herdeiros dos doadores.



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Transcrição:

1 P.º n.º R.P. 26/2011 SJC-CT Ónus de eventual redução de doação sujeita a colação. Doação do prédio sujeito ao encargo feita pelos primitivos beneficiários aos primitivos autores da liberalidade sujeita a colação. Suficiência da ulterior doação enquanto título para cancelamento do registo do ónus. PARECER 1...., casado com... na comunhão de adquiridos, fez doação ao filho... e mulher..., casados na comunhão de adquiridos, do prédio descrito na ficha... da freguesia de..., concelho de, título que deu origem à feitura de registo de aquisição a favor dos donatários e, oficiosamente, de ónus de eventual redução de doação sujeita a colação (ap.... de / / ). 1 Tanto quanto nos é permitido concluir em face da evolução dos dados descritivos, o prédio, ao tempo da doação e do correspectivo registo, estava inscrito na matriz rústica sob o artigo..., tendo este posteriormente sido subdividido nos arts.... e..., o primeiro correspondendo a uma denominada parcela, com 3120 m 2, e o segundo a uma denominada parcela, com 6496 m 2. Em / /, sob a ap., procedeu-se à desanexação da parcela, que ficou autonomamente descrita na ficha... da indicada freguesia, mantendo-se sobre ela a carga inscritiva que versa sobre o prédio progenitor. 2. No dia 10/12/2010, por escritura pública lavrada no cartório da notária..., o... e a mulher doaram ao e à mulher o prédio da descrição..., com a identidade que lhe cabia à luz da verificada desanexação é dizer, como reduzido à parcela inscrita no artigo... 2.1. Em 16/12/2010, através do sítio www.predialonline.pt, cuidou a sra. notária de requisitar 1) pela ap., o registo da aquisição causado na doação a que dera forma legal, e 2) pela ap., o averbamento de cancelamento do referido ónus de eventual redução da doação sujeita a colação. Em vista deste cancelamento, a mais da junção da 1 Afiguram-se-nos inadequados os termos em que se procedeu à transcrição para o sistema informático do registo do ónus, identificando-se como sujeitos activos do facto o... e a... e, como sujeitos passivos, o... e a A inscrição do ónus, na verdade, reveste natureza impessoal crucial é identificar a concreta doação sujeita a colação, e é com esse propósito que caberá referenciar doadores e donatários, que não enquanto sujeitos do facto (o ónus) registado. Cfr. SEABRA DE MAGALHÃES, Formulário do Registo Predial, 1972, p. 193.

2 referida escritura, subscreveu a sra. notária declaração complementar do seguinte teor: O prédio, após uma desanexação, voltou aos iniciais doadores, pelo que se pediu o cancelamento do ónus de eventual redução de doação. 2.2. A conservatória do registo predial de..., serviço que ficou incumbido da apreciação da viabilidade de tais pedidos, recusou no entanto a feitura do cancelamento. Transcrevemos o pertinente despacho: O registo de cancelamento do ónus foi recusado, nos termos do disposto nos arts. 13.º, 43.º, 68.º e 69.º, n.º 1 b) do código do registo predial, por não se encontrar titulado nos documentos apresentados, pois não foi junto documento comprovativo de ter sido dispensada a colação pelos doadores, ou de ter sido efectuada a conferência dos bens doados nos termos do disposto nos artigos 2113.º e 2108.º do Código Civil. Pese embora o prédio (parte sobrante do inicialmente doado) tenha regressado à titularidade dos doadores por doação dos donatários (sujeitos à colação) trata-se de um novo negócio jurídico, que não implica a conferência do bem doado, pois como determina o n.º 2 do art. 2109.º do referido C. Civil, mesmo que o bem tenha sido alienado pelo donatário, mantém-se a obrigação de conferir o seu valor para com os restantes herdeiros dos doadores. 2.3. Contra tal recusa interpôs em tempo a sra. notária o presente recurso hierárquico. Argumentou assim, em sustentação do pedido de reparação da impugnação e consequente efectuação do cancelamento: ( ) A colação visa igualar os herdeiros na partilha (porque se presume que o doador não quer beneficiar o donatário). Ora, se o filho devolve (doa sem encargos) o bem que recebeu, então fica satisfeita a finalidade do instituto não há nova devolução a fazer, pois fica afastada a beneficiação de um herdeiro em prejuízo dos outros herdeiros. É certo que a restituição em espécie depende do acordo dos herdeiros (art. 2108.º, n.º 1 CC), mas tal regime apenas vale para depois da morte. Antes, não é preciso, basta o acordo do futuro autor da sucessão quando aceita a devolução (doação), como aconteceu neste caso. Assim, como não há colação a fazer (nem podia, porque a coisa já foi devolvida), o ónus que existia extinguiu-se ipso facto, uma vez que, de algum modo, a colação foi feita antecipadamente e o título é a escritura de doação (por isso é que a conferência, na terminologia da senhora conservadora, foi realmente feita). Nem vale dizer que o herdeiro, quando recebe o bem, tem que igualar, e agora, quando o doa, aumenta o património dos futuros autores da sucessão (como ocorreria se se tratasse de dois bens diferentes). Isso é uma ficção e uma contradição face ao fundamento do instituto. É uma ficção porque ficciona que se trata de dois bens diferentes ou ignora que se trata do mesmo bem e a identidade do bem é essencial: a devolução do bem (a doação ora feita) não aumenta o património face aos herdeiros futuros, apenas restaura o status quo ante (reconstitui) desse património face aos herdeiros. É também uma contradição porque a colação visa impedir o empobrecimento dos herdeiros, e não alcançar o seu enriquecimento, e isso seria o que aconteceria se o bem fosse sujeito à colação (de certo, ninguém pretende que a doação original, apesar da devolução do bem, ainda está sujeita à redução por inoficiosidade!).

