VI CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOPATOLOGIA FUNDAMENTAL Recife, de 05 a 08 de setembro de 2002



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Transcrição:

VI CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOPATOLOGIA FUNDAMENTAL Recife, de 05 a 08 de setembro de 2002 CO/65 A PREMATURIDADE NA RELAÇÃO MÃE-BEBÊ. Macêdo, L. & Barros, P. Departamento de Psicologia, UNICAP, Recife, Pernambuco, Brasil. Introdução O crescente interesse pelas questões que perpassam a relação inicial entre a mãe e o seu bebê relação essa de fundamental importância no modo como esse sujeito será nomeado e desejado por essa mãe, repercutindo em todas as demais relações que serão estabelecidas fez-nos desenvolver um estudo sobre uma situação específica, a prematuridade, no sentido de se compreender os sentimentos maternos frente a essa situação. Sabe-se que o nascimento biológico do ser humano não garante, por si só, uma constituição psíquica, sendo necessário, portanto, um nascimento psicológico que venha a permitir o advir do sujeito. Esse nascimento psicológico é propiciado, primordialmente, pela relação primária com a mãe, através da qual o bebê reconhece-se como tal a partir do olhar e dos cuidados desse Outro primordial. Dentre os autores que enfatizam a importância dessas relações primárias para o advir do sujeito, destacamos Winnicott (1999), que se utiliza de alguns termos como preocupação materna primária, a mãe dedicada comum, maternagem suficientemente boa, referindo-se à dedicação da mãe aos cuidados para com o seu bebê, conferindo-lhe um ambiente emocional satisfatório para o seu desenvolvimento. Além de Winnicott, Spitz (1996) ressalta a importância da mãe no desenvolvimento físico e psicológico de seu filho, oferecendo-lhe um clima emocional estável, a partir do qual a criança se constitui enquanto sujeito diferenciado da mãe, reconhecendo nela seu objeto libidinal, com a qual estabelece uma relação objetal. Dessa forma, é a atitude emocional da mãe que irá conferir a qualidade de vida à experiência do bebê, o qual passará a responder também afetivamente a esse investimento emocional, numa relação recíproca e desejante. Esse desejo pelo filho vem desde antes a gestação, refletindo as fantasias de maternidade, à medida que o bebê é pensado e inscrito numa rede de significantes, numa gradativa construção do filho imaginário. A respeito dessas fantasias originais, [...] Freud descreveu a da cena primária e mostrou a freqüência com a qual as crianças constróem um romance familiar. Seus cuidados dizendo respeito à paternidade se integram em seus conflitos inconscientes e evoluem na medida de seu desenvolvimento para se resolver em suas identificações com os pais (apud Lebovici, 1987, p. 214). Na relação com o bebê real, o amor materno é entregue a um filho, o qual, por sua vez, deverá, de certo modo, correspondê-lo. Uma vez não sendo a mãe recompensada em seu desejo, desenvolve-se, em torno desse filho real, o que Klein (1965, em Mathelin, 1999, p.13) chamou de ambivalência, estando amor e ódio, bom e mau, presentes na mesma face de uma moeda. Certamente, as condições de gestação e do nascimento, sua aceitação ou sua recusa, contribuem para as diversas modulações do que não é sempre um estado de graça, como

também para que se possa estender o desejo de maternidade para o desejo da criança. Refletindo acerca dessas condições da gestação e do nascimento, perguntamo-nos que implicações podem acarretar sobre a díade mãe-bebê um nascimento prematuro, situação em que o bebê é arrancado prematuramente do ventre materno. Trata-se de [...] uma tempestade psíquica que se abate sobre o casal, onde a realidade se junta à fantasia, na qual o bebê idealizado não corresponde em nada ao bebê da incubadora. (Druon, em Wanderley, 1999: 37). Spitz (1996) aponta que certos distúrbios na díade mãe-bebê são ocasionados por uma insuficiência na relação entre mãe e filho, caracterizando-se por uma privação de relações objetais, de provisões libidinais, no primeiro ano de vida, que pode conduzir a sérios distúrbios emocionais no desenvolvimento da criança. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, o prematuro é uma criança nascida antes da trigésima-sétima semana de amenorréia. Um bebê retirado do útero materno num momento em que seu desenvolvimento seria mais acelerado, devendo, então, ser entubado, ventilado, perfundido, drenado, num período relativamente longo, em que nada em seu comportamento é harmonioso, necessitando de algo que o tranqüilize. O parto prematuro ocorre justamente num momento de maior construção e desenvolvimento, tanto para a mãe como para o bebê que toma corpo não só no ventre mas também no imaginário da mãe. Nessa interrupção brutal da gravidez, que dá à mãe um sentimento de irrealidade, o bebê é, então, retirado prematuramente dessa mãe, que se torna, por assim dizer, uma mãe também prematura. Tal situação agrava a dor ligada à separação de toda parturiente. Além da separação física do momento do parto o corte do cordão umbilical -, muitas vezes há uma outra separação, imposta pela incubadora e pelo intermédio da equipe de saúde na recuperação do bebê, de modo que o saber médico parece sobrepor o saber materno.... o nascimento de um bebê prematuro é freqüentemente fonte de angústia (...) Frustrada, a mãe é igualmente exposta a se sentir ferida em seu narcisismo por não ter podido levar a termo sua gestação (...) pode representar a confirmação de suas fantasias de castração ela deu à luz um bebê não concluído, incompleto (...) Se a mãe e os pais se sentem responsáveis pela prematuridade do bebê, confirmando seus temores fantasiosos de não ser capazes de ser pais, eles podem viver um sentimento de culpabilidade. O parto prematuro pode ativar na mãe as fantasias de que seu interior é perigoso e hostil para o ou os bebês que podem aí se achar. (Lebovici, 1987: 190) Nesses casos, o luto do filho imaginário torna-se dificultoso, uma vez que, em geral, ele não dá sinal, não mama, não olha, revelando a impossibilidade da indispensável falicização da criança. A mãe, engolida pelo real, não pode ser tranqüilizada. O filho prematuro não pode vir em socorro de sua mãe (...) O bebê deixa a mãe sozinha diante de sua angústia... (Mathelin, 1999: 67). A mãe do bebê prematuro passa, então, a buscar toda uma causalidade, uma significação ao acontecimento, sendo, na maioria das vezes, confrontada em si mesma com uma imagem de mãe má, com

um sentimento de impossibilidade de cuidar do filho, e de culpa por ter desejado livrar-se logo da gravidez, por ter dado ao bebê uma vida frágil demais; sentimentos esses que podem acarretar mecanismos de fuga e de alienação, numa depressão que, de certa forma, isentam-na da responsabilidade de ter que cuidar do bebê, desconhecendo nesse ser que se encontra na incubadora o seu verdadeiro filho. O tempo está suspenso e os dias são contados apenas ao ritmo das pesagens do bebê que continua a gravidez sem elas (as mães), numa incubadora que incuba em lugar delas o filho que não souberam segurar (...) Espelho partido, sonho impossível, a ilusão e o sonho se deparam com a violência do real e a criança corre bem o risco de ser reduzida a esse puro real se nada de simbólico vier permitir sua falicização.(mathelin, 1999, p. 25) [grifo nosso] Autores como Brazelton (1988) acreditam que, apesar do entrave e do bloqueio de se manter um vínculo favorável com o bebê, o esforço para a superação das dificuldades pode ser uma forte força para o apego. Por outro lado, dúvidas quanto à qualidade de vida do bebê, após tanto sofrimento e manuseio de máquinas, podem esquivar a mãe em relação aos sentimentos para com o bebê, dado o receio de se apegar demais e sofrer depois, caso morra, o que caracteriza um certo desinvestimento libidinal. Objetivo Identificar os sentimentos maternos de primíparas diante da situação de prematuridade de seus bebês. Métodos Frente às complexas implicações que podem emergir dessa situação, e dado o interesse de se estudar de que forma tais implicações podem ser amenizadas, desenvolvemos uma pesquisa, num referencial teórico psicanalítico, com 20 (vinte) mães primíparas, sendo 10 (dez) de bebês a termo e 10 (dez) de bebês prematuros, nascidos na maternidade do Hospital Agamenon Magalhães, na cidade de Recife Pernambuco. Dentre as mães de bebês prematuros, obteve-se como média a idade de 21,6 anos. Deste grupo, cinco mães são casadas (50%), quatro são solteiras (40%) e uma é divorciada (10%). A idade gestacional de seus bebês variou de seis a sete meses oito foi de seis meses (80%), e duas de sete meses (20%). Quanto às mães de bebês nascidos a termo, a média de idade foi de 23,3 anos. Dentre elas, nove são casadas (90%) e apenas uma é solteira (10%). Uma vez se tratando de bebês nascidos a termo, a idade gestacional de todas essas mães foi de nove meses completos. Como instrumentos, utilizamos uma entrevista semidirigida, constando de 10 (dez) questões, além de uma lâmina do Teste de Apercepção Temática, que pesquisa questões referentes à maternidade. A lâmina foi utilizada no sentido de se investigar o conteúdo que viria a emergir quando da apresentação de um estímulo sobre o qual as mães projetam os sentimentos mais latentes quanto à experiência da maternidade.

