PRÁTICAS DIDÁTICAS NO ENSINO DE ESPANHOL PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL 1 Caroline Veloso da Silva Programa de Pós-Graduação em Educação Especial PPGEEs - UFSCar CAPES Eixo Temático: 1-Pesquisa em Pós-Graduação em Educação e Práticas Pedagógicas Categoria: Pôster Introdução A Educação Especial, na realidade brasileira, deixa de ser apenas desejo daqueles que aspiram por uma sociedade sem exclusão e passa a ocupar espaço nos diversos discursos oficiais e nas políticas públicas de inclusão (GUEDES, 2007). Além de estar prevista nas leis fundamentais do país (CF/88 e LDB 9394/96) é definida nas Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, que têm como objetivo promover a total inclusão dos alunos por ela atendidos até os níveis mais elevados de ensino. (BRASIL, 2008). Vivemos hoje um período histórico no qual os direitos educacionais da pessoa com deficiência, ainda que pensado e explicitado em leis e decretos, tem uma história que lhe é própria, marcada pela institucionalização, como se esta não pertencesse à educação regular enquanto prática pedagógica. (CAIADO, 2006) O cenário ideal seria de uma transformação na escola, que deveria estar mais aberta ao acolhimento desses alunos, não como um ato de caridade, mas de devida manutenção da garantia dos direitos dos alunos com deficiência de estudarem na escola regular, que deve estar habituada a fazê-lo. De acordo com os dados do censo escolar de 2009, ao todo no país são 5.159 alunos cegos incluídos e 56.610 alunos com baixa visão nas classes regulares. Deste total, 41,28 % dos alunos cegos e 30,25 % dos alunos com baixa visão estão concentrados na Região Sudeste do país (INEP, 2009). Apesar dos dados revelarem um aumento significativo no número de matrículas de alunos com deficiência visual, não se pode admitir que isso seja o reflexo de ações de inclusões bem-sucedidas. Assim, o trabalho em sala de aula é um tema de grande importância a ser 1 Pesquisa de mestrado em andamento sob orientação da Profa. Dra. Kátia Regina Moreno Caiado
2 estudado, ainda mais no ensino médio, pois se trata de uma modalidade de ensino cujo profissional não passa por um processo de formação que abranja a educação especial. O ensino de espanhol no Brasil A língua espanhola conquistou um lugar importante na educação, cultura e mundo do trabalho. De acordo Sedycias (2005), "depois do inglês, o espanhol é a segunda língua mais usada no comércio internacional, especialmente no eixo que liga a América do Norte, Central e do Sul. Além de ter se tornado obrigatório nas escolas com a Lei 11.161/2005. Assim, ela é de grande importância para a integração social, cultural e acesso ao mundo do trabalho, não somente para a pessoa com deficiência visual, mas para todos os brasileiros. No que se refere ao tema desse trabalho, algumas pesquisas já realizadas apontaram algumas questões que precisam continuar sendo discutidas. Um delas é o fato de que professores desconhecem o sistema de aprender desse aluno e, portanto, sentem-se inseguros no preparo de atividades, por não poderem contar com os recursos didáticos aos quais estão acostumados, e que são basicamente visuais. Segundo Dias (2008) faltam orientações mais específicas e normas que os auxiliem no trabalho docente com o aluno com deficiência visual, o que os leva a estabelecerem seus próprios métodos de trabalho. Assim, constatou-se a necessidade de realização de estudos nessa interface, uma vez que os mesmos são escassos e a realidade de alunos excluídos da aula de língua estrangeira e professores despreparados saltam aos olhos, estabeleceu-se como objetivo desse trabalho identificar estratégias de prática pedagógica que sejam mais eficazes no processo de aprendizado do aluno com deficiência visual. Referencial Teórico O aporte teórico que embasa esse trabalho é o Sociointeracionismo de Vygotsky, cuja base filosófica é o Materialismo Histórico-Dialético de Marx e Engels, no qual o homem é compreendido como um ser que estabelece relações com a natureza transformando-a para benefício próprio. Essa interação provoca modificações tanto no homem quanto na natureza de modo recíproco. E é nessa mesma interação que o homem se faz tipicamente humano, porque cria novas condições para a sua própria existência. (REGO, 2010). A essa interação do homem com a natureza e a transformação nela realizada em prol do beneficio do homem chamou-se trabalho. Esse conceito instaura-se a partir do momento em
