ROTA JURÍDICA. Jéssica Policena Peres

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Transcrição:

ROTA JURÍDICA Jéssica Policena Peres Com o superendividamento dos consumidores, desemprego em alta e o contexto de crise econômica vivenciada pelo país nestes últimos anos, muitos consumidores enfrentam a dura realidade de ter que devolver os imóveis. Neste contexto, gostaríamos de fazer uma matéria para mostrar como funcionam essas devoluções. Seguem as perguntas: 1 - Segundo estudo realizado pela Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias), somente em 2016, o total de distratos foi de 37.702 unidades. Quais são as previsões jurídicas nestes casos? O distrato é regulamentado? Em quais situações podem ocorrer o distrato? Conceitualmente, o distrato contratual, seja ele de imóveis adquiridos na planta ou de terceiros, é definido como o ato que encerra uma relação jurídica estabelecida entre as partes comprador e vendedor. Assim, quando uma destas partes pretende extinguir o vínculo criado por um contrato, a mesma deverá notificar a parte contrária e elaborar um distrato contratual que encerrará a compra e venda firmada. Inexiste uma regulamentação específica sobre o distrato e, por este prisma, inicialmente, o consumidor deverá verificar em seu contrato de compra e venda se há cláusula contemplando a forma com que o pedido de distrato deverá ser formulado e as condições para tal. A minha avaliação é que caberá distrato quando o comprador não possuir mais condições de arcar com o empreendimento ou se não pretender mais sua aquisição antes do período de entrega das chaves. Após a entrega das chaves e se houver financiamento, as regras para distrato são individuais de cada caso e deverão ser analisadas com auxílio de um profissional.

2 Ocorrendo o distrato, seja por culpa do comprador ou vendedor, como deve ser feito o procedimento? Existe previsão de multa, por exemplo? Há uma legislação específica para isso? O amparo que se busca na legislação para delimitar o tema específico há de vir da Lei 4.591/64, que trata especificamente dos instrumentos de promessa de compra e venda e dos contratos de incorporação, que haveriam de ser também regulados pelo próprio Código de Defesa do Consumidor. Ocorre que, como já dito no questionamento anterior, a questão do distrato não encontra delimitação específica, o que revela com clareza a insegurança jurídica que a envolve. Os tribunais tem se debruçado a interpretar de acordo também com os princípios insculpidos no próprio CDC. 3 O grande número de distratos tem levado o setor imobiliário a pedir a elaboração de uma medida provisória, pretendendo impor regra que autorize a retenção de até 80% dos valores pagos pelos adquirentes. Qual a sua opinião sobre isso? Não seria prejudicial ao consumidor, por exemplo? Embora reconheça a necessidade premente de uma regulamentação eficaz, que traga transparência inclusive à questão ora posta, do ponto de vista legislativo vislumbro que a eventual edição de medida provisória, embora mais ágil e com efeitos imediatos, estaria revestida de uma relativa fragilidade. A tramitação regular de um projeto no Congresso Nacional seguramente traria mais legitimidade e segurança jurídica. Neste contexto, meu posicionamento pessoal é de que adaptações podem ser implementadas, mas sem o radicalismo que se ora observa intentado, sob pena de se verem nascer afrontas ao CDC e a preceitos constitucionais. Contudo, é de ciência irrestrita que recentemente, o ministro do Planejamento, Dyogo de Oliveira, disse que o governo busca "regra equilibrada" para lidar com a questão dos distratos de contratos de financiamento imobiliário. Ao que nos consta a discussão não está ainda concluída, mas o tema tem sido discutido internamente no