Resultados Optamos por discutir apenas os dados referentes às mães de bebês prematuros, haja vista ser esse o cerne de nossa pesquisa e uma vez que os dados obtidos confirmam o que a literatura aponta, indicando que a prematuridade constitui uma situação que interfere no relacionamento inicial entre a mãe e o bebê, repercutindo tanto no desenvolvimento deste último como no estado psicológico da mãe. Retomando o fato de que o bebê já existe, mesmo antes de nascer, no desejo e no imaginário materno, havendo uma série de expectativas com relação a ele, observamos, no imaginário das mães entrevistadas, um predomínio de expectativas referentes a atribuições físicas, como se percebe na seguinte fala: Um bebezinho lindo, bem bonitinho, gordinho e fofinho. Um outro dado significativo refere-se ao bebê saudável, perfeito: Ficava nervosa e pedia muito para vim perfeitinha, com saúde. Sabe-se que, por mais que se idealize um filho, o bebê real nunca corresponderá plenamente ao bebê imaginário. No entanto, pôde-se perceber que, no caso de bebês prematuros, há uma disparidade muito grande entre o bebê imaginado e o bebê real: Tão pequenininha, tão diferente... Fiquei com muito desgosto. Via as mães passando com o bebê gordo e eu olhava para a minha, magrinha, fraquinha, ficava triste, muito triste. A primeira vez que eu olhei para ela, eu disse: que menina feia! Essa menina é muito feia e essa menina feia não é minha filha não. depoimento de uma mãe. Considerando-se que, através do nascimento de um filho, a mãe vai reviver o seu próprio narcisismo, percebe-se que, nesses casos, há uma reedição da ferida narcísica, na medida em que aponta para uma incapacidade, afinal, ela deu a luz a um bebê não-concluído, incompleto. Mesmo antes de se deparar concretamente com o bebê, ou seja, desde o primeiro momento em que a mãe sabe que seu filho nascerá prematuro, surgem sentimentos de frustração, como também sentimentos de culpa, sentimentos ambivalentes, medo de perder o filho, desespero e perturbação. Fiquei desesperada, ela podia nascer com complicações; fiquei muito triste, pensava que ela ia nascer morta. Isso nos remete a um possível desinvestimento no filho, pois, diante da possibilidade da morte do bebê, a mãe pode sentir receio em intensificar o seu vínculo com ele, de modo que o desenvolvimento do apego, como aponta Brazelton (1988), poderá ficar comprometido. Diante dessas questões, o nascimento do filho passa a ser norteado por uma série de sentimentos ambivalentes, pois, ao mesmo tempo em que suscita felicidade por ele ter nascido, a mãe é tomada por uma série de sentimentos negativos, como tristeza e rejeição, além de uma preocupação com a sobrevivência do filho, conforme observamos nas seguintes falas: Na primeira vez que vi, fiquei triste porque ele estava muito pequenininho e fraco e feliz porque ele estava vivo ; Senti que eu não queria, que eu estava rejeitando. Esses sentimentos negativos configuram um cenário em que a mãe é confrontada com uma sensação de irrealidade, em virtude da interrupção brutal da gravidez, de uma situação na qual, mesmo diante dos fantasmas de culpabilidade,

