Ciência Cidadã Conversa com Andres Burbano



Documentos relacionados
Freelapro. Título: Como o Freelancer pode transformar a sua especialidade em um produto digital ganhando assim escala e ganhando mais tempo

Redação do Site Inovação Tecnológica - 28/08/2009. Humanos aprimorados versus humanos comuns


Os desafios do Bradesco nas redes sociais

Estudo de Caso. Cliente: Rafael Marques. Coach: Rodrigo Santiago. Duração do processo: 12 meses

MÓDULO 5 O SENSO COMUM

NOKIA. Em destaque LEE FEINBERG

SocialDB Social Digital Library

O sucesso de hoje não garante o sucesso de amanhã

Como fazer contato com pessoas importantes para sua carreira?

Crianças e Meios Digitais Móveis TIC KIDS ONLINE NO TEMPO DOS MEIOS MÓVEIS: OLHARES DO BRASIL PARA CRIANÇAS DE ANOS

SUA ESCOLA, NOSSA ESCOLA PROGRAMA SÍNTESE: NOVAS TECNOLOGIAS EM SALA DE AULA

f r a n c i s c o d e Viver com atenção c a m i n h o Herança espiritual da Congregação das Irmãs Franciscanas de Oirschot

Como escrever melhor em 5 passos simples

Como Escrever Artigos Que Convertem?

Cinco principais qualidades dos melhores professores de Escolas de Negócios

Produtividade e qualidade de vida - Cresça 10x mais rápido

Gestão da Informação e do Conhecimento

Richard Uchôa C. Vasconcelos. CEO LEO Brasil

Top Guia In.Fra: Perguntas para fazer ao seu fornecedor de CFTV

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

O Inventor. - Devido à extensão desse Projeto, ficarão a cargo de cada professor adequar as sugestões dadas à sua realidade escolar.

Educação Patrimonial Centro de Memória

Transcriça o da Entrevista

APÊNDICE. Planejando a mudança. O kit correto

8 Erros Que Podem Acabar Com Seu Negócio de Marketing Digital

Introdução. Bom, mas antes de começar, eu gostaria de me apresentar..

Veículo: Site Estilo Gestão RH Data: 03/09/2008

Rio de Janeiro, 5 de junho de 2008

coleção Conversas #7 - ABRIL f o? Respostas que podem estar passando para algumas perguntas pela sua cabeça.

Sei... Entra, Fredo, vem tomar um copo de suco, comer um biscoito. E você também, Dinho, que está parado aí atrás do muro!

ED WILSON ARAÚJO, THAÍSA BUENO, MARCO ANTÔNIO GEHLEN e LUCAS SANTIGO ARRAES REINO

Connections with Leading Thinkers

Pesquisa com Professores de Escolas e com Alunos da Graduação em Matemática

Política de Afiliados

Compreendendo a dimensão de seu negócio digital

INTRODUÇÃO. Fui o organizador desse livro, que contém 9 capítulos além de uma introdução que foi escrita por mim.

Mas isso irá requerer uma abordagem pessoal, persistente, muita oração e uma ferramenta poderosa para nos ajudar a fazer isso!

Superando Seus Limites

A Tua Frase Poderosa. Coaches Com Clientes: Carisma. Joana Areias e José Fonseca

COMO ENGAJAR UM FUNCIONÁRIO NO PRIMEIRO DIA DE TRABALHO?

Mostra Cultural 2015

Pesquisa Etnográfica

Institucional. Realização. Patrocínio. Parceria

Capítulo II O QUE REALMENTE QUEREMOS

O desafio do choque de gerações dentro das empresas

Assunto: Entrevista com a primeira dama de Porto Alegre Isabela Fogaça

Respostas dos alunos para perguntas do Ciclo de Debates

MARKETING E A NATUREZA HUMANA

Era uma vez, numa cidade muito distante, um plantador chamado Pedro. Ele

7 LIÇÕES APRENDIDAS NO HIGH PERFORMANCE ACADEMY COM BRENDON BURCHARD


Bate-papo: Uso do Scratch, uma nova linguagem de programação, no ensino fundamental - Web Currículo (25/05/2010)

SUMÁRIO 1. AULA 6 ENDEREÇAMENTO IP:... 2

WhatsAPP para Negócios POR SIMONE SIQUEIRA

Como a comunicação e a educação podem andar de mãos dadas 1

Vamos fazer um mundo melhor?

