Relatório de Caso Clínico

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL Faculdade de Veterinária Departamento de Patologia Clínica Veterinária Disciplina de Bioquímica e Hematologia Clínicas (VET03121) http://www.ufrgs.br/bioquimica Relatório de Caso Clínico IDENTIFICAÇÃO Caso: 2013/2/07 Ano/semestre: 2013/2 Espécie: equina Raça: SRD Idade: 2 anos Sexo: macho Peso: 290 kg Alunos(as): Kennya Masiero Sanson Souto Maior, Leticia Fontoura Moreira, Marcela Kuczynski da Rocha e Nathália Jobim Fuhr Médico(a) Veterinário(a) responsável: Gabriela Reiter ANAMNESE O equino chegou ao Hospital de Clínicas Veterinárias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (HCV - UFRGS) no dia 26/07/13, trazido por apreensão de órgão público. O animal encontrava-se prostrado, em decúbito esternal, apresentava extrema dificuldade de locomoção e não colocava-se em estação sem auxílio externo. Ao ser recebido apresentava diarreia de consistência pastosa e com presença de grãos de milho não digeridos, sugestivo de alimentação a base de milho, tremores musculares, sudorese e inquietação dos membros locomotores, trocando frequentemente os apoios, dos membros torácicos e pélvicos. Apesar do grave desconforto, o apetite era moderadamente aumentado. EXAME CLÍNICO - Mucosas pálidas - Tempo de preenchimento capilar: 2 segundos (1-3 segundos) - Frequência cardíaca: 64 bpm (40-60 bpm) - Frequência respiratória: 40 rpm (8-20 rpm) - Escore de condição corporal (ECC): 3 (5) - Pulso digital: presente (ausente) - Temperatura retal (TR): 37,7ºC (37,5-38,5ºC) - Cascos quentes EXAMES COMPLEMENTARES URINÁLISE ( ) Método de coleta: micção natural Obs.: Exame físico Cor Consistência Aspecto Densidade específica (1,020-1,050) Exame químico ph (7,0-8,0) Corpos cetônicos Glicose Bilirrubina Urobilinogênio Proteína Sangue n.d. n.d. n.d. UE/dL n.d. n.d. Sedimento urinário (n o médio de elementos por campo de 400 x) Células epiteliais: Hemácias: Cilindros: Outros: Leucócitos: Bacteriúria: n.d.: não determinado BIOQUÍMICA SANGUÍNEA (26/07/2013) Tipo de amostra: soro Anticoagulante: Hemólise da amostra: ausente Proteínas totais: g/l (54-86) Glicose: mg/dl (77-132) FA: U/L (0-395) Albumina: 22,0 g/l (27-38) Colesterol total: mg/dl (80-250) AST: 669 U/L (102-612) Globulinas: g/l (24-53) Uréia: mg/dl (24-54) CPK: 1430,0 U/L (67-540) BT: mg/dl (1,0-2,0) Creatinina: mg/dl (1,2-1,8) Fibrinogênio: 4 g/l (1-3) BL: mg/dl (0,2-2) Cálcio: 8,5 mg/dl (10-14) : ( ) BC: mg/dl (0-0,4) Fósforo: 13,70 mg/dl (2,91-5,88) : ( ) Observações: Relação cálcio/fósforo: 0,62 (1,7-2,3) BT: bilirrubina total BL: bilirrubina livre (indireta) BC: bilirrubina conjugada (direta)

Caso clínico 2013/2/07 página 2 HEMOGRAMA (26/07/2013) Leucócitos Eritrócitos Quantidade: 25.100/ L (5.800-13.200) Quantidade: 8,47 milhões/ L (7,5-10,0) Tipo Quantidade/ L % Hematócrito: 37,0 % (29-43) Mielócitos 0 (0) 0 (0) Hemoglobina: 12,0 g/dl (10-14) Metamielócitos 0 (0) 0 (0) VCM (Vol. Corpuscular Médio): 44 fl (37-58,5) Bastonetes 0 (0-70) 0 (0-2) CHCM (Conc. Hb Corp. Média): 32,4 % (31-37) Segmentados 22.590 (2.900-7.000) 90 (22-72) RDW (Red Cell Distribution Width): 17 % (21-25) Basófilos 0 (0-60) 0 (0-4) Observações: Proteína plasmática total Eosinófilos 251 (0-600) 1 (0-10) (refratometria): 66 g/l (56-88) Monócitos 0 (0-500) 0 (0-7) Linfócitos 2.259 (2.000-7.500) 9 (17-68) Observações: Plaquetas Quantidade: 248.000/ L (100.000-350.000) Observações: TRATAMENTO E EVOLUÇÃO Devido à gravidade dos sinais, optou-se pela sua internação no HCV para repouso. Durante esse tempo o manejo alimentar foi baseado apenas em feno de alfafa e suplementação com sal mineral, sendo o fornecimento de alimento concentrado desaconselhado. Nas primeiras três semanas foi administrado fenilbutazona com salicilato de sódio (anti-inflamatório não