INVESTIGAÇÃO ETNOMATEMÁTICA NA INDÚSTRIA CERÂMICA PERUANA/RN Gilberto Cunha de Araújo Júnior 1 Francisco de Assis Bandeira 2 Paulo Gonçalo Farias Gonçalves 3 Eixo Temático: Etnomatemática e a educação do campo. Resumo: O presente artigo apresenta um recorte de nossa dissertação, em andamento, cujo objetivo principal é investigar conhecimentos matemáticos utilizados como ferramentas na fabricação e comercialização de telhas de cerâmica vermelha pelos oleiros da comunidade Povoado Currais Novos/RN, localizada a 250 km da capital do Rio Grande do Norte. Para alcançarmos nosso objetivo, estamos nos apoiando nas técnicas da pesquisa etnográfica, além das concepções d ambrosianas de Etnomatemática e de outros pesquisadores que trabalham como essa linha de pensamento. Palavras-chave: Matemática; Cultura; Conhecimentos Socioculturais; Etnomatemática. Introdução O presente artigo apresenta um recorte da nossa dissertação, em andamento, cujo objetivo principal é investigar conhecimentos matemáticos utilizados como ferramentas na fabricação e comercialização de telhas de cerâmica vermelha pelos oleiros da comunidade Povoado Currais Novos/RN, localizada a 250 km da capital do Rio Grande do Norte. A olaria Peruana, campo de nossa pesquisa, fica situada nessa comunidade, um distrito do Município de Jardim do Seridó, cuja economia principal é a fabricação e comercialização de telhas de cerâmica vermelhas para o Rio Grande do Norte e estados circunvizinhos. A olaria Peruana é composta por 35 trabalhadores, todos do sexo masculino. A maior parte desses oleiros não concluiu o ensino Médio, outros concluíram apenas o ensino Fundamental II (6º ao 9º ano) e alguns deles não chegaram a concluir o ensino Fundamental I (1º ao 5º ano). Muitos deles trabalham na olaria por falta de opção de trabalho na localidade, ou mesmo por influência dos familiares. Para alcançarmos nosso objetivo, estamos nos apoiando na pesquisa qualitativa em uma abordagem etnográfica, além das concepções d ambrosianas de Etnomatemática e de outros pesquisadores que trabalham com esse campo do conhecimento. 1 Mestrando do Programa de Pós Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática PPGECNM/UFRN, <gilbertomatematica@hotmail.com>. 2 Professor e orientador do Programa de Pós Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática - PPGECNM/UFRN, <fabandeira56@gmail.com>. 3 Mestrando do Programa de Pós Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática PPGECNM/UFRN, <paulogfg@hotmail.com>.
Nas visitas a olaria Peruana, até o presente momento, podemos inferir que há conhecimentos matemáticos no manejo de fabricação de telhas, muitas vezes diferente da matemática formal. Conhecimentos esses que são passados de pai para filho, principalmente no manejo com as medidas de tempo, métodos de contagem, comercialização das telhas, cubagem da matéria prima, áreas, volume, entre outros conhecimentos. Conhecimentos esses necessários na fabricação e comercialização de telhas, os quais esclarecemos com mais vagar no decorrer do presente artigo. Etnomatemática: algumas reflexões A Etnomatemática surgiu ao questionar a universalidade da matemática ensinada nas escolas, sem relação com o contexto social, cultural e político, procurando então dar visibilidade à matemática dos diferentes grupos socioculturais, especialmente daqueles que são subordinados do ponto de vista socioeconômico. Mas, D Ambrosio (2004) reconhece que a Matemática ocidental, emanada das civilizações da antiguidade mediterrânea (egípcia, babilônia, judaica, grega e romana), ainda é a espinha dorsal da civilização moderna. É consenso entre os pesquisadores etnomatemáticos que Etnomatemática significa a união de todas as formas de produção e transmissão de conhecimento ligado aos processos de contagem, medição, ordenação, inferência e modos de raciocinar de grupos sociais culturalmente identificados. Mas, foi D Ambrosio (1990) que deu início a sua teorização, em meados da década de 1970, cuja definição