A importância do (re) conhecimento do Sistema Braille para a humanização das políticas públicas de Inclusão



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International Studies on Law and Education 9 set-dez 2011 CEMOrOc-Feusp / IJI-Univ. do Porto A importância do (re) conhecimento do Sistema Braille para a humanização das políticas públicas de Inclusão Profa. Dra. Edileine Vieira Machado 1 Resumo: Este trabalho apresenta resultados de pesquisa desenvolvida junto a professores da educação básica da rede estadual paulista em 2009-2010, com relação ao conhecimento do Sistema Braille. A pesquisa evidenciou a existência ainda de professores que nunca tiveram contato com o Sistema Braille, assim como daqueles que não valorizam e nem reconhecem o Braille como sistema de leitura e escrita. Concluiu-se a urgência de se humanizar as políticas para se ter uma prática educacional democrática, na qual se leve em conta os sujeitos a serem incluídos e suas reais singularidades e necessidades. Palavras Chave: Políticas públicas de educação; Sistema Braille; espaço inclusivo. Abstract: This paper present results of a research on teachers knowledge of Braille (basic education teachers of the state of São Paulo). The research revealed there are teachers who never had contact with Braille or do not even know Braille as a system of reading and writing. Our conclusions indicate the urgency of humanizing policies toward democratic educational practices which include specific real needs of subjects. Keywords: Public policies of education, Braille, inclusion. Em pesquisa sobre inclusão de educandos com deficiência visual, realizada junto com pesquisadores do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Inclusão Social NEPIS, constatou-se que 40% dos questionários respondidos por professores evidenciaram a falta de recursos materiais, entre eles, o livro em Braille. Além do desconhecimento e do não reconhecimento do Sistema Braille como um sistema de leitura e escrita, 25% assinalaram a falta de apoio aos professores quando necessitam; 24% não sabem quais são as necessidades específicas do deficiente visual para que participem plenamente da vida escolar; 10% evidenciaram a falta de bibliografia específica sobre deficiência visual. Uma das perdas impostas pela deficiência visual adquirida, segundo Carroll (1968), refere-se à comunicação escrita e ao progresso informativo, sendo necessária a adaptação da pessoa a outros instrumentos e recursos para suprir essa falta. Com relação à deficiência visual congênita, segundo Lowenfeld (1956), a criança sofre os seus efeitos (limitações) em três áreas: variedade de experiências, capacidade de locomoção e controle e relação com o ambiente. O Sistema Braille constitui-se ainda num valioso instrumento disponibilizado para pessoas com cegueira congênita ou adquirida, uma vez que lhes dará a independência para ler e escrever. A história da evolução educacional das pessoas com deficiência visual tem o seu marco definitivo com a criação do Sistema Braille (1825) que lhes permitiu o acesso à educação, à cultura e à profissionalização. Ao longo desses 186 anos, o sistema criado por Louis Braille vem sendo utilizado no mundo e, embora o avanço tecnológico seja uma realidade, ainda é o mais precioso instrumento de escrita e leitura para as pessoas cegas, uma vez que possibilita o contato com as palavras de forma direta e palpável. 1 Docente do Programa de Mestrado em Educação da Universidade Cidade de São Paulo. Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Inclusão Social-NEPIS. 49

Vale ressaltar que a informática é decisiva para as pessoas com deficiência visual, mas, na realidade brasileira, nem todos têm ainda condições de ter um computador. Além disso, mesmo com campanhas em prol da aquisição de computador pelas pessoas com deficiência visual, há o problema da segurança de transportá-lo e também do acesso à internet nos lugares mais longínquos do país. Pensar em inclusão de pessoas com deficiência como uma nova política educacional, esquecendo-se da história da educação é o mesmo que esquecer da história social da qual fazemos parte, inclusive da escola. E se o esquecimento do essencial acompanha o homem (como já advertia Píndaro, desde 500 a.c. 2 ), não é de estranhar que os formuladores das políticas também se esqueçam do nível ontológico. Considerar o Ser em sua essência é de extrema importância para a efetivação das políticas públicas, e particularmente para aquelas referentes à inclusão. Os deficientes visuais brasileiros, desde a década de 50 do século passado, recebem apoio pedagógico dos professores especializados ou habilitados na Educação Especial, área de deficiência visual, que naquela época atuavam em duas modalidades de ensino: classe Braille e ensino Itinerante, proposta sugerida pela professora Dorina Nowill ao