EXPERIÊNCIA DE UMA AULA DE MATEMÁTICA BASEADA NA AUTONOMIA SEGUNDO PAULO FREIRE Tiago Ponciano Antunes Universidade Tecnológica Federal do Paraná tiago_ponciano27@hotmail.com Ariane da Silva Landgraf Universidade Tecnológica Federal do Paraná arianelandgraf@hotmail.com Eliane Maria de Oliveira Aramam Universidade Tecnológica Federal do Paraná elianearamam@utfpr.edu.br Resumo: Neste artigo pretende-se apresentar contribuições para a reflexão da prática docente a respeito do uso de metodologias, baseadas em Paulo Freire, a partir de um relato de experiência de uma atividade desenvolvida em uma turma do 8º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública de Cornélio Procópio. A atividade possuiu enfoque na autonomia e liberdade do aluno, refletindo a respeito dos conteúdos matemáticos, mais especificamente noções de conjuntos. A metodologia utilizada neste trabalho refere-se à metodologia qualitativa, que busca compreender a realidade. Para isso, a atividade desenvolvida foi gravada em áudio e as transcrições são apresentadas e analisadas nesse trabalho. Palavras-chave: Educação Matemática; Paulo Freire; Noções de Conjuntos. 1. Introdução A utilização de metodologias ou propostas de aulas diferenciadas têm sido pouco utilizadas, por professores de matemática em sala de aula. Essa falta de contato dos alunos com outros tipos de metodologias, pode conduzir a um entendimento de que só se aprende matemática por meio da memorização e repetição de procedimentos. Assim, muitas vezes, aulas de matemática tornam-se repetitivas, cansativas, com os mesmos movimentos mecânicos de abrir o livro didático e copiar inúmeros exercícios. A aula não fica cansativa apenas para os alunos, mas também para os professores, que precisam lidar com a indisciplina, com um grande número de alunos por turma e correr contra o tempo para vencer os conteúdos obrigatórios que devem ser ensinados. Refletindo a respeito de todos esses problemas vivenciados diariamente por meio da experiência do Pibid, pensou-se na possibilidade de elaborar uma aula na qual não fosse necessário a utilização de nenhum outro recurso didático pelo professor, a não ser os conhecimentos prévios que os alunos já tenham adquirido até então. 1
Assim, este trabalho tem como objetivo fazer um relato de experiência baseado na elaboração e aplicação de uma aula que contemplasse essas características mencionadas. Para isso, foi preciso um estudo minucioso do livro Pedagogia da Autonomia, de Paulo Freire (2002). 2. Fundamentação Teórica Para Paulo Freire, a memorização mecânica do perfil do objeto não é aprendizado verdadeiro do objeto ou do conteúdo (2002, p.28). Assim, é preciso que as aulas de matemática deixem de ser apenas uma reprodução fiel dos livros didáticos pelos alunos, pois desta forma eles deixam de ter uma aprendizagem matemática que faça sentido. As aulas podem ter características mais dinâmicas, e devem ser voltadas para um diálogo crítico e construtivo, a partir do conhecimento que os alunos já possuem sobre um determinado conteúdo. O professor precisa perguntar, indagar e questionar os alunos acerca de uma reflexão a qualquer momento da aula, desde que seja pertinente e não atrapalhe ou comprometa o que tenha planejado. Para Paulo Freire, Estimular a pergunta, a reflexão crítica sobre a própria pergunta, o que se pretende com esta ou com aquela pergunta em lugar da passividade em face das explicações discursivas do professor, espécies de resposta a perguntas que não foram feitas. Isto não significa realmente que devamos reduzir a atividade docente em nome da defesa da curiosidade necessária, a puro vai-e-vem de perguntas e respostas, que burocraticamente se esterilizam. A dialogicidade não nega a validade de momentos explicativos, narrativos em que o professor expõe ou fala do objeto. (FREIRE, 2002, p.33) O professor deve estar ciente que aprendizagem não é uma transferência de conteúdo, e que o aluno não é um mero receptor, um jarro vazio a ser preenchido. Paulo Freire afirma que saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção (2002, p.21). Desta forma, é preciso que o professor crie possibilidades durante suas aulas, proporcionando momentos nos quais seja possível o aluno questionar, indagar e refletir sobre aquilo que está sendo ensinado. 2