etimológica é conceituada como arte ou técnica de explicar, de conhecer, de entender nos diversos contextos culturais (ibidem, p. 5-6). Ela foi apresentada pela primeira vez no V Congresso Internacional de Educação Matemática, realizado em Adelaide, Austrália, em agosto de 1984. Devido à perspectiva da Etnomatemática ser bastante ampla, ou seja, não se limitar somente a identificar a matemática criada e praticada por um grupo cultural específico, D Ambrosio (2007) estabelece o conceito fazendo parte de um programa de pesquisa que consiste numa investigação holística da geração [cognição], organização intelectual [epistemologia] e social [história] e difusão [educação] do conhecimento matemático, particularmente em culturas consideradas marginais. Ressalta Knijnik (1997) que o acesso dos alunos aos conhecimentos matemáticos formais e informais oferece possibilidades para que eles possam compreender seus próprios modos de produzir significados matemáticos. Pois,
Aprender a matemática oficial possibilitará tanto o domínio desta forma particular de matemática como a compreensão mais acurada dos próprios modos de produzir significados matemáticos [...] Tais modos, muitas vezes diferentes dos oficiais, têm uma lógica interna que, com o auxílio da matemática acadêmica, pode ser melhor compreendida pelos alunos (ibidem, p. 40). Na concepção de D Ambrosio (1990), valorizar e respeitar o conhecimento sociocultural do aluno ao ingressar na escola lhe dará confiança em seu próprio conhecimento, como também, lhe dará certa dignidade cultural ao ver suas raízes culturais sendo aceitas pela comunidade escolar e desse modo saber que esse respeito se estende também a sua família, a sua comunidade. É nesse momento, argumenta esse autor (ibidem, p. 17), que o processo de liberação do indivíduo está em jogo. A ideia para desenvolver nossa pesquisa amadureceu a partir das concepções d ambrosianas de Etnomatemática, além de leituras de trabalhos que versam sobre essa temática, como, por exemplo, Alves (2010), Bandeira (2002), Knijnik (2006), Ferreira (1997), Gerdes (2010), dentre outros, aliados a essa temática. Acreditamos que ao trabalharmos pedagogicamente as práticas matemáticas do contexto sociocultural de uma comunidade específica associada à matemática acadêmica, os alunos compreenderão o significado do seu conhecimento matemático por eles utilizados no dia a dia, além de valorizá-los. Como muito bem ressaltam os PCN que a matemática não deve ser ensinada como uma ciência neutra, ela depende de outros aspectos socioculturais, religiosos e políticos para que se tenha sentido do aprender matemática de forma mais significativa (BRASIL, 1998). Na verdade, a razão principal em incluir a Etnomatemática nos currículos escolares, ressalta D Ambrosio (2002), tem dois objetivos: primeiro, desmistificar uma forma de conhecimento matemático como sendo final, permanente, absoluto, neutro. Essa impressão errônea dada pelo ensino da matemática tradicional é facilmente extrapolada para crenças raciais, políticas, ideológicas e religiosas. Segundo, ilustrar realizações intelectuais de várias civilizações, culturas, povos, profissões, gêneros. Ou seja, compreender que pessoas reais em todas as partes do mundo e em todas as épocas da história desenvolveram ideias matemáticas porque elas precisavam resolver os problemas vitais de sua existência diária. Conhecimentos etnomatemáticos dos oleiros Nas visitas a essa olaria até o presente momento, podemos inferir que há conhecimentos matemáticos no manejo de fabricação de telhas, muitas vezes diferentes da
