Tomografia por emissão de pósitrons (PET) no tórax: resultados preliminares de uma experiência brasileira *

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ARTIGO ORIGINAL Tomografia por emissão de pósitrons (PET) no tórax: resultados preliminares de uma experiência brasileira Tomografia por emissão de pósitrons (PET) no tórax: resultados preliminares de uma experiência brasileira * MÁRIO TERRA FILHO 1, SIDNEY BOMBARDA 2, JOSÉ SOARES JÚNIOR 3, JOSÉ CLÁUDIO MENEGHETTI 4 Novos métodos não invasivos estão sendo desenvolvidos para a detecção de neoplasias malignas pulmonares. Dentre estes destaca-se a tomografia por emissão de pósitrons (PET), que utiliza como radiotraçador a deoxi-2-d glicose marcada com fluor-18 (FDG). Objetivo: Avaliar os resultados do FDG- PET, realizado em câmara híbrida com circuito de coincidência em pacientes portadores de doenças pleuropulmonares infecciosas ou tumorais. Material e Métodos: Foram avaliados 15 pacientes divididos em: grupo I 5 portadores de tuberculose pulmonar, e grupo II 10 pacientes com possíveis neoplasias pleuropulmonares. Após a administração endovenosa de 185MBq de FDG as aquisições foram feitas em câmara de cintilação ADAC Vertex Plus de duas cabeças. Resultados: No grupo I todos os exames foram positivos. No grupo II, após o estabelecimento diagnóstico por toracotomia em nove e mediastinoscopia em um, observaram-se: dois adenocarcinomas, dois granulomas, um hamartoma, um mesotelioma, uma atelectasia redonda, um carcinoma indiferenciado de pequenas células, um carcinoma indiferenciado de grandes células, uma antracose. Os exames foram positivos em seis pacientes (cinco neoplasias malignas e em um caso de granuloma) e negativos nos outros quatro. Conclusão: O FDG-PET realizado através de câmara híbrida produz imagens de boa qualidade que permitem a identificação de processos infecciosos em atividade. O FDG-PET associado ao quadro clínico/radiológico pode diferenciar as neoplasias pulmonares malignas das benignas. (J Pneumol 2000;26(4):183-188) Thoracic positron emission tomography: preliminary results of a Brazilian experiment New non-invasive methods have been developed to detect lung malignancies. One of them is positron emission tomography (PET) using 18 F 2-deoxy-D-glucose (FDG) as a radiotracer. Objective: Evaluate the FDG-PET results performed through a hybrid coincidence gamma camera in patients with pleuropulmonary infectious diseases or lung tumors. Material and methods: Fifteen patients were evaluated, and divided into: group I five patients with active lung tuberculosis, and group II ten patients with possible pleuropulmonary neoplasia. Doses of 185 MBq of FDG were given intravenously, and scans were performed with a two-headed ADAC Vertex Plus camera. Results: In group I all scans were positive. In group II after thoracotomy in nine patients and mediastinoscopy in one, the following diagnoses were observed: two adenocarcinomas, two granulomas, one small cell carcinoma, one large cell carcinoma, one hamartoma, one rounded atelectasis, one mesothelioma, and one antracosis. The scans were positive in six patients (five malignant neoplasias and one granuloma) and negative in the other four cases. Conclusion: The FDG-PET performed through a hybrid camera produces images of quality that permit identification of active infectious process. FDG-PET in association with clinical and radiological exams can differentiate malignant from benign lung neoplasias. * Trabalho realizado na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. 1. Professor Associado, Divisão de Doenças Respiratórias Instituto do Coração (InCor). 2. Pós-Graduando da Área de Concentração de Pneumologia. 3. Médico Chefe Serviço de Radioisótopos do Instituto do Coração (InCor). 4. Diretor do Serviço de Radioisótopos do Instituto do Coração (In- Cor). Endereço para correspondência Mário Terra Filho, Serviço de Pneumologia, Instituto do Coração, Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44 05403-000 São Paulo, SP. Tel/fax: (11) 282-7040; E-mail: pnemario @incor.usp.br Recebido para publicação em 4/4/00. Aprovado, após revisão, em 11/5/00. J Pneumol 26(4) jul-ago de 2000 183