Fala, CMO! Com Marina Xavier da UnYLeYa

Por Tiago Bastos Quer Dinheiro Online? 1

Desafio para a família

Os encontros de Jesus. sede de Deus

5 Dicas Testadas para Você Produzir Mais na Era da Internet

COMO FUNCIONA NOSSA CONSULTORIA DE MARKETING DIGITAL ESPECIALIZADA EM VENDAS ONLINE

Opção. sites. A tua melhor opção!

ABRIL 2012 RELATÓRIO DE ATIVIDADES PRÉ - VESTIBULAR

POR QUE SONHAR SE NÃO PARA REALIZAR?

10 DICAS DE TECNOLOGIA PARA AUMENTAR SUA PRODUTIVIDADE NO TRABALHO

Como Criar seu produto digital

Ficha Técnica: Design e Impressão Mediana Global Communication

A criança e as mídias

CENTRO DE MEMÓRIA DO ESPORTE ESCOLA DE EDUCAÇÃO FÍSICA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL PROJETO GARIMPANDO MEMÓRIAS.

FORMAÇÃO PLENA PARA OS PROFESSORES

7º ano - Criação e percepção - de si, do outro e do mundo

Aula 1: Demonstrações e atividades experimentais tradicionais e inovadoras

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

20 perguntas para descobrir como APRENDER MELHOR

E quando Deus diz não?

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

ENTRE FRALDAS E CADERNOS

3 Dicas MATADORAS Para Escrever s Que VENDEM Imóveis

Guia Prático para Encontrar o Seu.

Iluminação pública. Capítulo VIII. Iluminação pública e urbana. O mundo digital

05/12/2006. Discurso do Presidente da República

1. Quem somos nós? A AGI Soluções nasceu em Belo Horizonte (BH), com a simples missão de entregar serviços de TI de forma rápida e com alta qualidade.

Projetos sociais. Criança Futuro Esperança

A INTERNET COMPLETOU 20 ANOS DE BRASIL EM 2015.

TAM: o espírito de servir no SAC 2.0

OS 4 PASSOS ALTA PERFORMANCE A PARTIR DE AGORA PARA VOCÊ COMEÇAR A VIVER EM HIGHSTAKESLIFESTYLE.

Como Implantar Agora 03 Controles Simples e Efetivos Para Você Garantir A RASTREABILIDADE Da Sua Empresa Sem Precisar Investir em Softwares Caros!

ÍNDICE. Introdução. Os 7 Segredos. Como ser um milionário? Porque eu não sou milionário? Conclusão. \\ 07 Segredos Milionários

Entrevista exclusiva concedida pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ao SBT

os botões emocionais Rodrigo T. Antonangelo

Se você está começando a explorar o marketing digita com o YouTube, então você, certamente, já notou o quão poderosos são os vídeos.

coleção Conversas #14 - outubro e r r Respostas perguntas para algumas que podem estar passando pela sua cabeça.

Meu nome é José Guilherme Monteiro Paixão. Nasci em Campos dos Goytacazes, Norte Fluminense, Estado do Rio de Janeiro, em 24 de agosto de 1957.

Três Marias Teatro. Noite (Peça Curta) Autor: Harold Pinter

Como aconteceu essa escuta?

DESIGN DE MOEDAS ENTREVISTA COM JOÃO DE SOUZA LEITE

Transcrição:

Ciência Cidadã Conversa com Andres Burbano No começo de março aconteceu a etapa do Rio de Janeiro do circuito Arte.mov [http://www.artemov.net/circuito2012/], evento que se define como um espaço para a produção e reflexão crítica em torno da chamada 'cultura da mobilidade'. A programação contou com debates e apresentações no Parque das Ruínas, na capital fluminense, além de uma oficina de cartografia experimental com o artista e pesquisador colombiano Andres Burbano [http://burbane.org]. A oficina seria realizada novamente no dia seguinte, na Nuvem [http://nuvem.tk], Hacklab Rural em Visconde de Mauá na região serrana entre Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Burbano desenvolve atualmente na Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara, EUA, sua pesquisa de doutorado sobre a história das tecnologias de comunicação na América Latina. Ele explora a interação entre ciência, arte e tecnologia, experimentando com possibilidades de desenvolvimento da chamada ciência cidadã. A oficina que realizou no Rio e em Mauá tratava de mapeamento aéreo a partir de câmeras digitais presas a balões feitos à mão. Cada balão flutuava por alguns minutos, fazendo fotos que depois seriam utilizadas para gerar cartografias colaborativas da região. Conversamos por alguns minutos, acompanhados dos artistas Bruno Vianna e Cinthia Mendonça, que coordenam a Nuvem junto com Luciana Fleischmann. A conversa começou durante a oficina de mapeamento aéreo. Felipe Fonseca: O que isso tudo tem a ver com ciência? Andres Burbano: A ideia da oficina com os balões é explorar a ciência cidadã. Como o cidadão comum - você, eu, o professor ali - pode projetar de forma barata experimentos que ajudem a tomar decisões, pressionar o governo, entender onde estamos. FF quero entender essa inflexão da ideia de ciência com o cidadão. A tal ciência hacker, ciência livre. Nesse campo de fronteira, qual é o limite? O que é considerado dentro da ciência, ou fora dela? Em certo sentido, a ciência é um sistema internacional de comunicação... AB Isso. Um sistema interessante, mas não perfeito. Um dos problemas que tem a ciência como instituição (e é um problema da ciência na Europa, EUA e Japão, não só aqui na América Latina) é que ela perdeu o contato com as pessoas, com o cidadão comum, com o cotidiano. Tem um discurso muito elevado que não se conecta ao cidadão. E o cientista diz "As pessoas não estão interessadas no meu trabalho. Como é possível?". Mas ele mesmo não faz um esforço para se conectar a elas. Esse gap não é só do cientista. É nosso também. Pense na ferramenta que a gente está usando agora, a fotografia digital. Há 10, 20 anos era

inacessível, mas já estava lá. Agora temos uma câmera de 60 dólares, potencialmente mais barata, modificada com software livre, para usar como quisermos. FF Mas voltando à articulação disso com o aspecto de cidadão... existe o âmbito do conhecimento tradicional, o homem que vive do campo e sabe a melhor época para a colheita, quando plantar, os sinais do clima, etc. Isso pode ser considerado conhecimento técnico aplicado. Qual a diferença disso para a ciência? AB Em primeiro lugar existe o aspecto metodológico. Não afirmo que toda ciência se reporte ao método científico, o que seria um equívoco. Mas tem um aspecto metodológico importante: testar, retornar e fazer. E a ciência tem a mente da dúvida. Isso é muito importante. Com esse tipo de experimento, precisamos evitar que a motivação converta toda a intuição em certeza. É como eu trabalho, por exemplo. Eu trato de comunicar, de desenvolver uma interface entre o conhecimento científico muito especializado e experiências comuns. FF De onde veio esse interesse? Sei que pesquisas a história da ciência na América Latina, mas ao mesmo tempo buscas colaborar com coisas que estão além da ciência - na arte, na educação, engajamento social. Por exemplo, essa experimentação com balões poderia ser feita totalmente dentro da universidade. O que te move a buscar colaborações fora dela também? AB Sou uma pessoa de interface. Trabalho na interface entre ciência e arte, entre universidade e comunidade. Eu comecei a compreender isso bem quando estávamos trabalhando no projeto Bogotá Wifi, modificando antenas de TV pra fazer wifi público. Outros grupos similares estavam seguindo o modelo hacker: faça-você-mesmo, em rede. Mas eu parei um momento e falei: "fizemos tudo que está no website, mas como vamos testar se a antena está realmente funcionando?" Então convenci alguns cientistas com os laboratórios apropriados para testar antenas, para que nos ajudassem a selecionar quais antenas funcionavam melhor. E fez uma diferença incrível, porque eles tinham os instrumentos. E ficaram interessados no que a gente fazia. FF Por quê? AB Porque eles têm um mundo científico muito chato. FF E imagino que uma sensação de distanciamento, de não ter impacto na realidade. Mas deixa eu perguntar uma coisa: por que falas sobre cientistas como eles? Cinthia Mendonça: Eu acho que seus trabalhos são muito científicos. AB Sou pesquisador, é diferente. CM O que é um cientista? FF É, o que te difere de um cientista? AB Acho que a formação metodológica. E o trabalho metodológico de aproximação ao

