AULA 2 A CONSTITUIÇÃO DO CAMPO DA SOCIOLOGIA ECONÔMICA (I) NADYA ARAUJO GUIMARÃES FSL 0638 SOCIOLOGIA ECONÔMICA 01/2015

Documentos relacionados
AULA 1 A constituição do campo de uma sociologia da vida econômica (I)

AULA 3 A CONSTITUIÇÃO DO CAMPO DA SOCIOLOGIA ECONÔMICA (II) NADYA ARAUJO GUIMARÃES FSL 0638 SOCIOLOGIA ECONÔMICA 01/2015

Sociologia Econômica: a constituição do campo e a concepção da disciplina. Aula 1. Nadya Araujo Guimarães. USP, 1º semestre de 2015

Sociologia. Resumo e Lista de Exercícios LIVE 01/10/17

INFLUÊNCIAS TEÓRICAS PRIMEIRAMENTE, É PRECISO DESTACAR A INFLUÊNCIA DO PENSAMENTO ALEMÃO NA SUA

Aula 4 Ação econômica e estrutura social: um manifesto fundador? Nadya Araujo Guimarães. FSL 0638 Sociologia Econômica 01/2015

Aula 5 O mercado como estrutura social: a construção social e simbólica das relações mercantis. Sociologia Econômica Nadya Araujo Guimarães 01/2015

A Sociologia Econômica STEINER, Philippe. São Paulo: Atlas, 2006.

Neil Smelser e Richard Swedberg

Os Sociólogos Clássicos Pt.2

Max Weber

Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas

1º Anos IFRO. Aula: Conceitos e Objetos de Estudos

CLÁSSICOS DA SOCIOLOGIA. Profº Ney Jansen Sociologia

Durkheim, Weber, Marx e as modernas sociedades industriais e capitalistas

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE 042 CENTRO DE COMUNICAÇÃO E LETRAS PLANO DE ENSINO CÓD. DISC. DISCIPLINA ETAPA CH SEM CH TOTAL SEM/ANO

Escritos de Max Weber

Alguma considerações de Weber sobre a sociedade moderna

- EPEC: investigação de aspectos de um processo amplo de transformação social, cujo desfecho é a modernidade.

UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA. Programa da Unidade Curricular SOCIOLOGIA ECONÓMICA E DAS ORGANIZAÇÕES Ano Lectivo 2011/2012

Unidade 3: A Teoria da Ação Social de Max Weber. Professor Igor Assaf Mendes Sociologia Geral - Psicologia

Ensino Técnico Integrado ao Médio

EAD Fundamentos das Ciências Sociais

Comte, Marx, Durkheim e Weber

Ensino Técnico Integrado ao Médio

CONHECIMENTO E INOVAÇÃO NAS EMPRESAS. Renata Lèbre La Rovere, Professora e Pesquisadora do Grupo de Economia da Inovação - IE/UFRJ

MERCADO DE TRABALHO: DEFINIÇÕES, TRANSFORMAÇÕES E DESIGUALDADES

2. PROCEDIMENTOS E AVALIAÇÃO

SOCIOLOGIA TEORIAS SOCIOLÓGICAS II - 2º ANO ANO LECTIVO DOCENTE: Jean-Martin Rabot

Unidade III ECONOMIA E NEGÓCIOS. Prof. Maurício Felippe Manzalli

Fazer sociologia, um desafio

Introdução à Microeconomia

EAD Fundamentos das Ciências Sociais

Processo Seletivo/UFU - julho ª Prova Comum - PROVA TIPO 1 SOCIOLOGIA QUESTÃO 51

A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo.

CAPITULO 4 SOCIOLOGIA ALEMÃ: KARL MARX E MAX WEBER

Economia para Engenharia

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO. PLANO DE ENSINO Semestre letivo º. 1. Identificação Código

ANEXO I: Modelo de Programa de Disciplina (elaborar em conformidade com o Projeto Pedagógico do Curso)

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO. PLANO DE ENSINO Ano Semestre letivo º. 1. Identificação Código

OS CLASSICOS DA SOCIOLOGIA

Ação Social e as instituições:

PARADIGMAS SOCIOLÓGICOS DECORREM DA FORMA DE VER A RELAÇÃO ENTRE O INDIVÍDUO E A SOCIEDADE.

