A construção da identidade pernambucana no noticiário nacional: O Jornal do Commercio e a representação da esfera pública estadual¹

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Transcrição:

A construção da identidade pernambucana no noticiário nacional: O Jornal do Commercio e a representação da esfera pública estadual¹ Marina Barbosa Bezerra² Heitor Costa Lima da Rocha³ Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE Resumo: Ao informar a sociedade sobre o que acontece de relevante no mundo, o jornalismo é responsável pela construção da realidade social. Escutar fontes da esfera pública local é, portanto, fundamental para que o jornalismo represente o mundo da vida de seus leitores e traga informações significativas para seu público. Pensando nisso, este artigo pretende estudar como se tem dado a construção da realidade regional nos noticiários nacionais de política e economia do Jornal do Commercio. Nossa intenção é avaliar se os acontecimentos de repercussão nacional são repercutidos pelo jornalismo pernambucano contemplando as fontes e versões existentes na esfera pública estadual ou se reproduzem uma relação assimétrica em relação a regiões mais fortes na política e na economia, configurando uma situação de colonização/subordinação. Palavras-chave: Teoria do Jornalismo; Esfera Pública; Construtivismo; Democracia. Introdução O jornalismo ocupa um importante papel na construção da realidade social contemporânea. Isso porque a mídia é o principal meio utilizado pela sociedade para informar-se e tomar conhecimento acerca do mundo à sua volta. Assim, o que é noticiado nos jornais molda o imaginário popular e sua visão da realidade social, além de orientar a ação das pessoas no mundo, especialmente quanto aos problemas e às questões coletivas. Com essa importante função social, os jornalistas precisam estar sempre atentos à qualidade do seu trabalho. Esses profissionais devem prezar pela informação verdadeira e plural. Ou seja, notícias que apresentem os diversos lados dos 1. Trabalho apresentado no Intercom Júnior, dentro da subárea temática de Jornalismo, do XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste, realizado de 12 a 14 de junho de 2013. 2. Bolsista do PIBIC/CNPq/UFPE no projeto de iniciação científica A Imprensa Pernambucana e a Notícia Nacional de Política e Economia: A Construção da Identidade Regional no Jornal do Commercio, a partir do qual foi elaborado este trabalho. 3. Orientador do projeto de iniciação científica A Imprensa Pernambucana e a Notícia Nacional de Política e Economia: A Construção da Identidade Regional no Jornal do Commercio.

acontecimentos abordados. Para isso, não basta a observação e o conhecimento dos repórteres. É preciso construir matérias com fontes que expliquem e discutam os fatos noticiados e suas diversas facetas. Nesse sentido, o noticiário nacional de jornais locais não deve apresentar fontes e versões que correspondem apenas aos interesses da nação. Ao contrário, é preciso aproximar os fatos noticiados da realidade regional. Para isso, os jornalistas devem prezar pela contextualização e interpretação desses acontecimentos de acordo com os interesses do seu público direto. Consultar fontes locais e apresentar suas versões sobre esses temas é uma das estratégias mais comuns para alcançar esse objetivo. Assim, notícias que apresentam fatos de repercussão nacional são muito mais interessantes para a sociedade local quando apresentam versões e fontes que compartilham da sua realidade e, por isso, traduzem os acontecimentos retratados sob seu ponto de vista. Apesar de os jornalistas terem consciência sobre a responsabilidade social da sua profissão, acreditamos que as técnicas e práticas que contribuem para a formação de uma boa matéria nem sempre são seguidas no dia a dia das redações. Seja por conta de decisões pessoais ou rotinas estabelecidas anteriormente, ou pela falta de tempo dos repórteres e estrutura das empresas de comunicação. Sobre o noticiário nacional de jornais regionais, por exemplo, notamos que o trabalho das agências de notícias parece predominar sobre a produção de repórteres locais. Assim, as fontes regionais nem sempre são consultadas sobre os fatos de repercussão nacional, fazendo com que esses acontecimentos não sejam traduzidos para a realidade local. Pensando nisso, desenvolvemos esta pesquisa para descobrir se os jornais pernambucanos têm se esforçado em aproximar os fatos nacionais da realidade estadual. Ou seja, pretendemos aferir se fontes e versões locais têm espaço nas coberturas nacionais dos periódicos pernambucanos. Resolvemos nos debruçar sobre o noticiário político e econômico do Jornal do Commercio por se tratar de um periódico de referência no Estado de Pernambuco. Levando em consideração nossas observações preliminares, partimos da hipótese de que o noticiário nacional do Jornal do Commercio apresenta questões de relevância para a esfera local sem, contudo, aproximá-las da sua realidade. Acreditamos que personalidades da esfera pernambucana nem sempre são utilizadas como fontes nas matérias que tratam de acontecimentos políticos e econômicos de repercussão nacional.

