<9>VIDA E EVOLUÇÃO ESPIRITUAL

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Transcrição:

<9>VIDA E EVOLUÇÃO ESPIRITUAL Em geral há <uma> tendência em criar uma imagem caricatural dos grandes pensadores. Tales, conta Diógenes Laércio<,> caiu a um poço quando observava os astros, S. Tomás: um boi manso. Kant um velho pedante, alheio à vida e maníaco pela pontualidade. Claro q<ue> nada disso concorda com a realidade, antes é uma figura extraída, melhor<,> construída com base nas obras de extrema abstração e rigor q<ue> produziram. Hegel não foge à regra: aparece ao vulgo como um burguês prof<essor> de Filosofia, mergulhado em incompreensíveis abstrações e tirano de uma escola. Claro q<ue> as suas obras são difíceis, e (?) algumas, como a Fenomenologia do Espirito, não se pode<m>, creio eu [ ] entender em todos os pormenores (e t<am>b<ém> creio q<ue> Hegel t<am>b<ém> não tivesse entendido, senão em alguns instantes privilegiados ). Hegel, no entanto, não vivia apartado da vida, antes possuía uma infinidade de conhecimentos empíricos e sabia <10> orientar-se perfeitamente nas realidades prácticas e procurava sempre não evidenciar exteriormente o profundo pensador q<ue> trazia consigo. Não era, como Fichte<,> uma personalidade voluntariosa, propensa a radicalismos; nem, como Schelling, uma personalidade genial precoce, voltada para a arte e de grande fantasia criadora. Apresenta-se como um simples homem da ciência, q<ue> em trabalho lento e sossegado criava as suas obras profundamente pensadas; cujos dotes oratórios eram escassos (?), q<ue> cumpria conscienciosamente os seus deveres p<ara> com a família, p<ara>com a sociedade. Mas, ao mesmo tempo<,> o seu domínio de filosofar era de perspectivas amplíssimas e a sua personalidade extraordinariamente rica. Henrique Gustavo Hotho, que foi o editor (?) das Lições de Estética de Hegel, fez uma descrição do mestre, quando começou os seus estudos em Berlim. Embora se trate de um retrato romântico vale a pena ler alguns passos: É o retrato de Hegel da maturidade. Assim se exprimiu <11> o discípulo: Nunca esquecerei a <primeira> impressão do seu rosto. As faces, pálidas e flácidas<,> pareciam as de um morto. Nelas se reflectia, não qualquer paixão destructiva, mas um passado inteiro de um pensamento laborando em silêncio dia e noite. O tormento da dúvida, a febre dos 1

implacáveis tormentos intelectuais<,> não pareciam ter afligido nem agitado aquele meditar, buscar e encontrar de quarenta anos. Unicamente tinha povoado de [ ] rugas, a fronte, as maxilas, a boca<,> o afã sem descanso de desenvolver de modo cada vez mais rico e mais profundo, mais rigoroso e mais irrefutável, o gérmen da verdade felizmente descoberta. E mais adiante continua: a nobreza da lealdade e da profunda rectidão tanto nas coisas mínimas como nas maiores, a consciência clara de ter buscado com as melhores forças<,> somente na verdade<,> uma última satisfação, [ ] <12> tudo isso se encontrava impresso em todos os [ ] traços do seu rosto. Era este o aspecto do Hegel maduro, do tempo de Berlim e q<ue> é o resultado de disposições espirituais já existentes na criança e no jovem. Jorge Guilherme Frederico Hegel, tal era o nome do filósofo, um dos mais geniais filósofos do Ocidente, nasceu em Stuttgart (Suábia) em 27 de Agosto de 1770. E toda a sua vida permaneceu um Suabo: luterano em religião, meditabundo como são em geral os suabos e nem em Berlim chegando a abandonar o dialecto suabo. Durante os anos escolares de Stuttgart foi um aluno aplicado, com grande desejo de saber, mas não se distinguiu em nenhum aspecto especial, embora fosse nessa época que se sentiu impressionado atraído pelo génio grego. Tinha então em alto apreço a Antígona de Sófocles, que tratou de passar a versos alemães. <13> Importante é ainda verificar o apreço em que tinha a história, apreço q<ue> nunca mais abandonou. Num fragmento do diário da sua época de estudos secundários (1786) comenta que ainda não se tinha estudado filosoficamente e a fundo a história. E entre os trabalhos escolares q<ue> ainda se conservam, encontrase um sobre a religião dos gregos e dos romanos de 1787, cometida nos moldes racionalistas da Ilustração, então vigentes e outro sobre algumas diferenças características dos poetas antigos (1788) em q<ue> n<ão> opõe a poesia antiga e a moderna nos moldes do estudo de Schiller Sobre a poesia ingénua e sentimental. Terminados os estudos secundários H<egel> matricula-se como estudante de teologia na famosa fundação de Tübingen onde cursou 2 anos filosofia e 3 anos teologia. Não encontrou mestres de relevo: em filosofia foi principal mestre um Wolfiano tardio e adversário de Kant Flatt<,> e em filosofia um representante do [ ] protestante racionalista. [ ] Mas nessa funda <14> ção teve como condiscípulos, com os quais se 2