Aula 8 A crítica marxista e o paradigma da evolução contraditória. Profa. Dra. Eliana Tadeu Terci

P L A N O DE C U R S O DISCIPLINA SOCIOLOGIA I. CARGA HORÁRIA TU: 50 horas TC: 30 horas Total: 80 horas. Professora Doutora Márcia Maria de Oliveira

Introdução à Microeconomia

SOCIOLOGIA 1 ANO PROF. DARIO PINHEIRO PROF. JOSINO MALAGUETA ENSINO MÉDIO

Disciplina: SOCIOLOGIA Segmento: EM Ano/Série: 1º Turma: TA Assunto: Roteiro de Estudos Para Recuperação da I Etapa /2019 Aluno (a): Nº: Nota:

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

Aula 7 Dinheiro, moedas e finanças: perspectivas sociológicas sobre os meios das transações econômicas

CURSO METODOLOGIA ECONÔMICA. Professora Renata Lèbre La Rovere. Tutor: Guilherme Santos

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO. PLANO DE ENSINO Ano Semestre letivo º. 1. Identificação Código

MATRIZ CURRICULAR - UFF

SOCIOLOGIA. Texto Elaborado por Rafael Barossi

Quem criou o termo e desenvolveu a sociologia como ciência autônoma foi Auguste Comte. Sua obra inicia-se no início do século XIX e é central a noção

Aula 1 ciência, ideologia e metodologia. Profa. Eliana Tadeu Terci

Cap. 2 Empresa, Indústria e Mercados

A OFICINA DA SOCIOLOGIA ECONÔMICA. Tácito Augusto Farias DEE / UFS. Geraldo Denison Viana NPPCS / UFS. 1. INTRODUÇÃO.

Objetivos: Apresentar e debater a contribuição das obras de Marx, Durkheim e Weber para a sociologia moderna e contemporânea.

O pensamento sociológico no séc. XIX. Sociologia Profa. Ms. Maria Thereza Rímoli

EMENTÁRIO DAS DISCIPLINAS DO CURSO DE SERVIÇO SOCIAL (Currículo iniciado em 2015)

Profª Drª Gisele Masson Departamento de Educação Universidade Estadual de Ponta Grossa

Autores básicos das teorias heterodoxas do desenvolvimento econômico: Marx, Keynes, Schumpeter e Weber

Como observar a realidade social? Operários, pintado por Tarsila do Amaral em 1933.

INTRODUÇÃO À ANTROPOLOGIA

PLANO DE CURSO. 1. Apresentar a emergência da teoria social de Marx e da tradição sociológica, discutindo os traços pertinentes destas duas vertentes.

UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA. Programa da Unidade Curricular INTRODUÇÃO ÀS CIÊNCIAS SOCIAIS Ano Lectivo 2018/2019

Unidade II ECONOMIA E MERCADO. Prof. Rodrigo Marchesin

Sociedade, Estado e Mercado. Aula 4 Teoria social de Karl Marx. Prof.: Rodrigo Cantu

UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA. Programa da Unidade Curricular TEORIAS SOCIOLÓGICAS Ano Lectivo 2017/2018

Índice PREFÁCIO 7 PRELÚDIO 11 AGRADECIMENTOS 17 ABREVIATURAS 19

Unidade II Sociedade, natureza e espaço II. Aula 4.1 Conteúdo:

Por quê estudar Economia?

POLÍTICAS PÚBLICAS Aula 02. Prof. a Dr. a Maria das Graças Rua

A sociologia de Marx. A sociologia de Marx Monitor: Pedro Ribeiro 24/05/2014. Material de apoio para Monitoria

Curso Graduação. Eixo de Formação Eixo de Formação Fundamental. Docente: Prof. Dr. Edson Vieira da Silva Filho

Métodos de Par,ção da Realidade entre Ciência Econômica e Ciências Afins: Polí,ca, Sociologia e Psicologia

CONHECIMENTO E INOVAÇÃO NAS EMPRESAS

SUMÁRIO APRESENTAÇÃO... 7 PREFACIO... ',...,...,...,...,...,... 9 NOTA DOS AUTORES...,... ".. "... "... " "... 11

1º Bim Manaus (AM), 11-FEV-2019 SOCIOLOGIA Gonzalezaa

Sociologia 23/11/2015 PRODUÇÃO & MODELOS ECONÔMICOS TIPOS DE MODOS DE PRODUÇÃO

Economia Industrial. Prof. Marcelo Matos. Aula 2

INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA Turma I - 3as e 5as feiras, às 8 h

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

Processo Seletivo/UFU - Janeiro ª Prova Comum - PROVA TIPO 1 SOCIOLOGIA QUESTÃO 52

1º AULÃO ENEM Sociologia 1) SAS. 2 ENEM

PARECER DOS RECURSOS

PIERRE BOURDIEU PODER SIMBÓLICO

Conexões de saberes /UFAL Exercitando a imaginação sociológica Prof. Cezar Augusto

A SOCIOLOGIA E A RELAÇÃO ENTRE O INDIVÍDUO E A SOCIEDADE

Avaliações: Serão duas avaliações escritas, valendo cada uma, 50% da média final. P1 07/05; P2 25/06; Final 02/07.

