7 o DIA Acordei cedo com o barulho do Catuiara dançando sobre o Amazonas. Organizei minhas bolsas e bagagens, já que esse era o último dia a bordo. Retornaríamos a Manaus no final da tarde. Aproveitei que todos ainda dormiam no barco e fui para a parte da frente do barco, onde tinha alguns bancos. Por uma meia hora fiquei admirando sozinha o despertar da natureza, à medida que o Catuiara ia cortando as águas do Amazonas. O som da floresta era algo inigualável e o alvorecer era magnífico. O Catuiara avançava e uma doce brisa me beijava a face, como se a natureza me acariciasse com seu esplendor. Dona Gracinha, a doce e amável cozinheira, despertou-me do encantamento e começou a explicar várias coisas típicas da região, como o nome de peixes, plantas e comidas que não conhecia. A sabedoria de Dona Gracinha era enorme e que mulher fantástica em sua simplicidade e forma de enxergar as pessoas e as coisas. Outra pessoa como ela, era o senhor Nilson, o comandante do barco, que em uma outra viagem que havia feito no Catuiara, tive a oportunidade de conhecer e ter longas prozas. Senhor Nilson era um senhor que vivia mais a bordo do que em terra firme, segundo suas palavras, que por longos anos de navegação aprendeu muito sobre a região amazônica, sendo uma enciclopédia viva para quem quisesse ouvir suas palavras, que sabedoria de homem! Duas personagens maravilhosas que o Catuiara levava consigo. Hoje era dia de despedidas, mas também de muito trabalho para a equipe do barco que iria atender a duas comunidades e ainda precisava fazer os relatórios dos atendimentos de toda a viagem. Para nossa equipe, além das despedidas, precisávamos preparar nossa devolutiva para a equipe do barco e para a coordenação do VER-SUS. Após um animado café da manhã, desembarcamos na comunidade Jatuarana para a Raissa realizar a palestra de aleitamento materno. Antes de voltarmos para o Catuiara, nossa equipe ficou conversando com algumas pessoas da comunidade, como fazíamos sempre depois das palestras realizadas em todas as comunidades que passamos. Durante todos os dias da vivência foi possível haver uma interação maior com a comunidade que é atendida pela equipe de saúde do Catuiara, possibilitando ver o SUS de uma maneira mais sensível e realista. Esse contato que tivemos com a comunidade foi importante pois eles são os maiores beneficiados, por serem os usuários do sistema único de saúde e por eles mostrarem o quanto é importante o serviço e que sem o mesmo eles teriam diversas dificuldades, pois muitos por serem de baixa renda, não possuem condições financeiras para a locomoção até a cidade mais próxima. As comunidades ribeirinhas observadas apresentam baixo nível de escolaridade, porém isso não é desculpa para muitas não questionarem ou mesmo trazer sugestões. Nas comunidades vivenciadas, os usuários se sentem como uma família, por eles se conhecerem por muito tempo e por possuírem uma população pequena, facilitando assim o entrosamento dos mesmos e também com os profissionais. Muitos moradores dessas comunidades dependem exclusivamente do barco Catuiara para seus atendimentos de saúde e alguns usuários não são exclusivamente das comunidades visitadas, são moradores de outras localidades que acabam utilizando o serviço, são os chamados fora de área. Os profissionais de saúde do barco tentam atender a todos, mas os da comunidade visitada são os beneficiados devido os agentes
comunitários serem os responsáveis por agendar a consulta facilitando assim o serviço dos profissionais do barco. Por serem bem entrosados, a equipe do barco ajuda uns aos outros, sendo então uma equipe multidisciplinar. Os princípios do SUS foram utilizados com bastante frequência, uns dos mais observados foi a universalidade, equidade, integralidade, o que em muitos locais da cidade de Manaus não se observa. Os moradores/usuários são bem receptivos, quando o barco chega. Cada comunidade possui uma peculiaridade e cada uma possui uma energia e espontaneidade diferente. Em cada comunidade vivenciada, os usuários utilizaram-se da chegada do atendimento para vender seus produtos para conseguir uma renda. Como muitos usuários moram longe da comunidade principal e vão até essa para serem atendidos pelo barco, os moradores locais conseguem fazer dessa chegada o seu meio de subsistência. Por haver a Estratégia da Família, os profissionais do barco conseguem ter um controle dos usuários, fazendo com que o sistema seja mais produtivo e mais rápido e também possibilitando qualidade nos serviços prestados a população. Portanto, por já conhecerem os usuários, existe a facilidade de identificar o que realmente precisam e o que realmente é necessário. Ao conversar com os usuários foi possível obter pros e contras em relação ao serviço prestado pela unidade móvel fluvial. Os pros foram diversos, mas o que foi mais observado pela fala de muitos moradores foi que o SUS ali realmente funciona e que ali eles possuíam mais efetividade do que na própria capital Manaus. Os contras observados foram que muitos moradores se desentediam com os agentes de saúde, que muitos agentes os tratavam de maneira grosseira; mas em relação aos profissionais do barco não houve reclamações e também não houve queixas em relação ao funcionamento do SUS. Como durante todos os dias de viagem cada vivente do VER-SUS passou por uma atividade de saúde diferente em cada dia da viagem e como já havíamos passados por todas, o último dia ficou reservado para fazermos nossa devolutiva. Durante toda a manhã e início da tarde do último dia, nossa equipe ficou montando a devolutiva. Foi um momento trabalhoso, mas muito prazeroso porque recordamos de tudo o que vivenciamos durante todos aqueles dias e tudo o que aprendemos do SUS e da vida de tantas pessoas diferentes. A devolutiva em vídeo, juntamente com nossos pronunciamentos sobre a vivência, seriam apresentados para a comissão do VER-SUS no dia da reunião com todas as equipes do VER-SUS Amazonas. Já a devolutiva para a equipe do barco ficou agendada, pelo coordenador Adenilson, para o dia que a equipe do barco se reuniria no DISA rural. No início da tarde, quando finalizamos nossa atividade de construção do vídeo, deixei os viventes à vontade para acompanharem o profissional que tiveram mais afinidade. Assim como eu, todos escolheram por acompanhar um profissional da sua área da graduação. Fui acompanhar o Dr. Wilson na comunidade Mainã e aprender um pouco mais sobre a medicina de saúde da família e para a comunidade. No final da tarde, a agitação no Catuiara era intensa. Os atendimentos haviam finalizados, a equipe de saúde e a tripulação, em uma intensa alegria e ansiedade pela chegada, se
misturavam pelas salas e corredores do barco arrumando bolsas e bagagens. Quando aproximávamos de Manaus, nossa equipe do VER-SUS e alguns profissionais de saúde do barco foram para a cabine de comando do Senhor Nilson, tamanha era a ansiedade pela chegada. No porto, após muitos beijos e abraços de despedidas, todos reencontraram com suas famílias. A sensação era de dever cumprido, mas dentro do peito carregava uma doce saudade daquela alegre e entrosada família do Catuiara que convivi todos esses dias do VER-SUS. FOTOS
FIM