retornar dos Estados Unidos, onde passou por programa de reabilitação e também estudou este processo. Mais tarde a classe Braille foi substituída pela Sala de Recursos em que o professor responsável é habilitado ou especializado em Educação Especial na área de deficiência visual, muda-se o nome, mas a missão é a mesma: integrar os alunos com deficiência visual na classe comum. Atualmente a proposta é a Educação Inclusiva. Proporcionar aos alunos com deficiência sua inclusão na classe regular, sem o apoio de professores especializados ou habilitados na área é o suficiente para diminuir a discriminação desses indivíduos e garantir sua cidadania? E por que substituir a expressão integrar por incluir? Seria uma forma de mascarar o ranço dessa tentativa inovadora que vem desde a década de 50 e que ainda não se conseguiu concretizá-la na sua totalidade? Se procurarmos no dicionário o significado desses dois vocábulos encontramos: integrar: juntar-se, tornando-se parte integrante; reunir-se, incorporar-se; adaptar-se, acomodar-se. inclusão: ato ou efeito de incluir. Processo de técnica microscópica pelo qual o objeto que vai ser estudado é antes envolvido por uma massa facilmente secionável, que o imobiliza. (HOLANDA, A.B. Dicionário da língua portuguesa). Definimos inclusão escolar como acolher o outro, respeitando e levando em conta suas singularidades para se fazer uma proposta de situação educativa. É preciso dedicar um tempo ao ponto de partida (aspectos gnosiológicos e antropológicos) tanto do educador quanto do educando. Para isso, é preciso que o educador veja a si próprio e considere o educando, ambos como sujeitos dessa ação. E para a concretização dessa situação educativa, faz se necessária a adesão voluntária dos envolvidos e a possibilidade de ir adequando o método escolhido para que se alcance os objetivos propostos. O valor da convivência e das relações interpessoais são imprescindíveis e mais importantes tanto no processo de inclusão, quanto em qualquer processo de aprendizagem. 2 Para aprofundamento, ler LAUAND, Jean. A virtude como excelência e auto-realização: Ocidente e Oriente. Notandum Libro, no. 14, São Paulo: CEMOROC/FeUSP; Universidade do Porto, Instituto Sagres conhecimento e desenvolvimento, 2010, pp.7-16. 50

Segundo Martins (2003): O educador se defronta todo o tempo com a muralha de palavras sem sentido, da conceituação rotuladora que veste a realidade fluida e conflitiva com a camisa de força dos enquadramentos preconcebidos para tentar dar sentido ao que parece dele privado, a realidade dura dos pobres (p.7). O autor acima chama-nos a atenção sobre a importância do conceito, do uso adequado das palavras: sem a reflexão crítica que situe nosso agir no processo histórico, esse agir se torna um equívoco (p.11). Os políticos, os governantes e até os economistas podem criar as crises, ainda que involuntariamente, mas não podem criar o imaginário que procura dar sentido a essa crise. Não podem criá-lo nem podem entendê-lo. Um economista pode ser capaz de desenvolver sólidos argumentos lógicos para explicar e justificar as opções econômicas que provocam desemprego maciço, miséria e sofrimento. Mas não pode evitar que o homem comum também explique os mesmos fatos como obra do demônio, segundo uma lógica inteiramente distinta. É essa diferença de entendimento que o sociólogo pode ajudar a decifrar, suas causas e suas conseqüências sociais, políticas e até históricas (p.12). (...) Por isso, rigorosamente falando, não existe exclusão: existe contradição, existem vítimas de processos sociais, políticos e econômicos excludentes; existe o conflito pelo qual a vítima dos processos excludentes proclama seu inconformismo, seu mal-estar, sua revolta, sua esperança, sua força reivindicativa e sua reivindicação corrosiva (p.14). Martins (2003) vai mais além quando diz que tais reações, porque não se trata estritamente de exclusão, descritas acima, não se dão fora dos sistemas econômicos e de poder. Essas reações fazem parte desses sistemas, ainda que os neguem; elas acontecem dentro da realidade que produziu os problemas que as causam. Temos claro que professores da rede que em sua maioria trabalham em horário integral, muitas vezes por sobrevivência, além de levarem cadernos, trabalhos e provas para serem corrigidos em casa, como podem ir atrás de informações e estudar? Quando a pessoa é comprometida com aquilo que faz, os caminhos se tornam mais fáceis, o que não justifica a falta de busca de informações. Como andam os cursos de formação de professores, esses têm informações sobre a educação inclusiva e como atuar? E os programas de educação continuada, essa prática já faz parte constante da vida do professor? Durante a pesquisa pôde-se comprovar que professores das escolas que estiveram envolvidos, no curso de graduação não foram contempladas disciplinas que tratassem de educação inclusiva, muito menos sobre deficiências sensoriais, físicas, mentais, alternativas pedagógicas para se trabalhar com tal público e o conhecimento do Sistema Braille como um sistema de leitura e escrita. Essa fala é a mesma de alunos do programa de pós-graduação em Educação no qual atuo como docente e entre os professores da rede pública de educação que participam do NEPIS. Na 51