POSITIVISMO - Uma primeira forma de pensamento social - século XVIII

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Economia dos Custos de Transação e a Teoria Organizacional

SOCIOLOGIA Autor e Responsável Técnico: Wellington de Oliveira Teixeira

Questões Sugeridas Bloco 1:

ESTRUTURA CURRICULAR PPGPS DISCIPLINAS OBRIGATÓRIAS CR M D

DURKHEIM, E. O suicídio: estudo de sociologia. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

Transcrição:

AULA 2 A CONSTITUIÇÃO DO CAMPO DA SOCIOLOGIA ECONÔMICA (I) NADYA ARAUJO GUIMARÃES FSL 0638 SOCIOLOGIA ECONÔMICA 01/2015

ROTEIRO 1. Os principais momentos na constituição do campo: cronologia e território 2. Os fundamentos nos clássicos da Economia: Marx e Pareto como principais inspirações 3. Os fundamentos nos clássicos da Sociologia: Durkheim e Weber como principais inspirações

I. OS PRINCIPAIS MOMENTOS NA CONSTITUIÇÃO DO CAMPO CRONOLOGIA E TERRITÓRIO

1. UMA CRONOLOGIA TENTATIVA: 1. 1860-1920: através de teóricos da economia e da economia política: como Marx, Pareto, Schumpeter, Veblen através de teóricos da sociologia, como Dürkheim, Weber 2. 1920-1970: através da reflexão de pensadores de forte inspiração durkheimeana (como Mauss, Halbwachs) ou weberiana (como Parsons, Smelser) 3. 1980 em diante: uma nova sociologia econômica

2. TERRITÓRIO COMUM AOS VÁRIOS MOMENTOS: UMA CONFLUENTE RECUSA À teoria econômica que se erige a partir da figuração de um homo oeconomicus enquanto 1.um agente econômico : - des-socializado - e onisciente 2. um agente econômico movido pela busca exclusiva da maximização de ganhos

TERRITÓRIO COMUM: UMA MESMA CONFLUENTE AFIRMAÇÃO A de que as relações econômicas são socialmente construídas: i.e., que as relações sociais intervêm na constituição de regularidades econômicas. Por isso mesmo: 1. é necessária uma explicação sociológica para a formação dos fenômenos mercantis (como mercado, preços, rendas, volume do emprego, etc.), que têm sua origem determinada por relações sociais (familiares, profissionais, etc.) 2. há que atentar para a dimensão cultural e cognitiva, refletindo sobre a construção das interpretações acerca dos fenômenos da vida econômica i.e, uma sociologia do conhecimento econômico

II. OS FUNDAMENTOS NOS CLÁSSICOS DA ECONOMIA UM EXEMPLO DA INSPIRAÇÃO BUSCADA EM MARX E PARETO

A INSPIRAÇÃO BUSCADA EM MARX, 1818-1883 (I) Uma sociologia da vida econômica em estado prático e que se expressa: - na formulação sobre a determinação econômica como movimento que se opera apenas em última instância -> relações econômicas como relações sociais / socialmente construídas (papel da política e da ideologia) -> articulação entre as categorias chaves da atividade econômica: produção, distribuição, troca e consumo

A INSPIRAÇÃO BUSCADA EM MARX (II) Uma sociologia do pensamento econômico que se expressa: - na concepção marxiana das categorias econômicas como sendo dotadas de. historicidade e. transitoriedade => na busca dos fundamentos sociais para as interpretações acerca da realidade econômica

A INSPIRAÇÃO BUSCADA EM PARETO (1848-1923) A economia, voltada para entender os fundamentos lógicos das ações humanas x a sociologia, voltada para entender os fundamentos não-lógicos desta mesma ação (baseadas em intuições e emoções) As aproximações sucessivas feitas por Pareto: da economia pura - lógicas das relações entre agentes econômicos no mercado / sistema de interdependência entre agentes em sua forma analiticamente mais simples ex: estudo da preferência do consumidor (na combinação de bens) ao reconhecimento da existência de uma economia aplicada ( há outras formas de ação: agentes são dotados de paixões...)...e desta à sociologia da vida econômica: valor analítico de outros saberes/outras dimensões da vida social (Manual de Economia Política, 1909)