problema. Eu me aproximo ao problema principalmente com curiosidade e depois me envolvo afetivamente... FF Talvez teu resultado esperado seja não necessariamente uma afirmação, mas sim outras perguntas, em vez de ansiar por respostas? AB Pode ser. Minha tese de mestrado foi dialogar com cientistas da neurologia. Era um documentário online. Eu li muito, o suficiente para poder extrair perguntas que fizessem sentido pra eles. E depois voltava a perguntas mais básicas. Uma recorrente era qual a principal questão científica que te move? E pra minha surpresa havia alguns que não sabiam dizer. Estranhavam a pergunta. Diziam: já falei, trabalho com tal coisa, um elemento químico que em microssegundos, pode explicar como acontece a sinapse. Outros diziam: pra mim a questão é como o cérebro computa. FF Um certo distanciamenteo causado pela hiperespecialização? No momento em que a pessoa começa a fazer as coisas de uma forma mecânica, e a pergunta inicial, o que aproximou ele daquele assunto, sumiu? Bruno Vianna: Depois do insight você passa a repetir a mesma coisa mecanicamente o resto da vida. FF Eu queria te ouvir também sobre a aproximação entre ciência e cultura hacker: software livre, cultura livre, redes. E tem um ponto interessante: a ideia de compartilhar documentação, publicar com licenças livres, é presente nas culturas emergentes da internet. Por sua vez, a internet tem uma influência do mundo da ciência, uma influência acadêmica, muito forte. AB Sim, a WWW foi criada para compartilhar conhecimento científico. F F Exato. E como essa influência da ciência como protocolo de comunicação volta para a própria ciência a partir da cultura da internet, que adota um discurso sobre a necessidade de flexibilizar a prática científica? AB O que eu vejo é isso, que a ciência tem um sistema por vezes estruturado demais. E ela não consegue cobrir tudo que poderia, ou idealmente deveria, cobrir. E assim necessita que outros níveis da sociedade estejam ali. Porque o cientista não pode e muitas vezes não quer ocupar aquele espaço. Nos EUA, no momento, se está encarando um problema seriíssimo. Uma grande parte da sociedade não acredita nos cientistas de modo geral. Não porque a ciência não dê resultados, ou porque deu origem à bomba atômica. Não creem por motivos religiosos, e em parte isso é projeto político consciente do Partido Republicano. Afirmam que dados científicos que comprovam a seleção natural são mentira. E estão influenciando o conteúdo das escolas. Então a discussão vai tão longe que surge hoje a pergunta: você concorda que a evolução seja ensinada nos colégios? Quando a pergunta necessária deveria

