(RE)VOLUÇÃO DO CONCEITO DE SOBERANIA E A RUPTURA DO PARADIGMA: O CASO DA UNIÃO EUROPEIA

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(RE)VOLUÇÃO DO CONCEITO DE SOBERANIA E A RUPTURA DO PARADIGMA: O CASO DA UNIÃO EUROPEIA Isabela Menin Ribeiro 1 ; Daniela Menengoti Ribeiro 2 1 Acadêmica do Curso de Direito, Centro Universitário de Maringá UNICESUMAR. isabelamenin@hotmail.com 2 Orientadora, Professora do Programa de Mestrado em Ciências Jurídicas e da graduação em Direito do Centro Universitário de Maringá (UNICESUMAR), Pesquisadora do Instituto Cesumar de Ciência, Tecnologia e Inovação (ICETI). Doutora em Direito-Relações Econômicas Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) com período de pesquisa (doutorado sanduíche) na Université Paris 1 - Panthéon-Sorbonne, França. Mestre em Direito-Relações Internacionais, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com período de pesquisa no Mestrado em Integrazione Europea da Università Degli Studi Padova, Itália. daniela.ribeiro@unicesumar.edu.br RESUMO A soberania, que antigamente era entendida como um poder absoluto, sofreu uma relativização em seu conceito, em decorrência do desenvolvimento do próprio Direito Internacional. O objetivo do presente artigo é, primeiramente, analisar brevemente a evolução do conceito de soberania ao longo da história, desde a Idade Média até o Estado Moderno, através do apontamento dos principais acontecimentos relacionados, e as principais teorias sobre a soberania. A partir disso, objetiva-se entender de que maneira este conceito foi relativizado e radicalmente transformado com a União Europeia, em que os Estados membros cedem parcela de suas prerrogativas soberanas tradicionais à organização supranacional. O método de abordagem utilizado foi o método dedutivo. Para o desenvolvimento desse trabalho foi realizada pesquisa bibliográfica, a partir da revisão de literatura de obras e artigos científicos relacionados ao tema, e dos principais Tratados da União Europeia. PALAVRAS-CHAVE: Estados; Organizações supranacionais; Poder. 1 INTRODUÇÃO As primeiras discussões sobre aspectos relacionados à soberania datam da Idade Média, pois o poder era um atributo dos reis, dos senhores feudais e da Igreja Católica, ou seja, não estava concentrado na figura de um único ente. Com a passagem da Idade Média para a Idade Moderna, a queda do poder da Igreja Católica, a ascensão dos Estados europeus, o descobrimento de novas terras e o aumento das relações externas entre os Estados fez necessário o estudo a fundo das questões relacionadas à soberania (FERRAJOLI, 2007). Ao longo do presente trabalho serão abordadas brevemente as teorias acerca do Estado e da soberania, de autores como Jean Bodin, Thomas Hobbes, John Locke, e Jean Jacques Rousseau. A soberania é uma das características fundamentais do Estado Moderno, e o seu conceito se altera ao longo do tempo, juntamente com a evolução do Direito Internacional, com as Grandes Guerras e com a globalização da economia, por exemplo. A instituição da União Europeia é um grande marco na transformação e relativização que sofreu o conceito tradicional de soberania. E o objetivo do presente trabalho é, a partir do breve apanhado acerca do conceito clássico de soberania, como um atributo absoluto, perpétuo e indivisível do Estado, entender de que forma a ideia de soberania foi alterada, tomando como exemplo o caso da União Europeia, que se revela uma verdadeira partilha de soberania dos Estados membros. Para se cumprir o proposto, inicialmente serão analisados os marcos teóricos das primeiras teorizações sobre soberania, passando pela teoria de Francisco de Vitoria, posteriormente de Jean Bodin, abordando a celebração dos Tratados de Westfália, e os primeiros passos da ascensão do Direito Internacional. Posteriormente, será abordado o surgimento do Estado Moderno e a sua relação com a soberania, através de breves exposições das principais teorias políticas contratualistas e jusnaturalistas, de Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau.

