Notas de aula de Física II Anderson Kendi R. Kohara
2 Essas notas de aula constituem um material didático de uso particular. O objetivo deste material é proporcionar uma visão objetiva do curso de física II, abrangendo o estudos dos fluidos, oscilações, ondas e termodinâmica. Alguns exercícios são propostos no decorrer dos capítulos. É importante lembrar que sob nenhuma hipótese esse material substitui as referências bibliográficas sugeridas no curso. O aluno deve encarar essas notas como uma ferramenta auxiliar ao livro texto adotado. O estudante que analisar este material encontrará alguns erros, portanto estudem atentamente.
Chapter 1 Estática dos Fluidos Neste capítulo estudaremos as propriedades dos fluidos em equilíbrio estático. 1.1 Propriedades dos fluidos Os fluidos se dividem em dois estados físicos: gases e líquidos. Líquidos - possuem forma mal definida e volume bem definido (os líquidos se moldam a qualquer recipiente que os contenha, porém seu volume não varia). Gases - possuem forma mal definida e volume mal definido. 1.1.1 Resistência e elasticidade de um fluido Para compreender melhor as características de um fluido aplica-se forças sobre o mesmo e em seguida mede-se a suas resposta perante a força aplicada. As forças aplicadas dão origem a uma quantidade chamada pressão. A resposta a essa pressão é identificada pela variação de volume. Assim, é comum definir a quantidade: B p V/V, (1.1) chamada de módulo da elasticidade volumar. Note que o sinal negativo da Eq.(1.1) se justifica afim de manter a quantidade B > 0. Isso porque uma variação positiva na pressão p > 0 implica numa variação negativa no volume ( V < 0), e uma variação negativa na pressão ( p < 0)implica numa variação positiva no volume ( V > 0). De maneira completamente análoga pode-se definir a compressibilidade volumar, 3
4 CHAPTER 1. ESTÁTICA DOS FLUIDOS isto é, a resistência de um fluido sobre a aplicação da pressão como o inverso da elasticidade volumar. κ 1 B = V/V p. (1.2) 1.2 Tipos de forças A fim de estudar o comportamento dos fluidos sujeitos a apliação de alguma força separamo-nas em dois tipos: Forças superficiais - forças proporcionais a área da superfície que recebe a força. Essas são forças de curto alcance. Exemplos: tração, compressão e cisalhamento. Forças volumétricas - forças proprocionais ao volume do corpo que sofre a ação da força. São forças de longo alcance. Exemplos: gravidade, força centrífuga, força magnética entre outras. 1.3 Forças superficiais No curso de física I já vimos esses tipos de forças de curto alcance. É comum utilizar o termo tensões para se referiar a forças superficiais. A tensão é definida como: T ensao F (1.3) A Um objeto suspenso por um fio sofre a ação da força gravitacional (força volumétrica) e a tração no fio (força superficial). Um objeto na superície da uma mesa sofre a ação da força gravitacional e da força normal colinear com a gravidade. Um objeto colado em duas paredes conforme a terceira figura 1.3 sofre a ação da força gravitacional e da força de cisalhamento.