de impotência e de castração, ela vê-se diante da emergência de se tornar uma mãe, no caso, uma mãe também prematura. Se nos casos em que a gestação chega a completar os nove meses, o bebê é entregue à mãe logo após o seu nascimento, podendo haver um contato inicial mais duradouro entre eles, as mães de prematuros, por sua vez, sentem-se frustradas, à medida que esse contato lhes é negado, já que o bebê é levado diretamente para a incubadora. Além dessa falta de um contato inicial, o saber das mães fica em detrimento do saber da equipe de saúde e elas ficam, de certa forma, impossibilitadas de exercerem o que Winnicott (2000) denominou de a preocupação materna primária, como pode ser observado no seguinte relato: Quando vi minha filha na incubadora, achava que ela ia morrer. Não queria que ela ficasse ali, queria colocar ela no peito, cuidar dela, tocar nela. Quando olhei para ela com aqueles aparelhos, sonda, borracha... chorei muito. Um aspecto bastante presente na fala das mães, no tocante à experiência da incubadora foi o medo de que o bebê morra, não resistindo a essa situação. Eu chorava; foi muito doloroso ver ela lá, chorando, sofrendo, sendo furada. No começo, eu não queria olhar pra ela. Eu não queria ver ela porque achava que ela ia morrer. afirma uma mãe, remetendo-nos à concepção de Brazelton (1988) de que dúvidas no que concerne à qualidade de vida do bebê, após tanto sofrimento, podem fazer com que haja um certo desinvestimento afetivo, pelo receio de se apegarem demais e sofrerem depois, caso o bebê venha a óbito. No que concerne à forma como as mães de bebês prematuros vêm se relacionando com os seus filhos após terem vivenciado essa fase crítica inicial, em especial, aos sentimentos atuais com relação ao bebê, percebemos que essas mães referiam-se, com mais freqüência, à vontade de que o bebê se recupere completamente, ao receio de não saber cuidar do filho, ao desejo de que ele não sofra mais, entre outros aspectos. Assim como nos aponta Brazelton (1988), verificamos que, apesar do período inicial de convivência da díade mãe-bebê ter se constituído em meio a uma série de transtornos e perturbações, é possível uma superação que venha a permitir um reinvestimento e um relacionamento favorável, permeado pelo contato e pela interação recíproca entre mãe e filho. Na tentativa de se observar de que modo a situação de prematuridade pode interferir nas expectativas da mãe em relação ao futuro de seu filho, foi perguntado às participantes como imaginam o bebê daqui a cinco anos e a maioria das mães expôs expectativas para seus filhos. Observou-se uma maior referência ao desejo de que o filho esteja bom, recuperado, além de muito receio quanto ao seu crescimento e à sua saúde, conforme as falas a seguir: Só consigo imaginar o rosto dela, porque o resto eu não sei como vai ficar... ; Quando lembro de algumas crianças, penso se ela vai ser assim também.... No entanto, verificamos também respostas otimistas e positivas, como, por exemplo, imaginar o filho grande, brincando e estudando. Isso nos aponta para o fato de que, apesar das implicações psicológicas e do bloqueio afetivo que essa situação pode provocar, elas puderam, de certa forma, imaginar seus filhos num futuro próximo. Pensamos, então, que, após um momento crítico e difícil, de comprometimentos e complicações, essas mães já começam a retomar e a recriar planos para o futuro, reinvestindo no filho.