Por fim, o estudo se concentrará na União Europeia, a mais expressiva integração supranacional da história contemporânea, constituída por diversos Estados que, ao aderirem à Comunidade, cedem parte de suas soberanias para se vincular a um órgão comum, abrindo mão do poder de decisão sobre os mais variados aspectos do Estado, como a política comercial, a política aduaneira, monetária, de forma como será exposto e exemplificado no presente trabalho. Por fim, serão apresentadas considerações finais com relação à flexibilização das prerrogativas soberanas tradicionais no âmbito da União Europeia. 2 MATERIAIS E MÉTODOS A elaboração deste trabalho foi realizada através do método dedutivo, e a técnica de pesquisa aplicada foi a bibliográfica, aplicando-se detalhada pesquisa em fontes impressas e eletrônicas, a partir da revisão de literatura de obras e artigos científicos relacionados ao tema, em especial, analisou-se a doutrina internacional e brasileira e os principais Tratados da União Europeia. 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO Jean Bodin foi o primeiro a definir o conceito propriamente dito de soberania, em sua principal obra, Os seis livros da República, mais especificamente no Capítulo VIII do Livro I, a soberania é conceituada como o poder absoluto e perpétuo de uma República (BODIN, 2011, p. 195), poder este superior, independente, incondicional e ilimitado. Se utilizava da expressão República para designar o Estado, o qual tinha o poder soberano como sua essência, ou seja, sua principal característica era o reconhecimento da submissão a uma mesma autoridade soberana. Sem este reconhecimento, haveria somente grupos sociais dispersos, mesmo que houvesse unidade religiosa ou cultural. Para garantir o caráter absoluto do poder soberano, o governante, como o detentor da soberania deve possuir o poder de criar e corrigir as leis civis de acordo com as circunstâncias, podendo alterá-las e derrogá-las conforme sua vontade (BARROS, 2001, p. 237). Nesse sentido, o soberano estava acima das leis da sociedade, e podia estabelecê-las e alterá-las à sua vontade, e também tinha o poder para acolher ou não o direito internacional, sem a necessidade de obter o consentimento dos súditos. Um outro marco histórico importante da evolução das teorizações da soberania deu-se em 1648, quando foram assinados os primeiros tratados de direito internacional da história, os chamados Tratados de Westfália ou Paz de Westfália, celebrados nas cidades alemãs de Münster e Osnabrück, que colocaram fim à Guerra dos Trinta Anos que assolava a Europa, através de anos de negociações fruto da percepção generalizada sobre a necessidade de se buscar a paz que surgiu após quase trinta anos de sangrentos conflitos entre católicos e protestantes, desgastados com tanta morte e destruição (DALLARI, 2012). Estes tratados marcaram o surgimento de uma nova era para o Direito Internacional, a partir da criação dos limites territoriais das principais nações europeias da época, e a eclosão do princípio da igualdade jurídica dos Estados para fortificar e servir de base para o sistema de relações entre nações que se estruturava. É a partir da celebração da Paz de Westfália, em 1648, que o Direito Internacional se destaca como regulador das relações entre nações, organizadas sob a autoridade dos Estados soberanos (DA SILVA; PICININI, 2015). A soberania é uma das características fundamentais do Estado Moderno, e o seu conceito resultou de um processo de transformação jurídica e política da Europa, e se desenvolveu a partir dos novos conflitos e da nova realidade que se configurava ao longo da história. Entre os séculos

XVI e XVIII, se destacaram as teorias políticas contratualistas e jusnaturalistas, que encontram nas figuras de Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau, os seus principais autores, que fundaram uma nova maneira de pensar a política e a soberania no novo modelo de Estado que estava em formação. A fim de se analisar as transformações no conceito de soberania, será analisado a instituição da União Europeia, a mais significativa integração supranacional da história contemporânea, composta por diversos países, cuja característica essencial é que cada Estado-membro cede parte de suas respectivas soberanias para se vincular a um órgão comum, de forma que as decisões deste passam a integrar o ordenamento jurídico de cada membro. Ou seja, os Estados, ao se tornarem membros da organização, aceitam transferir parcela de sua soberania e de suas competências para submeterem-se às normas, regulamentos da comunidade (MALUF, 2013). Os Estados membros estão subordinados aos princípios gerais dos tratados da União Europeia, e os tribunais nacionais são obrigados a aplicar o direito da união, mesmo que contrarie o direito federal. Isto porque o direito constitucional no âmbito da organização é transnacional, ou seja, a ideia de soberania constitucional de cada Estado membro deu espaço para o direito comunitário, que prevalece sobre a Constituição de cada um dos países. Assim sendo, os países membros da União Europeia, como obrigados a aplicar as disposições do direito europeu, se submetem à jurisdição do Tribunal de Justiça da União Europeia, que interpreta o direito europeu a gim de garantir que este seja respeitado e aplicado da mesma forma em todos os países da União. Caso se verifique que algum membro descumpriu uma disposição de direito europeu, o país deve imediatamente corrigir a situação, sob pena de lhe ser intentada uma segunda ação e de lhe ser imposta uma multa, de acordo com o Art. 171 do Tratado de Maastrich (1992). Os Estados membros da União perderam as suas políticas comerciais, aduaneiras e monetárias, pois estas são federais e exclusivas da União, detentora do poder legislativo em todas essas áreas, pois as leis são aprovadas em Bruxelas, de modo tipicamente federal (MALUF, 2013). Não perderam teoricamente as políticas externas nacionais, mas têm que coordená-las no seio da União, e a partir do momento em que haja posições comuns adotadas na União, os Estados membros são obrigados a respeitá-las no Conselho de Segurança das Nações Unidas e na Assembleia Geral das Nações Unidas, portanto, estão vinculados a votar de acordo com as posições adotadas pela União Europeia. O fomento da livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais livre tem sido um objetivo importante da integração europeia, e é um dos fundamentos da Comunidade no Tratado de Roma (1957). Assim, a convivência da soberania estatal com outras estruturas de governança desenvolve-se também no contexto do desaparecimento das fronteiras internas entre os Estados membros, que teve início quando, na década de 1980, cinco Estados-Membros (Bélgica, França, Alemanha, Luxemburgo e Países Baixos) assinaram os acordos de Schengen, e criaram um território sem fronteiras internas, em que a livre circulação de pessoas é garantida. Em 1999, com a assinatura do Tratado de Amsterdam, esta cooperação intergovernamental foi incorporada na União. Com isso, foram abolidos os controles aduaneiros nas fronteiras internas, que muitas vezes não estão nem assinaladas. O que existe é a fronteira externa da União Europeia, que é defendida pela guarda costeira da União (Frontex), que são agentes que realizam verificações de fronteira de acordo com procedimentos idênticos, ou seja, o controle não é uma competência nacional, e sim federal. As regras relativas aos vistos e ao direito de asilo também são comuns para todos os países do acordo de Schengen. Neste cenário de partilha de soberanias e de cooperação entre os Estados membros, a União Europeia tem conseguido corresponder ao sonho fundador de construir, a partir dos destroços de