Terra Fº M, Bombarda S, Soares Jr J, Meneghetti JC Descritores tomografia computadorizada por emissão, neoplasias pulmonares, pneumopatias Key words emission-computed tomography, lung neoplasms, lung diseases Siglas e abreviaturas utilizadas neste trabalho PET Tomografia por emissão de pósitrons FDG Deoxi-2-D-glicose marcada com fluor-18 I NTRODUÇÃO A incidência de câncer de pulmão está aumentando globalmente. Estima-se que 178.000 casos novos sejam diagnosticados por ano nos Estados Unidos (1). Diversos fatores podem contribuir para o aumento da incidência das neoplasias pulmonares, destacando-se o hábito de fumar, a quantidade de cigarros fumados, a poluição atmosférica e a exposição a cancerígenos encontrados no ambiente de trabalho. A predisposição genética também deve ser considerada como fator de risco para câncer de pulmão. Muitas vezes, nódulos pulmonares são diagnosticados em pacientes que se submeteram a radiografias de tórax de rotina ou em avaliações pré-operatórias. A radiografia e a tomografia computadorizada torácicas possibilitam a obtenção de informações anatômicas e morfológicas das alterações pulmonares encontradas, mas são incapazes de caracterizar se estas alterações são benignas ou malignas. Desta maneira, freqüentemente o esclarecimento deve ser feito através de exame clínico bem realizado, associado a análise de tecido pulmonar obtido através de biópsias ou citologia de escarro. Por esta razão, novos métodos de diagnóstico são pesquisados, na tentativa de restringir a utilização de metodologia invasiva para o esclarecimento de alterações malignas pulmonares. Recentemente, Swensen et al. (2) propuseram que nódulos pulmonares malignos poderiam ser identificados desde que aumentassem significativamente sua densidade após injeção de contraste através de técnica padronizada de tomografia computadorizada helicoidal. Esse é um exame de fácil execução; entretanto, inúmeros casos de falso-positivos já foram demonstrados (3). A tomografia por emissão de pósitrons (PET) é um exame não invasivo cujo princípio fundamental é a utilização de compostos biológicos marcados com elementos de elevada instabilidade atômica que sejam emissores de pósitrons (partículas com a mesma massa do elétron, porém com carga oposta), como o carbono-11, nitrogênio-13, oxigênio-15, flúor-18. Os pósitrons têm uma meia-vida muito curta; a do oxigênio, por exemplo, é de 2,07 minutos; isto, infelizmente, limita muito sua utilização. Estas partículas ao serem combinadas com elétrons são aniquiladas, sua massa é transformada em energia, resultando na liberação de dois fótons de 511Kev emitidos em direção oposta (a 180 ), que são utilizados para a localização da interação pósitron-elétron. Esta radiação liberada é detectada, processada por computador e a seguir transformada em imagens (3). A adoção do PET como recurso clínico foi enriquecida em 1995 com a utilização da deoxi-2-d-glicose marcada com fluor-18 (FDG), elemento com meia-vida de 110 minutos, o que possibilitou facilidade no seu transporte e, portanto, seu uso sem maiores complicações. Além disso, nos últimos anos, foi possível a redução dos custos deste exame com o emprego de câmaras híbridas, isto é, equipamentos que podem ser utilizados para outros procedimentos de medicina nuclear, além da tomografia por emissão de pósitrons. Uma das características das células neoplásicas é um aumento do metabolismo da glicose. O FDG é um análogo desta substância e se comporta como um traçador do seu metabolismo. Após sua entrada nas células o FDG é fosforilado pela hexoquinase para FDG-6-fosfato e, em tecidos com baixa concentração de glicose-6-fosfatase, tais como cérebro, miocárdio e a maioria das células malignas, o FDG-6-P não passa pela seqüência enzimática posterior e se acumula proporcionalmente à taxa do processo glicolítico, emitindo pósitrons e promovendo a base para a formação das imagens (4,5). O FDG-PET é um exame que permite a avaliação do metabolismo da glicose em indivíduos vivos (5). Esta técnica pode potencialmente diferenciar lesões malignas das benignas, além de possibilitar a avaliação da extensão da doença, sendo estas as principais indicações desde exame em pneumologia. O equipamento híbrido (não dedicado) como o utilizado por este protocolo, apesar de apresentar custo menor, tem como desvantagens a impossibilidade de determinação da glicose consumida na região estudada, permitindo apenas a análise semiquantitativa. Além disso, fornece em certos casos imagens de menor resolução. Algumas lesões inflamatórias ou granulomatosas podem acarretar aumento na captação do FDG, razão pela qual em países com alta prevalência de doenças como tuberculose (6), aspergilose (7), os resultados deste exame devem ser analisados criteriosamente. O objetivo deste estudo foi o de avaliar o comportamento do FDG-PET, realizado em câmara híbrida em pacientes portadores de doenças pleuropulmonares infecciosas ou tumorais. MATERIAL E MÉTODOS Foram estudados 15 pacientes, divididos em: grupo I: doença pulmonar tuberculosa em atividade, e grupo II: doença pleuropulmonar tumoral. O grupo I era composto por cinco pacientes que apresentavam quadro clínico e radiológico compatíveis com tuberculose pulmonar, tinham 184 J Pneumol 26(4) jul-ago de 2000