3 A invocação do artigo 2109.º, n.º 2 do CC, é no caso inconsequente: a norma visa alienações a terceiros, e não a retro doação o regresso do bem ao património dos futuros autores da sucessão (anteriores doadores), logo não cabe no caso. 2.4. Razões que porém não procederam junto da recorrida. No despacho previsto no art. 142.º-A CRP recusou que a mera verificação do reingresso do prédio (ou da parte que dele restava após a mencionada desanexação) na titularidade dos doadores implique a automática cessação da obrigação de conferir. Ademais, nota, se a vontade dos doadores (agora donatários) era a de dispensar os donatários (agora doadores) da colação, essa vontade bem poderia ter ficado expressa na escritura, assim se obtendo o documento comprovativo da extinção do direito associado ao ónus indispensável ao cancelamento do respectivo registo. Refuta ainda a tese da recorrente de que a alienação mencionada na previsão do art. 2109.º/2 CCivil seja somente a que se faça para terceiros, que não também a que tenha os anteriores doadores por actuais donatários a lei não distingue, limitando-se a fixar um critério temporal de valoração dos bens doados para efeitos de realização da colação. Também no art. 2106.º CCivil, ao preceituar que a obrigação de conferir recai sobre o donatário ou sobre os seus representantes, ainda que estes não tenham tirado benefício da liberalidade, julga a sra. conservadora encontrar apoio para o seu ponto de vista, tanto mais que se lhe afigura inquestionável que o actual doador (anterior donatário) já tirou benefício da doação pois que só o facto de poder doar o bem que lhe fora doado é já por si um benefício. Defende, finalmente, que só numa situação, prevista no art. 2112.º CCivil, não está a coisa doada sujeita a colação quando ela tenha perecido em vida do autor da sucessão por facto não imputável ao donatário. Mas essa é uma norma excepcional, como tal insusceptível de integração analógica. ***** Saneamento e Fundamentação 1. Inexistindo questões prévias e preenchidos que estão os necessários requisitos processuais, cumpre conhecer do mérito. 2. Permita-se-nos, a propósito do instituto da colação e do conexo ónus previsto no art. 2118.º do CCivil, recuperar parte do que sobre a matéria escrevemos no P. RP