ligou por uma amizade profunda<,> duas grandes figuras do romantismo alemão: Hölderlin (seu companheiro de quarto) e Schelling, mais novo do q<ue> ele 5 anos. Dessa amizade brotaram as ideias mais fecundas. Hölderlin era o jovem poeta apaixonado pela Grécia antiga, mais o [ ] no culto da Grécia; este elemento formativo da antiguidade clássica vem associar-se ao cristianismo. Com Hölderlin e com Schelling leu Hegel Platão e Kant. Os três estudaram Rousseau e partilhavam um grande entusiasmo pelos ideais da Revol<ução> Francesa. A tradição que> mesmo q<ue> os três amigos tenham plantado uma árvore de liberdade como testemunho de fidelidade à Revol<ução> Francesa. Curioso é q<ue> nesta liberdade reconquistada pela França viam um ressurgir da Grécia Antiga. A [ ] pela Grécia antiga é <um> dos traços fundamentais do Romant<ismo> Alemão (Lessing, Herder, Goethe, Schiller) Grécia vista por Winckelmann. <15> Um paraíso que é preciso retomar. Hegel na Fund<ação> de Tübingen exalta a religião grega, natural e sem obrigações. É o mais alto ideal implantado na terra e q<ue> deve ressuscitar-se. Canta-o Hölderlin nos Hinos. (Ver Taminiaux - La Nostalgie de la Greece a l aube de l idéalisme allemand). Desta nostalgia da Grécia Antiga e o entusiasmo perante a R<evolução> Francesa, Schelling, Hölderlin e Hegel vão fazer o tema da sua amizade que simbolizarão por uma frase: Reino de Deus. (Ver J. Taminiaux - La Nostalgie de la Grece á l aube de l idéalisme allemand). Apesar do entusiasmo suscitado por estes sentimentos<,> Hegel recebeu a alcunha, por parte dos condiscípulos, de velho. De facto, por natureza fora sempre reservado e circunspecto e durante a estada na Fundação de Tübingen não deu mostras de ser excepcionalmente dotado. A inteligência de Hegel não era precoce como a de Schelling e levaria tempo a amadurecer. Quando deixou a universidade, no certificado de estudos aponta-se o seu bom carácter <16>, os conhecimentos filológicos e teológicos e a sua pouca facilidade p<ara> a filosofia. Hegel não seguiu a carreira eclesiástica, tal como os seus dois outros companheiros; não sentia vocação e especialmente não possuía dotes oratórios p<ara> pregar sermões. E assim vai, de imediato, enquanto não alcança uma cátedra universitária, fazer o q<ue> fizeram Kant, Fichte e Hölderlin: ganhar a vida como perceptor familiar. 3