1.3. FORÇAS SUPERFICIAIS 5 Note que o exemplo dado na Fig. 1.3 mostra que um sólido é capaz de sustentar a tensão de cisalhamento contanto que o material que une o bloco a parede seja resistente o suficiente para equilibrar o peso. Porém, um fluido não consegue sustentar a força de cisalhamento. Isto significa que se houver forças de cisalhamento o fluido necessariamente estará em movimento. Um fluido está em equiliíbrio quando a resultante das forças é nula, e, além disso não existem forças tangenciais (cisalhamento). Alguns materiais curiosos: piche e vidro escoam lentamente como um fluido viscoso, e se fraturam como um sólido. 1.3.1 Pressão e a força superficial Conforme dissemos anteriormente a força superficial é proporcional a área a qual ela é aplicada F α S, (1.4) onde define-se S n S com n sendo um vetor unitário perpendicular ao elemento de área S que aponta para fora do volume contido na superfície S. Assim, tomando um elemento infinitesimal da força, temos: d F = p n ds = p d S, (1.5) onde p é o coeficiente de proporcionalidade que é uma quantidade positiva definida chamada pressão. Note que o sinal negativo garante a positividade de p, pois a força df é aplicada no sentido contrário ao vetor n. É bastante comum fazer confusão da quantidade pressão com a força, porém, já sabemos que a força é um vetor, e possui direção e sentido. Ao subir a serra de Petrópolis sentimos uma diferença de pressão em nossos ouvidos, e para sentir essa variação, não depende da direção que nossos ouvidos se encontram, sendo portanto natural esperar que a pressão não dependa da posição. Assim, queremos provar por absurdo que a pressão não depende da direção. Suponha que a pressão p = p(p, n) seja uma função que dependa de um ponto no espaço P = (x, y, z) e de uma direção no espaço n. Baseado na Fig. 1.3.1, imagine que uma força df é aplicada na mesma direção de n e sentido contrário. A projeção desssa força no eixo z será: df sup z = p(p, n ) d S n = p(p, n ) ds ( n n) = p(p, n ) cos θ ds. (1.6) Por outro lado, na base inferior do cilindro a força superficial será: df inf z = p(p, n) ds( n n) = p(p, n) ds, (1.7) e deve equilibrar a forç na superfície superior do fluido. Note pela geometria da Fig. 1.3.1 que ds cos θ = ds, isso implica que df sup z = p(p, n ) ds. (1.8)
6 CHAPTER 1. ESTÁTICA DOS FLUIDOS No equilíbrio a soma das forças sobre o elemeto de volume infinitésimo deve se anular, df sup z + df inf z = [ p(p, n ) + p(p, n)]ds = 0. (1.9) Estamos fazendo a hipótese adicional de que a pressão num ponto P numa dada direção n é a mesma pressão num ponto P na mesma direção n ou seja p(p, n ) = p(p, n ). Isso se justifica se desconsiderarmos a força volumétrica que é de ordem superior em relação a força superficial. Note que para um elemento de volume infinitesimal temos dv = dz ds < ds. substituindo esse resultado na Eq. (1.9) temos [ p(p, n ) + p(p, n)]ds = 0. (1.10) Observe ainda que pela terceira lei de newton p(p, n) = p(p, n), sendo assim, a Eq.(1.10) implica p(p, n ) = p(p, n), (1.11) donde concluímos que a pressão não depende da direção pois qualquer que seja a direção n a pressão será a mesma que na direção n, sendo assim, não faz sentido considerar que a pressão dependa da direção. Contudo, nada falamos sobre a dependência da pressão com a altura. 1.3.2 Unidades Algumas unidades úteis para medida de pressão: 1 N/m 2 = 1 Pascal = 1Pa ; 1 bar=10 5 N/m 2 = 10 N/cm 2 = 10 3 mb ; 1 torr = 133,326 Pa ; 1 atm = 1,013 10 5 N/m 2 ; 1 mm-hg = 1,316 10 3 atm ; ρ Hg =1,359 10 4 Kg/m 3.
