolve nos homens na medida em que se sentem ameaçados por algo. As populações da América Central e do sul da América do Norte sofreram, em meados de 2017, as consequências de quatro furacões que devastaram cidades 11

inteiras 5. Antes desses furacões chegarem à costa, eles eram uma ameaça, um mal futuro impossível de evitar. Não houve a necessidade de que os furacões chegassem e devastassem as localidades para que as pessoas entendessem, então, o mal que representavam. Essa percepção do intelecto gerou, consequentemente, a paixão do temor nessas pessoas que, diante do mal inevitável dos furacões, procuraram se refugiar segundo suas possibilidades. Observamos, aqui, a relação essencial entre intelecto e temor, de modo que a paixão da alma emerge, justamente, a partir de uma determinada apreensão do intelecto. Essas reflexões de Tomás de Aquino fazem interlocução com as vicissitudes de sua época, marcada principalmente pelo desenvolvimento das cidades e das atividades das corporações de ofício e dos mercadores (LE GOFF, 2005; FEBVRE, 2004). O ambiente citadino, como nos ensina Oliveira (2002), era marcado por uma diversidade que a vida no interior dos feudos não possibilitava. Na cidade, padres, clérigos, artesãos, mercadores, camponeses, príncipes, estudantes e prostitutas dividiam o mesmo espaço, realidade que impunha aos intelectuais a necessidade de (re)pensar as relações humanas 6. Acreditamos que o debate acerca das paixões presente na Suma Teológica, notadamente sobre o temor, tem esse cenário, pois refletir sobre o modo como nos relacionamentos significa, também, reavaliar a natureza de nossas ações, cuja complexidade implica as paixões e suas relações com o intelecto. No segundo Artigo, o teólogo dominicano questiona se o temor é uma paixão especial. Ele argumenta que o temor é uma paixão especial por causa de seu objeto, que é o mal impossível de evitar. Além disso, o temor é uma paixão irascível, isto é, implica dificuldades a serem enfrentadas o mal que gera temor é impossível de evitar, mas não de enfrentar. Essa discussão conduz ao terceiro Artigo, cujo tema é a existência, ou não, de um temor natural. O termo natural aparece, aqui, como antítese do termo habitual, no sentido de que natural designa algo que está no ser desde sua concepção, e habitual define tudo o que foi adquirido ou perdido pelo ser durante sua existência. Desse modo, a solução de Tomás de Aquino para o questionamento do Artigo se divide em duas partes: na primeira ele esclarece porque chamamos um movimento de natural e, na segunda, explica a razão pela qual consideramos, eventualmente, o termo como algo natural. 5 A imprensa noticiou bastante a passagem dos furacões Harvey, Irma, Kátia e José pelo continente americano. Dentre as reportagens, citamos as das páginas do Estadão, de 6 de setembro de 2017, e da BBC, de 10 de setembro de 2017. 6 Acerca desta questão, a leitura do texto profissões lícitas e ilícitas de Le Goff, é muito importante. 12

Um movimento se chama natural porque a natureza para ele se inclina, o que acontece de dois modos. No primeiro modo, tudo se realiza pela natureza, sem qualquer ação da potência apreensiva: como mover-se para cima é o movimento natural do fogo, e crescer é o movimento natural dos animais e das plantas. No outro modo, diz-se natural o movimento ao qual a natureza se inclina, embora não seja realizado senão pela apreensão; porque, como acima foi dito, o movimento das potências cognitivas e apetitivas se reduzem à natureza, como a seu princípio primeiro. É desta maneira que, às vezes, se chamam naturais até mesmo os atos da potência apreensiva, como conhecer, sentir e recordar, e também os movimentos do apetite animal. (TOMÁS DE AQUINO, ST, I-II, q. 41, a. 3, sol.). Verificamos que, na perspectiva tomasiana, há duas formas de considerar algo como natural. Primeiro, como um dado da natureza, isto é, sabemos que se jogarmos uma pedra para cima dentro da atmosfera terrestre ela naturalmente cairá até atingir a parte mais próxima da superfície. É da natureza da pedra cair ao chão quando arremessada. No entanto, há uma segunda forma de considerar algo natural, pois um ato que se repete diversas vezes acaba por ser incorporado ao ser como uma segunda natureza, como hábito. Por isso, o autor afirma que o movimento, ou seja, a atualização das potências cognitivas e apetitivas, os atos de aprender, pensar e apetecer, acontecem com tanta frequência na alma humana que acabam por se tornar naturais, quer dizer, habituais. Com efeito, é justamente a partir desse segundo modo de conceber algo como natural é que acabamos por considerar a existência de um temor natural, distinguindo-o de um temor não-natural. O temor natural, segundo o pensamento tomasiano, está relacionado ao medo de deixar de existir, pois existir é um desejo natural de todo ser. Já o temor não-natural refere-se ao medo da tristeza, isto é, ao receio de ser acometido por um mal capaz de entristecer, de minar a vitalidade da vontade. O primeiro pode ser entendido como um instinto de sobrevivência, assim como o segundo pode ser interpretado como um mecanismo de proteção da individualidade. Dessa forma, ressaltamos, mais uma vez, a centralidade das reflexões sobre o temor na sociedade em que Tomás de Aquino viveu e produziu suas obras, pois existir na cidade do século XIII implicava tanto uma, como outra forma de temor. Vale lembrar que grande parte das cidades, ainda naquela época, eram construídas no interior de muralhas fortificadas, visando proteger a população de possíveis invasões; eram interligadas por estradas nem sempre seguras, sujeitas à ação de ladrões e saqueadores; além, é claro, dos vícios que caracterizavam o mundo citadino (cf. LE GOFF, 2008). Portanto, refletir sobre o temor era necessário não somente para o aprimoramento teórico dos estudantes de Teologia, 13