governo, que intenta ter uma regra que seja equilibrada entre os consumidores que querem realizar o distrato e o consumidor que quer ficar com o imóvel. É também fato que a regulamentação do distrato é considerada uma medida macroeconômica que pode ajudar a impulsionar o setor de construção civil. A falta de regras claras leva empresas e consumidores a disputa judiciais que, na visão das empresas, elevam a insegurança no setor e, por consequência, os custos para os imóveis. O que se observa da discussão é que os representantes da construção civil alegam que devolver com base no valor pago pode levar a prejuízo na operação, visto que alguns custos que consideram todo o valor do imóvel - a corretagem, por exemplo - são pagos integralmente no momento da venda. O grande receio das construtoras é de que a nova regra estimule a saída de compradores que querem especular i isso possa encarecer os financiamentos para a construção. Mas, o outro lado da moeda precisa ser preservado. É indispensável colocar na balança o fato de que a crise econômica não atinge apenas as empresas, mas especialmente os consumidores. Não se pode pretender transferir a eles, cuja situação financeira já chegou ao ponto de devolver o imóvel, todo o risco do negócio e os ônus correspondentes. 4 Em caso de situações levadas à Justiça, qual tem sido o entendimento do Judiciário? Atualmente, há apenas jurisprudências e súmulas que consolidaram a avaliação de que é abusiva e ilegal a retenção integral ou a devolução ínfima das parcelas pagas pelo comprador pelo imóvel adquirido na planta. Esse ponto foi ratificado em 2013 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Nesta análise da eventual inovação na legislação analiso com a ressalva de que uma lei nova não poderá retroagir aos contratos anteriores, sendo válida, apenas, a partir do início de sua vigência.

5 Qual a orientação que você dá ao consumidor que passar por dificuldades financeiras ou não teve seu imóvel entregue por algum outro motivo? Ninguém é obrigado a manter um contrato que não tenha mais interesse ou que tenha se tornado um peso no orçamento. Um apontamento inicial é que tente focar antes de tudo em fazer uma simulação de financiamento antes de comprar o imóvel na planta, fator que ajuda a evitar situações de ter que desistir do sonho da casa própria. É importante saber que, mesmo estando inadimplente, é possível pedir o distrato, que deve ser formalizado por escrito. Porém, antes da desistir, você precisa ter em mente que a decisão pelo distrato envolve, necessariamente, a perda de parte dos valores investidos e, portanto, deve ser pensada com cautela. Quando você dá causa à quebra do contrato, por exemplo, é razoável que a empresa cobre uma multa, que muitas vezes se dá por meio da retenção parcial das quantias pagas. Já quando o cancelamento se dá por culpa da construtora, no caso de atraso na entrega do imóvel, por exemplo, a devolução do valor deve ser de 100% e com atualização monetária. O distrato para extinguir as obrigações estabelecidas em um contrato anterior deve ser solicitado até a entrega das chaves. Após isso, o comprador toma posse do imóvel e não é mais possível devolver o bem à construtora. Ainda, é importante ter atenção para o valor da multa imposta. Previsões contratuais que impossibilitem o reembolso do consumidor configuram cláusulas abusivas, conforme disposto no artigo 51, II, do Código de Defesa do Consumidor. A retenção de valores deve ser parcial e a desistência do consumidor não pode dar causa a um desequilíbrio contratual. Tenha atenção às condições para a restituição de valores pagos e como a empresa cobra taxas no financiamento, como as de corretagem, por exemplo. Diversos contratos preveem a retenção da maior parte das taxas, como forma de multa. No entanto, estas taxas devem estar diluídas ao longo de todo o contrato e não

alocadas apenas nas primeiras parcelas, como forma de prender o consumidor à obrigação contratual. O conselho que reitero sempre é que, quando for adquirir um imóvel na planta, analise muito bem o contrato ou procure um advogado para lhe informar quais os seus riscos na eventualidade de rescindi-lo. Ter ciência de que, ao contratar a compra de um imóvel novo (na planta) corre o risco de ter perdas financeiras caso desista do negócio 5 Fique à vontade para outras considerações. O aumento dos distratos tem prejudicado os investimentos no setor, isso afeta emprego, produção imobiliária e o próprio comprador no final. Segurança jurídica e transparência são bandeiras que precisam nortear esta discussão. É realmente indispensável a urgente criação de regras complementares que deixem a relação entre as partes mais clara, havendo a necessidade de uma diferenciação de distratos por motivos pessoais e por motivos de descumprimento de contrato pelas construtoras.