Os riscos do exercício excessivo na Esclerose Lateral Amiotrófica: atualização da literatura.

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» Rev Bras Neurol, 45 (3): 33-38, 2009 Os riscos do exercício excessivo na Esclerose Lateral Amiotrófica: atualização da literatura. Risks of overuse in Amyotrophic Lateral Sclerosis: Update. Lívia Dumont Facchinetti 1 Marco Orsini 2 Marco Antonio Sales Dantas de Lima 1 RESUMO A Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) é uma doença inexorável e degenerativa que afeta os neurônios motores superiores e inferiores, levando à morte cerca de dois a quatro anos após o início das primeiras manifestações. A proposta do presente artigo será apresentar, com base na literatura vigente, um panorama das principais técnicas utilizadas e resultados de estudos acerca da reabilitação física desses pacientes. Os exercícios terapêuticos devem ser prescritos e encarados como uma maneira de melhorar a qualidade de vida dos pacientes, sendo os objetivos direcionados para um melhor desempenho nas atividades básicas e instrumentais da vida diária. Os profissionais engajados na reabilitação física devem auxiliar os pacientes e os cuidadores na luta diária contra as perdas proporcionadas pela doença, decorrentes do comprometimento da motricidade voluntária. Palavras-chave: Esclerose Amiotrófica Lateral, Doenças Neuromusculares, Fisioterapia, Reabilitação. ABSTRACT Amyotrophic Lateral Sclerosis (ALS) is a fatal degenerative disease that affects upper and lower neurons and takes approximately two to four years between the first sign and symptoms to death. The aim of the present study is to present the main interventions used in physical rehabilitation and their results in patients with ALS. The therapeutic exercises should be prescribed with the objective to improve the patient s quality of life and enhance the performance during basic and instrumental daily activities. The professionals involved in physical rehabilitation should aid patients and caregivers to overcome their difficulties, especially those related to voluntary motor impairments. Keywords: Amyotrophic Lateral Sclerosis, Neuromuscular diseases, Physiotherapy, Rehabilitation. Fundação Osvaldo Cruz FIOCRUZ e Pós-Graduação em Neurociências HUAP UFF 1 Fisioterapeuta, Fundação Oswaldo Cruz - FIOCRUZ, Rio de Janeiro - Mestre em Fisiologia IBCCFº/UFRJ; 2 Graduando em Medicina UNIGRANRIO e Doutorando em Neurociências HUAP UFF (Bolsista CNPQ); 1 Pesquisador do Laboratório de Pesquisa em Neuroinfecções, Fundação Oswaldo Cruz - FIOCRUZ, Rio de Janeiro - Mestre e Doutor em neurologia UFRJ. Endereço para Correspondência Lívia Dumont Facchinetti. Rua Martins Pena nº 15, complemento 204, Tijuca, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. CEP: 20270-270 Endereço Eletrônico: livia.dumont@ipec.fiocruz.br; orsini@predialnet.com.br Revista Brasileira de Neurologia» Volume 45» N o 3» jul - ago - set, 2009» 33

Facchinetti LD, Orsini M, Lima MASD. Introdução A Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) é uma doença neurodegenerativa de caráter progressivo e fatal. A evolução geralmente é rápida e, na maioria dos pacientes, o intervalo entre o início dos primeiros sintomas e a dependência de suporte ventilatório é de dois a quatro anos 1. Em mais de 70% dos casos, a fraqueza muscular em membros inferiores ou superiores encontra-se presente 2, podendo acometer também a musculatura bulbar. No início do quadro, o déficit de força comumente ocorre de maneira focal e assimétrica, comprometendo principalmente a musculatura distal dos membros. Com a progressão da doença, evolui para a região proximal, resultando em quadro de importante limitação funcional. Na atualidade, ainda não há consenso em relação à prescrição de exercícios para esta população. A possibilidade de induzir uma lesão por sobrecarga através da prática excessiva de atividades ou a realização de exercícios de fortalecimento é uma preocupação central. Segundo Coble (1985) 3 um músculo fraco encontra-se mais suscetível a lesões por sobrecarga, pois já trabalha próximo ao seu limite máximo. Além disso, exercícios realizados com cargas elevadas e com grande número de repetições podem acentuar a perda de força muscular nos grupamentos musculares já enfraquecidos ou denervados 4,5. E ainda, estudos epidemiológicos sugerem, apesar da fraca associação, uma relação entre a prática de intensa atividade física antes do início dos sintomas e o desenvolvimento de ELA 6,7,8. Apesar de alguns estudos não sustentarem a prática de exercícios na ELA como uma medida segura, estudos realizados em modelos animais de ELA revelaram que um programa de condicionamento