4 24/2008 SJC-CT: 2 O instituto da colação que no actual CCivil vem regulado nos arts. 2104.º e ss. e no anterior se regia pelas disposições dos arts. 2098.º e ss. consiste na restituição que os descendentes devem fazer à massa da herança do ascendente dos bens ou valores que este lhes haja doado com o fim de entres eles se alcançar a igualação da partilha. Esta restituição, que as mais das vezes se faz simplesmente pela imputação do valor da coisa doada na quota hereditária do beneficiário em vida, pode excepcionalmente, se todos os herdeiros nisso acordarem, fazer-se em espécie ou substância, mediante a reversão da própria coisa (art. 2108.º, n.º 1, do código actual, e proémio do art. 2107.º do código anterior, na redacção do Decreto 19.126, de 16-12- 1930). Mais do que dissecarmos o instituto, porém, o que sobretudo neste espaço montará é que averiguemos qual o papel que no seu âmbito o legislador reserva ao ónus previsto no art. 2118.º (e no art. 2107.º, 7.º, do código velho). Sobre isto, o que antes de mais importa reter é que somente as doações abrangidas pela obrigação de conferir ficam vinculadas ao ónus. Esteja por qualquer motivo a liberalidade de colação isenta que por sua vez o bem por essa via adquirido outrossim do ónus isento estará. A segunda relevantíssima nota de que devemos dar conta é que o ónus, recaindo exclusivamente embora sobre os bens que devam ser conferidos para efeitos de igualação da partilha, em bom rigor não visa garantir este objectivo, senão um outro bem distinto, qual seja o da tutela da integridade da legítima. É o que na verdade flui do disposto no n.º 2 do art. 2108.º, ao estatuir que se não houver na herança bens suficientes para igualar todos os herdeiros, nem por isso são reduzidas as doações, salvo se houver inoficiosidade. Como mostra Oliveira Ascensão (Direito Civil Sucessões., 1989, págs. 547 e ss. 3 ), a redução que porventura tenha que ser feita sê-lo-á sempre por efeito da inoficiosidade, nunca por efeito da colação. (Contra, porém, cfr. Rabindranath Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, II, 1997, p. 284). 3. Posto este brevíssimo esboço do recorte dogmático, e da função que lhes assiste, das figuras em torno das quais se desenvolve a argumentação de recorrente e recorrida, importa então apurar se a escritura lavrada pela primeira no dia 10/12/2010 comprova a realização da colação e, concomitantemente, a extinção do ónus de colação (porquanto, como se notou, o ónus só existe enquanto existir obrigação de colação), por modo a concluir quanto à respectiva idoneidade para servir de título ao cancelamento 2 Cfr. nota 6. 3 Corrigimos a referência bibliográfica constante do original, que pressupunha uma sua prévia menção, afinal inexistente.

5 peticionado. A linha de argumentação seguida pela recorrente assenta basicamente na ideia de que a doação constante do referido documento consiste como que no negativo da doação anterior, fundamento do registo de aquisição a favor do... e da... e do registo do ónus de colação. Quer dizer: a última doação não seria mais do que a reedição da doação anterior em movimento invertido, limitando-se os sujeitos, exactamente os mesmos nos dois actos, a permutar de lugar com os donatários do primeiro acto a desempenharem nesta ocasião o papel de doadores, e os primitivos doadores agora o de donatários. Com o resultado de que assim se reporá o statu quo ante, reintegrando-se, quanto àquele particular elemento, o património que pela primeira doação dele se diminuiu. Nestes termos, operando a retro-doação o regresso do bem ao património do ascendente doador, isso equivalerá a uma verdadeira colação feita em vida do doador e assim, encerrando ou significando esta doação também a própria realização da conferência, haverá evidentemente título para cancelamento do ónus. Parece-nos ser este, grosso modo, o raciocínio que traveja o recurso. Salvo o devido respeito, porém, é um raciocínio que se encontra viciado nas suas fundamentais premissas e, logo, também, no corolário extraído. 4. Para começar, a doação de Dezembro de 2010 está muitíssimo longe de ser a pretendida replicação da doação anterior (tal como o registo no-la revela), só que virada do avesso. Primeiro: o objecto mediato não é o mesmo. O que o... e a gratuitamente receberam foi um prédio com 9975 m 2 ; o prédio que por sua vez gratuitamente cedem é já só uma parte daquele, com 6496 m 2, produto do intermédio desmembramento que gerou o prédio descrito na ficha... Portanto, não é (não seria) rigoroso falar de reposição do mesmo bem, nem de conferência do mesmo bem; poderá (poderia), quando muito, falar-se de reposição parcial, e de conferência parcial. Segundo: tão-pouco os sujeitos são os mesmos. É verdade que os primitivos donatários são agora os doadores o... e a...; quanto a estes, dá-se com efeito uma inversão de papéis. Mas, na primeira doação, doador terá sido apenas o..., posto que o prédio, atento o regime de bens matrimonial, fazia parte do seu património próprio (CCivil, art. 1722.º/1-b) 4, e, na segunda, não é ele e só ele o donatário é ele e o cônjuge..., simultaneamente. Ora isto faz com que seja manifestamente insustentável o 4 Supondo que o bem lhe tenha advindo depois do casamento; se a sucessão a que respeita a partilha hereditária com base na qual o... inscreveu a aquisição a seu favor (ap. de / / ) se abriu antes do casamento, a natureza própria do bem resultará da conjugação do disposto na al. a) do n.º 1 e na al. a) do n.º 2 do mesmo art. 1722.º.