Em se tratando dos dados obtidos através da aplicação da lâmina do Teste de Apercepção Temática, observamos que foram peculiares às mães de bebês prematuros os sentimentos de sofrimento, de rejeição ao bebê e de esperança quanto à recuperação do filho. Vale ressaltar que 60% dessas mães não conseguiram dar um final a sua narrativa, o que pode estar relacionado com a situação vivenciada por estas últimas; situação essa permeada por dúvidas e inquietações quanto à saúde e ao desenvolvimento do bebê, de modo que elas não conseguiram concluir a cadeia associativa. Alguns fenômenos indicativos de ansiedade apareceram nas histórias narradas, sendo específico dessas mães a auto referência. Dada a vulnerabilidade afetiva à qual estas mães estão submetidas decorrente da situação instável que vivenciam, constatamos que o estímulo apresentado pela lâmina mobilizam-nas a tal ponto de se identificarem e se inserirem nas histórias que criam a partir deste estímulo. Conclusão Pudemos observar que a situação de prematuridade é uma eventualidade que interfere na relação mãe-bebê, especialmente, na construção do vínculo e da interação inicial entre mãe e filho. Essa experiência representa um forte impacto para as mães, até porque o período dos nove meses de gestação consiste num processo fundamental de preparação biológica e psíquica para a experiência da maternidade. Assim, desde o momento em que se deparam com esse acontecimento, as mães se confrontam com o inesperado, com o amedrontador... com a maternidade prematura. Diante do inevitável nascimento prematuro do bebê, o medo de perder o filho esteve presente de forma bastante significativa. Frente a essa possibilidade, há um certo desinvestimento, e a imagem do bebê idealizado, assim como os sonhos e as expectativas construídas para ele durante a gravidez ou mesmo antes ficam suspensos, em meio às dúvidas e aos receios quanto à sobrevivência e à qualidade de vida do bebê. Quando a mãe finalmente se encontra diante do bebê real, um bebê incompleto, surge uma ferida narcísica, na medida em que o bebê concreto não corresponde em nada àquele do seu imaginário, denunciando o seu fracasso e expondo-a a um sentimento de frustração. Inicialmente, há uma certa recusa em aceitar essa situação e as mães passam a achar que não vão saber cuidar de um bebê frágil que necessita de tantos cuidados e atenção. A experiência da incubadora vem, de certo modo, corroborar essa sensação, na medida em que o bebê é entregue aos cuidados médicos e o saber das mães fica em detrimento do saber da equipe de saúde, ficando as mães impedidas de exercerem plenamente a preocupação materna primária. No entanto, uma vez passando essa fase mais crítica, as mães vão, aos poucos, da função materna, embora permaneçam, ainda, muitos medos e ansiedades referentes ao desenvolvimento do filho, o que vem a limitar, de certo modo, o imaginário e as expectativas para o seu futuro. Além disso, as questões que perpassam a situação de prematuridade não devem ser vistas de forma isolada, mas sim como um todo contextualizado.

Fatores como o planejamento ou não da gravidez, o momento em que surge a gestação, o apoio do pai da criança e a reação da família, interferem no modo como as mães se relacionam com seus bebês desde o início. Diante dessas questões, vale ressaltar uma consideração extremamente pertinente no que se refere não apenas à situação de prematuridade, mas à relação mãe-bebê de um modo geral. Trata-se da importância de que os serviços de neonatologia possam desenvolver um trabalho interdisciplinar capaz de acolher a mãe e o seu bebê de uma forma mais humanizada e integral; um serviço que seja capaz, enfim, de dar conta das vicissitudes da díade mãe-bebê e das possíveis eventualidades que possam vir a surgir nesse momento tão constitutivo. É fundamental que os serviços de neonatologia atuem de forma preventiva, oferecendo às mães um lugar mais participativo junto aos cuidados para com o bebê, no sentido de favorecer a construção e a intensificação do vínculo e da relação entre mãe e filho, haja vista ser essa construção a base para toda a constituição psíquica do sujeito. Referências Bibliográficas Brazelton, T. Berry. O Desenvolvimento do Apego Porto Alegre: Artes Médicas, 1988. Lebovici, Serge. O bebê, a mãe e o psicanalista. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987. Mathelin, Catherine. O Sorriso da Gioconda. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 1999. Spitz, René A. O Primeiro Ano de Vida. São Paulo: Martins Fontes, 1996. Wanderley, Daniele de B. (org.) Agora eu era o rei. Os entraves da prematuridade. Salvador: Álgama, 1999. Winnicott, D. W. Os Bebês e suas Mães. São Paulo: Martins Fontes, 1999.