de intensidade moderada não resultou em menor sobrevida 9, contrariando a hipótese dos efeitos deletérios do exercício na ELA. Além disso, em um relato de estudo de caso foi identificado um aumento da força muscular em músculos espásticos, mas não em músculos flácidos 10. Em adição, efeitos fisiológicos e psicológicos positivos têm sido descritos como decorrentes da prática de exercícios, principalmente se implementados antes da instalação de um estágio avançado de atrofia muscular 11. Material e Método Nosso estudo trata-se de uma atualização de literatura baseada nas publicações atuais a respeito do assunto supracitado nos últimos anos, com análise descritiva. Vale ressaltar que artigos de anos anteriores considerados importantes para fundamentação do arcabouço teórico-conceitual também foram utilizados. Os artigos científicos foram obtidos a partir de pesquisa nas bases de dados LILACS, MEDLINE, PUBMED e SCIELO no período compreendido entre 1958 a 2008 com os seguintes descritores: Esclerose Amiotrófica Lateral, Doenças Neuromusculares, Doenças do Neurônio Motor, Fadiga, Fraqueza Muscular, Fisioterapia, Reabilitação, nos idiomas, Inglês, Português, Espanhol e Francês. Resultados de Estudos Envolvendo Exercícios e Discussão Além da fraqueza muscular resultante do processo degenerativo da doença, devemos considerar a imobilidade no leito decorrente deste sintoma, a qual favorece a persistência e piora do déficit de força e à atrofia muscular por desuso. Tal redução da força muscular, por sua vez, pode resultar em contraturas musculares, rigidez articular, dor e deformidades (Figura 1). Além disso, diminui a tolerância à atividade física e aumenta a fadiga. Todos esses fatores, em conjunto, caracterizam um ciclo, favorecendo ainda mais a permanência prolongada no leito e, consequentemente, a uma pior qualidade de vida 11,12. Segundo Fleck et al. (2008) 12 a qualidade de vida está relacionada aos aspectos físicos e psicológicos do indivíduo; ao grau de independência; às relações sociais; ao meio ambiente; à religião; à qualidade de vida global e a percepções gerais de saúde. Tais aspectos têm sido amplamente explorados nos pacientes com ELA, destacando-se as seguintes áreas: (a) mobilidade; (b) comunicação; (c) função respiratória; (d) fadiga e distúrbios do sono; (e) dor; (f) nutrição e deglutição e (g) ansiedade e depressão 1. Devido à baixa expectativa de vida após o diagnóstico da doença e à inabilidade em fortalecer os músculos já comprometidos, muitos médicos não reconhecem que a Fisioterapia possa melhorar a qualidade de vida dos pacientes com ELA. Logo, parece haver uma lacuna de falta de informação entre os profissionais de saúde em relação aos objetivos e benefícios da Fisioterapia 12. O principal objetivo da Fisioterapia motora é manter a independência com mobilidade funcional e a realização das atividades de vida diária. Os objetivos secundários incluem minimizar as deficiências através de adaptações; educar o paciente e os familiares; prescrever exercícios apropriados; prevenir as complicações relacionadas à imobilidade e eliminar ou prevenir a dor. Todos estes objetivos, em conjunto, contribuem para uma melhor qualidade de vida 11. 34» Revista Brasileira de Neurologia» Volume 45» N o 3» jul - ago - set, 2009

Os riscos do exercício excessivo na Esclerose Lateral Amiotrófica: atualização da literatura. Figura 1. Complicações relacionadas à imobilidade no leito. A prescrição de dispositivos auxiliares para a marcha tem como objetivo promover a independência funcional do indivíduo. O fisioterapeuta deve atender às necessidades individuais de cada paciente, considerando-se o grau de força muscular dos membros superiores e inferiores, o tônus muscular, o padrão da marcha e o gasto de energia necessário para a realização de determinadas atividades. Foley et al. (1996) 13 demonstraram que o uso de órteses em pacientes com comprometimento da função respiratória requer maior dispêndio de energia do que a sua não utilização. A educação dos pacientes e familiares visa (a) fornecer informações relacionadas à doença; (b) orientar quanto à conservação de energia, evitando-se sobrecarga ao planejar as atividades; programando-se períodos de descanso; alternando-se atividades intensas e leves durante o dia e evitando-se movimentos desnecessários e (c) proporcionar condições de trabalho adequadas. Em relação à prescrição adequada dos exercícios, é importante considerarmos o estágio em que a doença se encontra antes de elaborarmos um plano de tratamento. Sinaki & Mulder (1978) 14 criaram uma classificação do curso natural da doença dividida em seis estágios, de acordo com a perda da função muscular dos