3. Procedimentos Metodológicos A metodologia empregada neste estudo é a qualitativa, que busca compreender a realidade, levando em consideração a relação e a interação cotidiana em que o pesquisador baseia-se na interpretação para a compreensão dos fenômenos expostos por todos os participantes. Esta pesquisa tem o "ambiente natural como fonte direta de dados, sendo o pesquisador o seu principal instrumento." (LUDKE; ANDRÉ, 1986, p.11). A aula foi aplicada em uma turma do 8º ano em um colégio Estadual do município de Cornélio Procópio- PR. A turma era composta por 32 alunos e foram utilizadas 2 horasaula para a aplicação. Os alunos foram nomeados por 8ALN, onde N é uma numeração aleatória para cada aluno, a fim de preservar sua identidade, por exemplo, 8AL1. Foram feitas as transcrições das respostas de todos os alunos, entretanto, como muitos repetiam as respostas já fornecidas por outros alunos, selecionou-se as que mais se destacaram para este trabalho. Na sequência, são apresentados o relato da atividade, bem como uma descrição de alguns resultados obtidos. 4. Relato de experiência Iniciou-se a aula dispondo os alunos em círculo e em seguida solicitou-se para que eles não utilizassem nenhum material. Explicou-se que a aula era composta por dois momentos. No primeiro momento, realizou-se a leitura das fichas, nas quais cada uma continham 3 dicas sobre um determinado conteúdo que eles já haviam estudado até então. As dicas foram retiradas do livro Tudo é Matemática (DANTE, 2015). Após a leitura de cada dica, os alunos teriam um momento para responder e, assim, receberiam um círculo de EVA indicando sua participação. Deixou-se claro que não seria dita se as respostas estariam certas ou não. Após ler a última dica e todos terem feito suas reflexões, seria dito a resposta correta. Assim cada um iria saber se errou ou acertou. ficha. Após explicar com detalhes como seria a aula, iniciou-se a leitura da primeira 3
Quadro 1: Dicas da ficha 1 Eu sou conhecido como princípio da contagem; Todos os meus elementos possuem sucessor; Eu sou representado pela letra N. Resposta: Conjunto dos Números Naturais Após a leitura da primeira dica Eu sou conhecido como princípio da contagem alguns alunos responderam: 8AL1: Os números? 8AL2: Os números naturais! 8AL3: Adição. 8AL4: Os números racionais. 8AL5: Os números algébricos. Após essa primeira dica, partiu-se para a segunda dica Todos os meus elementos possuem sucessor alguns alunos disseram: 8AL6: Os números Reais. 8AL7: Subtração. 8AL8: Os números Inteiros. Assim, foi dito para os alunos relacionar o que eles já haviam estudado com as dicas que estavam sendo lidas. A terceira dica Eu sou representado pela letra N, e muitos alunos responderam: 8AL1: Os números Naturais. 8AL4: Números Naturais, pois eles foram os primeiros números. 8AL2: Os Naturais. 4
Após lida a terceira dica e todos terem dado sua resposta, realizou-se um debate sobre as respostas que eles deram, chegando assim a uma conclusão que a resposta correta seria o conjunto dos Números Naturais, que a maioria havia respondido. Agora, todos já haviam compreendido como seria a aula e assim avançou-se para a segunda ficha. Quadro 2: Dicas da ficha 2 Todos os números Naturais estão contidos em mim; Os opostos dos números Naturais também estão em mim; Eu sou representado pela letra Z. Resposta: Conjunto dos Números Inteiros Começou-se com a leitura da primeira dica Todos os números Naturais estão contidos em mim. Alguns alunos responderam: 8AL1: Os números Reais. 8AL1: Os Racionais. Muitos responderam a mesma coisa, então apresentou-se a segunda dica Os opostos dos números Naturais também estão em mim, e alguns alunos responderam: 8AL1: Os números negativos. 8AL3: Os números Inteiros. 8Al4: Os números negativos. 8AL7: Os números Racionais? responderam: Assim passamos para a terceira dica Eu sou representado pela letra Z e os alunos 8AL1: Números inteiros. 8AL2: Os inteiros. 8AL12: Números Inteiros. 8AL13: Eles possuem os números negativos e os naturais. 5