Depois de ficar aprovado nos exames de teologia (outono de 1793) vai Hegel ocupar o lugar de perceptor na casa da família Steiger, em Berna; e na Suíça permaneceu 3 anos e as peculiaridades politica e sociais dos cantões suíços excitavam a curiosidade política e histórica de Hegel. Adquiriam importância os conhecimentos filosóficos: A religião dentro dos limites da mera razão de Kant (1783) vai ter sobre ele influência. Hegel inclinou-se para o <17> círculo de filosofia Kantiana (Kant e seus discípulos)<.> Deste estudo da filosofia Kantiana brotaram as dissertações e os fragmentos teológicos de Hegel cujos manuscritos se conservam<,> especialmente o intitulado A vida de Jesus (1975) q<ue> em estilo simples põe em relevo o significado moral da vida de Jesus, pretendendo demostrar Nele um herói q<ue> esteja em harmonia com os ensinamentos mais santos da razão: é <uma> vida de Jesus sem milagres, escrita em linguagem Kantiana; Cristo aparece-nos como q<ue> disfarçado em profeta Kantiano. Escreveu ainda uns fragmentos (1795-96) de um escrito A positividade da religião cristã. De novo celebra em Cristo o profeta da razão, mas denuncia nos apóstolos a origem de falsificação do seu ensino, que transforma o espirito vivo em positividade. Substituíram [ ] o crede na minha razão por um crede em Cristo. O cristianismo da religião natural do seu fundador transforma-se em religião positiva. Hegel combate esta <18> positividade, primeiro com os argumentos de Kant: se as verdade exteriores devem ser universais e necessárias, a s<ua> natureza exige q<ue> estejam fundadas apenas na essência da razão, não em fenómenos sensíveis exteriores, contingentes para a razão. Hegel nesse mesmo texto ultrapassa Kant; afirma um outro argumento contra a positividade: os milagres, a autoridade, os mandamentos, opõem-se à liberdade e à vida infinita, q<ue> protesta contra toda a submissão. Hölderlin, o amigo fiel da Fundação de Tübingen<,> obtém-lhe um novo posto de perceptor em Frankfurt am Main (Janeiro de 1797). Ai se vai desenrolar um intercâmbio pessoal de ideias entre o filósofo e o poeta, embora Hölderlin estivesse já atacado de loucura. A época de Frankfurt representa o momento da reafirmação (?) da sua originalidade. Interessam-no os estudos teológicos, <19> filosóficos e políticos, mas cada vez se descobre, mais claramente, a intenção (?) universalista da sua vocação filosófica. 4

Em Frankfurt acaba e anota a tradução, já iniciada na Suíça, de <uma> obra política de Jean-Jacques Cart, Cartas familiares sobre a antiga relação jurídico-política do porto de Vaud com a cidade de Berna e outros escritos menores t<am>b<ém> sobre questões de Administração Pública no Wurtemberg e sobre economia política (comentário acerca do sistema mercantilista). Mas os produtos mais valiosos da sua estada em Frankfurt são os dois fragmentos que Nohl editou nos escritos juvenis de Hegel com o título O espírito do cristianismo e o seu destino e onde se unem os pontos de vista da filosofia da religião e da filosofia da História. Dilthey chamou-lhe documento único sobre a formação de um pensamento filosófico. <20> A posição de Hegel relativamente ao cristianismo sofre certas alterações. A figura de Cristo já não é a de um profeta kantiano, que celebra a divindade da razão humana e exalta o homem moral. Agora Kant é refutado por Cristo e assimilado aos Judeus. Hegel começa por passar em revista os grandes momentos da história do judaísmo. A harmonia do homem com a natureza foi rompida com o dilúvio e assim o homem tornou-se estrangeiro sobre a terra, encontrou-se abandonado. Quem primeiramente compreendeu o [ ] sentido deste abandono e o assumiu como um destino foi Abraão. Não tenta reconstruir o mundo despedaçado mas coloca-se na dependência de um ser supremo pelos postulados da razão prática Kantiana. Para Hegel, Abraão encarna o destino dos judeus. Erra sobre a terra, incapaz de amar <,> só conhecendo <21> a relação de dominação. Nunca os judeus conheceram a feliz harmonia do povo grego. São escravos do seu Deus e só têm relações com ele através do negativo. Neste horizonte apareceu Jesus. Opõe-se ao destino judaico na totalidade. Toma sobre si todo o destino do povo judaico para o assumir e o superar. Todos os seus esforços e pregações fracassaram no interior do seu povo. Torna-se vítima do seu povo. Onde os judeus mandamentos judaicos impunham servir ao Senhor numa submissão cega, numa obediência sem alegria, Cristo opunha a potência infinita do amor. Conta tudo o q<ue> é esclerosado e morto afirma a potência infinita da subjetividade. A moral judaica, tal como a moral Kantiana, era uma moral do dever, o único fundamento era a obediência ao dever, obediência objetiva, pois esta apoiava-se em prescrições. Jesus recusa essa objetividade. <22> Hegel, criticando a moral judaica, passa a criticar a moral Kantiana. Os mandamentos da lei judaica e o imperativo categórico no fundo coincidem. O judeu é 5