Assim, a predominância de fontes nacionais acabaria deixando a sociedade local sem uma representação significativa nesta discussão. Este artigo busca, pois, analisar as coberturas nacionais de política e economia do Jornal do Commercio, a partir da forma como é construída a identidade regional. Com esse objetivo, nos propomos a avaliar a pluralidade do material jornalístico produzido pelo periódico, usando como critérios de análise a diversidade de versões e fontes em cada matéria. Assim, esperamos averiguar se as questões de interesse nacional são aproximadas da realidade local. Para constatar como se dá a representação da esfera pública pernambucana no noticiário nacional do Jornal do Commercio foi preciso realizar uma análise quantitativa e qualitativa das matérias publicadas nesse espaço. Para isso, avaliamos a frequência com que fontes pernambucanas são ouvidas na discussão das questões nacionais das áreas de política e economia. Além de aferir a qualidade do jornalismo pernambucano, registrando a relevância dos temas noticiados para a esfera estadual e verificando se as matérias são construídas com diversidade de fontes e versões. A fim de limitarmos nosso corpus de pesquisa, decidimos realizar esse estudo durante os meses de novembro e dezembro de 2012. Nesse período, foram analisadas todas as matérias da cobertura política e econômica de temas nacionais do Jornal do Commercio. Cada matéria veiculada foi avaliada segundo sua relevância para a esfera local e sua diversidade de fontes e versões. Para isso, foram utilizados critérios como a importância do fato retratado para a esfera nacional e a local; a diversidade de versões relatadas; e a diversidade de fontes, assim como a presença ou ausência das fontes pernambucanas. Toda essa observação foi registrada em fichas, cujos resultados foram posteriormente sistematizados em tabelas e gráficos para que pudéssemos ter uma ideia clara sobre os problemas da pesquisa. O jornalismo e a construção da realidade social É através da mídia que grande parte da população toma conhecimento sobre o que acontece de significativo no mundo a sua volta. Os fatos que se tornam matérias ganham o status de acontecimentos socialmente relevantes e tornam-se tema das rodas de conversa do dia a dia. Isso porque os jornalistas têm a tarefa de estar sempre atentos ao que acontece na sociedade para relatar os eventos que podem afetar seu público.