duas guerras mundiais, um continente unido e pacífico, desempenhando um papel central na construção da paz e promoção dos direitos humanos no mundo. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Conclui-se que, em que pese a acepção clássica da soberania, como um poder supremo, insuscetível de sofrer limitações de outros poderes, sendo uno, indivisível, imprescritível e inalienável, em que o Estado não admitia intervenções em suas ações, pode se observar que os blocos de integração supranacionais, como por exemplo a União Europeia, ao lado da globalização da economia e seus consequentes desdobramentos, se revelam em uma verdadeira relativização deste conceito, pois ocorre uma flexibilização das prerrogativas soberanas tradicionais, através da partilha de soberania com instituições sobre as quais os Estados não podem exercer controle. A União Europeia é um exercício de partilha de soberania, de transferência de soberania dos Estados membros para a União, em um esquema tipicamente federal. A Comunidade é uma verdadeira semi-federação centrípeta, que nasceu a partir de Estados pré-existentes, criando uma unidade federal composta por Estados semi-independentes e semi-soberanos. Pelo fato de o continente europeu ser pequeno e composto por muitos países, os problemas enfrentados por eles são comuns, ou seja, os problemas não são estritamente nacionais, mas de todos. A ideia de que é possível haver soluções nacionais para os problemas nacionais é falsa, pois os problemas são transnacionais e demandam soluções transnacionais. Desta forma, a instituição da União Europeia é vantajosa para todos, pois os pequenos países soberanos, sozinhos, não teriam a mesma força que possuem como membros de uma força conjunta que é a União Europeia, que multiplica a força de cada um. Isso fica demonstrado pelo fato de a União ser a responsável por garantir a reconciliação entre países e propiciar um ambiente de paz, harmonia, equilíbrio e principalmente um ambiente de desenvolvimento para seus membros, ou seja, ao ceder parte de suas soberanias ao órgão supranacional, os Estados membros passam a fazer parte de um todo, um conjunto de forças, e com isso, melhoram suas condições econômicas, suas relações externas, a qualidade de vida de seus cidadãos, reduzem as desigualdades sociais e caminham para o crescimento em geral de suas nações. REFERÊNCIAS BARROS, Alberto Ribeiro de. A teoria da soberania de Jean Bodin. São Paulo: Unimarco, 2001. BODIN, Jean. Os Seis Livros da República: Livro Primeiro. Tradução de José Carlos Orsi Morel. São Paulo: Ícone, 2011. (Coleção Fundamentos do Direito). DALLARI, Dalmo de Abreu. Teoria geral do Estado. 31.ed. São Paulo: Saraiva, 2012. DA SILVA, Caíque Tomaz Leite. PICININI, Guilherme Lélis. Paz de Vestefália & soberania absoluta. Revista do Direito Público. Londrina, v.10, n.1, p.127-150, jan./abr.2015. DOI: 10.5433/1980-511X.2015v10n1p127. FERRAJOLI, Luigi. A soberania no mundo moderno. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. 31. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

TRATADO da União Europeia = TREATY on European Union. 7 Fevereiro 1992. Disponível em: < http://eur-lex.europa.eu/legal-content/pt/txt/pdf/?uri=oj:c:1992:191:full&from=pt>. Acesso em: 11 jul. 2017.