CONSERVATÓRIO DE MÚSICA: A IDÉIA DE EDUCAÇÃO MUSICAL DA ELITE IMPERIAL NO BRASIL 1



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CONSERVATÓRIO DE MÚSICA: A IDÉIA DE EDUCAÇÃO MUSICAL DA ELITE IMPERIAL NO BRASIL 1 JANAINA GIROTTO DA SILVA 2 - PPG-UFRJ VERDADE A porta da verdade estava aberta, mas só deixava passar meia pessoa de cada vez(...) Carlos Drummond de Andrade Procurando compreender as relações da criação do Conservatório de Música (os músicos que dirigiam esta instituição) com a elite política imperial brasileira, é que propomos em principio, uma analise da idéia de educação musical que foi organizada na corte do Rio de Janeiro. Considerando que o Conservatório de Música foi organizado seguindo padrões elitistas e enquanto uma realização de um grupo social condutor da política nacional, elegemos para esse momento, analisar a concepção de educação musical que perpassa as camadas abastadas dirigentes no século XIX. Para tanto, temos como fonte privilegiada os relatórios dos ministros do império, a começar em 1833, ano em que o então ministro Antônio Pinto Chichorro da Gama, diz: (...) convem crear neste Estabelecimento huma Aula de Musica, onde o talento dos Brasileiros, tão propensos ás Bellas-Artes, possa n este ramo desenvolver-se, e aperfeiçoar-se. 3 O ministro Chichorro, refere-se por Estabelecimento à Academia Imperial de Bellas-Artes. Neste documento é possível verificar que a primeira idéia foi criar uma escola de música dentro da AIBA Academia Imperial de Belas Artes, e não uma instituição independente, mostrando que não se separava música das belas-artes, sendo 1

tratada em boa parte da documentação, tanto oficial como informal, como um conjunto, respeitadas as devidas especificidades de cada área. Educação musical, no sentido em que estamos trabalhando, quer dizer musicalizar, e não apenas ensinar através da música, mas para além da utilização da música por parte da política, vemos emergir projetos para a institucionalização do ensino musical. Em primeiro lugar, nos chama a atenção nessas breves considerações, a data em que vemos surgir no âmbito do Estado, a proposta de criação de um estabelecimento para a aula de música. Muito cedo surgiu a proposta de criar uma escola profissionalizante de música. Em segundo lugar a disposição da elite imperial de criar tal estabelecimento observando as condições sociais do país. Por último, entender como esse projeto estava inserido na construção do imaginário monárquico, identificado com o modo pelo qual a elite pensava a construção da nação e identidade nacional. O Período Regencial é um velho conhecido dos historiadores por suas crises institucionais e sociais, época seguida à abdicação do imperador, em que muitas questões de ordem aparentemente mais urgentes compunham a preocupação do governo. Porém, como destaca Marco Morel, 4 para além da imagem de anarquia e desordem, este período pode ser visto como um grande laboratório de formulações e de práticas políticas e sociais, como ocorreu em poucos momentos da história do Brasil. Concordamos com Morel, por verificarmos o surgimento das mais variadas propostas e preocupações tanto por parte do governo quanto por parte da sociedade em geral, são questões que nos aparecem hoje, como a educação musical. Um dos elementos importantes que compunha a preocupação da elite, foi sem dúvida, a questão da instrução e educação, e dentro desse vasto campo, encontra-se a educação artística e musical. 2

O trabalho de Alessandra Frota Martinez 5 sobre instrução e educação pública primaria, nos mostrou como os dirigentes imperiais preocupam-se com a formação básica da população, em especial a da corte. A autora revela que o sentido de instruir era antes de tudo, dar educação ao individuo, desenvolver seus princípios morais e religiosos, para com isso incentivar o progresso e o bem estar do individuo, fortalecendo seu caráter e tornando-os responsáveis por si mesmos. 6 O que essas idéias revelam, e o que é ressaltado pela autora, que se tratava para o Estado de uma questão de defesa pessoal, é a manutenção da ordem pública. E o ensino da música pode ser considerado dessa forma, como um dos elementos que buscavam alternativas para a solução para a manutenção de uma ordem social que se tornava mais complexa e múltipla, agindo como um elemento unificador da cultura civilizadora. Essas discussões mostram uma outra reorientação na organização social da música e do musico que até a segunda metade do século XIX, quando há a consolidação institucional da escola de música, tem suas atividades musicais e seu ensino voltado essencialmente para funções religiosas, isso quer dizer que se fazia música para o oficio religiosos e mais, a formação técnico-musical estava ao encargo dos jesuítas, mestres de solfa em seminários, mestres de capela nas matrizes e catedrais, e professores particulares. 7 Em Minas Gerais durante o século XVIII, por exemplo, os aprendizes participavam de agrupamentos musicais, acompanhando seus respectivos mestres já nos ofícios e funções musicais, lembrando em boa medida as corporações de ofícios da Europa, mas ressaltando que não se tratava dessa típica organização européia. A noção de Conservatório de Música, como a conhecemos hoje e que foi implementada no Brasil em meados do século XIX, nasceu na Europa, especificamente na França, servindo de modelo direto para a implementação em nosso país. 3