Tomografia por emissão de pósitrons (PET) no tórax: resultados preliminares de uma experiência brasileira BAAR positivo no escarro e após seis meses de tratamento com esquema tríplice (rifampicina, hidrazida e pirazinamida) evoluíram para cura clínica radiológica e bacteriológica. Preenchiam o grupo II: dez indivíduos fumantes, assim distribuídos: sete com alterações radiológicas nodulares pulmonares não calcificadas com diâmetro entre 1 e 3cm. Um com massa pulmonar de 4cm de diâmetro, um que evidenciava comprometimento ganglionar mediastinal, e um que era portador de espessamento pleural compatível clínica e radiologicamente com mesotelioma pleural. Todos os pacientes foram submetidos a exame físico completo, radiografia de tórax PA e perfil, tomografia computadorizada de tórax e abdome superior, sorologia anti-hiv, além da baciloscopia de escarro. Naqueles que pertenciam ao grupo II, além dos exames citados, os indivíduos foram submetidos a avaliação préoperatória, que consistiu de: prova de função pulmonar, tomografia computadorizada de crânio, hemograma, tipagem sanguínea, dosagem de sódio, potássio, uréia e creatinina, coagulograma completo, eletrocardiograma. Nove foram enviados para toracotomia e um para mediastinoscopia, com o objetivo de obter material pleuropulmonar para diagnóstico. Para a realização do FDG-PET todos os pacientes foram submetidos a jejum de 12 horas e, em seguida, foi realizada medida da glicemia. Naqueles em que o valor encontrado foi inferior a 150mg/dl, administraram-se por via endovenosa 111MBq (2,5mCi) de FDG. As aquisições foram feitas uma hora após em câmara de cintilação ADAC Vertex Plus de duas cabeças (cristal de 5/8 NaI (Ti)) dotada de circuito de coincidência, realizada com fotopicos de 511 e 309Kev, matriz de 128 x 128 em 32 steps de 40 segundos. Não foi feita correção de atenuação. O software utilizou para reconstrução método iterativo, sistema OSEM (ordered subject expected maximization). A interpretação do exame foi feita por análise qualitativa, considerando como positiva a imagem com captação superior à obtida no mediastino. A classificação quanto à extensão foi focal menor que um terço do hemitórax) difusa (acometimento maior que um terço do hemitórax). Como controle, cinco indivíduos adultos sem qualquer queixa pulmonar foram submetidos ao mesmo procedimento. Os exames foram interpretados por dois médicos especialistas em medicina nuclear e um pneumologista. Todas as imagens obtidas através do FDG-PET foram avaliadas em conjunto com a tomografia computadorizada da mesma região. R ESULTADOS No grupo I os cinco indivíduos eram fumantes, quatro do sexo masculino e um do feminino. As idades variaram de 27 a 71 anos. O resultado do FDG foi positivo em todos. Quanto à extensão, os exames revelaram positividade focal em três e localizada no terço superior à esquerda. Em dois observou-se captação difusa bilateral e localizada também nos terços superiores, sendo que em um destes havia também captação em projeção de laringe e, em outro, junto à pleura direita. Nos dez pacientes do grupo II, oito eram homens e dois, mulheres. As idades variaram entre 53 e 78 anos. Todos fumaram em alguma época da vida e um trabalhou em contato com amianto. Dois eram portadores de adenocarcinoma de pulmão, um de carcinoma indiferenciado de grandes células, um de mesotelioma e um de carcinoma indiferenciado de pequenas células. Os demais apresentavam tumores benignos com a seguinte distribuição: dois granulomas, um hamartoma, um antracose, um atelectasia redonda. O FDG foi positivo e focal em quatro pacientes com neoplasias malignas e em um dos casos de granuloma. No mesotelioma o exame foi positivo e difuso. Nos demais indivíduos portadores de neoplasias benignas, o resultado foi negativo (Tabela 1). Nos cinco indivíduos controles, o FDG-PET foi negativo. D ISCUSSÃO Existem evidências