ANÁLISE DE CONTEÚDO DAS EMENTAS DAS DISCIPLINAS RELACIONADAS AO ENSINO DE CIÊNCIAS PRESENTES NAS MATRIZES CURRICULARES DO CURSO DE PEDAGOGIA Maurílio Mendes da Silva (UFPB/UFRPE) Resumo O presente artigo é o resultado de parte do trabalho de dissertação do autor e busca verificar quais conteúdos são abordados de forma mais enfática nas disciplinas relacionadas ao ensino de Ciências, constantes nas matrizes curriculares de dois cursos de licenciatura em Pedagogia. O estudo tomou como referência as ementas curriculares fornecidas pelas instituições de ensino superior - IES. As ementas disciplinares foram caracterizadas pela análise de conteúdo de Bardin. As unidades de registro presentes nas ementas foram agrupadas em quatro categorias: Aspectos Histórico-filosóficos e Sociológicos das Ciências Naturais, Ensino-aprendizagem de Ciências Naturais, Epistemologia do Conhecimento Científico e Aspectos Curriculares. Como resultado, verificou-se uma maior ênfase nos conteúdos relacionados ao Ensino-Aprendizagem de Ciências, assim como uma atenção reduzida aos Aspectos Curriculares, inclusive no que se refere às proposições dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Ciências Naturais - PCN/CN e aos conteúdos conceituais trabalhados nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Tais lacunas apontam para possíveis insuficiências no processo formativo dos professores dos anos iniciais, visto que ao professor em formação, torna-se necessária a apropriação dos diferentes vieses pelos quais perpassa o Ensino de Ciências Naturais, seja ele conceitual, metodológico ou curricular. Dessa forma, tal pesquisa sinaliza para a necessidade de reformulação das ementas em questão. Palavras-chave: Pedagogia; Ensino de Ciências; Anos Iniciais. INTRODUÇÃO Para que a atuação docente surta resultados desejáveis, é necessária aos professores a apropriação e consequente execução das novas propostas de ensino de Ciências, em detrimento da cômoda prática tradicional, em que predomina a ideia da transmissão/recepção de conteúdos. Roldão (2007) trata o ato de ensinar como a especialidade de fazer aprender alguma coisa a alguém, tarefa que exige do executor bem mais do que uma simples reapresentação dos conteúdos dos livros didáticos. Requer uma formação profissional que considere outras especificidades para construção desse conhecimento. Segundo os PCN/CN (BRASIL, 2001) é importante levar o aluno a se apropriar do conhecimento científico, dentro de uma perspectiva que o leve a desenvolver sua autonomia na forma de pensar e de agir, favorecendo a construção de atitudes e valores 01590
2 humanos. Nessa perspectiva, a ênfase deve ser dada à transformação desse aluno no sujeito da sua própria aprendizagem, possibilitando-lhe ressignificar o mundo a partir de explicações embasadas na Ciência. Mas essa ressignificação não se dá de forma espontânea, é a partir da intervenção do professor que ela se constrói. Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2009) falam sobre a relevância do processo de formação inicial docente como meio de partilha e discussão das propostas e conhecimentos produzidos pela área de Ensino de Ciências. Os PCN/CN mencionam que cabe ao professor: selecionar, organizar e problematizar conteúdos de modo a promover um avanço no desenvolvimento intelectual do aluno, na construção como ser social (BRASIL, 2001, p. 33). Nessa perspectiva, considera-se importante verificar como as disciplinas relacionadas ao ensino de Ciências estão sendo construídas nos cursos de licenciatura em Pedagogia, visto que o referido curso habilita o profissional para ensinar nos anos iniciais. O CURSO DE PEDAGOGIA E AS DISCIPLINAS RELACIONADAS AOS FUNDAMENTOS E METODOLOGIAS DE CIÊNCIAS Gatti e Nunes (2009), na análise das ementas das disciplinas do campo das metodologias de ensino nos cursos de licenciatura em Pedagogia, buscaram elencar os conteúdos básicos tratados nelas. No caso de Ciências, houve a predominância de conteúdos relativos à história da ciência e às questões epistemológicas e não a temas que