Shauane Itainhara Freire Nunes. Universidade Federal de Sergipe. INTRODUÇÃO

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Transcrição:

A mediação natureza/sociedade sob a dimensão dos pressupostos teóricos luckacsianos da ontologia do trabalho: do caráter social do ser ao processo de reificação Shauane Itainhara Freire Nunes Universidade Federal de Sergipe shauanecaju@yahoo.com.br INTRODUÇÃO A relação sociedade/natureza se estabelece a partir do trabalho enquanto mediação que transforma o homem em ser social. É o trabalho que desenvolve a práxis humana, a partir da necessidade que se dá do existir. O homem enquanto ser biológico que em seu sóciometabolismo com a natureza, na luta pela existência, rompe com o desenvolvimento natural e passa a construir mediações na inter-relação com a natureza de caráter social. É nesse sentido que Lukács aponta para os princípios fundamentais do trabalho enquanto categoria ontológica necessária para compreender o caráter social do ser e de suas relações, já que o intercâmbio com a natureza é uma necessidade natural eterna. Compreender o caráter ontológico do ser social nos permite apontar para uma discussão que se faz importante nesse artigo como contribuição a uma discussão inicial de tese, que se dá no processo de alienação e reificação onde as relações entre os homens passam a se dar como relação entre coisas. Marx em o Capital aponta o duplo caráter do trabalho sob o capitalismo, trabalho que produz valor de uso ao mesmo tempo em que produz valor de troca e que se materializa na forma de mercadoria, que se torna um fetiche à medida que passa a determinar a forma de ser das relações sociais, produzida a partir de um modo de produção que torna o próprio trabalho mercadoria e, portanto alienado.

Enquanto trabalho alienado, o que se tem é uma relação fetichizada do ser que exerce trabalho com o resultado do seu próprio trabalho, o que vai garantir a reprodução do capital a partir do mais valor que é criado na exploração do trabalho apropriado por quem detêm os meios de produção e o poder de se apropriar também do trabalho enquanto mercadoria. Diante do exposto é que se torna necessário desvendar nas relações de trabalho postas diante das mediações do capital, os pressupostos teóricos que Lukács aponta em sua obra. Já que enquanto o trabalho produtor de mercadorias determinar o caráter social das relações, essas continuarão sendo reificadas, onde o caráter ontológico do ser em seu sóciometabolismo com a natureza em vez de determinar possibilidades de construção de sua própria condição de ser social, dissolvese em relações coisificadas. A MEDIAÇÃO SOCIEDADE/NATUREZA A PARTIR DA ONTOLOGIA DO TRABALHO Para Lukács (2013) é no trabalho que se dá a história, o trabalho como modelo da práxis social, do viver socialmente, já que é o trabalho que tem como essência ontológica o caráter de transição na relação homem/natureza, que passa a sociedade/natureza á medida que na luta por existência: O trabalho realiza materialmente a relação radicalmente nova do metabolismo com a natureza, ao passo que as outras formas mais complexas da práxis social, na sua grandíssima maioria, tem como pressuposto insuperável esse metabolismo com a natureza, esse fundamento da reprodução do homem na sociedade. (Lukács, 2013, p.93). É o que Lukács (2013) vai afirmar como lugar privilegiado do trabalho já que na socialidade do ser outras categorias já teriam um caráter puramente social, enquanto o trabalho é a condição de existência do homem. Trabalho que na necessidade do existir