ser: você concorda que o criacionismo seja ensinado? Porque a escola existe para uma educação científica, para disseminar conhecimento. Por que isso acontece? Porque o sistema cientifico não conseguiu manter uma maneira de se comprometer com a sociedade de maneira ótima. Construiu sim para dentro, para legislar, validar conhecimento. Um sistema sofisticado, muito interessante, com a revisão de pares e tudo mais. Mas ao ponto de vista da sociedade não conseguem mais voltar, não sabem como. FF Essas iniciativas de cooperação entre ciência e outros campos podem ser um caminho interessante para buscar esse contato entre ciência e sociedade? AB Sem dúvida. Principalmente na aproximação com a cultura hacker. O que o hacker traz é o sentido de comunidade. Não existe um hacker sozinho, como pode existir em outras práticas. A ciência cidadã, assim, vai compartilhar conhecimento, atribuir tarefas, mudar planos coletivamente. O perigo, do meu ponto de vista, é negar o valor do conhecimento do cientista experiente. O faça-você-mesmo tem limites. Quando se trabalha com um cientista experiente, ao qual se podem propor coisas, os limites desaparecem. Eu participei de um projeto de mapeamento arqueológico onde isso ficou claro. Encontramos uma pessoa que conhecia metodologias sobre como fazer o mapeamento do lugar por linhas, medindo ângulos de 90 graus pra saber a altitude de casa elemento. A princípio ficamos só olhando. Depois ele mostrou os dados, e estavam perfeitos. Não havia nenhum erro, nenhum problema. Ou seja, a gente precisa deles. E eles encontram o quê quando vêm para esse lado? Gente curiosa, que se interessa pelo trabalho deles. E isso para eles é incrível. Grande parte da sociedade não está interessada no trabalho científico. FF Eu consigo entender um cientista no meio de carreira que se aproxime desses projetos porque encontra ali um respeito. Mas o cientista no topo da hierarquia, também tem interesse em colaborar com não-cientistas? AB Tem, tem. Não todos. Mas eu vejo cada vez mais cientistas que veem as perguntas que a gente faz como interessantes. E que podem ceder tempo de seus laboratórios e deles próprios para explorá-las. Agora, em primeiro lugar é necessário aproximar-se com respeito. Em segundo, precisamos ter o mínimo de conhecimento pra negociar com eles. E terceiro, não podemos ter medo de perguntar coisas malucas. Quando você dá mais espaço para perguntas inusitadas, eles se surpreendem e prestam atenção. Cinthia Mendonça tem o lugar da criatividade do artista, que é uma relação diferente... você consegue imaginar muitas coisas malucas. AB Claro. Inclusive, os cientistas mais importantes do sécuo XX se posicionavam de maneira clara nesse sentido. Einstein falava que "para a inovação, a imaginação é mais importante que

o conhecimento". E isso tem tudo a ver com ciência cidadã - a união de insight com método, que pode gerar inovação. FF O que é inovação? AB Eu trabalho com isso. É quando um processo ou aparelho inventado encontra eco na sociedade. A invenção pode ser individual e ficar só nisso. Para ser considerada inovação, precisa ter impacto, mesmo que numa comunidade específica. BV E as patentes nisso tudo? AB A patente tem uma história interessante. Originalmente, foi feita para proteger o trabalho. Por exemplo, "eu fiz esse copo que todo mundo copia. Foi um trabalho que gerou valor, e isso deve ser devidamente atribuído. O problema é que no século XX se desenvolve um conflito. O conflito do inventor que se torna empreendedor, como Thomas Edison. A sociedade inteira muda com a eletricidade e isso gera um império. Em pouco tempo, a patente passa a ser instrumento de manutenção de privilégios. E se torna um problema - em vez de proteger ela acaba pelo contrário por bloquear a invenção. BV Tem a questão do acesso ao sistema de patentes, que é muito caro... AB E isso vira uma questão do mundo jurídico. Muitas empresas de tecnologia hoje têm mais equipes de advogados do que de inovadores tecnológicos. Porque a patente é, claro, um problema legal e burocrático, mas também de argumentação. BV Pois é. Nenhum invento é criado a partir do nada. A argumentação é necessária para convencer de que aquele invento específico tem uma diferença significativa em relação a milhões de coisas que já existem. Esse limite sobre a diferença relevante é muito discutível. CM outra distorção é quando não é um invento, mas descoberta. Aconteceu com alguns frutos da flora brasileira que foram patenteados. AB Eu li há pouco a patente americana da Ayahuasca, que acabou de vencer. É insultante, em todos os níveis. Como uma coisa biológica pode ser patenteada? Escrevi um pequeno artigo sobre isso. Na Colômbia a gente falava muito sobre isso, mas ninguém pensava em patentes. Falávamos sobre o processo, mas nunca a planta. CM Como é possível patentear uma planta que existe?. AB Ele ganhou os vinte anos da patente, mas houve tanta pressão social que não continuou o desenvolvimento de medicamentos. Mas legalmente ele estava protegido. A patente venceu em 2010. Mais uma vez: a patente, em vez de proteger a invenção, protege os interesses de corporações.