6 brandido argumento da simples reposição : o bem (que é já outro bem) não retornou ao património de origem mas ingressou na massa dos bens comuns do casal do... e da (CCivil, art. 1729.º/1). O o ascendente doador, o futuro de cujus afinal não readquiriu gratuitamente o bem que doara ao presuntivo herdeiro legitimário (e ao respectivo cônjuge Ccivil, art. 2107.º/2); quem o readquiriu foi a comunhão conjugal, na qual ele não é senão meeiro, comunhão em que, em certo sentido, não será despropositado ver, em relação a cada cônjuge, um terceiro, visto que sobre os concretos e determinados bens que o integram não têm os consortes direito individual algum, de que isoladamente, por sua exclusiva vontade, possam dispor. 5 Mas, se isto é assim e nós não vemos como possa não ser, cai pela base toda a argumentação da recorrente: não há devolução nenhuma, nem com certeza faz sentido admitir uma conferência em vida realizada mediante a restituição do bem a um património diferente do do doador. 5. Vamos porém imaginar que o cenário de base prefigurado pela recorrente se verifica: que a segunda doação é a fiel imagem invertida da primeira que o bem doado é exactamente o mesmo que o bem retro-doado, e que são exactamente os mesmos os pólos subjectivos dos dois actos, e exactamente o mesmo o regime jurídico dos patrimónios transmitente-transmissário. Fosse isto o que tivesse ocorrido, seria correcto ver na ulterior doação do bem, feita pelo presuntivo herdeiro legitimário ao ascendente de quem recebera, o equivalente duma conferência em vida? No nosso modo de ver, não seria. É que, contrariamente ao que sustenta a recorrente, é nossa firme convicção que em caso algum seja em vida do autor da liberalidade sujeita a colação, seja após a abertura da sua sucessão pode a conferência cumprir-se ao arrepio da intervenção dos titulares do direito à conferência. A colação tutela o direito dos demais sucessíveis prioritários 6 à igualação na partilha; é por isso inconcebível que a conferência se possa dar por realizada, e bem realizada, por mero acordo entre doador e donatário. Em vida do autor da liberalidade, na verdade, é com o maior cepticismo que admitimos outra forma de realizar a conferência que não seja através do mecanismo da partilha em vida (CCivil, art. 2029.º). 7 5 A comunhão conjugal é uma forma de propriedade colectiva: os bens nela integrados pertencem aos dois cônjuges em bloco. Cfr. MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, I, p. 224-226. 6 Cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, op. cit., p. 544. 7 Porém, mesmo no quadro da partilha em vida, não parece de admitir a colação em espécie que na partilha hereditária, obtido o acordo de todos os herdeiros, se prevê (CCivil, art. 2108.º/1). Cfr., sobre o ponto, o parecer do P. RP 64/96 RP4, Boletim dos R. e do Notariado, II Cad., Abril 1997, p. 7 e ss., maxime o ponto 9.

7 A colação só se efectiva, e só pode efectivar-se, com o acordo dos respectivos beneficiários, seja quando for que se pretenda realizá-la. 6. Também, salvo o devido respeito, não se crê acertada a afirmação de que, reposto o bem, nos termos pressupostos (se bem que, no caso, como se viu, inverificados), no património do autor da liberalidade, os interesses dos virtuais coherdeiros ficam automaticamente acautelados, uma vez que desse modo, na justa medida da unidade de valor que aquele específico bem representa, o quantum do património partilhável se recompõe em benefício de todos. A afirmação só faria sentido, estamos em crer, se se pudesse demonstrar o indemonstrável: ou seja, que o bem retrodoado fica imobilizado no património do (ex-doador) donatário até ao fim da vida dele ou seja, que o bem fica inelutavelmente condenado a tornar-se em bem deixado por morte, reduzido a um estado de hibernação jurídica que o pouparia tanto a actos de disposição do seu dono como a actos tendentes à efectivação dos direitos dos seus credores. Ora, como é evidente, ninguém pode asseverar que o bem não seja ulteriormente vendido (hipotecado, penhorado, etc.), e que à data da abertura da sucessão ele por conseguinte ainda faça parte do relictum. Em suma: o regresso da coisa à esfera patrimonial do doador não implica por si só a eliminação do desequilíbrio relativo, a reparar (tipicamente) em sede de partilha, provocado pela doação ao legitimário presumido. 7. Porém, ainda que fosse de admitir uma conferência concertada a dois, e bem assim que da restituição ipso facto resulta a correcção da desigualdade criada pela doação sujeita a colação o que na verdade, como expusemos, não admitimos, estamos em crer que a escritura apresentada, só por si, mesmo que conjugada com os dados do registo, não seria documento suficiente para comprovar o efeito extintivo pretendido. É que a construção pressupõe que entre o momento da doação do ascendente ao descendente e o momento da doação inversa o bem esteve sempre nas mãos do presuntivo herdeiro legitimário. Só que o registo não prova que a isso se tenha reduzido a biografia jurídica do bem: o que o registo faz presumir é tão-somente que o bem pertenceu ao... e que posteriormente passou a pertencer ao... e mulher; mas não presume (não exclui) que, após a doação feita a estes, eles não tenham alienado o bem a terceiro, e que mais tarde o tenham readquirido, do mesmo ou doutro terceiro. É perfeitamente possível (sendo irrelevante o grau de probabilidade) que tais actos subsequentes se tenham praticado enquanto nas tábuas se mantinha em vigor o mesmo registo em nome do Davide e da mulher. 8 Não tendo o registo natureza constitutiva, mas 8 Claro que o desenvolvimento hipotético figurado envolverá preterição do princípio da legitimação (cfr. art. 9.º/1, do CRP). O que, como se vem entendendo, porém não prejudicará a validade dos actos que o