devem ser ensinados aos estudantes nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Libâneo (2010), ao analisar ementas de fundamentos e metodologia de Ciências nos cursos de Licenciatura em Pedagogia, sintetiza que as metodologias não apenas são tratadas independentemente do conteúdo que lhes dá origem, mas também em desconexão com os conteúdos (2010, p. 573). Tais estudos apontam para a existência de uma suposta concordância entre professores e coordenadores dos cursos de licenciatura em Pedagogia de que seus alunos já detêm o domínio sobre o que vai ser ensinado em Ciências nos anos iniciais e, por isso, provavelmente, os excluem das ementas curriculares. Esse fato, certamente, prejudica a formação do futuro professor já que não propicia a articulação entre as disciplinas de metodologia e os programas de Ciências propostos para tais anos. Os cursos de licenciatura em Pedagogia, como espaço de formação dos professores para os anos iniciais, têm a incumbência de contemplar as inovações educacionais por meio da reestruturação do seu ensino, de tal maneira que o futuro 01591
3 profissional adquira um arcabouço de conhecimentos, atitudes e habilidades necessários à promoção das desejadas mudanças no Ensino de Ciências. METODOLOGIA Tomamos como referência a análise das ementas das disciplinas relacionadas ao Ensino de Ciências, constantes nas matrizes curriculares do curso de licenciatura em Pedagogia de duas instituições de ensino superior (IES), nas quais 86% dos professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental de um município do agreste pernambucano haviam estudado. Visando diferenciar as IES, as nomeamos de IES 1 e IES 2. Para a análise de conteúdo das disciplinas relacionadas ao Ensino de Ciências, adotamos o processo de categorização proposto por Bardin (2002). A categorização, segundo a autora, pode ser definida como: Uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação e seguidamente, por reagrupamento segundo o gênero (analogia), com os critérios previamente definidos. As categorias são rubricas ou classes, as quais reúnem um grupo de elementos (unidades de registro, no caso da análise de conteúdo) sob um título genérico, agrupamento esse efetuado em razão dos caracteres comuns destes elementos (BARDIN, 2002, p. 117). Utilizamos o critério semântico para categorização, ou seja, buscamos criar as unidades de registro com base no significado e na interpretação das palavras ou frases que compunham as ementas. A categorização abrange duas etapas: o inventário, no qual isolam-se os elementos em unidades de registro, e a classificação, que consiste em organizá-los dentro de determinados temas. RESULTADOS E DISCUSSÃO Com relação às disciplinas relacionadas ao Ensino de Ciências, só foram identificadas uma disciplina na IES 1, nomeada de Conteúdo e Metodologia de Ciências da Natureza, com 90 horas e duas na IES 2, nomeadas de Metodologia do Ensino de Ciências e Ensino de Ciências, com 75 horas cada, totalizando 150 horas. Nosso sistema de categorização para análise de conteúdo dessas ementas (BARDIN, 2002) foi elaborado após o resultado da classificação analítica dos elementos. Assim, agregamos os elementos das ementas em quatro categorias: Aspectos Histórico-filosóficos e Sociológicos das Ciências Naturais, Ensino-aprendizagem de Ciências Naturais, Epistemologia do Conhecimento Científico e Aspectos Curriculares. 01592
4 Na primeira categoria, Aspectos Histórico-filosóficos e Sociológicos das Ciências Naturais, agrupamos unidades de registro que revelam a possibilidade de compreender os conceitos científicos no intuito de melhor entender o mundo contemporâneo. Na segunda categoria, Ensino-aprendizagem de Ciências Naturais, estão unidades de registro relacionadas aos procedimentos ou às orientações de ensino, que tenham como propósito a facilitação da aprendizagem dos alunos. Na terceira categoria, Epistemologia do Conhecimento Científico, estão unidades que expressam, de alguma forma, relação com o ato de conhecer as condições sob as quais tais conhecimentos