escravo do Deus omnipotente de Abraão; Kant interioriza esse Deus e transforma o homem em escravo de si mesmo. A sensibilidade, em ambos os casos, fica sempre humilhada e magoada. Cristo opõe à frieza da lei e aos mandamentos sem amor o sentimento da vida. O conceito é expulso pela vida. Pelo amor eleva-se Cristo acima da justiça e da injustiça, acima do direito. A moralidade deixa de ser obediência à lei para se tornar em expressão espontânea de uma vida que é participação na vida divina. Jesus, porém, não pode escapar ao seu destino: para instaurar o reino do Amor, renuncia ao mundo, à vida, a todos os bens terrestres. Só lhe resta, afirma <23> Hegel, a fuga para fora do mundo. Estas considerações, que Hegel expende pela <primeira> vez, aparecerão desenvolvidas longamente, depois de secularizadas, na Fenomenologia do Espírito, quando tratou de compreender uma das atitudes fundamentais do Espírito, que se encarnou no Romantismo Alemão e que descreve na figura da Bela Alma (nascida da consciência infeliz). Este amor universal de Cristo foi vivido primeiramente pelos discípulos. Transformouse lentamente em religião positiva, cessando, por isso mesmo, de ser espirito divino. Toda a Historia da Igreja é a história desta positividade. Como pode observar-se, a atenção de Hegel orientou-se para o problema da alienação (moral judaica) e recuperação da unidade perdida. Esta <24> unidade recupera-se mediante a vida em amor, superadora do abismo entre o homem e Deus. Ainda em Frankfurt escreveu o chamado Fragmento de Sistema. Aí Hegel aborda o problema da superação das oposições ou antíteses<,> especialmente as postas entre o finito e o infinito. Colocados como meros espectadores, o movimento da vida aparecenos como uma multiplicidade infinita organizada por indivíduos finitos; é a natureza. A natureza pode ser objecto p<ar>a a reflexão ou entendimento, mas os objectos individuais, que integram a natureza são transitórios e mortais. O pensamento, que em si mesmo é uma forma de vida, pensa a unidade entre as coisas como uma vida infinita e criadora, livre da mortalidade que afecta os indiv<íduos> finitos. Esta vida infinita, que se concebe como levando em <25> si mesma a multiplicidade, e não como abstracção conceptual, recebe o nome de Deus ou Espírito. Une todas as coisas finitas a partir de dentro, mas sem as aniquilar como tais. 6

Neste Fragmento de Sistema afirma H<egel> que o pensamento conceptual não é capaz de unir finito e infinito de modo que nenhum domina o outro. A síntese, a unificação do uno e do múltiplo sem que este não se dissolva no primeiro só pode obter-se mediante a própria elevação do homem do finto à vida infinita; este processo é a religião. A filosofia é pois subordinada à religião. Mostra q<ue> é necessário superar a oposição uno-múltiplo, mas não pode, por si só, realizá-lo. O infinito é considerado imanente ao finito e compreendendo em si mesmo o finito. Esta síntese só pode viver-se, tal como a viveu Cristo, i<sto> é, no Amor. A mediação entre finito e infinito <26> não é a reflexão, mas o amor. Claro que a filosofia há-de tentar saber como é q<ue> a vida religiosa supera as oposições. Para isso necessitará de um novo tipo de lógica, q<ue> seja capaz de seguir o movimento da vida e que não deixe os conceitos opostos numa oposição irremediável. Este novo tipo de lógica vai fazer a transição do Hegel teólogo para o Hegel filósofo, melhor ainda<,> a transição de uma concepção que julga estar a religião superior a tudo, para outra concepção em q<ue> a filosofia especulativa constitui a suprema verdade. O problema porém, contínua o mesmo: relação entre o finito e o infinito e a ideia de infinito como espírito. Hegel aspira à carreira universitária e é Schelling que então prof<essor> em Jena lhe aconselha q<ue> vá para junto dele. Hegel pela morte do seu pai tinha recebi <27> do uma pequena herança q<ue> melhorara um tanto a sua posição económica e desejava emancipar-se da posição de perceptor. Em Janeiro de 1801 chega a Jena q<ue> era o novo centro do movimento filosófico. Uns 6 meses depois publicou um trabalho intitulado Diferenças entre os sistemas filosóficos de Fichte e Schelling (1801). Com esse trabalho quer mostrar q<ue> esses sistemas eram na realidade diferentes e q<ue> o de Schelling representa um avanço relativo ao de Fichte. Todavia encontra<m>-se neste trabalho sinais de divergência com Schelling. Assim, p<or> ex<emplo>, p<ar>a Hegel a int<uição> intelectual não significa uma int<uição> mística de um abismo obscuro e impenetrável, o ponto onde todas as diferenças desaparecem; é antes a compreensão q<ue> a razão tem da antítese como um momento da vida omnicompreensiva do Absoluto. <28> Precisamente em Jena, nos seus cursos, é q<ue> Hegel vai tomando consciência da s<ua> originalidade e do seu progressivo afastamento de Schelling. Ainda no ano de 7