de que doenças benignas como granulomas, histoplasmomas, hamartomas e pneumonias em organização não produzem aumento significativo de metabolismo de glicose (7) ; entretanto, exames positivos são TABELA 1 Idade, resultados do FDG-PET e diagnóstico dos pacientes estudados Idade (anos) FDG-PET/Extensão Diagnóstico Grupo I 54 pos./difusa + pleura D tuberculose 40 pos./difusa + laringe tuberculose 27 pos./focal E tuberculose 71 pos./difusa tuberculose 39 pos./focal E tuberculose Grupo II 53 pos./focal D Ca. ind. de grandes cels. 58 pos./focal E Ca. ind. de pequenas cels. 52 neg. antracose 78 neg. granuloma 69 pos./focal E granuloma 53 neg. atelectasia redonda 63 neg. hamartoma 64 pos./focal E adenocarcinoma 68 pos./focal D adenocarcinoma 67 pos./difusa mesotelioma Pos: positivo, Neg: negativo, Ca: carcinoma, Ind: indiferenciado, Cels: células, D: direito, E: esquerdo J Pneumol 26(4) jul-ago de 2000 185

Terra Fº M, Bombarda S, Soares Jr J, Meneghetti JC observados em granulomas inflamatórios, tuberculose pulmonar em atividade (6), pneumonias, aspergilose. Nestes o FDG é captado por macrófagos ativados em sítios de inflamação; este processo pode ser o suficiente para mimetizar lesões malignas (7). Neste protocolo todos os pacientes portadores de tuberculose apresentaram exames positivos em localização pulmonar; em um havia captação também na projeção de mediastino superior, que foi interpretada como decorrente de tuberculose endobrônquica associada. Em um paciente que concomitante à manifestação tuberculosa pulmonar tinha derrame pleural, observou-se também aumento do FDG na projeção da pleura acometida. A etiologia do derrame pleural foi considerada como tuberculosa, pois com o tratamento com esquema tríplice houve redução da efusão líquida, assim como da lesão parenquimatosa. Diversos estudos demonstraram que o FDG-PET é um bom exame na diferenciação de nódulos e massas pulmonares malignas das benignas (3-5,7). A sensibilidade encontrada variou de 95% a 100% e a especificidade de 78% a 100%. Deve-se esclarecer, entretanto, que a maioria destes estudos incluiu alterações pulmonares 4,5cm de diâmetro, e que nódulos com tamanho inferior a 1cm podem acarretar resultados falso-negativos. Lesões pulmonares malignas de todos os tipos histológicos captam FDG, assim como linfomas Hodgkin e não- Hodgkin, mesotelioma pleural e metástases pulmonares de tumores primários de outros sítios de origem (4,5,7,8). Entretanto, já foram descritos casos de falso-negativos em carcinomas bronquíolo-alveolares (9) e tumores carcinóides (10) de pulmão. A possível explicação para estes resultados é que nestes tipos de neoplasia bem diferenciadas o metabolismo celular seria menor, acarretando menor captação do FDG (7). Nos indivíduos com tumores pulmonares por nós estudados, observamos exames positivos em todos os pacientes com neoplasias malignas e em um indivíduo com nódulo granulomatoso. Neste, apesar do exame anatomopatológico não mostrar evidências de atividade inflamatória, observou-se captação aumentada de FDG, reforçando a idéia que em países de alta prevalência de doenças granulomatosas os resultados do FDG-PET devem ser analisados muito criteriosamente. Devemos ressaltar, entretanto, que este resultado foi encontrado em apenas um paciente, o que compromete qualquer conclusão a respeito. Espessamento pleural difuso, fibrotórax, são acometimentos muitas vezes de difícil diferenciação do mesotelioma pleural. Usando critérios morfológicos, a sensibilidade e a especificidade da tomografia computadorizada no sentido de predizer a malignidade de lesões pleurais difusas são, respectivamente, de 72 e 83% (11). Já com a utilização da ressonância magnética com a mesma finalidade, observa-se sensibilidade de 100% e especificidade de 87% (12). O uso da cintilografia dos pulmões com 67 Ga com propósitos semelhantes é desencorajador, pois o método é muito limitado na identificação de pequenas lesões pleurais e para caracterizar o comprometimento de linfonodos (13). A utilização do FDG-PET na avaliação de mesoteliomas pleurais apresenta várias perspectivas promissoras, como a seleção dos locais ideais para biópsias ou em situações nas quais a interpretação da tomografia computadorizada pode gerar dúvidas, como nos casos de recorrência após pleuropneumectomias (8). Devemos considerar ainda a utilização desta tecnologia no seguimento de esquemas terapêuticos clínicos ou experimentais (8). No caso