Agricultura familiar: políticas e ideologias João Mosca Conferência Sector Familiar e Desenvolvimento em Moçambique Maputo 4 de Dezembro de 2014
Apresentação 1. Paradigmas 1975-2014 2. O ciclo vicioso da produção alimentar 3. Romper o ciclo vicioso 4. Os riscos à escala mundial 5. Conclusões
1. Paradigmas 1975-2014.
PARADIGMA COLECTIVISTA (1975-1983) A utopia das elites Contexto da economia de planificação central de corte socializante. Transformação da agricultura e da economia rural com base na colectivização (empresas estatais e cooperativas), no quadro da economia planificada e da acumulação centrada no Estado.
PARADIGMA COLECTIVISTA (1975-1983) A utopia as elites Empresas de grande escala e intensivas em capital. Camponeses como classe social residual a transformar em operários e cooperativistas. Colectivismo social das aldeias comunais.
PARADIGMA COLECTIVISTA A utopia das elites As críticas fundamentam-se, principalmente, afirmando que o apoio à produção agrária de pequena escala, fomentava o desenvolvimento da produção individual, cujos camponeses se poderiam transformar em capitalistas, tal como acontecera com os kulaks em alguns países africanos. Este apoio, chegou a ser considerado reaccionário, Negrão (2001: 57).
PARADIGMA ECONOMICISTA (eficiência e competitividade económica - 1987-2000) a tecnocracia empacotada O Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial do BM de 1986, na página 82, afirma: Mas a questão-chave não é segurança alimentar mas a vantagem comparativa. Se um país pode fazer um melhor uso dos seus recursos em exportações agrícolas ou não -, não há razões para desperdiçar recursos na busca da auto-suficiência em alimentos... a auto-suficiência alimentar permanece um objectivo popular antieconómico e alguns países estão dispostos a exporem-se a altos custos para alcançá-la.
PARADIGMA DA INTEGRAÇÃO (PREVERSA) DO CAMPESINATO A simples extracção de recursos e de valor A marginalização do campesinato continuou após as reformas económicas. Assistiu-se a uma tentativa de integrar perversamente os pequenos produtores na economia, sobretudo através da extracção de excedentes exportáveis e para abastecimento das cidades e na concepção de desenvolvimento com base em cadeias produtivas, que asseguram a transferência de recursos do campo para a cidade e para o exterior.
PARADIGMA DA INTEGRAÇÃO (PRESERVA) DO CAMPESINATO A simples extracção de recursos e de valor... nestas circunstâncias, os camponeses constituem um grupo de produtores funcionalmente articulados com o padrão de acumulação do capital comercial (mercados interno e externo), que extrai os excedentes a preços baixos, e cujos termos de troca são, a prazo, desfavoráveis para os pequenos produtores, afectando negativamente os níveis de rendimento monetário.
PARADIGMA DA INTEGRAÇÃO (FUNCIONAL) DO CAMPESINATO Agronegócio: e 18 milhões de moçambicanos? Camponeses subcontratados produzem integrados nas cadeias de valor do agrobusiness internacional. Funcional pela redução do investimento e dos custos de produção, pela transferência, do risco da produção primaria e da conflitualidade social (terras, trabalho, etc.).
PARADIGMA DA INTEGRAÇÃO (FUNCIONAL) DO CAMPESINATO Agronegócios: e 18 milhões de moçambicanos? Boas práticas podem aumentar a renda, a transferência de tecnologia e de conhecimento, maiores produtividades e mais renda. Risco das flutuações dos preços internacionais, da capacidade de negociação, da perda de soberania do produtor. Dilema entre a produção alimentar e as culturas de rendimento.
PARADIGMA DA INTEGRAÇAO (DESFUNCIONAL) DO CAMPESINATO A febre dos recursos naturais e do Capital Nas zonas mineiras, é possível sugerir outros tipos de funcionalidades, como a seguinte: a competitividade das empresas mineiras está assente, em parte, nos salários baixos dos trabalhadores sem ou com baixa qualificação. A elevação da produtividade e dos rendimentos dos camponeses (base social de recrutamento de trabalho não qualificado para as minas), fará elevar o custo de oportunidade do assalariamento, forçando o aumento do salário.
PARADIGMA DA INTEGRAÇAO (DESFUNCIONAL) DO CAMPESINATO A febre dos recursos naturais e do capital Se assim acontecer, a estrutura dos custos de produção pode alterar-se, comprometendo a competitividade do sector, ou forçando a realização de investimentos em tecnologias mais intensivas em capital. Logo, a manutenção de rendimentos baixos dos camponeses, pode fazer parte da competitividade da exploração mineira. Discurso recente da Ministra dos Recursos Naturais e Minas sobre a produtividade dos trabalhadores na industria de carvão em Moatize.