esteroidal, com propriedades analgésica e antipirética), em três ciclos de 5 dias com intervalo de um dia entre os ciclos. Com o avanço do tratamento pode-se perceber progressão na capacidade de trocar a posição de decúbito para estação assim como no tempo de permanência em pé. No dia 12/09/2013, radiografias latero-mediais das extremidades distais do membros torácicos foram obtidas. Foi constatado rotação da terceira falange (desvio de 5º e 7º nos membros anteriores direito e esquerdo, respectivamente) com separação das lâminas sensíveis e insensíveis do casco evidenciada por uma linha de radiopacidade (Figura 1). Para controlar o agravo da rotação da falange, uma ferradura invertida foi colocada nos membros anteriores. A inversão no posicionamento da ferradura altera o conjunto de forças que atuam na rotação da falange, proporcionando menor tensão no tendão flexor profundo. Os objetivos do ferrageamento do cavalo com laminite crônica são estabilizar a falange, controlar a dor e encorajar o crescimento do novo casco com uma relação com a terceira falange, mais próxima possível do normal 1. Foram realizados 4 hemogramas e exames bioquímicos durante o período de internação (conforme a tabela 1). Após um mês de tratamento também foi solicitada urinálise, que detectou a presença de fosfato amorfo. Com a evolução do tratamento e melhora do quadro clínico, o paciente recebeu alta, no dia 12/09/2013. Tabela 1. 02/08/13 12/08/13 26/08/13 12/09/13 Hemograma Eritrócitos (6,8-12,9 milhões/µl) 7,03 8,95 7,16 7,07 Hematócrito (29-43 %) 29 39 31 31 Hemoglobina (10-14 g/dl) 9,5 13,0 10,4 9,7 VCM (37-58,5 fl) 41,25 43,57 43,29 43,81 CHCM (31-37 %) 32,75 33,33 33,54 31,29 RDW (21-25 %) 17,6 17,2 17,2 17,20 PPT (56-88 g/l) 64 70 66 74 Plaquetas (100.000-350.000/µL) 195.000 178.000 379.000 428.000 Leucócitos totais (5800-13200/µL) 18700 11200 11700 9800 Mielócitos (0/µL) 0 0 0 0 Metamielócitos (0/µL) 0 0 0 0 Bastonetes (0-70/µL) 0 0 0 0 Neutrófilos segmentados (2900-7000/µL) 14212 5152 5382 5096 Basófilos (0-60/ µl) 374 0 117 0 Eosinófilos (0-600/µL) 0 448 468 392 Monócitos (0-500/µL) 0 336 234 186 Linfócitos (2.000-7.500/µL) 4114 5264 5499 4116

Caso clínico 2013/2/07 página 3 Tabela 1 (continuação). 02/08/13 12/08/13 26/08/13 12/09/13 Bioquímica sanguínea Cálcio (10-14 mg/dl) 10,22 4,36 9,22 12,45 Fósforo (2,91-5,88 g/dl) 1,89 3,57 3,16 3,79 Albumina (27-38 g/l 19,03 18,05 20,87 24,53 AST (102-612 U/L) 748,3 173,96 414,7 n.d. CPK (67-540 U/L) 300,9 155,59 166,3 n.d. Fibrinogênio (1-3 g/l) 4 2 1 2 Relação cálcio/fósforo (1,7-2,3) 5,4 1,2 2,9 3,28 NECRÓPSIA (e histopatologia) DISCUSSÃO Hemograma: Nos exames realizados no dia 26/07/2013 foi constatada uma leucocitose decorrente de uma neutrofilia, provavelmente justificada por um quadro inflamatório 2. O fibrinogênio aumentado indica um processo inflamatório ativo, uma vez que é uma proteína de fase aguda de resposta inflamatória. A partir do segundo exame o fibrinogênio entrou nos valores de referência, fato este justificado pela ação do antiinflamatório. Uma semana após (02/08) foi realizado um novo hemograma, a leucocitose reduziu, mas ainda está presente. Foi constatada também uma basofilia, apenas o aumento persistente é considerado relevante 2 ; o que não ocorreu nesse caso. Após dez dias, foi realizado um novo hemograma que não apresentou alterações. Possivelmente por resultado da ação da droga que estava sendo administrada. A fenilbutazona é um anti-inflamatório não esteroidal derivado do ácido enólico, tem ação antioxidante e é inibidor irreversível da COX 3. Após 14 dias (26/08), outro hemograma foi realizado, e nele foi observado novamente basofilia, porém, como citado anteriormente, quando isolada não é significativa. Quando o tratamento completou 48 dias (12/09) foi realizado o último hemograma, sem