O Conservatório de Música foi criado por decreto imperial em 27 de novembro de 1841, e passou a funcionar efetivamente apenas em 1848. Apesar da distância entre criação e funcionamento, o Brasil teve um dos primeiros conservatórios da América, e não muito distante também da data de criação de muitas escolas musicais no resto do mundo. A França teve dois modelos fundamentais, o primeiro é a École Royale de Chant criada em 1783, e a École pour la Musique de la Garde Nationale em 1792, que mais tarde se tornaria o Institut National de Musique, que segundo Antônio Ângelo Vasconcelos, foi a primeira instituição moderna organizada em bases nacionais, livre de dinheiro oriundo de fundos de caridade, com uma estrutura inteiramente secular. 8 Outras escolas de música na Europa, também surgiram em períodos não muitos distantes dessas datas, na Alemanha em 1771, na Inglaterra também existiram dois modelos distintos, uma criada em 1762 e a outra em 1774, porém com o padrão de ensino que foi adotado no Brasil demoraria a chegar à Inglaterra, devido à cisão entre duas propostas. 9 Outros foram criados ou reorganizados no século XIX, como o conservatório de Bruxelas em 1832, Florença em 1861, Turim em 1867, Berlin em 1882, Leipzig em 1843 (fundada por Felix Mendelssonh) o de Munique, reorganizado em 1867 e o de Lisboa criado em 1835 por D. Maria. Os conservatórios da Itália e Portugal tiveram um contato direto como o do Brasil, sendo matrizes importantes, o primeiro por fazer predominar sua música-estética e o segundo por legar importante herança cultural, sobretudo no âmbito religioso. Com isso, o entrelaçamento de duas culturas que aqui se somaram formou um ambiente musical singular e o processo de alargamento do mundo profano foi misturandose até chegar às práticas religiosas. Antônio Augusto em um estudo sobre Música e Identidade Nacional, busca conhecer o papel da música no processo de formação da noção de nação no Brasil. Neste trabalho, mostra que o Estado aparece como um 4

regulamentador das atividades musicais, mas também ressalta entrada do profano, como árias das óperas, nas cerimônias da Capella Imperial. 10 A chegada de novas idéias sobre música e ensino no Brasil foi facilitada pelo intenso fluxo de viajantes estrangeiros no país. Fato é que, no inicio do século XIX, a cidade do Rio de Janeiro transformou-se e começou a vivenciar novas formas de sociabilidades, influenciadas também pela presença de inúmeros estrangeiros, os quais apenas no setor da música, marcam presença como professores, afinadores, estabelecimentos comerciais, instituições e, sobretudo os teatros. 11 O próprio desenvolvimento urbano propicia que as atividades musicais intensifiquem-se e a grande circulação de informações possibilitada com a incrementação da imprensa fornece o novo rumo que a sociedade brasileira, sobretudo a elite política desejava dar a sua cidade. As atividades ligadas ao setor da música crescem, tornandose elaboradas, fazendo com que as tipografias preocupem-se com a edição de obras musicais para consumo de profissionais e amadores. Em tempos de papéis incendiários que tomavam conta do espaço público para difundir opiniões políticas liberais, também a cultura musical encontrava seu espaço de difusão. A critica musical intensifica-se, mas esse espaço que na Europa é ocupado pelo músico, aqui na cidade do Rio de Janeiro foram feitas por escritores como Martins Pena e Machado de Assis nos jornais da cidade, que segundo Luiz Antônio Giron 12, caracterizase por seu diletantismo, superficialidade e frivolidade. Apesar disto, no final do século encontramos alguns músicos começando a encontrar espaço para comentar os concertos que estavam acontecendo na cidade, como é o caso da Revista Musical e de Bellas-Artes publicado por Leopoldo Miquéz e Arthur Napoleão. É importante ressaltar que Miquéz com a proclamação da república torna-se o novo diretor do antigo Conservatório de Música, renomeado na mudança de regime para Instituto Nacional de Música. 5