Como diz Hall (1999, p. 228), os media, desta forma, apresentam a primeira, e muitas vezes a única, fonte de informação acerca de muitos acontecimentos e questões importantes. Miguel Rodrigo Alsina (2009, p. 47) completa o pensamento de Hall explicando que os jornalistas têm a incumbência de recopilar os acontecimentos e os temas importantes e dar-lhes sentido. Afirma-se que existe uma relação direta e de causa entre o conteúdo dos meios e a percepção por parte do público do que seria o assunto mais importante do dia. É muito provável que a mídia não tenha o poder de oferecer às pessoas a forma como elas devem pensar (?), mas o que ela consegue de fato é impor-lhes o que têm de pensar. (ALSINA, 2009, p. 87) Devido a essa responsabilidade de determinar quais acontecimentos são relevantes e de que forma o público tem conhecimento sobre eles, é que se diz que o jornalismo tem o poder de construir a realidade social. De acordo com Alsina, essa construção acontece dentro de um contrato pragmático fiduciário social e historicamente definido, legitimado coletivamente através da implantação da mídia como transmissora da realidade social de importância pública. Os acontecimentos chegam a nós através da mídia e são construídos através de sua realidade discursiva. Em nossa sociedade, é a mídia quem gera a realidade social (Veron, 1981). Portanto, o processo de construção da realidade social depende completamente da prática produtiva do jornalismo [...] Isso faz caracterizarmos a atividade jornalística como um papel socialmente legitimado para gerar construções da realidade publicamente relevantes. (ALSINA, 2009, p. 46) Mas o trabalho dos jornalistas não termina depois de escolher quais fatos vão ganhar as páginas dos jornais do dia seguinte, é preciso investigar e apurar rigorosamente todas as suas facetas, ouvir os envolvidos no acontecimento e especialistas que possam explicar o que foi noticiado. Ou seja, é preciso contextualizar os fatos para que eles não cheguem ao público como eventos isolados da realidade social. Se o mundo não é para ser representado como uma confusão de acontecimentos desordenados e caóticos, então estes acontecimentos devem ser identificados (isto é, designados, definidos, relacionados com outros acontecimentos do conhecimento público). Este processo a identificação e a contextualização é um dos mais importantes, através do qual os acontecimentos são tornados significativos pelos media. Um acontecimento só faz sentido se se puder colocar num âmbito de conhecidas identificações sociais e culturais. (HALL, 1999, p. 225).

Essa tarefa é substancial para a prática de um bom jornalismo, sobretudo no noticiário nacional de jornais regionais. Nesse caso, as matérias de política e economia podem afetar a população de todo o país, mas de uma maneira diferente em cada região. É justamente essa variação que nem sempre é relatada pelos veículos de comunicação, já que muitas vezes os eventos de relevância nacional não são aproximados da realidade do público dos diferentes Estados. Dessa forma, o público toma conhecimento dos fatos de acordo com a situação nacional, sem que ela seja regionalizada e relacionada ao seu cotidiano. Esse fenômeno resulta da prática, cada vez mais comum, de reproduzir as matérias de agências de notícias. Essas instituições são contratadas para transmitir às redações de diversos locais o que acontece nos centros de poder do mundo. Mas, como estão sediadas nesses locais, as informações que distribuem são produzidas de acordo com uma visão central da sociedade. Essas instituições acabam, pois, por determinar os temas e a maneira com que eles são noticiados em diversos periódicos. O que normalmente ocorre nas redações locais é a compilação das informações provenientes das diversas matérias das agências de notícias. Isso deveria fazer com que os fatos fossem retratados de uma forma mais significante para seu público, mas nem sempre isso acontece. Nesse processo, muitos profissionais deixam de preocupar-se em ouvir fontes locais. O que ocorre é a organização das diversas informações provenientes das agências de notícias em textos que, por isso, trazem apenas uma visão geral dos acontecimentos. Assim, fatos de grande repercussão deixem de ser traduzidos por especialistas e personagens estaduais. Isso faz com que, muitas vezes, o público regional não perceba a implicação de medidas políticas e econômicas de âmbito nacional no seu cotidiano, já que o noticiário acaba sendo construído como se a população de todo o país fosse impactada da mesma forma pelos fatos noticiados. É como se os jornalistas trabalhassem em cima do conceito de consenso social elaborado por Hall. O pesquisador afirma que, muitas vezes, a sociedade tem acesso a apenas uma perspectiva dos acontecimentos, a qual desconsidera as discrepâncias entre os diferentes grupos sociais. Os pontos de vista consensuais da sociedade representam-na como se não existissem importantes rupturas culturais ou econômicas, nem importantes conflitos de interesses entre classes e grupos (HALL, 1999, p. 226). O pesquisador ainda afirma que a mídia é uma das instituições cujas práticas se baseiam nessa ideia de consenso nacional, uma vez que os acontecimentos, enquanto notícias,