pesquisa, foram registradas as falas dos professores durante entrevistas e resgatamos algumas delas para ilustrar este trabalho: Prof. A: Durante minha faculdade, nos anos 80, nunca ouvi falar sobre Educação Especial e deficientes, pois não fiz opção para cursar a habilitação ou especialização na área. Prof. B: Fiz apenas magistério e não tive disciplinas que tratassem de deficiências, como lidar com elas e nunca tinha visto esses pontinhos, o Braille. Só vi este ano com meu aluno cego e não imagino como isto funciona. Prof. C: Fica difícil trabalhar com deficientes sem receber treinamento, sugestões de trabalho, alguém para nos apoiar e orientar. Na escola tem a Sala de Recursos, mas a professora para preparar o material em Braille precisa de tempo, ela não tem computador e impressora, usa a máquina de datilografar Braille. Além disso, são vários alunos para ela atender, por mais que se esforce o material pedagógico nunca fica pronto antes da aula. Depois, ela precisa também fazer a transcrição do material em Braille das crianças do Braille para o negro e entregar pra gente corrigir. Sempre ocupada, como pode nos apoiar durante uma aula, ou até mesmo atender às nossas dúvidas? As falas denunciam a falta de pessoal com conhecimento, recursos como computador e impressora Braille na escola, mais professores especializados ou habilitados na área da deficiência visual para dar o devido apoio aos professores e, além disso, a falta de educação continuada. Já não estamos na fase de ensaios e erros. Há mais de meio século de experiências e pessoas que durante este período vivenciaram tais dificuldades e desenvolveram pesquisas. Por que não ouvi-las, dar crédito a elas e, a partir daí, implementar uma política de inclusão responsável? Precisamos humanizar as políticas públicas, essas precisam deixar de atender interesses próprios de pessoas ou de determinados grupos que as elaboram. Essas pessoas ou grupos precisam se ver e se colocar a serviço da população. Educação para todos sim, mas com comprometimento e responsabilidade, porque "todos" têm os mesmos direitos, principalmente, os de gozarem dos mesmos espaços e de oportunidades, mas desde que sejam respeitadas as suas diferenças e, a partir dessas, ser atendidas suas necessidades específicas para que possam aproveitar tais oportunidades com sucesso e principalmente com dignidade e respeito. Todos, sejam eles com deficiência ou não, têm o direito de uma Educação Especial, pois "todos" são especiais. Durante a pesquisa, foi registrado um fato ocorrido em sala de aula, onde o pesquisador se encontrava: o professor da classe foi abordado por um aluno cego e este demonstrou o não reconhecimento do Sistema Braille como um sistema de leitura e escrita: Aluno cego (durante exercício em sala de aula, dirige-se à professora): Está certo o que eu respondi? Prof. A: Tá bom, tá bom. Continua fazendo, eu não entendo mesmo o que você escreve. 52

Esse procedimento nos mostra também a falta de sensibilidade e respeito com a criança, por parte do professor. No caso da inclusão é fundamental levar em conta o ser, já que ele é o objeto a ser incluído. É preciso saber e compreender que todo ser humano tem uma estrutura geral, universal, o que o diferencia de outros seres vivos é que não necessariamente ele use todas as estruturas de uma só vez e da mesma forma. Para o processo de inclusão é muito importante considerar que todos têm a mesma estrutura, no entanto só nos detemos nas diferenças. Considerar que todo ser humano tem uma vida psíquica e espiritual pode mudar completamente o modo de o educador enxergar e se relacionar com o educando/pessoa, por nos permitir, do ponto de vista da antropologia filosófica, chegarmos a dizer nós. Para quem quer trabalhar com inclusão, é imprescindível mudar a sua visão de homem e de mundo, se ainda não a tem como ser de relações, isto é, de que o homem não vive sozinho, ele precisa do outro para relacionar-se e para sobreviver. A escola deve ser um espaço de aprender e de conviver; onde trocas, interações, criações, recriações, sejam práticas comuns do dia-a-dia. A escola e a universidade precisam dialogar e fazer parcerias, organizar grupos de estudos para que, juntas, construam o significado de suas práticas e, por outro lado, que as teorias presentes na Universidade também se apliquem na realidade escolar. A inclusão de alunos com deficiência em classe comum, sem o preparo e respaldo da