1.4. FORÇAS VOLUMÉTRICAS 7 1.4 Forças volumétricas Forças volumétricas são proporcionais ao volume sobre o qual a força atua. F V α V n, (1.12) Conforme mencionamos anteriormente a gravidade é uma força do tipo volumétrica F V = m g = m g m = ρ g V. (1.13) V Na equação acima a quantidade ρ m V é a densidade, isto é, massa por unidade de volume. Na próxima seção usaremos as forças volumétricas e superficiais. 1.5 Lei de Stevin Podemos medir experimentalmente a pressão ao submergirmos na água. A cada h de profundidade a pressão é medida, e verificamos que nessas condições a pressão é uma função linear da profundidade. p = c + α h, (1.14) onde c é uma constante e α é o coeficiente angular da reta. Fisicamente este coeficiente deve representar alguma quantidade física. Qual seria essa grandeza física? Para responder essa pergunta faremos uma análise de um corpo sujeito as forças volumétricas e superficiais. Imagine um elemento de fluido, cuja força volumétrica é do tipo gravitacional. F V = mg = ρ g V, (1.15) mas note que V = S z. Por outro lado, a resultante das forças superficiais nas bases superior e inferior do cilindro fica F superficial = [p(x, y, z + dz) p(x, y, z)] S p(x, y, z + dz) p(x, y, z) = S z, (1.16) z no limite z pequeno, e na situação de equilíbrio temos pela segunda lei de newton isso implica em F superficial + F V = 0 ρ g V p V = 0, (1.17) z p = ρ g. (1.18) z
8 CHAPTER 1. ESTÁTICA DOS FLUIDOS Integrando na altura z, temos: p(z2) p(z 1) p z2 z dz = ρ g dz, (1.19) z 1 o que nos leva a p(z 1 ) = p(z 2 ) + ρ g (z 2 z 1 ). (1.20) Identificando h = z 2 z 1 e p(z 2 ) = C, vemos que as Eqs. (1.14), (1.20) são equivalentes e que o coeficiente angular α da Eq.(1.14) fornece a medida do produto da gravidade pela densidade do fluido. Assim, uma maneira de medir a densidade de um líquido é medir a pressão como função da profundidade e determinar o coeficiente angular da reta obtida pelos dados experimentais. 1.6 Princípio de Arquimedes O princípio de Arquimedes diz que um corpo total ou parcialmente imerso num fluido, recebe do fluido um empuxo igual e contrário ao peso da porção de fluido deslocada e aplicada no centro de gravidade dessa porção. Empuxo: É uma força originada devido a variação de pressão ao redor de um corpo. Imagine um corpo com área A e altura h imerso num fluido. Pela Lei de Stevin temos que: p(z 1 ) p(z 2 ) = ρ l g h. (1.21) Multiplicando todos os termos da Eq. (1.21) pela área A temos a resultante das forças superficiais, p(z 1 )A p(z 2 )A = ρ l g h A, (1.22) onde h A = V l é o volume do líquido que foi ocupado pelo corpo. chamamos de empuxo a força originada pela variação de pressão Assim, E = p(z 1 )A p(z 2 )A = ρ l g V l. (1.23) No caso de um corpo submerso total ou parcialmente em um fluido sobre a influência da força gravitacional, o empuxo de um corpo é dado por: E = ρ l g V l. (1.24) 1.6.1 Empuxo em um corpo de forma arbitrária Pode-se tomar um pequeno elemento de volume cilíndrico dv, e calcular a diferença de pressão entre o outro extremo conforme a Fig. (1.1). Em seguida faz-se a integral sobre todos os cilindros infinitesimais. As forças laterais na parede do sólido se cancelam mutuamente, pois em cada ponto do fluido as forças apontam para todas as direções. Assim, a resultante das forças aponta na direção paralela a força gravitacional.