são regularmente interpretados dentro de enquadramentos que derivam, em parte, desta noção de consenso enquanto característica básica da vida cotidiana. (HALL, 1999, p. 227) Além de tratar a sociedade como um todo uniforme, os jornalistas acabam desrespeitando uma das regras tácitas dessa atividade profissional ao aderir à reprodução de matérias de agências de notícias: a diversidade de versões. Primeiramente, os assuntos selecionados para serem focados pelos meios de informação devem englobar todos os temas que sejam de interesse substancial para a maioria da população. Em segundo lugar, quando há uma série de fatos plausíveis e sistemas de interpretação que têm relação com um tema, todos esses fatos e sistemas devem estar disponíveis para inspeção pública. Por outras palavras, toda a verdade é um corolário para nada mais senão a verdade. Assim, se apenas um conjunto de assuntos ou fatos é posto à disposição da população em geral, quer por censura tácita ou oficial, a condição de diversidade significativa não é satisfeita. Ou se os temas, fatos e perspectivas que se desviam da perspectiva geral estabelecida estão confinados aos limites da mídia e não chegam ao grosso da população, o resultado é o que pode ser chamado de diversidade sem sentido ou marginalizada. (HERMAN, 1999, p. 214) Mas, nesse caso, não se trata exatamente da ausência de opiniões diversas. As agências apresentam material jornalístico de qualidade e trazem essa variedade de versões. O problema é que essas versões normalmente respondem apenas aos interesses dos grupos e regiões mais fortes, política e economicamente, como no caso brasileiro se configura a região Sudeste. Assim, os fatos são apresentados como se representassem a nação como um todo, sem tratar com especificidade da realidade direta do público dos jornais regionais. Dessa forma, o que acaba sendo prejudicado é a contextualização dos acontecimentos noticiados, que poderiam ser explicados e analisados de acordo com o ponto de vista regional, seja por meio do depoimento de especialistas e personagens ou por dados e pesquisas locais. Como diz Hall, é uma questão de tornar os acontecimentos significativos, trazendo-os para o campo de conhecimentos e vivência do público. Afinal, segundo Castells (1999, p. 78), identidades locais entram em intersecção com outras fontes de significado e reconhecimento social, seguindo um padrão altamente diversificado que dá margem a interpretações alternativas. Por conta dessa preferência às fontes nacionais, a esfera pública local acaba sendo esquecida ou marginalizada no imaginário dos leitores. Se as personalidades locais não aparecem na mídia, elas acabam não sendo levadas em conta pela sociedade. Já a repercussão dos fatos de alcance nacional nas diferentes regiões pode não ser nem analisada criticamente pelo público. Isso acontece porque, como diz Castells, a mídia

tornou-se um espaço privilegiado que dá sentido e relevância aos fatos. E mais: só a presença nesse sistema integrado (de comunicação) permite a comunicabilidade e a socialização da mensagem (CASTELLS, 1999, p. 396). Assim, se a realidade local não é retratada e analisada nos noticiários, as repercussões dos fatos nacionais na esfera local passam despercebidas pelo público. Em virtude dos efeitos convergentes da crise dos sistemas políticos tradicionais e do grau de penetrabilidade bem maior dos novos meios de comunicação, a comunicação e as informações políticas são capturadas essencialmente no espaço da mídia. Tudo o que fica de fora do alcance da mídia assume a condição de marginalidade política. (CASTELLS, 1999, p. 368) Tentando sair dessa encurralada, os grandes jornais regionais costumam montar uma equipe de repórteres para tratar as matérias das agências e aproximá-las de seu público leitor. Assim, as fontes regionais aparecem no noticiário nacional quando os repórteres locais reescrevem essas matérias, inserindo um ponto de vista local. Com essa atitude, os jornais mostram que é possível tratar de fatos que interessam a todo o país com uma interpretação mais próxima da realidade local. Entre as fontes mais procuradas nas esferas regionais estão autoridades, políticos e especialistas, como economistas, advogados e cientistas políticos. Desta forma, esta pesquisa procurou analisar se a cobertura das notícias nacionais de política e economia apresenta uma diversidade significativa de fontes e versões, especialmente pernambucanas, ou se reproduz certa colonização da sociedade estadual, ao condená-la a uma representação subalterna nas discussões e deliberações públicas sobre as questões de interesse nacional. Representação regional no noticiário nacional do Jornal do Commercio A fim de estudar como se tem dado a construção da realidade social pernambucana no jornalismo do Estado analisamos o noticiário nacional de política e economia do Jornal do Commercio por dois meses novembro e dezembro de 2012. Durante esse período, cada matéria veiculada nesse espaço foi analisada segundo critérios que levam em consideração aspectos como a relevância do fato retratado e a diversidade de fontes ouvidas e versões relatadas. As notícias foram analisadas de acordo com os seguintes parâmetros: Relevância: 1. Relevante para a esfera pública local 2. Não Relevante para a esfera pública local