vai mediar à produção de valores de uso a partir do sóciometabolismo com a natureza, que leva a uma mudança qualitativa e estrutural do ser. Para o autor, é através do salto entendido como processo de transição possível através do trabalho, que se rompe com a condição apenas biológica do ser. O trabalho materializado évalor de uso, sendo o determinante na mudança qualitativa do ser, já que na relação com a natureza o ser que trabalha exerce essa atividade orientada a um objetivo, no final do processo de trabalho, chega- se a um resultado que já estava presente na representação do trabalhador no início do processo, portanto, um resultado que já existia idealmente" (Marx, 2013, p. 256).Para Marx (2013) o que esse novo ser dotado da capacidade de exercer trabalho vai fazer é se apropriar de uma forma útil da natureza agindo sobre suas potencialidades, de forma que ao modificar a natureza também modifica a sua própria natureza que é justamente onde está posta a ontologia do trabalho, a condição do ser social. A capacidade de exercer trabalho orientado a um fim é o que Lukács (2013) analisa como pôr teleológico, que precede o trabalho em si e que, por conseguinte só se realiza enquanto materialidade do trabalho, sendo a capacidade de planejar na mente a ação. O pôr que nasce da necessidade do próprio ser social e que necessita do conhecimento da natureza, da própria relação homem/natureza para que ele se realize. Nesse processo de conhecimento da natureza, Lukács nos propõe a categoria da causalidade, que seria justamente as potencialidades dessa natureza, é a partir delas que a teleologia se apresenta como categoria posta ou o pôr do fim, já que a forma como o pôr teleológico se materializa depende da relação estabelecida- sociedade/natureza- quepossibilita estabelecer novas funções a natureza como resultado do produto do trabalho, sendo assim: Por mais relevantes que sejam os efeitos transformadores do pôr teleológico das causalidades no processo de trabalho, a barreira natural só pode retroceder, jamais desaparecer inteiramente; e isso é válido tanto para o machado de pedra quanto para o reator atômico. (Lukács,

2013 p.73). De maneira que para Lukács (2013), na reprodução do ser social, apesar das mediações possíveis que possam existir na relação homem/natureza há umairreversibilidade do caráter histórico do ser social com base na ontologia do trabalho já que não há ser social sem natureza. No processo de construir mediações na relação sociedade/natureza, há alternativas postas a partir do trabalho para satisfazer as necessidades do ser social, o caminho que se segue é definido pelo ser social, não pelo sujeito fora de uma socialidade. O trabalho ao se tornar social, torna social também as alternativas e nesse sentido os pores teleológicos, já que esses passam a ser induzidos socialmente. Em um primeiro momento o pôr teleológico se define a partir de uma atividade que se dá entre o ser que trabalha e a natureza, Lukács vai nos mostrar que o que se segue é que o pôr será um fim posto por outros homens já que: O pôr do fim já não visa a transformar diretamente um objeto natural, mas, em vez disso, a fazer surgir um pôr teleológico que já está, porém, orientado a objetos naturais; da mesma maneira, os meios já não são intervenções imediatas sobre objetos naturais, mas pretendem provocar essas intervenções por parte de outros homens. (Lukács, 2013, p. 84). Sendo o pôr do fim em dado momento do desenvolvimento social, determinado por uma socialidade já posta, o modo de exercer trabalho pode passar a ser determinado por outros fins que não o da condição humana.ou seja, a alternativas induzidas por determinados interesses já objetivados na forma como determinada sociedade se relaciona com a natureza, nesse sentido, as escolhas, a própria condição do ser social que se segue é determinada por uma socialidade anterior.se o determinante for à produção de mercadorias, estando à natureza e os meios de produção apropriados por determinada parte da sociedade, a ontologia do ser social continua posta, mas muito distante da consciência do ser que está envolvido cada vez mais em relações de caráter social que tem como fim não a reprodução do ser social em sua condição humana.