membros e do tronco. Baseado nesta classificação, Dal Bello-Haas (1998) 10 descreveu as possíveis condutas fisioterapêuticas a serem adotadas em cada estágio da doença (Quadro 1). De modo geral, os princípios da reabilitação física abrangem o ajuste contínuo da intensidade do exercício (evitando-se a prática de atividades que levem à fadiga) e a repetição dos exercícios 2-3 vezes ao dia durante curtos períodos de tempo, totalizando 30 a 45 minutos diários. Existem poucos estudos voltados para a eficácia das intervenções da cinesioterapia motora nos pacientes com ELA. Um estudo randomizado realizado por Drory et al. (2001) 15 teve como objetivo avaliar os efeitos de um programa de exercícios domiciliares de intensidade moderada envolvendo os músculos dos membros e tronco nos pacientes com ELA nos estágios inicial e intermediário da doença. Os pacientes (n=25) foram divididos em dois grupos: um grupo controle que não realizou qualquer tipo de intervenção além das atividades diárias já praticadas, e um grupo que realizou o programa de exercícios. Após três meses de prática regular dos exercícios, estes pacientes apresentaram uma melhor capacidade funcional e uma menor pontuação na Escala de Ashworth que os pacientes do grupo controle. Tais parâmetros assim como os demais (força muscular, fadiga, dor e qualidade Revista Brasileira de Neurologia» Volume 45» N o 3» jul - ago - set, 2009» 35

Facchinetti LD, Orsini M, Lima MASD. Quadro 1. Classificação de Sinaki & Mulder (1978) (14) e as possíveis intervenções fisioterapêuticas para cada estágio da doença. Estágio da doença Intervenções I - Independência funcional e mobilidade preservadas. Discreta fraqueza muscular em grupamentos musculares específicos. II Fraqueza muscular moderada e envolvimento de um maior número de grupamentos musculares. III Piora da força muscular em alguns grupamentos musculares. Limitação funcional leve a moderada e maior susceptibilidade à fadiga. IV Piora da força muscular em membros superiores e inferiores. V Dependência funcional moderada. Fraqueza muscular moderada a grave. VI Necessita de assistência máxima. Acamado e dependente de suporte ventilatório invasivo. - Exercícios ativo-livres - Exercícios resistidos (musculaturas não comprometidas) - Exercícios aeróbicos (caminhada e natação) - Alongamento- Educação do paciente e familiares - Suporte psicológico - Idem ao Estágio I - Exercícios ativo-assistidos - Exercícios passivos - Uso de órteses e adaptações - Idem ao Estágio II - Uso de cadeira-de-rodas - Idem ao Estágio III, exceto os exercícios resistidos - Fisioterapia respiratória - Cuidados na prevenção de úlceras de decúbito (posicionamento no leito) - Idem ao Estágio IV - Tratamento para a dor - Exercícios passivos - Alongamento - Uso de ventilação mecânica - Aspiração traqueal de vida) não apresentaram diferença entre os grupos após seis meses. Apesar dos efeitos positivos relacionados à prática regular de um programa de exercícios de intensidade moderada não serem duradouros, tal programa deve ser recomendado. Outro estudo randomizado controlado realizado por Dal Bello-Haas et al. (2007) 2 avaliou 20 pacientes com ELA nos estágios I e II da doença e capacidade vital forçada maior ou igual a 90%. Foi realizado um programa domiciliar de fortalecimento muscular de carga e intensidade moderadas e feita uma comparação entre um grupo que praticou somente alongamento diário e um grupo que realizou um programa de exercícios de fortalecimento e alongamento três vezes por semana. O grupo que realizou o programa de exercícios resistidos apresentou um aumento na força muscular, na capacidade funcional e uma melhor qualidade de vida após seis meses de treinamento. Não houve relatos de efeitos adversos que impedissem a realização dos exercícios resistidos e a taxa de abandono foi semelhante entre os dois grupos. Apesar dos benefícios relacionados à prática de exercícios mencionados nos estudos anteriores, ambos excluem os pacientes em estágios mais avançados da doença e que possivelmente apresentariam algum tipo de limitação para a realização dos exercícios. Segundo Pinto et al. (1999) 16 o uso de ventilação mecânica não invasiva durante o exercício aeróbico permitiu uma maior tolerância à realização da atividade física (Figura 2). Tal recurso permitiu que os pacientes que realizaram o exercício aeróbico, mesmo em um estágio mais avançado da doença, desfrutassem dos benefícios resultantes da prática de exercícios demonstrados neste estudo através de um retardo na progressão da doença e de um melhor desempenho nos testes da função respiratória. Cascon et al. (2009) 17 tendo em vista a dicotomia relacionada à prática de exercícios resistidos na ELA, realizaram uma atualização no sentido de apontar e apresentar resultados de estudos atuais envolvendo a prática de exercícios físicos em indivíduos com ELA e avaliar a relação dessa como uma estratégia positiva para 36» Revista Brasileira de Neurologia» Volume 45» N o 3» jul - ago - set, 2009