1801, ano em q<ue> chegou a Jena<,> defende tese de habilitação à cátedra universitária com o estudo de De orbitis planetarum. A ideia fundamental é q<ue> na natureza existe uma ordem racional logicamente compreensível e deduzível a partir de princípios. Esta ideia é interpretada por Hegel no sentido do idealismo. Colabora na Revista Crítica de Schelling. Em 1803 Schelling afasta-se de Jena sendo chamado para Wurtzburg. Esta saída foi para Hegel uma emancipação (?) espiritual e o seu sistema vai amadurecendo através dos cursos que ministra na univ<ersidade>. Os acontecimentos políticos na Alemanha tornavam a vida difícil e H<egel> t<am>b<ém> já não se sentia satisfeito em Jena. Muitos <29> professores começavam a abandonar a univ<ersidade> de Jena entre os quais o fil<ósofo> e teólogo Niethammer<,> amigo de Hegel, e as condições económicas do nosso filosofo não eram brilhantes. Durante estes tempos difíceis amadureceu o grande pensador q<ue> era Hegel. Em 1806 acaba a obra q<ue> o vai tornar famoso: A Fenomenologia do Espirito. Depois da batalha de Jena, que interrompeu a vida universitária<,> o seu amigo Niethammer obtém-lhe um lugar de redactor na gazeta de Bamberg (Out. 1807 - Nov. 1808) e posteriormente nomeado reitor do Gymnasium de Nuremberg (fim em 1816). Promoveu os estudos clássicos e filosóficos. Aí em Nuremberg casou e estabilizou a s<ua> vida de modo a escrever os seus dois volumes famosos da Wissenschaft der Logik (1812-1816). Hegel aceita então uma cátedra na Univ<ersidade> de Heidelberg (1816); aí publica a Enciclopédia das ciências filosóficas em esboço (Enzyklopädie der philosophischen <30> Wissenschaften im Grundriss 1817). Em 1818 ocupa uma cátedra na Universidade de Berlim onde chega a reitor e onde morre de epidemia da cólera em Nov<embro> de 1831. Alcança uma posição única como fil<ósofo> em toda a Alemanha. Foi o fil<ósofo> oficial da Prússia. Rodeiam-no inúmeros discípulos que sentiam o vasto campo do pensamento que a dialéctica do Mestre alcançava. Nele se revelava a natureza inteira (?), o processo da realidade incluindo a história do homem, vida política e actividades espirituais. Isto a despeito da elocução pesada e sem brilho do filósofo. Em Berlim, obra preparada para a imprensa, apenas nos legou as Linhas Fundamentais da Filosofia do Direito. As obras q<ue> posteriormente foram editadas consistem em 8

lições que m<uitas> vezes se traduzem nos apontamentos do mestre e outras vezes têm principalmente por fonte as notas dos alunos: Lições sobre a Fil<osofia> da História, Lições sobre a Hist<ória> da Filosofia, as <31> Lições sobre a Estética. 9