Após a leitura da terceira dica e depois do debate entre os próprios alunos sobre a resposta, chegou-se com eles a conclusão que a resposta que as dicas apontavam era o Conjunto dos Números Inteiros. Assim, avançou-se para a terceira ficha. Quadro 3: Dicas da ficha 3 Eu contenho os dois conjuntos anteriores; Os números contidos em mim podem ser escritos em forma decimal; Eu sou representado pela letra Q. Resposta: Conjunto dos Números Racionais Iniciou-se com a leitura da primeira dica Eu contenho os dois conjuntos anteriores, alguns alunos responderam: 8AL1: Os racionais. 8Al2: Racionais. 8Al3: Os números Reais. Logo a segunda dica, e foi sugerido para eles relacionarem as respostas das fichas anteriores, pois uma está relacionada a outra, Os números contidos em mim podem ser escritos em forma decimal e muitos responderam: 8AL1: Números reais. 8AL3: Números irracionais. 8AL2: O racional possui vírgula. A próxima dica foi lida para os alunos, Eu sou representado pela letra Q e muitos responderam: 8AL7: Reais. 6
8aL2: Os racionais são representados pela letra Q. 8AL1: Irracionais. Assim, após todos argumentarem sobre suas respostas, chegou-se à conclusão de que se trata do conjunto dos Números Racionais. Fomos assim, para a ficha número quatro. Quadro 4: Dicas da ficha 4 Não posso ser escrito em forma de fração; Minha representação decimal é infinita; Posso ser representado pela letra I. Resposta: Conjunto dos Números Irracionais Realizou-se a leitura da primeira dica Não posso ser escrito em forma de fração. E muitos responderam: 8AL9: Irracional. 8AL10: Irracional pois nas contas dos naturais ele tá lá. 8AL2: Os irracionais. 8AL3: Os números com vírgula. 8AL3: Os números fracionários. 8AL1: Vai dar os número com vírgula, que não tem fim. Dízima periódica? 8Al2: As raízes quadradas. Após várias respostas, avançou-se para a segunda dica Minha representação decimal é infinita, e muitos responderam: 8AL1: Todas as raízes de números primos. 7
responderam: Partiu-se para a terceira dica Posso ser representado pela letra I e todos 8AL1: Os números irracionais. Após a discussão, conclui-se que as dicas indicavam o conjunto dos Números Irracionais. Após terminar a leitura das fichas, deu-se início ao segundo momento. Nesta parte os alunos deveriam retirar de uma sacola preta um disco de EVA contendo um determinado número. Com esse número retirado eles deveriam colocar em conjuntos espalhados pelo chão da sala o número correspondente a cada conjunto. Claro que determinados números poderiam pertencer a mais de um conjunto, mas aí cada um deveria argumentar e explicar o porquê de colocar naquele ou no outro conjunto. Todos os alunos participaram e todos estavam satisfeitos com esse momento de expressar e responder sem medo de errar. Abaixo, segue algumas fotos desse segundo momento. Imagem 1: Alunos dispostos em círculo para realização da aula. 8
Imagem 2: Realização do segundo momento da aula. 4. Considerações Finais Com a realização desta aula foi possível analisar que é plausível o professor utilizar uma metodologia ou uma proposta de aula em que o aluno possa expor sua opinião, exercer sua autonomia e também utilizar-se dos conhecimentos adquiridos como sugere Paulo Freire (2002). A aula de matemática torna-se o lugar onde os alunos também sejam capazes de exercer a sua autonomia, liberdade de pensar e de se expressar. Entretanto, por meio da experiência vivenciada, percebeu-se ainda uma grande dificuldade por parte dos alunos de expressar suas ideias e justificar suas respostas. Talvez isso se dê pela falta de contato com aulas que possibilitem o diálogo. E percebeu-se ainda um receio por parte do aluno em dizer uma resposta errada ou mesmo sabendo a resposta correta existia uma grande dificuldade de elaborar uma argumentação. Conhecendo as dificuldades dos alunos através da atividade realizada, é possível que o professor faça uma reflexão sobre sua própria forma de elaborar e ministrar suas aulas, é compreensível que o professor ajude seus alunos a perceber que suas dificuldades 9
podem ser superadas e que seus anseios podem contribuir para essa superação. Nesse sentido, o professor passa a possuir um leque de opções e considerações plausíveis que podem surgir depois de utilizar uma aula baseada nas concepções de Paulo Freire. Agradecemos a Capes pela oportunidade de participar do projeto Pibid, que possibilitou essa experiência em sala de aula. 5. Referência DANTE, L. R. Tudo é matemática: 8º ano. São Paulo: Editora Ática, 2015. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Editora Paz e Terra S/A, 2002. LÜDKE, M e ANDRÉ, M. E.D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. 10