1.6. PRINCÍPIO DE ARQUIMEDES 9 Figure 1.1: O empuxo continua válido para um corpo de forma arbitrária.
10 CHAPTER 1. ESTÁTICA DOS FLUIDOS 1.7 Princípio de Pascal A variação de pressão num sistema que contém um fluido incompressível é a mesma em todos os pontos do fluido. A figura 1.26 mostra um sistema contendo um barril cheio de um fluido incompressível. Na superfície superior um êmbolo permite realizar uma tensão de compressão no fluido. Ao aplicar uma força no êmbolo, induz-se uma variação de pressão do tipo: p = p 0 + (ρ g h). (1.25) Note que no fluido incompressível a densidade não varia, e a altura não varia, logo, (ρ g h) 0. Isso implica p = p 0. (1.26) Ou seja, a variação de pressão é a mesma em todos os pontos do fluido. Qualquer pontos do fluido recebe o mesmo incremento de pressão p. Como p = F A, pela Eq.(1.26) temos F A = F 0. (1.27) A 0 Isso explica porque uma pequena força F é capaz de sustentar uma grande massa nos elevadores hidráulicos. Isso viola conservação de energia??? 1.8 Densidade de energia e pressão Da Eq.(1.18) temos p z = f g, (1.28) onde identificamos f g = ρ g como sendo a densidade de força gravitacional, ou seja f g = Fg V. Por outro lado, vimos no curso de física I que a gravidade é uma força conservativa, isto é, a força pode ser escrita como menos a derivada com respeito a altura da energia potencial, como sendo a densidade de energia potencial. Sub- onde identificamos u = U V stituindo esse resultado na Eq.(1.28) temos, p p z = u z z dz = finalmente temos f g = u z, (1.29) u dz, (1.30) z p(z) = u(z) + c, (1.31) onde c é uma constante. Na Eq.(1.31) associamos a densidade de energia potencial com a pressão num ponto z do fluido.
1.9. EQUILÍBRIO DOS CORPOS NUM FLUIDO 11 1.9 Equilíbrio dos corpos num fluido... 1.10 Exercícios Exercício de revisão de física I: Mostre que a força gravitacional é conservativa. Isto é equivalente a mostrar a que a integral de linha só depende do ponto inicial e final U(z f ) U(z i ) = F d r (1.32) onde F é a força e d r e o elemento de linha que varia tangente a curva C. Mostre que a força centrífuga é uma força conservativa. Explique porque a força de atrito externo não é conservativa. C Exercício 2 - variação da pressão atmosférica: Partindo da Expressão p z = ρ g obtenha a solução da pressão atmosférica como função da altura. Considere a pressão na altura h = 0 como a pressão atmosférica p 0. Exercício 3 - Empuxo efetivo: Imagine um balão cheio de gás de densidade ρ g totalmente imerso num líquido de densidade ρ l preso na base inferior por um fio. O recepiente que contém o líquido é totalmente vedado. Considere a gravidade g. a) Calcule a tração no fio. b) Se todo o recipiente tiver com aceleração a vertical para cima calcule a tração(dica: redefinir o empuxo). c) Se todo o recipiente tiver com aceleração a vertical para baixo calcule a tração. Exercício 4 - Compressibilidade: Imagine um cubo sólido de lados L cujo o módulo da compressibilidade volumar κ seja dado. Uma variação de pressão p >0 é realizada sobre o cubo. Essa variação é positiva ou negativa? De quanto varia o volume do cubo? Exercício 5 - Empuxo: Imagine que num copo contendo água ocupando um volume V 0 seja colocado uma pedra de gelo. Sendo V g o volume do gelo e ρ g a densidade do gelo e ρ a a da água. Considere ainda que ρ g ρ a.
12 CHAPTER 1. ESTÁTICA DOS FLUIDOS a) Qual é a variação de volume no copo após o gelo derreter? b) Agora imagine que uma impureza de dimensões despresíveis porém alta densidade é colocada sobre o gelo. O que acontece com o volume final após o gelo derreter? Ele aumenta, diminui ou permanece o mesmo? Responda qualitativamente e quantitativamente. Exercício 6 - Balde Girante - Conservação de energia: Suponha que um balde contendo água é colocado para girar ao redor do eixo que passa pelo seu centro com velocidade angular constante ω 0. Após algum tempo, a água entra em rotação, e ao atingir a o equilíbrio ela desenha uma forma na superfície do d líquido. Obtenha a forma dessa superfície. (DICA: vá para o referencial acelerado que gira com velocidade ω 0 ). Exercício 7 - Stevin: Um tubo em U contentdo dois líquidos de diferentes densidades ρ o e ρ a conforme a figura. Obtenha a densidade ρ o em função dos dados do problema.
1.10. EXERCÍCIOS 13 Figure 1.2: A figura mostra um tubo em formato U contendo água e óleo.