1. Referência legal do assunto Arts. 538 a 564 do CC. DOAÇÃO 2. Conceito e características da doação O art. 538 do CC define a doação como um contrato pelo qual uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra, que os aceita. Do conceito acima mencionado poder-se-ão extrair quatro características fundamentais, a saber: a) Contratualidade: O CC considera a doação como um contrato, requerendo para a sua formação a intervenção de duas partes contratantes, o doador e o donatário, cujas vontades se entrosam para que se perfaça a liberalidade por ato inter vivos, distinguindo-se dessa maneira do testamento, que é liberalidade causa mortis. b) Ânimo do doador de fazer uma liberalidade (animus donandi): O ato do doador deverá revestir-se de espontaneidade. Faltará o espírito de liberalidade se o autor do benefício agir no cumprimento de uma obrigação ou para preencher uma condição ou um encargo de disposição que lhe tenha sido imposto, ou, ainda, no cumprimento de um dever moral ou social, ditado por imperativos de justiça, hipóteses em que se terá o cumprimento de uma obrigação natural, cujo regime jurídico se afasta da doação (CC, art. 564, III).
c) Transferência de bens ou de direitos do patrimônio do doador para o do donatário: Se inexistir translação de valor econômico de um patrimônio a outro não se terá doação, visto que é um contrato que envolve um ato de alienação. d) Aceitação do donatário: O contrato não se aperfeiçoará enquanto o beneficiário não manifestar sua intenção de aceitar a doação. Por se tratar de contrato benéfico, o donatário não precisará ter capacidade de fato para aceitar a doação pura e simples, embora se suponha necessário o consentimento de seu representante legal. Mesmo o nascituro (infans conceptus) poderá receber doação, mas a aceitação deverá ser manifestada por aquele a quem incumbe cuidar de seus interesses (CC, art. 542). Se nascer morto, embora aceita a liberalidade, esta caducará, mas se tiver um instante de vida, receberá o benefício, transmitindo-o aos seus sucessores (art. 2 º, 2 a parte). Se o donatário for absolutamente incapaz dispensa-se a aceitação expressa, estando sob o poder familiar (CC, art. 543). Normalmente a aceitação é expressa quando o donatário manifesta o desejo de receber o benefício de modo expresso, por palavra escrita ou oral, no próprio ato da liberalidade, visto que comparece à escritura para declarar que aceita a doação.
3. Classificação da doação a) Unilateral Cria obrigação apenas para o doador b) Gratuito (benéfico) Apenas o donatário aufere vantagem com a realização do contrato de doação c) Comutativo A prestação no contrato de doação é certa e determinada 4. Requisitos da doação Para que a doação seja válida, além dos requisitos reclamados por qualquer negócio jurídico, será imprescindível o preenchimento de outros, a saber: a) Requisito subjetivo: A capacidade ativa ou capacidade para doar pode faltar em razão de uma situação especial do doador em decorrência do direito de família. A capacidade para doar está sujeita a certas limitações, pois: 1- Os absoluta ou relativamente incapazes não poderão, em regra, doar, nem mesmo por meio de representantes legais, visto que as liberalidades não são tidas como feitas no interesse do representado. Porém, o pródigo poderá doar se assistido de seu curador, que dará ou não sua anuência, conforme o caso, pois ele pratica certos atos de administração. 2- Os cônjuges, sem a devida autorização, exceto no regime de separação absoluta de bens, estão impedidos de fazer doação com os bens e rendimentos comuns, não sendo remuneratória, ou com os que possam integrar a futura meação (CC, art. 1689, II).
