A. Independência e dependência da consciência de si: dominação e escravidão
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- Angélica Taveira de Oliveira
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1 A. Independência e dependência da consciência de si: dominação e escravidão [Primeira secção do capítulo IV A verdade da certeza de si mesmo] As etapas do itinerário fenomenológico: 1. CONSCIÊNCIA (em sentido restrito, gnosiológico) (certeza sensível; percepção e entendimento) 2. CONSCIÊNCIA DE SI (dialética senhor-escravo; estoicismo-ceticismo; consciência infeliz) 3. RAZÃO (razão que observa a natureza; razão que age; razão que adquire a consciência de ser Espírito) 4. ESPÍRITO [o Espírito em si como eticidade; o Espírito alienado de si (cultura); o Espírito que readquire certeza de si (moralidade)] 5. RELIGIÃO (religião natural; religião da arte; religião revelada o cristianismo) SABER ABSOLUTO A CONSCIÊNCIA em sentido gnosiológico é a consciência que considera o mundo como algo diferente e independente de si. A especificidade da consciência é justamente ter um objeto distinto de si e que se lhe contrapõe. No momento da certeza sensível (a sensação), o particular surge como a verdade, mas suas contradições acabam revelando que, para compreendê-lo (ao particular), é necessário passar ao universal. No momento da percepção, a verdade parece estar no objeto, mas este se revela um e muitos, um objeto com muitas propriedades ao mesmo tempo. No entendimento, o objeto surge como fenômeno, resultado de forças e leis que são obra do entendimento. A consciência compreende que o objeto depende do entendimento, ou seja, dela mesma, consciência, para existir como tal. Assim, resolvendo-se o objeto no sujeito, a consciência descobre-se consciência de si. Ora, a experiência da consciência levou-a a perceber que, na verdade, o ser-para-si deles é ser-para-outro, isto é, para ela: só são em si enquanto são para a consciência. Portanto, sua certeza e verdade não estão num objeto fora dela, mas em sua própria interioridade. (Oliveira, Ética e sociabilidade, p. 187) Se a consciência do mundo objetivo se revela como momento da autoconsciência, tem-se uma identidade abstrata da consciência consigo mesma. 1
2 CONSCIÊNCIA DE SI. Nesta etapa, a consciência há de aprender a saber o que ela é propriamente. Em sua primeira manifestação, é vida, e caracteriza-se pelo apetite e pelo desejo como tendência de se apropriar das coisas e fazer tudo depender de si, no esforço de autoconservação e autoafirmação, a tolher a alteridade que se manifesta como vida independente. O que Hegel denomina desejo? a consciência na tensão de sair de si é a consciência que deseja.(oliveira, ibid.) É um ir ao outro para poder ser e um destruí-lo como outro. O desejo distingue-se da mera necessidade, porque se situa no nível da separação entre sujeito e objeto, próprio à esfera da consciência (...) O mundo, num primeiro momento, manifesta-se como o que deve desaparecer para que a consciência seja e se afirme como tal. (ibid.) É a abolição do objeto na projeção do eu. Infinito do desejo -> Má infinitude -> o sujeito retorna sempre a si, sem suprimir a tensão inicial -> o objeto ressurge sempre na sua independência para que uma nova satisfação tenha lugar [H. C. Lima Vaz, Senhor e escravo: uma parábola da filosofia ocidental, Síntese, 21 (1981), p. 16] Exclusão abstrata de qualquer alteridade: o outro é inessencial e negativo. Mas sai necessariamente dessa posição ao se defrontar com outras consciências de si. Para que a consciência-de-si alcance sua identidade concreta, será necessário que ela se encontre a si mesma no seu objeto (...) será necessário que a verdade do mundo das coisas e da vida animal passe para a verdade do mundo humano, ou a verdade da natureza passe para a verdade da história. (Lima Vaz, ibid.) A consciência é desejo, mas é infinita, porque é livre. Não pode desejar somente objetos finitos. E ela somente encontrará esse objeto infinito nas outras consciências. 2
3 Primeiro momento: igualdade abstrata -> cada autoconsciência se encontra imediatamente diante da outra, em sua alteridade. (Oliveira, p. 190) Nasce então a luta pela vida ou pela morte, unicamente através da qual a consciência de si se torna efetiva, deixando de ser puramente em si. É preciso pôr a vida em risco para reconhecer-se não apenas como uma pessoa abstratamente. A verdade do reconhecimento efetivo desta pessoa é como consciência de si independente. Toda consciência de si tem necessidade estrutural da outra, e a luta, em vez de levar à morte de uma, deve levar à sua subjugação. Do contrário, o processo fracassa. A luta não é apenas pela vida, mas pelo reconhecimento. É sempre contra um outro (não pode ser contra uma pedra ou uma árvore). Se a outra consciência de si morresse, não seria possível o reconhecimento. Mas será que o reconhecimento é efetivamente alcançado, mesmo apenas por um dos lados, com a relação de dominação? Vejamo-lo. O senhor arriscou o seu corpo na luta, é aquele que aceitou o risco da morte. Com a vitória, tornase senhor. O servo é o que teve medo da morte e, na derrota, aceita a submissão para salvar a vida física, o seu corpo. Com isto, reifica-se, torna-se uma coisa dependente do senhor. O senhor usa então o servo, que trabalha para si, limitando-se com isto a desfrutar, sem trabalhar, das coisas que o servo lhe produz. Mas isso provoca certas inversões: O senhor perde a independência. Desaprende a fazer o que agora é atividade do servo. O servo, por sua vez, torna-se independente das coisas, pois as produz. Dá-lhes forma, tornando-se assim o real senhor delas, enquanto o senhor depende do escravo para poder delas usufruir. O reconhecimento do senhor como consciência de si não tem mais o contrapólo dialético, pois o servo se reduziu à condição coisal: Só aparentemente temos o reconhecimento do senhor pelo escravo, pois na verdade só se pode ser reconhecido por um igual, outra autoconsciência. De sorte que o processo de dominação, em última instância, frustra a conquista da humanidade do homem, pois o escravo é forçado a renunciar a ser sujeito e é tratado como coisa, e de uma coisa não pode emanar o reconhecimento, que faz emergir o homem como autoconsciência. (Oliveira, p. 191) 3