De maneira que para Lukács (2013), o homem sai do mundo animal no momento em que há uma dualidade do ser e o seu espelhamento na consciência, já que ao estabelecer o pôr no processo de trabalho, há o processo na consciência e o processo em si que se materializa. Sendo espelhamento e não o próprio ser é a partir desse espelhamento que se dá novas objetividades do ser social, novas possibilidades e alternativas que fazem parte do ato da consciência enquanto parte do processo do pôr do fim. Ainda para Lukács o espelhamento é a condição para que surja a relação sujeito- objeto, já que é nesse momento que o ser consegue se distanciar da realidade através do conceito da realidade e da linguagem que expressa esses conceitos formados nessa relação sujeitoobjeto de forma que: É obviamente indiscutível que, tendo a linguagem e o pensamento conceitual surgido para as necessidades do trabalho, seu desenvolvimento se apresenta como uma ininterrupta e ineliminável ação recíproca, e o fato de que o trabalho continue a ser o momento predominante não só não suprime a permanência dessas interações, mas, ao contrário, as reforça e as intensifica. (Lukács, 2013, p. 85). A linguagem e o pensamento conceitual dessa forma estão ligados à forma de ser do ser social, ou seja, a relação estabelecida a partir do trabalho com a natureza, se essa relação do ser dar-se a partir de um desenvolvimento desigual, o pôr teleológico, o espelhamento da realidade, se dará a partir de uma práxis caracterizada a partir do desenvolvimento posto, o modo de produzir, a relação sociedade/natureza em que se encontra o próprio ser- o trabalho. Nessa perspectiva é que Lukács chama atenção para o deve- ser que a práxis determina, onde somente um espelhamento correto da realidade levaria a um deve- ser correto a partir do processo de trabalho, A essência ontológica do deve- ser no trabalho dirige- se, certamente, ao sujeito que trabalha e determina não apenas seu comportamento no trabalho, mas também seu comportamento em relação a si mesmo enquanto sujeito

do processo de trabalho. (Lukács, 2013, p. 104). O modo de produção e dessa maneira o modo como se estrutura o trabalho determina à práxis do ser social.de maneira que as mediações que levam a uma práxis econômica determinada por um desenvolvimento desigual determinam também uma socialidade que para Lukács ultrapassa a condição de cada homem singular, dessa forma o deve- ser social se perde da essência ontológica do ser social que é a garantia da condição humana. Estando os pores teleológicos cada vez mais sociais, e determinados por uma práxis, onde o trabalho se apresenta como produtor de mercadorias, as finalidades postas na consciência levam as relações sociais a se estabelecerem de forma que o social se distancia da essência ontológica do trabalho. Se a produção de mercadoria se torna predominante na práxis social, o que temos a seguir é um processo de reificação onde o ser se perde de sua essência,à medida que sua própria força de trabalho é mercadoria que ao relacionar- se com o outro ser que também é mercadoria, se tem uma relação coisificada. Por isso que para Lukács (2013) o conceito de liberdade real se dá no trabalho a partir de sua essência ontologicamente posta, sendo o trabalho o modelo da práxis social, e da liberdade Se o homem não tivesse criado a si mesmo, no trabalho, como ente genérico social, se a liberdade não fosse fruto da sua atividade, do seu autocontrole sobre a sua própria constituição orgânica, não poderia haver nenhuma liberdade real. (Pág. 156). Sendo o trabalho o modelo da práxis social e da própria liberdade, e estando esse trabalho apropriado por um modo de produção onde a mercadoria é centro de uma relação social- capital- que se dá a partir de uma incontrabilidade necessária a sua própria reprodução, é preciso analisar até que ponto a essência ontológica do trabalho permanece como possibilidade de um resgate da essência do trabalho como condição humana que rompe com a coisificação que o processo de alienação remete ao desenvolvimento social, já que sendo o homem um ser social não se pode negar sua essência ontológica, nem seu caráter social e as mediações constituídas por ser esse um ser social.

O SER SOCIAL E O PROCESSO DE REIFICAÇÃO A igualdade dos trabalhos humanos assume a forma material da igual objetividade de valor dos produtos do trabalho; a medida do dispêndio de força humana de trabalho por meio de sua duração assume a forma da grandeza do valor dos produtos do trabalho; finalmente, as relações entre os produtores, nas quais se efetivam aquelas determinações sociais de seu trabalho, assumem a forma de uma relação social entre os produtos do trabalho. (Marx, 2013, p.147) O trabalho ao mesmo tempo em que media a relação homem/natureza a partir da necessidade de produzir valores de uso, também possibilita a produção de valores de troca à medida que o modo de produzir permite a produção em uma quantidade maior do que o necessário para subsistir. Ao falarmos de modo de produzir, estamos falando do produzir socialmente, onde a divisão do trabalho ou a incorporação de mediações técnicas são base para uma socialidade onde o valor de troca se estabeleça como o valor que media as relações sociais. No entanto para estabelecer valor de troca, é preciso estabelecer o tempo socialmente necessário de produção, baseado claro na própria produção já existente. O trabalho é condição para a criação dos valores de uso, o que se faz necessário em qualquer sociedade, de maneira que o valor de uso é justamente o resultado da mediação que o trabalho exerce na relação homem/natureza, aumentar a produtividade do trabalho não muda o valor do produto em si, mas ao aumentar a quantidade do que se produz, e tendo mais valores de uso, se tem a condição do valor de troca. Ao estabelecer a partir do valor de uso o valor de troca, tendo a mercadoria como