3 que o homem precisa planejar a sua ação mentalmente, antes de executá-la. Isso torna o trabalho diferente de outras atividades, pois trata-se de uma ação com finalidade específica. (SAVIANI, 2008). Com base nesses conceitos, Vygotsky elaborou sua teoria sobre o desenvolvimento das funções psíquicas superiores, que são todos os mecanismos cerebrais tipicamente humanos, ou seja, a capacidade de criar estratégias para alguma finalidade específica, memória voluntária, imaginação. Mecanismos que o homem utiliza intencionalmente, ações planejadas conscientemente, que permitem ao indivíduo ter independência no espaço em que se encontram. (PALANGANA, 1994). Para Vygotsky, essas funções deveriam ser observadas em um processo dinâmico, no momento histórico e social em que ocorrem, para que fosse possível compreender de que modo essas características se formam ao longo de um processo histórico e cultural. Segundo ele esses processos não são inatos, mas se originam nas relações com outros indivíduos e se estabelecem como formas culturais de comportamento. (VYGOTSKY, 1998). Em seus estudos de defectologia, Vygotsky afirma que la ceguera pone a su portador en una determinada y difícil posición social. (p. 78). Ou seja, o impedimento que a deficiência provoca é muito mais de caráter social que biológico e o pleno desenvolvimento educacional da pessoa com deficiência depende de métodos e procedimentos que sejam adequados às suas necessidades. (VYGOTSKY, 1995). Metodologia A metodologia estabelecida para a realização desse trabalho foi a análise microgenética, que tem como base epistemológica os postulados dos planos genéticos do desenvolvimento de Vygotsky. Esse método de análise consiste em observar, descrever e analisar nas minúcias os acontecimentos que ocorreram entre as pequenas situações de aprendizado em um determinado momento social e histórico. (OLIVEIRA, 1997) Segundo Góes (2000), a análise microgenética é uma forma de construção de dados que exige atenção aos detalhes das ações e se configura em uma análise minuciosa de um determinado acontecimento, situação, processo, de modo a observar e identificar a sua gênese social bem como as transformações que ocorrem durante o evento analisado. Assim como Vygotsky, acreditamos que é de grande importância avaliar a dimensão histórica dos fatos e em pleno movimento para a compreensão da plenitude da formação do ser humano.
4 Coleta de dados A partir do objetivo proposto, decidiu-se que a melhor forma para a realização da coleta seria por meio da oferta de um módulo de curso de espanhol básico iniciante. Iniciaram o curso de espanhol 6 alunos, sendo 1 com visão normal, 2 com baixa visão e 3 cegos. No entanto, por razões pessoais dos alunos, permaneceram apenas 1 aluno com visão subnormal e 3 cegos. Como instrumento de coleta optou-se pela videogravação das aulas seguidas de sessões de visionamento, das quais serão selecionados alguns episódios para a análise, de acordo com a metodologia selecionada. Descrição parcial dos dados Nosso curso foi elaborado a partir de modelos de cursos regulares de idiomas, com as mesmas propostas e temas. Os dados revelaram até o momento que apenas a adaptação direta de livros didáticos para o Braille não são suficientes para o estudo em sala de aula, e também autônomo do aluno com deficiência visual. Eles necessitam, além disso, de ajustes com relação às imagens e exercícios que remetam è necessidade do recurso visual. A luz dos estudos de Vygotsky, entendeu-se a necessidade de constantes adaptações e quantas forem necessárias para garantir ao aluno com deficiência o pleno acesso ao conhecimento permitindo assim o seu desenvolvimento. Segundo o autor, o pleno desenvolvimento educacional da pessoa com deficiência visual depende de métodos e procedimentos que sejam adequados às suas necessidades, que permitam um desenvolvimento semelhante ao de pessoas normais. (Vygotsky, 1995). Assim, buscou-se também explorar o uso de recursos de áudio, o que se mostrou bastante prático e eficaz nesse processo de aprendizagem, no entanto, esse recurso quando utilizado sozinho não apresenta o mesmo efeito de quando somado ao recurso do material em Braille. Isso porque as duas formas utilizadas em conjunto dão ao aluno uma dimensão da forma escrita e oral da língua, que permite que ele tenha um acesso menos limitado ao conhecimento. Esse dado é importante, pois de acordo com os relatos dos alunos, a dificuldade maior apresentada em sala de aula de língua estrangeira é exatamente a diferença entre a oralidade e a escrita, pois sem esta última o aluno tem mais dificuldade de compreender a sua pronúncia, o que, aliás, é outro fato que os dados revelaram até o momento. Utilizou-se também material tátil em uma determinada aula, cujo tema era pedir e dar informações e localização em espanhol. Fizemos uma maquete simulando uma cidade, com