mas, também, para desenvolver uma percepção mais abrange do mundo onde viviam e deveriam ensinar. O teólogo dominicano finaliza a Questão 41 com uma problemática que, a nosso ver, é essencial. Ele dedica o quarto Artigo para a apresentação das espécies de temor que, em última instância, designam diferentes de maneiras de compreender as razões da imobilidade dos homens. Assim como mencionamos anteriormente, o temor é provocado por algo ruim que ainda não aconteceu, mas que vai acontecer. Se esse mal é apreendido como algo que pode ser evitado, então a paixão que se manifesta é a audácia. Se é apreendido como algo que não pode ser evitado, então a paixão que se manifesta é o temor. Entretanto, não há, no texto de Tomás de Aquino, que faça do temor uma paixão imobilizante, no sentido de que o homem temeroso é um sujeito que não age e espera que o mal futuro o atinja. Temor não significa conformismo e é por isso que a distinção das diferentes espécies de temor é importante, pois conhecê-las é um pressuposto para evitar que se tornem um vício. Como foi dito, o temor é de um mal futuro que ultrapassa o poder do que teme, de modo que não lhe pode resistir. Como o bem do homem, também o mal, pode considerar-se ou na ação dele, ou nas coisas exteriores. Na ação do homem, há dois tipos de mal a temer. Primeiro, o trabalho que pesa sobre a natureza. Daí surge a preguiça: quando se recusa a agir por causa do temor do trabalho excessivo. O outro mal é a infâmia que prejudica a reputação. Se alguém teme a infâmia em um ato a praticar, tem vergonha; se teme a infâmia em um ato a praticar, tem vergonha; se teme a infâmia por um ato torpe já praticado, tem pudor. O mal que está nas coisas exteriores pode ultrapassar a capacidade do homem de três maneiras: 1, em razão de sua grandeza. Quando alguém considera um grande mal, e não consegue ver como sair dele. Há então admiração. 2, em razão da falta de costume. Quando um mal insólito se oferece à nossa consideração, e assim é grande para nossa apreciação. Há então estupor, produzido por uma imagem insólita. 3, em razão da surpresa, porque não se pode prever: assim tememos as desgraças futuras. Esse temor se chama angústia. (TOMÁS DE AQUINO, ST, I-II, q. 41, a. 4, sol.). Verificamos que, segundo Tomás de Aquino, há 6 espécies de temor: preguiça, vergonha, pudor, admiração, estupor e angústia. A preguiça é o temor do trabalho, necessário para assegurar a existência dos indivíduos e da própria sociedade. A vergonha e o pudor são temores gerados por ações que serão praticadas (vergonha) e ações que já foram praticadas (pudor). Já a admiração, o estupor e a angústia são espécies de temor que derivam da constatação de que as coisas ultrapassam a capacidade de apreensão e compreensão. Quando algo é grande demais para ser compreendido, olha-se para esse objeto com temor de 14