matemática formal. Conhecimentos esses que são passados de pai para filho, principalmente no manejo com as medidas de tempo, métodos de contagem, comercialização das telhas, cubagem da matéria prima, áreas, volume, entre outros conhecimentos. Conhecimentos esses necessários na fabricação e comercialização de telhas, os quais, mencionaremos com mais detalhes em seguida. Vale salientar que, no começo das visitas a olaria, já mencionada acima, e das entrevistas com os oleiros, os mesmos não respondiam a contendo as perguntas que fazíamos, apenas diziam: sim ou não. Com o passar do tempo e das constantes visitas a essa olaria, fomos criando laços de amizade, como também angariando informações que pretendíamos obter sobre a fabricação de telhas de cerâmica vermelha, desde a compra da argila até a comercialização, além de conhecimentos matemáticos na realização das seguintes atividades: No método de contagem das telhas no momento de carregar os caminhões; Na compra de matérias primas e na comercialização das telhas; No formato de telhas, fornos de queimar as telhas e nos galpões de armazenamento de telhas; No cálculo de volume da água utilizada pelos trabalhadores oleiros na mistura da água com a argila; Na cubagem da argila no momento de compra da mesma; Na cubação da lenha comprada para alimentar os fornos; Além de outros conhecimentos. Como se pode ver, são com esses e outros conhecimentos matemáticos contextuais que pretendemos levar para a sala de aula para dialogar com o conhecimento matemático formal imposto à escola daquela comunidade. Na verdade, conhecimento esse imposto ao nosso país, desde a colonização portuguesa. Parafraseando Knijnik (2006), orientar o currículo escolar nessa direção, poderá produzir efeitos menos perversos para os que não têm representado no currículo escolar sua cultura, seus modos de matematizar o mundo. Conclusões O artigo relata resultados parciais de nossa pesquisa de dissertação, ainda em andamento, que teve início em meados de 2011. Nosso campo de pesquisa é a Olaria Peruana, localizada na comunidade Povoado Currais Novos no Município de Jardim do Seridó-RN, cujo objetivo é investigar conhecimentos matemáticos desse grupo sociocultural identificável e analisá-los à luz das concepções d ambrosianas de Etnomatemática. Pelas
visitas realizadas a essa olaria, até o momento, identificamos conhecimentos matemáticos no manejo de algumas atividades laborais dos oleiros, como, por exemplo, no manejo com as medidas de tempo, métodos de contagem, comercialização das telhas, cubagem da matéria prima, áreas e volume. Mas, estamos cientes de que os conhecimentos etnomatemáticos da comunidade dos olheiros não são apenas esses, há muito mais, até porque a cultura de uma comunidade sociocultural específica é dinâmica, e seu conhecimento também. Referências ALVES, Evanilton Rios. Etnomatemática: multiculturalismo em sala de aula: atividade profissional como prática educativa. São Paulo, Porto de Idéias, 2010. BANDEIRA, Francisco de Assis. A cultura de hortaliças e a cultura matemática em Gramorezinho: uma fertilidade sociocultural. Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2002. BRASIL. Secretária de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Matemática. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. D AMBROSIO, Ubiratan. Etnomatemática: arte ou técnica de explicar e conhecer, São Paulo: Ática, 1990.. Ethnomathematics an overview. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE ETNOMATEMÁTICA, 2., 2002, Ouro Preto, MG. Anais... Ouro Preto, MG: Universidade de Ouro Preto, 2002. 1 CD-ROM.. Um enfoque transdisciplinar à educação e à história da matemática. In: BICUDO, Maria Aparecida Viggiani; BORBA, Marcelo de Carvalho (Org.). Educação matemática: pesquisa em movimento. São Paulo: Cortez, 2004. p. 13-29.. Etnomatemática: elo entre as tradições e a modernidade. Belo Horizonte, Autêntica, 2007. FERREIRA, Eduardo Sebastiani. Etnomatemática: Uma proposta Metodológica. Rio de Janeiro, MEM/USU, 1997. GERDES, Paulus. Geometria dos traçados Bora na Amazônia Peruana. São Paulo, Editora livraria da Física, 2010. KNIJNIK, Gelsa. As novas modalidades de exclusão social: trabalho, conhecimento e educação. Revista Brasileira de Educação - ANPED, São Paulo, n. 4, p. 35-42, 1997.. Educação matemática, cultura e conhecimento na luta pela terra. Santa Cruz do Sul, EDUNISC, 2006.