8 somente consolidativa, 9 ele não serve para provar que sobre os bens apenas se praticaram os actos ou factos que dele constam. E parece-nos indiscutível que, caso o beneficiário da liberalidade de permeio tivesse transmitido o bem a outrem, a tese da reposição, também por aí, claudicaria (cfr. CCivil, art. 2109.º/2). 8. Diante do exposto, julgamos seguro concluir que na escritura lavrada pela sra. notária recorrente, com intervenção dos sujeitos que nela efectivamente intervieram, nunca poderia dar-se por comprovada a realização da colação. O que se pode perguntar, no entanto, é se na referida escritura será lícito descortinar uma declaração tácita de dispensa de colação (CCivil, art. 2113.º), já que declaração expressa manifestamente não há. Mas não cremos que os termos da escritura permitam deduzir minimamente, quanto mais inequivocamente, 10 uma tal vontade de dispensa. Nem, aliás, acentue-se, a recorrente o pretende. 11 9. Decorre do exposto que somos de parecer que ao recurso não deve ser dado provimento; e, de quanto dissemos, extraímos as seguintes CONCLUSÕES 1.ª A realização da colação ou conferência dos bens doados, antes ou depois da abertura da sucessão do autor da liberalidade, só pode ter lugar em acto que conte com a intervenção de todos os legitimários (presumidos ou habilitados), posto que é deles o direito à igualação da partilha que justifica o instituto. 2.ª Em conformidade, não poderá considerar-se a colação realizada, nem o direito dos co-legitimários à apontada igualação acautelado, através da doação que do bem a ela sujeito o descendente beneficiado venha a fazer ao ascendente (futuro de infrinjam. 9 Cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil, Reais, 5.ª ed., 2000, p. 362. 10 RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, op. cit., p. 270, maxime nota (1015); BAPTISTA LOPES, Das Doações, 1970, p. 206. 11 O tema da dispensa de colação, no confronto da situação dos autos, suscita-nos porém a seguinte dúvida: tem a dispensa que reportar-se à doação, tout-court, tomando-a nos precisos termos em que ficou titulada, ou pode ela ser concedida tendo em atenção as ulteriores vicissitudes ocorridas com o objecto da doação, de modo a que, vindo este a ser, v.g., fraccionado em distintos e autónomos bens, ela se limite a algum ou alguns deles, deixando de fora outro ou outros, que assim permanecerão vinculados à obrigação de conferir? A nós parece-nos que a dispensa pode acomodar o fraccionamento, e fraccionar-se ela própria em conformidade: se o doador pode isentar toda a doação, então parece lógico que também possa isentar parte da doação (argumento a maiori ad minus).

9 cujus) doador ( retro-doação ). 3.ª Consequentemente, não titulando uma tal ulterior doação a realização da conferência, também não titulará a extinção do ónus de colação que impenda sobre os bens doados, devendo por isso recusar-se o cancelamento que com base nela se peticione do registo do encargo. Parecer aprovado em sessão do Conselho Técnico de 21 de Setembro de 2011. António Manuel Fernandes Lopes, relator, João Guimarães Gomes de Bastos, Luís Manuel Nunes Martins, Maria Madalena Rodrigues Teixeira, Isabel Ferreira Quelhas Geraldes, José Ascenso Nunes da Maia. Este parecer foi homologado pelo Exmo. Senhor Presidente em 26.09.2011.