Versões: 1. Versão Única com uma fonte 2. Versão Única com mais de uma fonte 3. Mais de uma versão com diversidade significativa 4. Mais de uma versão com diversidade sem sentido ou marginalizada Interpretação local: 1. Fonte e versão da esfera pública pernambucana 2. Fonte e Versão heteronômicas (nacional) Toda essa observação foi registrada em fichas e posteriormente contabilizadas e sistematizadas em gráficos. Nosso objetivo era perceber se o Jornal do Commercio, o veículo mais lido do Estado de Pernambuco, tem produzido um noticiário nacional de interesse do público local. Para isso, analisamos tanto a relevância dos temas abordados quanto a sua representação, levando em consideração a diversidade de versões e o espaço destinado às fontes da esfera pública estadual. No total, foram avaliadas 325 matérias, sendo 137 de novembro e 188 de dezembro. A análise dos dados recolhidos durante a pesquisa empírica revelou que os fatos noticiados apresentam, na maior parte das vezes (72,5%), relevância para o público local. Ou seja, são acontecimentos de interesse dos pernambucanos. Apesar disso, esses fatos nem sempre são traduzidos por fontes estaduais, que só aparecem em aproximadamente 15% das matérias do noticiário nacional de política e economia do Jornal do Commercio. Dessa forma, embora 236 matérias apresentem temas considerados significativos para a esfera pública pernambucana, apenas 48 contam com o depoimento de personalidades locais, normalmente representadas por fontes oficiais e especialistas, como políticos, advogados e economistas. Esses dados mostram que o mais comum é a publicação de matérias com apenas fontes de renome nacional (85%), sem que os fatos sejam aproximados da realidade local. O estudo também mostrou que a maior parte das matérias nacionais do Jornal do Commercio (44%) apresenta apenas uma versão do acontecimento abordado e conta com o relato de somente uma fonte. Situação que comprova a ausência da pluralidade em parte do material jornalístico produzido atualmente. Durante o período pesquisado, por exemplo, apenas 24,5% das matérias apresentaram mais de uma versão dos fatos noticiados de forma significativa. Ou seja, das 325 notícias analisadas, apenas 80 foram construídas com a articulação de visões alternativas e depoimentos de fontes diferentes sobre os fatos abordados.