4 Já o escravo encontra no senhor esse contrapólo? No trabalho, ele adquire consciência de si, de suas capacidades e de sua importância. Pelo trabalho, o homem molda o mundo a partir de si e pode reencontrar-se nele, já que o trabalho é a sua objetivação. A consciência trabalhante contempla a si mesma no objeto produzido e, dessa forma, retorna a si como consciência de si (...) o trabalho é a instância de mediação da autoconsciência do oprimido é o produto como fim objetivado que leva a consciência trabalhante à intuição de seu próprio ser como autônomo. (Oliveira, p. 193) Porém, como comenta S. Rovighi, o escravo não tem logo consciência da identidade entre seu trabalho e seu ser como consciência, ou seja, do fato de que seu trabalho e o produto de seu trabalho são seu próprio ser, que é ele que faz ser as coisas produzidas. (HFM, p. 719) É um processo de aprendizagem, de educação, do qual o senhor se abstrai. O medo da morte já revela a consciência de si do escravo como forma, como negatividade de toda determinação finita. [Entretanto, cabe lembrar, o escravo não conseguiu negar a natureza e ainda ficou preso a ela, além de preso também ao senhor]. Mas o trabalho conferirá àquela forma um conteúdo. Sem a educação do serviço e da obediência, o medo continuaria a ser apenas algo formal na realidade consciente da mera existência; sem a formação, o medo permaneceria mudo e interior, e a consciência não se tornaria para-si. (...) Na disciplina do servir, o escravo aprende que ele é o poder sobre a natureza. (J. H. Santos, O trabalho do negativo, p. 204) O escravo dá-se conta de que o que vale em seu trabalho e em toda a sua vida é ser pensante, ser autoconsciência livre (Rovighi, ibid.) A mediação do outro na constituição do homem como subjetividade é fulcral: o homem é essencialmente relação. Por isso, se, por um lado, para progredir é imperioso aniquilar a independência solipsista da outra autoconsciência, por outro, qualquer espécie de dominação frustra o processo, pois elimina a alteridade, sem a qual o reconhecimento não se opera. O aniquilamento da outra autoconsciência é sempre aniquilamento de qualquer autoconsciência. Eis porque o senhor não conquista a sua humanidade. (Oliveira, p ) 4
5 Notas adicionais: O entendimento fragmenta o todo, mas não podemos permanecer na fragmentação. Há de se reconstituir o todo. A razão tematiza o real como unidade diferenciada, uma unidade na qual a diferença não desaparece (Oliveira, p. 182), mas é, ao contrário, reconhecida. A filosofia transcendental de Kant e Fichte, nova forma da metafísica do entendimento, como metafísica da subjetividade, pensa tudo a partir da contraposição entre sujeito e objeto. (Oliveira, 183) A subjetividade se torna a fonte de sentido capaz de determinar tudo o que a ela se contrapõe. Para Hegel, a subjetividade é processo: a autoconsciência é um movimento, e por isso é essencialmente desejo. O espírito humano move-se por um impulso fundamental de buscar-se a si mesmo. Ele não é desde sempre o que pode ser. (Oliveira, 183, nota) Toda a vida humana é uma luta de conquista de sua subjetividade, o que só pode acontecer quando os homens, superando toda e qualquer perspectiva de coisificação, se reconhecem mutuamente como seres iguais e livres e, assim, se constituem enquanto homens, ou seja, como seres essencialmente comunitários. (Oliveira, 183) O homem como desejo tende não apenas a querer alguma coisa, mas a absorver o outro, destruir sua independência. Como desejo, a autoconsciência é o impulso de conquistar a si mesma através da destruição e absorção em si de todo o mundo objetivo. (Ibid., nota) Mas Hegel mostra, com a dialética S-E, é que a autoconsciência, para conquistar-se, deve superar a postura de dominação e pôrse na perspectiva do reconhecimento da alteridade da outra autoconsciência. Uma liberdade só pode reconhecer-se pela mediação de outra liberdade. 5
6 Lima Vaz: senhor e escravo não são personagens de uma espécie de situação arquetipal da qual procederia a história. São apenas figuras de uma parábola com as quais Hegel pretende designar momentos dialéticos entrelaçados rigorosamente no discurso que exibe a formação do indivíduo para o saber. Esse saber deve apresentar-se como fundamento para a exigência histórica de uma sociedade do reconhecimento universal. (ibid., p. 23) Autoconsciência universal é como Hegel denomina o reconhecimento recíproco entre sujeitos na Enciclopédia. (par. 436) A metafísica moderna da subjetividade é parcial, pois a subjetividade não é pura identidade consigo mesma, mas identidade mediada por um processo de interação no qual a subjetividade se conquista pela mediação da construção de um mundo objetivo, que torna possível a emergência do homem como sujeito. (Oliveira, p. 185) O sujeito humano se constitui tão-somente no horizonte do mundo humano, e a dialética do desejo deve encontrar sua verdade na dialética do reconhecimento. Aqui a consciência faz verdadeiramente a sua experiência como consciência de si, porque o objeto que é mediador para seu reconhecer-se a si mesma não é o objeto indiferente do mundo, mas é ela mesma no seu ser-outro: é outra consciência de si. (ibid., p. 17) 6
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