A corte passa a ser o centro irradiador e atrativo de uma cultura, inspirada também no modelo francês de sociabilidade, onde se constroem a arte da etiqueta e da civilidade. O segmento social abastado adotou então, novas normas de comportamento, modificando assim, a conduta cotidiana. Passou-se a vivenciar, tanto nas esferas privada como na pública, hábitos que passaram a sustentar novos modelos de pensar e agir, criando uma nova lógica para as relações sociais. 13 A criação de um conservatório de música tornava possível atender aos novos tempos de renovação musical que surgiram no Brasil, espelhando reformulações que a elite intelectual brasileira estava vivendo perante as novas propostas de civilização promovidas assim por seus agentes. Houve, portanto uma racionalização e uma burocratização do Estado pelo poder público, implementando ações que visam criar um mecenato oficial para auxiliar na elaboração de símbolos nacionais e afirmação de uma identidade pátria. Com iniciativas como a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e Arquivo Público do Império em 1838, a fundação do Museu Nacional em 1818 e da Academia Imperial de Bellas-Artes em 1826, podemos perceber o movimento que estatizou também instituições de caráter eminentemente cultural, artísticas e científicas. 14 Porém, somente a partir do reinado de D. Pedro II ocorre a sistematização da intervenção do Estado, que mantinha em seus quadros artistas e escritores, além de membros do IHGB ligados diretamente à administração pública. E esse tipo de participação não se configurava apenas como instrumento de aparência, mas pela efetiva presença dos ministros do império nas reuniões do Conservatório de Música. 15 Um caso bem conhecido foi o de Manoel Araújo Porto Alegre, o mais conhecido diretor da Academia Imperial de Bellas-Artes, importante figura no meio artístico na corte, foi também o representante diplomático do Brasil na Prússia. Antes de seu embarque 6

para o exterior recebeu de Francisco Manoel da Silva 16, uma carta de agradecimento por sua ajuda à arte nacional e especificamente ao desenvolvimento da arte da música. 17 É importante perceber também, que a ação individual constitui relevante papel para o funcionamento da lógica paternalista que permeia as relações políticas no Brasil. E mesmo considerando a dimensão individual é interessante articulá-la a estratégia do segmento a que pertence. Por isso o entendimento da criação do conservatório de música mostra-nos o desejo de dois segmentos sociais, um que procurava formas de disciplinamento, e outra que procurava sustento material através de um processo de profissionalização musical. 1 O presente trabalho foi realizado com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq Brasil. 2 Mestranda em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. 3 Relatório apresentado á Assembléia Geral Legislativa em 1834, pelo ministro Antônio Pinto Chichorro da Gama. Disponível em http//brazil.crl.edu/bsd/bsd/hartness/minopen.html. 4 MOREL, Marco. O período das regências (1831-1840). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. p. 9. 5 MARTINEZ, Alessandra Frota. Educar e instruir: a educação popular no Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado apresentado ao Programa de Historia Social da UFF. p. 53. 6 MARTINEZ, A. Op. Cit. p. 73 7 BINDER, F. CASTAGNA, P. Teoria musical no Brasil: 1734-1854. Revista Eletrônica de Musicologia. Vol. 1.2/dezembro de 1996. p. 12. 8 VASCONCELOS, Antônio A. O Conservatório de Música; professores, organização e políticas. Lisboa: Instituto de Inovação educacional. 2002. p.42. 9 ARNOLD, Denis. Education in Music. In Stanley Sadie org. The New Grove Dictionary of Music e Musicians, 6, Londres, Macmillan Publishers Limited, p. 19. 10 AUGUSTO, Antônio. Música, Nação e Identidade no Brasil do Segundo Reinado (mimeo). Este texto foi gentilmente disponibilizado pelo autor, que também tem sido um importante interlocutor no trabalho sobre o Conservatório de Musica do Império. 11 TABORDA, Márcia. Introdução do violão no Rio de Janeiro Constituição da técnica e repertório de concerto. Revista Brasiliana. Academia brasileira de música. RJ, n 15; set. 2003. p 12. 12 Martins Pena publicava no Jornal de Commércio e Marchado de Assis no Diário do Rio de Janeiro. A respeito dessa literatura existe um estudo a respeito da formação da critica musical e cultural do século XIX ver: GIRON, Luiz Antônio. Minoridade Critica: A ópera e o Teatro nos folhetins da Corte: 1826-1861. São Paulo; ed. Ediouro, 2003. 13 ELIAS, Norbert. A Sociedade de Corte. Lisboa, Presença editorial, 1995. 14 Sobre o processo de criação dessas instituições, questão da construção da nacionalidade e o Estado brasileiro ver: GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. Nação e civilização nos trópicos: o IHGB e o projeto de uma história nacional. Estudos históricos, n 1, p. 5-27, 1988. E a relação entre nação e nacionalismo ver: HOBSBAWMN, Eric. Nações e Nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade. RJ: Paz e Terra, 1900. 15 Conforme as atas de reuniões dos professores do Conservatório de Música, depositadas no Museu D. João VI. Inclusive, houve o cancelamento de uma reunião porque o ministro do Império não pode comparecer à reunião. 16 Francisco Manoel da Silva foi uma das figuras mais importantes no meio musical na corte do Rio de Janeiro, responsável pela criação do Conservatório de Música e autor do Hino Nacional Brasileiro. 17 Esta carta encontra-se na Biblioteca Nacional-Setor de Manuscritos, catalogada sem referência de data, mas sabemos que Manoel Araújo Porto Alegre foi para a Prússia em 1859, possível data de elaboração deste documento. 7