administração, sem orientação ao professor, sem recursos físicos, materiais e humanos adequados, pode constituir: desrespeito aos direitos e à dignidade dos alunos, tirando-lhes a oportunidade de aprender; exposição de suas limitações e dificuldades, sem alternativas para minorá-las; isolamento do grupo-classe, contrariando frontalmente as propostas de inclusão. A atual política educacional defronta-se com a falta de estrutura, respostas e preparo dos profissionais para tornar efetiva e sem traumas a inclusão do educando com deficiência no sistema comum de ensino. Apenas colocar educandos com deficiência em classe comum contribui para a inclusão? Os órgãos da Secretaria de Educação têm conhecimento do que ocorre realmente com esses educandos? O educador com orientação e estudo pode adaptar materiais e propostas para o desenvolvimento das atividades. Mas, antes disso, o professor precisa aprender a ver seu aluno com deficiência como sujeito do processo de aprendizagem e capaz de aprender. Além desse trabalho consciente em equipe, a família deve ser envolvida no processo de inclusão e de aprendizgem, explicaando a elas a importância de se conhecer, respeitar e aceitar o Sistema Braille como meio imprescindível de aprendizagem e de comunicação. Um caminho é desenvolver um programa de divulgação do Sistema Braille com apoio da universidade e das Instituições escola e governo, junto à família para que essas conheçam a história do Sistema Braille, sua importância e que aprendam a ler o Braille. O não reconhecimento desse Sistema faz com que os grupos de cegos formem guetos, onde se restringe tal meio de comunicação. É também imprescindível que a bibliotecária da escola, do município ou do Estado também conheça o Sistema Braille para fazer catalogação e facilitar o acesso dos cegos à biblioteca. 53

Com essa "desmitificação" do Braille haveria uma melhor integração escolar e social dos cegos, conseqüentemente, maior possibilidades de participação e da constituição de espaço inclusivo. Espaço inclusivo significa compreender que a inclusão das pessoas ocorre em espaços específicos que integram uma instituição mais ampla. Em outros termos, de modo geral, não há inclusão na totalidade das instituições de modo imediato, mas a mediação é o espaço inclusivo e este é resultante de condições ambientais e humanas propícias. Num espaço inclusivo os sujeitos que o constituem são considerados como responsáveis pela existência desse espaço e imprescindíveis porque dão vida a tal espaço. De acordo com o Documento Referência CONAE 2010 (Conferência Nacional de Educação) A articulação entre justiça social, educação e trabalho - que leve em conta a inclusão, a diversidade e a igualdade precisa ser mais do que retórica. Em uma sociedade democrática ela se cumpre por meio da vivência cotidiana da democracia, do exercício da cidadania e representa a participação de um número cada vez maior de pessoas, de forma equânime -, da garantia dos direitos sociais (dentre eles, a educação), da justa distribuição de renda ou riqueza. Uma democracia que não nega e nem se opõe à diversidade, antes, a incorpora como constituinte das relações sociais e humanas e, ainda, se posiciona na luta pela superação do trato desigual dado à diversidade ao longo da nossa história econômica, política e cultural (p. 98). Esperamos que com o novo Plano Nacional de Educação 2011-2020, que tem como proposta articular um sistema unificado de educação, de fato se tirar uma prática educacional democrática, na qual se leve em conta os sujeitos a serem incluídos. Almejamos, ainda, que as pessoas que propõem as políticas estejam realmente à serviço da população. Bibliografia BRASIL-CONAE-2010- Documento Final - Construindo o Sistema Articulado de Educação: O Plano Nacional de Educação, Diretrizes e Estratégias de Ação. Brasília: MEC-2010. CARROL,Thomaz. Cegueira: o que ela é, o que ela faz e como conviver com ela. Tradução Jurema Lucy Venturini e Ana Amélia da Silva. São Paulo: CNEC/MEC/FLCB,1968. LAUAND, Jean. A virtude como excelência e auto-realização: Ocidente e Oriente. Notandum Libro, no. 14, São Paulo: CEMOROC/FeUSP; Univ. do Porto, Instituto Sagres conhecimento e desenvolvimento, 2010, pp.7-16. LOWENFELD, B. Our Blind Children: growing and learning with them. Illinois, USA:Charles C. Thomas, 1956. MARTINS, J. de S. Exclusão social e a nova desigualdade. 2ª. ed. São Paulo, Paulus, 1997. NOWILL, Dorina....E eu venci assim mesmo. São Paulo: Totalidade, 1996. SILVA, Jair Militão da Emergência Educativa. International Studies on Law and Education 6 CEMOROC/FeUSP; Universidade do Porto. 2010, p. 23-28.. Demanda Passiva e Equidade em Educação: um desafio para os educadores democratas. Revista Renascença de Ensino e Pesquisa, São Paulo, n.3, p.9-11, jan/jul. 2001. Recebido para publicação em 03-01-11; aceito em 15-01-11 54