finalidade do produzir, se faz necessário que o trabalho esteja guiado para esse fim, à medida que a própria força de trabalho se torna mercadoria no processo de trabalho. Para se tornar mercadoria Marx (2013) vai afirmar que é preciso haver a troca, apesar do capital não ter origem na circulação sem a circulação tão pouco não há capital, e a força de trabalho passa a ter valor de troca, portanto mercadoria: Por força de trabalho ou capacidade de trabalho entendemos o complexo das capacidades físicas e mentais que existem na corporeidade, na personalidade viva de um homem e que ele põe em movimento sempre que produz valores de uso de qualquer tipo (Marx, 2013, p. 242). Para Marx (2013), a definição de força de trabalho se dá enquanto corporeidade capaz de produzir valores de uso, para que essa se torne mercadoria é necessário que o sujeito que trabalha venda sua própria força de trabalho em vez de mercadorias em que seu trabalho esteja objetivado. À condição de não ter meios de produção, é que dispõe a força de trabalho enquanto mercadoria, com valor de troca. Ao se consumir força de trabalho, se dá a produção da mercadoria e do mais valor, ao possuidor apenas da sua força de trabalho, resta ser mercadoria e produzir mercadoria, de modo que essa relação não se reduz a necessidade de se reproduzir enquanto ser biológico, mas enquanto ser social, os pores da vida passa a ser determinado por essa relação de venda e consumo da mercadoria. Ao realizar o valor de troca de sua força de trabalho, o trabalhador aliena seu valor de uso, já que o resultado do seu trabalho produz valor de uso incorporado na mercadoria que não lhe pertence, já não é o produto do seu trabalho e sim algo que pertence ao comprador da sua força de trabalho. Sendo a mercadoria produzida pelo trabalho, teriam os homens autodomínio sobre o que se produz no processo de trabalho, porém, o que está posto é a mercadoria permear as relações de maneira que, estas se tornem relações entre mercadorias, já que o ser que exerce trabalho passar a ser mercadoria enquanto força de trabalho. Para manter o ciclo do capital é necessário que o mesmo se expanda e se reproduza enquanto relação que

estabelece valor de troca entre coisas- mercadoria. Nesse sentido o processo de reificação define as relações sociais, ao modo que o próprio homem se torna coisa, com valor de troca, com valor medido em mercadorias, onde a humanidade posta a partir da ontologia do ser social, passar a ser cada vez mais mediada por uma relação socialcapital/trabalho- onde a relação sociedade/natureza ontologicamente posta é condição indissolúvel, mas mediada por uma socialidade coisificada. É nesse sentido que para Marcuse (1978), o trabalho na sociedade moderna constitui a alienação total do homem, já que o modo de produzir se dá a partir de leis capitalistas onde a mercadoria é que define o fim da atividade humana, que é o que Lukács vai analisar como pôr do fim. Marcuse traz para a reflexão o processo de alienação colocado na relação do trabalhador com seu próprio trabalho e, por conseguinte o produto do seu trabalho, já que quanto mais mercadorias ele produz, mais barato enquanto mercadoria ele próprio se torna. Empobrece a partir do seu próprio trabalho, já que a função do processo de trabalho passa pela produção de mercadoria e do lucro. Marcuse (1978) analisa o trabalho alienado a partir da leitura de Marx, portanto a divisão do trabalho como característica da sociedade de classes que aliena o trabalhador ao impedir que ele tenha consciência real do produto do seu trabalho: O trabalho separado do seu objeto é, em última análise, uma alienação do homem pelo homem ; os indivíduos são isolados uns dos outros e atirados uns contra os outros. Eles estão mais ligados pelas mercadorias que trocam do que por suas pessoas. Ao alienar-se de sim mesmo o homem se afasta dos seus semelhantes. (pág.257) Ao ligar-se pela mercadoria a relação humana perde- se, é a mercadoria que passa a definir as relações objetivas, é ai que para Marcuse está apontado o processo de reificação, onde na sociedade capitalista as relações sociais tornam-se antes relação entre coisas. Para o autor a verdadeira história só se dará com indivíduos livres, não moldados pela produção de mercadoria que contradiz a sua essência- para Lukács a essência ontológica- se faz necessário então abolir o trabalho em sua organização