5 escritos em Braille e ampliado, além de cores contrastantes para o aluno com baixa-visão. Esse recurso se mostrou bastante favorável e foi muito bem recepcionado pelos alunos em aula. No caso do aluno com baixa-visão, notou-se que mesmo de posse do material ampliado, ele fazia muito mais uso dos recursos de áudio do que do material impresso. E com relação à aluna sem deficiência, nas aulas que freqüentou, os materiais mostraram-se eficazes inclusive para ela. Ainda sem utilizar os recursos de costume pudemos notar na interação dela com os demais alunos que o aprendizado estava acontecendo. Verificamos assim que mais do que adaptação de materiais para esses alunos, a postura do professor com relação às capacidades dos mesmos mostrou-se um fator decisivo nesse processo. Isso porque, mesmo de posse dos materiais, se o professor não observar atentamente o andamento da aula e não tiver boa interação com seus alunos, não irá perceber que alguns desses recursos, mesmo que adaptados, podem não ser eficientes. A interação aluno-professor mostrou-se um fator determinante em alguns momentos da aula, pois mesmo de posse do material em Braille, cada aluno lê em seu ritmo e o auxílio entre os colegas foi também um grande auxílio ao professor. A interação entre aluno e professor declarou que conhecer os alunos, realizar trocas com eles podem ser cruciais para que haja um processo de ensino e aprendizagem eficaz, no qual o aluno possa realmente aprender. Conforme acreditava Vygotsky, da interação social depende o desenvolvimento mental, assim o papel do professor no cenário de ensino e aprendizagem torna-se vital. Ainda de acordo com Vygotsky, esse processo de interação professor-aluno acarreta em transformações no processo interpessoal (social) em um processo intrapessoal (psíquico). (PALANGANA, 1994, p. 142). Assim, verificamos também a importância de uma análise na perspectiva históricocultural no processo escolar, de ensino e aprendizagem do aluno com deficiência, pois o acesso ao conhecimento é parte de um grande processo de interação social na qual o homem está inserido, (trans)formando-se constantemente. Considerações Parciais A relação do professor com seu aluno com deficiência visual deve primar pela compreensão das capacidades do aluno antes das limitações por ela impostas. Além disso, é importante entender que a limitação social é a que mais priva os nossos alunos de terem assegurados os seus direitos a um ensino eficaz que lhes garantam condições de conscientemente tomarem posse desse conhecimento e transformar a sociedade em que estão inseridos.
6 Conhecer as necessidades específicas de acordo com as particularidades deste tipo de deficiência sensorial, principalmente em relação ao processo de ensino e aprendizagem desses alunos é essencial para a realização de práticas mais conscientes e planejadas. Além disso, apresentar as intenções formativas, em um planejamento que considere todas as necessidades dos alunos, pode contribuir para o desenvolvimento de práticas conscientes no Ensino de Espanhol, indicando quais aspectos devam ser priorizados no ensino desta disciplina, revelando possibilidades de adequação curricular para o ensino de alunos com deficiência visual. Uma proposta a ser aprofundada denota a tendência para práticas que envolvem o desenvolvimento e a adaptação de materiais didático-pedagógicos, uma vez que os conteúdos ensinados exigem recursos diferenciados para os alunos com deficiência visual, podendo, além disso, contribuir para a compreensão dos mesmos conceitos, de uma maneira mais significativa, por todos os alunos. Desta maneira, caminhos de possibilidades e ações se abrem, tanto no âmbito da instituição escolar quanto no âmbito da pesquisa acadêmica, indicando como esta área pode ser desenvolvida a partir dos diversos olhares e contribuições neste debate. Essas reflexões apenas iniciam as possibilidades dentro destas temáticas, denotando a necessidade de ampliação nas pesquisas e trabalhos que contribuam para o desenvolvimento desta vertente dentro da Educação Especial e contribuam para que os paradigmas da educação inclusiva sejam construídos. Referências Bibliográficas BRASIL. Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005. Disponível em: http://www6.senado.gov.br/ Acesso em 10 abr 2010.. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Brasília: MEC/SEESP, 2008. CAIADO, K. R. M. Aluno Deficiente Visual na Escola: Lembranças e Depoimentos. 2a. Ed. Autores Associados: PUC. Campinas, 2006. DIAS, R. M. M. A Construção das Normas: O Trabalho de Professores de Espanhol como Língua Estrangeira (E/LE) junto a Alunos Deficientes Visuais. 2008. 202 f. Dissertação (Mestrado em Lingüística) Centro de Educação e Humanidades, Instituto de Letras, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2008. GÓES, M. C. R. A abordagem microgenética na matriz histórico-cultural: uma perspectiva para o estudo da constituição da subjetividade. Caderno Cedes, 2000, vol. 20, n. 50, p. 9-25.
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