do portador de mesotelioma apresentado neste protocolo o FDG-PET mostrou as diversas regiões de implante da doença no mediastino e gradeado costal, alterações superponíveis àquelas observadas no exame tomográfico convencional. Esta observação é importante, pois no nosso paciente com derrame pleural tuberculoso a captação do FDG foi difusa, acompanhando toda a extensão da pleura contígua ao derrame, e a tomografia computadorizada não revelou qualquer alteração da pleura além da efusão. Outro ponto de fundamental importância é o estadiamento do mediastino. Em tomografia computadorizada e ressonância nuclear magnética o diagnóstico do comprometimento ganglionar pela neoplasia é feito pelo aumento de tamanho do linfonodo, razão pela qual se observa a reduzida especificidade e sensibilidade destes métodos (14). No FDG-PET os gânglios acometidos são revelados pela maior captação do radiofármaco, e não pelo seu aumento de tamanho, o que permite diagnósticos mais precoces. Na avaliação mediastinal de portadores de carcinoma de pulmão do tipo não pequenas células, as diversas séries de pacientes estudados revelam sensibilidade em torno de 80% e especificidade de 100% (15). Em um portador de adenocarcinoma de pulmão por nós avaliado, observou-se intensa captação do FDG em região do mediastino, correspondente a gânglio aumentado identificado por tomografia computadorizada, além de captação em projeção de parênquima pulmonar não revelado radiologicamente (Figuras 1 e 2). Neste caso, o FDG-PET não acrescentou nenhuma informação suplementar com relação ao comprometimento mediastinal, mas evidenciou a alteração parenquimatosa. O FDG-PET também é usado para estadiamento de corpo inteiro. Valk et al., estudando 99 pacientes portadores de carcinoma pulmonar não pequenas células, observaram metástases insuspeitas em 11% destes (16). Estes achados foram reproduzidos por outros autores (7) e revelam sua grande importância, pois pacientes que inicialmente seriam submetidos a procedimentos terapêuticos cirúrgicos seriam poupados, acarretando menor sofrimento e maior economia. Em nossa casuística, uma mulher porta- 186 J Pneumol 26(4) jul-ago de 2000

Tomografia por emissão de pósitrons (PET) no tórax: resultados preliminares de uma experiência brasileira Figura 1 Tomografia computadorizada de tórax revelando adenomegalia mediastinal Figura 2 Tomografia por emissão de pósitrons revelando captação de FDG em projeção ganglionar e parenquimatosa Radiografia Tomografia com (-) / ou Gordura Calcificação central / dif. Malformação vascular Duvido N Acompanhamento N Figura 3 Sugestão de algoritmo para a utilização do FDG-PET, na avaliação de nódulos pulmonares dora de adenocarcinoma pulmonar apresentava invasão costal e metástase em projeção de retos abdominais, com o FDG-PET positivo em todas estas localizações. O comprometimento ósseo já havia sido detectado à cintilografia óssea; entretanto, o comprometimento abdominal não havia sido observado no exame tomográfico. Este resultado e os referidos na literatura (4,5,15,16) mostram que o FDG- PET de corpo inteiro pode trazer contribuições valiosas no estadiamento do câncer de pulmão, principalmente na detecção de metástases insuspeitas e, conseqüentemente, com mudança de conduta. Na Disciplina de Pneumologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, o uso do FDG-PET na avaliação de nódulos pulmonares é sempre precedido da realização do protocolo de Swensen et al. (2), excetuando apenas aqueles pacientes nos quais a intenção seja estadiamento, além da caracterização do nódulo. Nestes casos, após realização de exames clínicos, radiológicos e tomográficos, os indivíduos são encaminhados diretamente para o FDG-PET (Figura 3). Concluindo, a utilização do FDG-PET através de câmara híbrida produz exame de qualidade adequada, que permite a identificação de processos infecciosos granulomatosos em atividade. Este exame, associado ao quadro clínico/radiológico, pode diferenciar processos neoplásicos pulmonares benignos dos malignos. AGRADECIMENTOS Os autores são gratos aos outros membros do Grupo Interinstitucional de Estudo do Amianto, Dr. Ericson Bagatin (Unicamp), Dr. Luís Eduardo Nery (Unifesp), Dr. Reinaldo Tavares (Unifesp), Dr. Jorge Kawakama (USP) e Dra. Vera Capelozzi (USP), pela colaboração no fornecimento de informações sobre três pacientes. J Pneumol 26(4) jul-ago de 2000 187

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