alterações, constatando a alta do paciente. Bioquímica sanguínea: Em 26/07/2013 o exame demonstrou uma hipoalbuminemia, a qual pode ser explicada pelo fato da albumina ser uma proteína de fase aguda negativa (encontra-se diminuída em processos inflamatórios agudos). No exame do dia 02/08/2013 a albumina permaneceu baixa, pois para a detecção de mudanças significativas nos níveis de albumina sérica é necessário um período de no mínimo um mês, devido à meiavida 4. As atividades das enzimas aspartato aminotransferase (AST) e creatina quinase (CK) também estavam aumentadas. O aumento nos níveis de AST pode estar relacionado a danos no fígado, eritrócitos, músculo esquelético e músculo cardíaco, pois essa enzima é abundante nestes tecidos. O aumento da CK confere informações referentes ao tecido muscular, uma vez que sua principal função é fosforilar a creatina a custas do ATP, para conservar energia em ligações fosfatadas. Podemos sugerir um dano muscular recente, pois a CK estava muito elevada e a AST discretamente. Em decorrência de seu menor tamanho e de ser uma enzima citosólica, a CK passa a membrana celular quando o dano ainda não é muito extenso ou com um simples aumento de permeabilidade 4. A AST aumentou ainda mais e a CK entrou nos valores de referência, sugerindo a recuperação da lesão muscular 4. Possivelmente o decúbito prolongado ocasionou a elevação dos níveis da CK. A CK aparece elevada antes e reduz mais rapidamente quando comparada a AST, que demora mais a subir e permanece por mais tempo elevada; isso é um bom indicativo do estadiamento da lesão (conforme podemos visualizar no caso relatado). A CK aumentada com baixa AST indica lesão recente, níveis altos das duas indicam lesão continuada, enquanto níveis baixos de CK e altos de AST indicam processo de recuperação 5. As oscilações dos valores dessas enzimas neste caso mostrou o processo de lesão recente, e consequente recuperação do animal. No primeiro exame o cálcio estava baixo. Em contrapartida o fósforo estava muito elevado, o que é sugestivo de desordens nutricionais, pois a principal fonte de fósforo neste caso é a alimentação à base de milho. Após sete dias, foi realizado um novo exame, constatando que o cálcio aumentou e o fósforo baixou, readequação de valores que pode ser explicada pela alimentação e suplementação fornecidas durante o

Caso clínico 2013/2/07 página 4 período de tratamento. Dez dias de passaram e o cálcio teve seus níveis muito diminuídos, ativando o mecanismo hipocalcemiante. Em 26/8/2013, o Cálcio apresentou uma elevação significativa com relação ao exame anterior e a hipoalbuminemia persistiu. No último exame (12/09), após mais de 30 dias de tratamento, o cálcio e o fósforo entraram nos valores de referência. Enquanto que a albumina sofreu um aumento, estando com o valor próximo ao mínimo da referência. A hipocalcemia pode ser explicada por uma deficiência de origem nutricional. Como nas fezes do animal havia grãos de milho, podemos sugerir que a dieta do equino era à base de grãos de milho. Os grãos de cereais normalmente utilizados na nutrição de equinos, como o milho, se destacam por seu alto teor de fósforo e pobres em cálcio 6. O uso do milho em dietas não balanceadas pode desencadear distúrbios metabólicos pelo desequilíbrio na relação cálcio-fósforo (Ca:P). O Ca:P tem uma relação inversa no plasma, ou seja, quando o fósforo diminui, o cálcio aumenta e vice-versa 4. Disponibilizar uma quantidade insuficiente de cálcio pode ser agravada pela utilização de alimentos ricos em fósforo, como o milho, por desregular a relação Ca:P. Quando há uma deficiência de cálcio associada a um excesso de fósforo ocorre uma desordem endócrina que desencadeia um aumento na secreção de PTH. No entanto uma das consequências é a fragilidade óssea resultante