admiração. Quando algo é inusitado, mas não exatamente novo, o sujeito é acometido por um temor de estupor. Agora, quando uma coisa é imprevisível gera, nos homens, o temor de angústia. Dentre os aspectos ressaltados, sobre as espécies de temor, destacamos, em primeiro lugar, a preguiça. Consideramos importante o fato de um teólogo dominicano, comprometido com a civilização do Ocidente medieval que, no século XIII, se caracterizava sobretudo pelas atividades artesanais e comerciais praticadas nas cidades, abordar a questão da preguiça em uma obra destinada a formação de mestres de Teologia, futuros professores. Em nossa perspectiva, o autor faz, aqui, um exercício que, de um lado, visa a compreensão da realidade em que vivia e, de outro, propõe uma determinada perspectiva. Se o temor é causado pela apreensão do intelecto, então nós podemos temer ou não o trabalho pelo qual se garante a existência dos homens 7. O fato de termos preguiça ou não advém do modo como somos educados e como concebemos o trabalho. Outras duas espécies de temor que nos chamam a atenção são aqueles que geram admiração e estupor, pois um, a admiração, é o 'princípio do filosofar' e o outro, o estupor, 'é um obstáculo à indagação filosófica' (TOMÁS DE AQUINO, ST, I-II, q. 41, a. 4, resp. 5). Na resposta dada à quinta objeção do quarto Artigo, que afirmava que o filósofo é levado à pesquisa da verdade pela admiração e que o temor, antes, o paralisaria, Tomás de Aquino observa que a admiração do filósofo pode, inicialmente, paralisá-los, mas somente porque [...] se recusa a dar no presente um juízo sobre aquilo que admira, temendo enganar-se; mas questiona sobre o futuro (TOMÁS DE AQUINO, ST, I-II, q. 41, a. 4, resp. 5). Ao contrário, quem está sob estupor não emite juízo no presente, nem tampouco questiona no futuro. Nessa perspectiva, o temor que gera admiração se constitui como um princípio do intelectual prudente, ao passo que o temor que gera estupor figura como um obstáculo ao trabalho do intelectual. Considerações finais 7 Aqui há uma referência importante que nos ajuda a entender o conceito de trabalho empregado pelo autor nessa Questão 41, que é o relato sobre o pecado original. A doutrina cristã acredita que, quando da criação, Deus criou tudo o que existe, inclusive o homem e duas árvores especiais que simbolizam dois períodos distintos da humanidade: a árvore da vida, que garantia tudo o que era preciso às criaturas, e a árvore da ciência do bem e do mal. Os frutos da árvore da ciência do bem e do mal eram proibidos aos homens, por ordem expressa do criador, que reservou à suas criaturas os frutos da árvore da vida. Quando Adão e Eva contrariaram as ordens de Deus e consumiram o fruto da árvore proibida, influenciados pela serpente, Deus fez com que os frutos da árvore da vida se tornasse inacessível aos homens, obrigando-os a garantir a sobrevivência por meio do trabalho. Daí a afirmação de Tomás de Aquino: [...] o trabalho que pesa sobre a natureza, que pode gerar a preguiça. 15

À guisa de conclusão, verificamos, em primeiro lugar, que o estudo da Suma Teológica de Tomás de Aquino se constitui como uma fonte importante para a História da Educação Medieval. Além de ser um documento relevante para analisarmos o modo como os medievais se educavam, o texto é permeado de lições sobre o modo como professores e alunos se relacionam com o saber, relação esta que depende, em grande medida, do ato voluntário, isto é, da vontade. Contudo, ressaltamos, em segundo lugar, que não há, na perspectiva tomasiana, ato voluntário sem o ato intelectivo. Com efeito, de acordo com mestre Tomás, o temor é uma paixão da alma e pode gerar um comportamento prudente ou a inação a depender de como o mal futuro é apreendido, ou seja, o vício e a virtude relacionados com o temor são determinados pelo pensamento reflexivo e pela educação que se recebe. Em terceiro lugar, observamos que o debate acerca do temor, assim como as considerações sobre as demais paixões da alma, denota o cuidado do autor da Suma Teológica em proporcionar aos seus alunos uma compreensão profunda da complexidade da alma humana. Defendemos a tese de que, para Tomás de Aquino, o princípio fundamental da sabedoria do mestre é, justamente, o conhecimento do intelecto, principal elemento da alma humana, e de suas determinações. As paixões da alma, nessa perspectiva, só podem ser entendidas se considerarmos sua relação com a potência intelectiva. Isso significa, do nosso ponto de vista, que a educação, o ensino e a aprendizagem podem ser considerados como elementos centrais da pedagogia tomasiana. Talvez, a principal lição que podemos aprender com Tomás de Aquino seja a de que nós precisamos, assim como os mestres do século XIII, conhecer a natureza humana em sua complexidade, compreendendo o homem na perspectiva de sua totalidade. Nesse sentido, precisaríamos entender que as suas ações práticas a preguiça, a inveja, o temor que, muitas vezes, são evidenciadas na própria corporeidade, resultam da sua compreensão intelectiva de si e da sociedade e só podem ser entendidas, portanto, se compreendermos os aspectos físicos e mentais [o que denominamos como totalidade] no homem. Logo, essa questão do mestre Tomás nos permitiria superar uma tendência quase natural' no tempo presente de compartimentar para melhor conhecer. Referências 16

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