PARADIGMA DA INTEGRAÇAO (DESFUNCIONAL) DO CAMPESINATO A febre dos recursos naturais e do capital Os reassentamentos são reserva de mão-de-obra barata A exclusão dos camponeses que residem/trabalham fora das zonas dos grandes investimentos
Que equilíbrios são possíveis? RESUMO Colectivismo Integração perversa Economicismo Agronegócio: integração funcional Agronegócio: integração desfuncional Exclusão Marginalização / integração perversa /integração funcional /Exclusão Descontinuidades constantes das opções
RESUMO PORQUÊ? Exclusão Produção alimentar não é competitiva a diferentes níveis Produção alimentar não é negócio e camponeses não fazem parte da arquitectura das alianças do poder
Qual o futuro de cerca de 18 milhões de moçambicanos / 3,5 milhões de explorações familiares?
2. O ciclo vicioso da produção alimentar
O ciclo vicioso da produção alimentar (1) POBREZA Baixa produtividade Baixa produção e rendimento Baixa competitividade Pouca poupança e investimento Baixa produtividade (In)coerências da coopeeração Pouco IDE e investimento interno Baixa acumulação
O ciclo vicioso da produção alimentar (2) Excedentes nas economias desenvolvidas IDE e cooperação Investimento interno e funções do Estado Competitividade Produção local Importações Exportações
O ciclo vicioso da produção alimentar (3) Baixa produtividade e baixos rendimentos Desemprego, pobreza e insegurança alimentar Pouco crescimento de sectores geradores de emprego Economia informal
3. Romper o ciclo vicioso
Romper o ciclo vicioso - política económica e instituições Necessidade de intervenção do Estado para suprir a baixa competitividade do sector em mercado de concorrência
Romper o ciclo vicioso Intervenção holística/ integrada do desenvolvimento Terra Capital Tecnologia Investigação Qualificação trabalho Extensão Serviços produção Serviços cidadãos
Segurança da terra Romper o ciclo vicioso - política agrária Investigação e extensão coordenadas e dirigidas conforme as prioridades produtivas Incentivos/subsídios e preços de garantia Infraestruturas (regadios, estradas vecinais, rede de armazenagem, etc.) Crédito e seguros Reactivação da rede comercial e incentivos à comercialização por agentes locais Agro processamento e mercados locais
Romper o ciclo vicioso - política económica e instituições Políticas de despesas, investimento público e fiscalidade Modernização da função pública Crédito - taxas de juro Legislação Taxas de câmbio Descentralização e desconcentração Protecção e fronteira do poder
Romper o ciclo vicioso ambiente e recursos naturais Extracção sustentável dos recursos Preservação do ambiente Medidas de luta contra as mudanças climáticas
Romper o ciclo vicioso transformação estrutural da economia Aumento da produtividade e dos rendimentos Modernização da agricultura (menos produtores e com mais áreas) Bem-estar Bens de capital Transferência de recursos /trabalho e capital Produção de alimentos Crescimento de sectores geradores de emprego Urbanização inclusiva A prazo, o crescimento da agricultura e dos rendimentos está associado
Romper o ciclo vicioso De forma mais ou menos sistematizada, mais ou menos articulada e mais ou menos coerente, estas políticas estão contidas nos documentos e discursos oficiais. O QUE FALTA?
Romper o ciclo vicioso o que falta? Vontade política e medidas eficazes Estratégia de longo prazo Estado eficiente - regulação e fiscalização Mercados não distorcidos Crescimento inclusivo e gerador de emprego
Romper o ciclo vicioso o que falta? Cidadania / Sociedade civil Organização, formação e informação Capacidade negocial, representativa e reivindicativa Os estados e o capital não defendem os cidadãos, sobretudo os mais pobres
4. Os riscos à escala mundial
Os riscos à escala mundial Compra e reserva de terra Globalização e políticas desajustadas Escassez alimentar e preços de alimentos à escala mundial Alimentos Mudança climáticas Crescimento demográfico e urbanização
As oportunidades à escala mundial Terra e outros recursos disponíveis Globalização e políticas ajustadas Alimentos Elevação de preços Transformação estrutural e ampla margem de aumentos da produtividade
Riscos Oportunidades É possível? Sim, se muitos ses.. forem possíveis
5. Conclusões
A agricultura familiar NÃO É UM NEGÓCIO, NÃO É COMPETITIVA (segundo as lógicas de mercado) e não é uma FONTE DE RENDAS PARA AS ELITES
A política de desenvolvimento em Moçambique, para ter êxito, TEM DE assentar em políticas económicas e sociais que priorizem a agricultura, em particular o sector familiar, e a produção alimentar
Muito obrigado.