III. OS FUNDAMENTOS NOS CLÁSSICOS DA SOCIOLOGIA UM EXEMPLO DA INSPIRAÇÃO BUSCADA EM DÜRKHEIM E WEBER

DÜRKHEIM (1858-1917) E AS INSTITUIÇÕES DA VIDA ECONÔMICA (I) O paradoxo do pensamento econômico clássico, representado por Adam Smith:. Um ponto de partida adequado: aprofundamento da divisão do trabalho tornaria as relações mercantis afetiva e politicamente neutras, dada a grande quantidade de interações impostas pela circulação em larga escala da riqueza produtiva... Mas um ponto de chegada inadequado: sociedade não pode se fundar apenas no modelo da troca (Spencer e a ideia e o contrato como livremente negociado entre as partes): o tempo social empregado em negociar cada relação contratual inviabilizaria a vida social, paralisando os indivíduos em torno dessas negociações.

DÜRKHEIM E AS INSTITUIÇÕES DA VIDA ECONÔMICA: OUTRA INSPIRAÇÃO (II) O livre contrato supõe elementos não-contratuais, i.e, apóia-se em instituições sociais que regulam (desde fora) a negociação dos contratos (e reduzem os custos de transação, do mesmo modo que depois Coase e Williamson pensariam a necessidade dos arranjos institucionais para reduzir os custos de transação) => Mas, para Durlheim, o contrato é uma instituição social que resulta não apenas do calculo econômico mas da evolução social Ex: como representações sociais sobre a justiça estão na base da construção das relações contratuais e mercantis (o salário justo, o preço justo...) / Arrow: e as instituições invisíveis (confiança, principios éticos ou morais...)

MAX WEBER (1864-1920) E A TEORIA DA AÇÃO ECONÔMICA (I) Os fundamentos ideal-típicos da ação (inclusive econômica) tradicional: fundada nas formas rotineiras de conduta, no que sempre há sido assim... afetiva: fundada nos impulsos circunstanciais (nas emoções, cf. J. Elster) racional, por referência aos valores que operam como princípios de orientação da conduta racional, instrumental, por referência à adaptação entre meios e fins (Weber: denomino fim à representação de um resultado que se torna a causa/o móvel de uma ação, in A objetividade do conhecimento nas ciências e na política sociais, 1904)

MAX WEBER (1864-1920) E A TEORIA DA AÇÃO ECONÔMICA (II) A origem do comportamento econômico racional: comportamento econômico racional (suporte da civilização moderna) é uma construção social específica, histórica: Reforma Protestante, em sua acepção calvinista, introduz um comportamento ascético e uma concepção de trabalho como dever Ação racional fundada em valores: são convicções que orientam a conduta; ator age segundo o que crê seja o seu dever, não lhe importando as conseqüências materiais dos seus atos

MAX WEBER (1864-1920) E A TEORIA DA AÇÃO ECONÔMICA (III) Assim, antes da modernidade, ação econômica era tradicional, num duplo sentido: seja por inexistir a busca sistemática do lucro seja por inexistir cálculo sobre a rentabilidade no longo prazo Emergência de uma racionalidade capitalista de tipo instrumental confronta/toma em conta no seu cálculo (Economia e Sociedade, 1921): Meios e fins Fins e subprodutos Fins alternativos

MAX WEBER (1864-1920) E A TEORIA DA AÇÃO ECONÔMICA (IV) Consequências econômicas de longo prazo: Sistematicidade do comportamento Busca de máxima produção de riqueza => acumulação Um novo padrão de concorrência pela riqueza => um sistema econômico de busca racional do ganho no longo prazo, agora já independente da motivação religiosa, que estivera na sua raiz Em suma: o fato econômico é um fato social, pois Na procura por bens escassos O agente econômico precisa levar em conta o comportamento dos outros agentes econômicos e o sentido que este dão à sua ação (Ficam evidentes na própria definição de ação econômica, os elementos constitutivos do que seria, para Weber, ação social)

PRÓXIMA AULA Objeto da próxima aula: o campo se aprofunda, em seu delineamento, à luz das inspirações dos pais fundadores. Os avanços de Simmel, da escola dürkheimeana e de Polanyi Leitura recomendada: Steiner (cap.1) e, complementarmente Smelser & Swedberg (Handbook, cap.1 edição 1994 ou 2005 do Handbook of Economic Sociology), Dobbin (Handbook..., cap.2)