Em contrapartida, 142 matérias se baseiam na versão de apenas uma fonte. Sobre esse fenômeno, notamos que as fontes oficiais são majoritárias na produção do noticiário nacional. Quase sempre é a presidente ou ministros, deputados, governadores e empresários que têm voz nas matérias de política e economia. Como diz Castells (1999, p. 396), o preço a ser pago pela inclusão no sistema é a adaptação a sua lógica, a sua linguagem, a seus pontos de entrada, a sua codificação e decodificação. Por isso, nem todos têm espaço na mídia. Já aqueles que correspondem às expectativas dos jornalistas e veículos, têm mais acesso à imprensa e, geralmente, tornam-se fontes recorrentes nas matérias de um jornal. Devido a esse acesso limitado das fontes à imprensa, muitas vezes os fatos são apresentados sem serem interpretados e discutidos de maneira significativa. Numa tentativa de escrever de forma mais representativa, muitos jornalistas vão em busca de mais de uma fonte. No entanto, isso nem sempre representa uma diversidade significativa, pois as pessoas ouvidas podem representar a mesma versão do acontecimento relatado, sobretudo se elas têm acesso facilitado à imprensa. Na nossa pesquisa, por exemplo, constatamos que 21,5% das matérias analisadas apresentavam uma única visão do fato noticiado, apesar de contar com mais de uma fonte. Além disso, algumas matérias chegam a reconhecer a existência de posições contraditórias acerca do fato relatado, mas não as apresentam de forma igualitária. Ou seja, muitas vezes a versão discordante está presente na notícia, mas aparece de maneira marginalizada. Assim, o público não consegue apreender todo o significado presente nessa perspectiva dos acontecimentos. Isso aconteceu em cerca de 10% do material estudado. A preferência por fontes oficiais e especialistas, que acabam conquistando um lugar garantido na mídia, também faz com que a diversidade de versões apresentada nas matérias muitas vezes não represente a opinião dos leitores. Isso porque as versões distintas podem resultar de digressões entre especialistas ou atores políticos, normalmente da esfera nacional. A sociedade civil acaba, então, caindo no mesmo esquecimento das fontes locais. Dessa forma, a avaliação dos acontecimentos presentes nos noticiários nacionais acaba sendo restrita aos espaços argumentativos do veículo: colunas, editoriais e artigos de opinião.

50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 Versões (%) Versão Única com uma fonte - 44% (142 matérias) Versão Única com mais de uma fonte - 21,5% (70 matérias) Mais de uma versão com diversidade significativa - 24,5% (80 matérias) Mais de uma versão com diversidade sem sentido ou marginalizada - 10% (33 matérias) 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 Interpretação local / Reprodução de agência (%) Fonte(s) e Versão(ões) da esfera pública pernambucana - 15% (48 matérias) Fonte(s) e Versão(ões) heteronômicas - 85% (277 matérias)

Considerações finais Analisando o noticiário nacional de política e economia do Jornal do Commercio durante os meses de novembro e dezembro de 2012 foi possível perceber que as fontes da esfera pública pernambucana nem sempre têm espaço nessa seção do jornal, mesmo com os fatos noticiados sendo considerados significativos pelos leitores. Isso porque apenas 15% das matérias veiculadas nesta seção contam com o depoimento de personalidades da esfera pública local. Dessa forma, a maior parte dos acontecimentos de relevância nacional não são contextualizados e aproximados da realidade pernambucana. Ou seja, o público leitor não tem acesso a informações que mostrem as prováveis consequências dos fatos noticiados no cenário estadual. Essa situação pode significar que os repórteres locais estejam acostumando-se a utilizar apenas informações provenientes de agências de notícias na hora de escrever matérias sobre acontecimentos de repercussão nacional. É sabido que essas instituições já fazem parte da dinâmica do jornalismo contemporâneo e possibilitam o relato de fatos ocorridos onde os jornalistas locais não podem estar. No entanto, é de fundamental importância que esses profissionais traduzam esses acontecimentos de acordo com a realidade de seus leitores, tornando-os ainda mais significativos. Para isso, acreditamos que a compilação de dados e depoimentos de personalidades de renome nacional não é suficiente. O que gostaríamos de ver no jornalismo atual é a presença de fontes da esfera pública local até na cobertura das notícias nacionais, pois acreditamos que essas pessoas podem tratar os acontecimentos noticiados de uma forma diferente daquela que está sendo publicada, levando em consideração a realidade estadual. Não queremos dizer que o noticiário atual não é significativo para a esfera pública pernambucana, mas acreditamos que ele poderia ser muito mais relevante se fosse complementado com matérias que apresentassem a situação local dos fatos sempre que fosse possível. Essa abordagem diferenciada deveria vir, portanto, atrelada às matérias nacionais como são publicadas hoje em dia. Não se trata de uma mudança radical no modo de fazer jornalismo, pois, mas de um esforço em tornar esse material mais abrangente e representativo para cada setor ou grupo social, evitando a possibilidade de regiões menos expressivas política e economicamente terem as suas esferas públicas relegadas a uma posição colonizada, de subalternidade, o que evidentemente restringe as suas condições de se mobilizar pelo seu desenvolvimento.

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