3- As pessoas jurídicas podem doar e receber doações, só que as de direito público sujeitar-se-ão às restrições de ordem administrativa e as de direito privado sofrerão as limitações impostas pela sua índole, pelos seus estatutos e atos constitutivos. 4- Os ascendentes poderão fazer doações a seus filhos, que importarão em adiantamento da legítima (CC, art. 544, 1 ª parte), devendo ser por isso conferidas no inventário do doador, por meio de colação (CC, art. 2.002 e CPC art. 1014), embora o doador possa dispensar a conferência, determinando, em tal hipótese, saiam de sua metade disponível, calculada conforme o art. 1.847 do CC, contanto que não a excedam, porque o excesso será considerado inoficioso e, portanto, nulo. Todavia, nula será qualquer cláusula que possa vir a alterar as normas de direito sucessório. b) Requisito objetivo: Para ter validade a doação precisará ter por objeto coisa que esteja in commercio (bens móveis, imóveis, corpóreos ou incorpóreos, presentes ou futuros, direitos reais, vantagens patrimoniais de qualquer espécie). Além do mais, será imprescindível a liceidade e a determinabilidade; daí a conveniência de se observarem as seguintes normas: 1- Não valerá a doação de todos os bens (doação universal), sem reserva de parte ou renda suficiente para a subsistência do doador (CC, art. 548), a fim de se evitar excessiva liberalidade, que coloque o doador na penúria. Nula será tal doação mesmo que haja para o donatário o encargo de prover a subsistência do doador, enquanto este viver.
2- Se com a doação o doador ficar insolvente, os credores prejudicados poderão anulá-la, a não ser que o donatário, com o consentimento dos credores, assuma o passivo do doador, dando-se, então, uma novação subjetiva (CC, art. 360, II). 3- A doação inoficiosa está vedada por lei; portanto, nula será a doação da parte excedente do que poderia dispor o doador em testamento, no momento em que doa (CC, art. 549), pois, se houver herdeiros necessários, o testador só poderá dispor de metade da herança (CC, arts. 1789 e 1846), preservandose, assim, a legítima dos herdeiros; daí a nulidade dessa doação inoficiosa apenas na porção excedente à legítima de seus herdeiros, a qual, sofrerá, então, uma redução até o limite permitido por lei. Importante notar, que o excesso será apreciado no momento da doação e não no da abertura da sucessão. Procedente a ação de redução, restituem-se os próprios bens, no que exceder, ou o seu respectivo valor, se aqueles não mais existirem. 4- O doador poderá estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio, se sobreviver ao donatário; essa cláusula de reversão deverá resultar de disposição expressa, operando, então, como uma condição resolutiva, de cujo implemento resultará a restituição do bem doado; os frutos, porém, pertencerão ao donatário. Como não se admite negócio a termo, nada obsta a que se imponha a reversão antes da morte do donatário, mas veda-se efeito de cláusula de reversão em benefício de terceiro. c) Requisito formal: A doação é um contrato solene, pois o art. 541 do CC lhe impõe forma específica. O dispositivo legal estabelece obrigatoriamente a forma escrita, ao exigir que a doação se faça por instrumento público ou particular, e, apenas
excepcionalmente, admite, em seu parágrafo único, sua celebração por via verbal, em certos casos excepcionais. 5. Espécies de doação 5.1. Doação simples ou pura: Trata-se daquela feita sem qualquer encargo. Trata-se de um ato de pura liberalidade. 5.2. Doação com encargo: A doação com encargo, também chamada modal, estabelece um ônus, ou seja, submete o donatário a determinada tarefa ou função. 5.3. Doação condicional: É aquela em que a eficácia do contrato está subordinada à ocorrência de um evento futuro e incerto. 5.4. Doação remuneratória: É aquela em que, sob a aparência de mera liberalidade, há firme propósito do doador de pagar serviços prestados pelo donatário ou alguma outra vantagem que haja recebido dele. 5.5. Doação contemplativa ou meritória:
É aquela feita em contemplação a um merecimento do donatário (CC, art. 540). Nesta hipótese, o doador prevê, expressamente, quais são os motivos que o fizeram decidir pela celebração do contrato de doação. 5.6. Doação sob forma de subvenção periódica: Trata-se de uma doação de trato sucessivo, em que o doador estipula rendas a favor do donatário (CC, art. 545). Como regra, terá como causa extintiva a morte do doador ou do donatário, mas poderá ultrapassar a vida do doador. Porém, em hipótese alguma, poderá ultrapassar a vida do donatário. 5.7. Doação em contemplação de casamento futuro (propter nuptias): É aquela realizada em contemplação de casamento futuro com pessoa certa e determinada (CC, art. 546). Na hipótese em que o casamento não for realizado o nubente deverá devolver a coisa com os mesmos efeitos do possuidor de boa-fé. 5.8. Doação com cláusula de reversão: A doação com cláusula de reversão (ou cláusula de retorno) é aquela em que o doador estipula que os bens doados voltem ao seu patrimônio se sobreviver ao donatário (CC, art. 547). Esta cláusula tem natureza personalíssima, portanto não pode ser estipulada a favor de terceiro, pois isso caracterizaria uma espécie de fideicomisso por ato inter vivos, mecanismo este vedado pela legislação civil. 5.9. Doação conjuntiva:
É aquela que conta com a presença de dois ou mais donatários (CC, art. 551), presente uma obrigação indivisível. Como regra, não há direito de acrescer entre os donatários na doação conjuntiva. Dessa forma, falecendo um deles a sua quota será transmitida diretamente para os seus sucessores e não para o outro donatário. Mas o direito de acrescer pode estar previsto no contrato (direito de acrescer convencional) ou na lei (direito de acrescer legal). O parágrafo único do art. 551 do CC prevê uma hipótese do direito de acrescer legal quando os donatários forem marido e mulher. 5.10. Doação manual: Trata-se da doação de bem móvel de pequeno valor celebrada verbalmente, desde que seguida da entrega imediata da coisa (CC, art. 541, parágrafo único). 5.11. Doação a entidade futura: A lei possibilita a doação a uma pessoa jurídica que ainda não exista, condicionando sua eficácia à sua regular constituição (CC, art. 554). Se a entidade donatária não for constituída no prazo de dois anos contados da efetuação da doação ela caducará. 5. Invalidade nos contratos de doação O CC estabelece algumas formas de doações inválidas, estabelecendo tanto a nulidade como a anulabilidade do contrato. As hipóteses são:
a) Doação inoficiosa: Trata-se da doação que excede o limite de disposição patrimonial do doador, prejudicando a legítima dos herdeiros. É um caso de nulidade textual do contrato de doação (CC, art. 549), porém atinge tão-somente a parte excedente da legítima. Como a questão envolve ordem pública, a ação declaratória de nulidade da parte inoficiosa (também denominada de ação de redução) é imprescritível, podendo ser proposta a qualquer tempo (CC, art. 169). b) Doação universal: Trata-se da doação de todos os bens, sem reserva do mínimo para a sobrevivência do doador (art. 548 do CC). É, também, um caso de nulidade textual do contrato de doação. c) Doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice: Prevê o art. 550 do CC que esta espécie do doação é anulável, desde que a ação proposta pelo cônjuge prejudicado ou pelos seus herdeiros necessários ocorra até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal. O dispositivo não se aplica se o doador viver com o donatário em união estável.
6. Promessa de doação Pela promessa de doação uma das partes compromete-se a celebrar um contrato de doação futura, beneficiando o outro contratante. Trata-se de um negócio jurídico polêmico na doutrina nacional, com opiniões favoráveis e contrárias a sua prática. Contudo, é bom observar que o STJ já reconheceu a validade e a eficácia desta forma negocial. 7. Revogação da doação A revogação é forma de resilição unilateral, de extinção de um contrato por meio de pedido formulado por um dos contratantes em virtude da quebra de confiança entre eles. A revogação da doação pode dar-se por dois motivos: por inexecução do encargo ou modo ou por ingratidão (CC, art. 555). As hipóteses que indicam a revogação da doação por ingratidão estão relacionados no art. 557 do CC. As hipóteses são taxativas e ação para pleitear a desconstituição do contrato tem natureza personalíssima. Por descumprimento do encargo o art. 562 do CC prescreve que a doação onerosa poderá ser revogada por inexecução do encargo, desde que o donatário incorra em mora; não havendo prazo para o cumprimento, o doador poderá notificar judicialmente o donatário, assinando-lhe prazo razoável para que cumpra a obrigação assumida.