do processo de desmineralização, o que não foi observado nesse caso pela precocidade do diagnóstico e mudança da alimentação. Durante a internação foi fornecido feno de alfafa ao paciente. A oferta de alfafa, mais 2 kg/dia, conta com o aporte adequado de cálcio que o equino necessita, fazendo com que os níveis de Ca e P entrassem nos padrões de referência. O excesso de amido contido nos grãos, como o milho, leva a uma produção de coliformes e clostrídios que produzem toxinas, essas toxinas causam danos no sistema circulatório e acabam por prejudicar a circulação nas extremidades resultando processos inflamatórios e danos aos tecidos. Esse quadro é característico de laminite e justifica as alterações no leucograma juntamente com o aumento do fibrinogênio 6. A laminite é uma doença degenerativa que causa inflamação e necrose das lâminas dérmicas e epidérmicas do casco 7. No dia 12/09/2013 foi realizado um exame radiográfico dos membros anteriores. Foi constatado uma separação das lâminas sensíveis e insensíveis do casco, em consequência da rotação da terceira falange, apresentando um desvio nos membro anterior direito de 5º e 7º no membro anterior esquerdo (Figura 1). Quando o animal começa a apresentar os primeiros sinais de claudicação, indicativo de dor, inicia-se a denominada fase aguda. Quando esta fase termina, inicia-se a fase crônica, 72 horas depois do inicio da fase anterior ou quando existe evidência radiográfica de separação laminar, o que nos indicou que a laminite que era aguda evoluiu para uma laminite crônica. São muitos os fatores responsáveis pelo desenvolvimento da laminite, dentre estes se destacam as disfunções gastrointestinais causadas tanto pela ingestão de quantidades excessivas de grãos como pelas alterações inflamatórias e morfofuncionais decorrentes de colite, duodeno-jejunite proximal, obstrução intestinal simples e estrangulativa. Alterações biomecânicas provocadas por traumatismos ou devidas a apoio unilateral dos membros também são incriminadas. Dietas pobres em proteína e cálcio estão associadas a fraco crescimento do casco e a cascos de má qualidade. Um feno ou alfafa estão recomendados como adjuvante do tratamento 1. Urinálise: Foi realizada no dia 26/08/2013 (exatos 30 dias após a internação) e apresentou presença de fosfato amorfo (sem quantificação), sugestivo de excreção do fósforo excedente no organismo. CONCLUSÕES Os achados do exame clínico, dos exames laboratoriais e radiográficos são compatíveis com um quadro de laminite aguda e desequilíbrio na relação cálcio/fósforo devido à alimentação inadequada. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1- PARKS, A.H. Chronic laminitis. In: ROBINSON, N. E. Current therapy in equine medicine. St. Louis (USA): Saunders, 2003. p. 520-528 2- POHLMAN, E. M. Basophils, Mast Cells, and Their Disorders. In: SCHALMS Veterinary Hematology. Barueri, São Paulo: Editora Manole, 2006. p. 296 3- TASAKA, A.C. Anti-inflamatórios Não Esteroidais. In: SPINOSA, H. S. Farmacologia aplicada à Medicina Veterinária. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. P.255, 256. 4- GONZÁLEZ F. H. D. e SILVA, S. C. Introdução à bioquímica clínica veterinária. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2006. p. 229 231. 318, 319. 333 335. 5- HELMUT, M. Alimentação de cavalos. São Paulo: Editora Varela, 1995. 6- RIBEIRO, A. M. L., Metabolismo dos nutrientes. In: Nutrição animal. Porto Alegre: Editora da UFRGS.

Caso clínico 2013/2/07 página 5 p.74 7- LINFORD, R. L. Medicina interna de grandes animais. Barueri, São Paulo: Editora Manole, 2006. p.1116-1124 FIGURAS Figura 1. Radiografia latero-medial da extremidade distal do membro torácico esquerdo. Separação das lâminas do casco e visuzalização da linha de radiopacidade, indicado pela seta. ( 2013 Gabriela Reiter)