Os riscos do exercício excessivo na Esclerose Lateral Amiotrófica: atualização da literatura. Figura 2. Representação gráfica de um paciente com insuficiência respiratória em uso de VNI durante a fase inicial do estudo (A) e após dois meses (B). A parte inicial do gráfico representa o período de repouso. VNI, ventilação não invasiva; HR, freqüência cardíaca; OXI, saturação de O 2 periférica; Mov, realização da atividade física (16). os profissionais que lidam diretamente com esses indivíduos. Ao final do estudo os autores concluíram que a recomendação de exercícios físicos regulares para pacientes com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) não é consenso na comunidade científica. Estudos epidemiológicos revelam conclusões antagônicas e pesquisas associam a prática pregressa de atividades físicas intensa com o surgimento da ELA. Pesquisas recentes, entretanto, evidenciaram benefícios relacionados à redução dos efeitos deletérios provocados pela doença. Considerações Finais Apesar do prognóstico reservado dos pacientes com ELA, um programa de exercícios de fortalecimento pode ser um componente essencial do tratamento; Variáveis como estágio da doença, intensidade e carga dos exercícios devem ser consideradas antes da elaboração de um plano de tratamento e frequentemente revisadas; A prática regular de exercícios de carga e intensidade moderadas pode resultar em melhora do déficit motor, da capacidade funcional e da qualidade de vida. É possível que o uso da ventilação não invasiva durante a realização dos exercícios permita uma maior tolerância à prática de atividades físicas e, por isso, reduza as complicações associadas à imobilidade, atenuando-se desta forma a taxa de progressão da doença. Referências 1. FRANCIS et al. Evaluation and rehabilitation of patients with adult motor neuron disease. Arch Phys Med Rehabil, 80:951-63, 1999. 2. DAL BELLO-HAAS et al. A randomized controlled trial of resistance exercise in individuals with ALS. Neurology, 68:2003-07, 2007. 3. COBLE NO & MANOLEY FP. Interdisciplinary rehabilitation of multiple sclerosis and neuromuscular disorders. In: Maloney FP, Burks JS, Ringel SP, editor(s). Effects of exercise in neuromuscular disease New York: JB Lippincott, p. 228-38, 1985. 4. BENNETT RL & KNOWLTON GC. Overwork weakness in partially denervated skeletal muscle. Clin Orthop, 12:711-15, 1958. 5. JOHNSON EW & BRADDOM R. Overwork weakness in fascioescapulohumeral muscular dystrophy. Arch Phys Med Rehabil, 52:333-36, 1971. Revista Brasileira de Neurologia» Volume 45» N o 3» jul - ago - set, 2009» 37

Facchinetti LD, Orsini M, Lima MASD. 6. STRUCKLAND et al. Physical activity, trauma, and ALS: a case-control study. Acta Neurol Scand, 94:45-50, 1996. 7. CHIO et al. Severaly increased risk of amyotrophic lateral sclerosis among Italian professional football players. Brain, 128:472-76, 2005. 8. SCARMEAS et al. Premorbid weight, body mass, and varsity athletics in ALS. Neurology, 59:773-75,. 2002. 9. LIEBETANZ et al. Extensive exercise is not harmful in amyotrophic lateral sclerosis. Eur J Neuroscience, 20:3115-20, 2004. 10. DAL BELLO-HAAS et al. Physical therapy for a patient through six stages of amyotrophic lateral sclerosis. Physical Therapy, 78(12):1312-1324, 1998. 11. LEWIS M & RUSHANAN S. The role of physicaltherapy and occupational therapy in the treatment of Amyothophic Lateral Sclerosis. NeuroRehabilitation, (22):451-461, 2007. 12. FLECK M. In: Fleck et al. A avaliação de qualidade de vida: guia para profissionais de saúde. Porto Alegre: Artmed, 1ª edição. 2008. 13. FOLEY et al. Effects of assistive devices on cardiorespiratory demands in older adults. Physical Therapy, 76:1314-19, 1996. 14. SINAKI M & MULDER DW. Rehabilitation techniques for patients with amyotrophic lateral sclerosis. Mayo Clin Proc, 53:173-78, 1978. 15. DRORY et al. The value of muscle exercise in patients with amyotrophic lateral sclerosis. J Neurol Sciences, 191:133-37, 2001. 16. PINTO et al. Can amyothophic lateral sclerosis patients with respiratory insufficiency exercise? J Neurol Sciences, 169:69-75, 1999. 17. Cascon R, Orsini M; Leite MAA; Mello MP; De Freitas MRG; Nascimento OJM. Exercícios de Força na Esclerose Lateral Amiotrófica: Atualização. Rev Neurocienc, 16(4):1-6, 2008 (in press). 38» Revista Brasileira de Neurologia» Volume 45» N o 3» jul - ago - set, 2009