foram produzidos. Na quarta categoria, Aspectos Curriculares, estão as unidades de registro que traduzem a forma de estruturação, organização e distribuição do conhecimento acumulado a ser desenvolvido na escola. Tomando os dados da análise de conteúdo, verificamos que ambas as IES privilegiam em suas ementas os conteúdos relacionados ao Ensino-aprendizagem de Ciências Naturais, registrando um percentual próximo a 50%, o que corresponde a praticamente metade da matéria explorada nessas disciplinas. A IES 1 atribui um espaço relevante aos Aspectos Curriculares, já que destina a essa matéria 25% de participação na construção da ementa da sua disciplina. De forma análoga, a IES 2 também considera importante tal categoria, dedicando a ela 20% de participação. Aponta-se para a valorização de aspectos relacionados à forma de organização e estruturação dos conteúdos a serem desenvolvidos na área de Ciências Naturais. No entanto, nas unidades de registro não são mencionados conteúdos de Ciências dos anos iniciais e aborda-se de forma tímida os PCN/CN. Com relação aos Aspectos Histórico-filosóficos e Sociológicos das Ciências Naturais, as IES atribuem graus de importância diferenciados. A IES 1 dá mais ênfase que a IES 2, visto que os graus de participação dessa categoria na composição das ementas são de 25 % e 16 %, respectivamente. Também é diferenciada a relevância dada à Epistemologia do Conhecimento Científico, à qual a IES 1 atribui importância bem menor que a IES 2. Os graus de participação dessas categorias são 8% e 16%, respectivamente. Assim, podemos inferir que a IES 1 realiza uma maior articulação entre os conhecimentos científicos e as suas implicações nos diferentes contextos sociais do que 01593
5 a IES 2. Já a IES 2 favorece uma discussão mais ampla sobre os aspectos relacionados à teoria do conhecimento científico do que a IES 1. Apesar de alguns distanciamentos, as IES 1 e 2 mantêm diversos pontos em comum, inclusive no que se refere às temáticas ensino-aprendizagem e aspectos curriculares. A abordagem dos conteúdos conceituais de Ciências para os anos iniciais, praticamente, não foram detectados. Assim como a abordagem dos PCN/CN que tiveram uma menção insignificante nas unidades de registro. Aspectos relevantes como a valorização e o uso do conhecimento prévio do aluno, a problematização dos conceitos, a argumentação e a sistematização de conhecimentos são pouco contemplados na proposta formativa dessas disciplinas. Após termos detectado pontos em comuns com as pesquisas de Gatti e Nunes (2009) e Libâneo (2010), sugerimos que as disciplinas relacionadas ao Ensino de Ciências desenvolvam mais que abordagens metodológicas, explorem também os conceitos disciplinares de Ciências e que, não havendo uma base curricular nacional comum para Ciências Naturais dos anos iniciais, sejam tomadas as orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais como referência para a formação docente na área do conhecimento em questão. REFERÊNCIAS BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Tradução de Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro. Lisboa: Edições 70, 2002. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: ciências naturais. 3. ed. Brasília: MEC/SEF, 2001. DELIZOICOV, Demétrio; ANGOTTI, José André; PERNAMBUCO, Marta Maria. Ensino de ciências: fundamentos e métodos. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2009. GATTI, B. A; NUNES, M. M. R. Formação de professores para o ensino fundamental: estudo de currículos das licenciaturas em pedagogia, em língua portuguesa, matemática e ciências biológicas - São Paulo: FCC/DPE, 2009. LIBÂNEO, José Carlos. O ensino da didática, das metodologias específicas e dos conteúdos específicos do ensino fundamental nos currículos dos cursos de pedagogia. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 91, n. 229, p. 562-583, 2010. 01594
6 ROLDÃO, Maria do Céu. Função docente: natureza e construção do conhecimento profissional. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 12, n. 34, p. 94-103, 2007. 01595