negativa, a do capital, do capitalismo. Já Mészáros (2006) ao tratar da liberdade humana em Marx, vai afirmar que a liberdade não significa a negação do que há de natural no homem já que a condição do homem sendo parte da natureza é trabalhar para garantir sua condição humana desta forma também a própria realização da liberdade humana. Ao mesmo tempo chama atenção para a negação das mudanças sociais, quando se prática ou teoricamente se recorre à sujeição a uma naturalidade crua, sendo essa também em dada medida alienação de forma que: A sociedade é a segunda natureza do homem, no sentido de que as necessidades naturais originais são transformadas por ela e, ao mesmo tempo, integradas numa rede muito mais ampla de necessidades, que são, no conjunto, o produto do homem socialmente ativo. (pág.160). Sendo o homem socialmente ativo, o que Mészáros (2006) destaca a partir do conceito de alienação em Marx é que reconhecer a necessidade da condição humana posta a partir do sóciometabolismo com a natureza, não significa um retorno à condição primitiva, já que a condição humana se dá enquanto ser social, romper com o processo de alienação significaria uma atividade humana autoconsciente. Nesse sentido não podendo considerar o processo de alienação como uma totalidade homogênea, já que se há uma consciência de ser alienado, mesmo estando sobre o processo de alienação, não há então uma totalidade alienada. Há uma consciência prática que mesmo sendo parte da alienação, toma autoconsciência desta, que é o que distingue para Mészáros o homem do animal. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ontologia de Lukács nos permite compreender a essência do ser social, já que o trabalho como resultado da luta por existência na relação homem/natureza passa a ser como o próprio autor afirma, o modelo de toda a práxis social mesmo estando sob mediações cada vez mais sociais e complexas a partir da leitura lukacsiana. Marx nesse sentido em o Capital vai analisar essas mediações a partir do processo de produção do capital, o valor de uso posto na relação ontológica que Lukács vai analisar posteriormente, e o valor de troca que através da mercadoria se torna o modelo da práxis social tornando o próprio trabalho mercadoria. Nesse sentido se faz necessário compreender até que ponto a essência ontológica está posta sob uma socialidade que se faz a partir das necessidades de reprodução do capital e não do ser social. Marx, Marcuse, Lukács e Mészáros nos apontam alguns caminhos ao analisarem o processo de alienação e reificação, de maneira que aponta para uma liberdade humana que só se dará no processo de trabalho, o trabalho enquanto autodomínio dos pores teleológicos, essência essa construída a partir do trabalho que media a condição humana enquanto ser social. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS LUKÁCS, Gyory, 1885-1971. Para uma ontologia do ser social, 2. Tradução Nélio Schneider, Ivo Tonet, Ronaldo Vielmi Fontes. 1 ed. São Paulo: Boitempo, 2013. MARCUSE, H. Razão e Revolução: Hegel e o advento da teoria social. Tradução de Marília Barroso. Rio de Janeiro: Saga, 1969. MARX, Karl, 1818-1883. O capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção do capital. Tradução de Rubens Enderle. 1 ed. São Paulo, Boitempo: 2013. MÉSZÁROS, István. A teoria da alienação em Marx. Tradução Isa Tavares. 1 ed. São Paulo, Boitempo: 2006.