ANTROPIZAÇÃO NO BAIRRO DA GLÓRIA E IMPACTOS AMBIENTAIS ASSOCIADOS Roberto Epifânio Lessa beto.lessa.epifanio@hotmail.com /Bolsista FAPEAM Márcia Regina Albuquerque Alves marciaregina.geo@gmail.com /Bolsista FAPEAM Neliane de Sousa Alves UEA/nelis.alves@gmail.com INTRODUÇÃO O Bairro da Glória está localizado na Zona Oeste da cidade de Manaus-AM com uma área de 49,47 ha (Figura 01). No último censo realizado em 2010, o bairro detinha uma população com cerca de 8.981 habitantes e aproximadamente 2.422 domicílios particulares (IBGE, 2010). Esta pesquisa apresenta uma caracterização e identificação das formas de ocupação existentes no bairro da Glória, e os principais impactos ambientais decorrentes do processo de urbanização no mesmo.
A Geomorfologia Urbana, no que dizer respeito aos processos de urbanização, Figura 1- Localização da área de estudo. destaca alguns pontos a serem discutidos dentro dos estudos geomorfológicos, como os impactos ambientais decorrentes da ocupação irregular de determinadas áreas e como essa ocupação influencia a vida da população residente no local. Guerra (2001) destaca que impacto ambiental é o processo de mudanças sociais e ecológicas causado por perturbações (uma nova ocupação e/ou construção de um objeto novo: uma usina, uma estrada ou uma indústria) no ambiente. Diz respeito ainda à evolução conjunta das condições sociais e ecológicas estimulada pelos impulsos das relações entre forças externas e internas da unidade espacial e ecologia, histórica ou socialmente determinada. Os impactos ambientais são escritos no tempo e incidem diferenciadamente, alterando as estruturas das classes sociais e reestruturando o espaço. O relevo, como um dos componentes do meio natural, apresenta uma diversidade enorme dos tipos de formas. Essas formas, por mais que possam parecer estáticas e iguais, na realidade são dinâmicas e se manifestam ao longo do tempo e espaço de modo diferenciado, em relação às combinações e interferências múltiplas dos demais componentes do estrato geográfico (ROSS, 2010). As mudanças que transformam paisagens pela ação do homem geram impactos ambientais que se agravam originando os riscos ambientais e, de acordo com Veyret (2007), os riscos ambientais resultam da associação entre risco natural e os decorrentes de processos naturais agravados pela atividade humana (ação antrópica) e pela ocupação do território sendo estes caracterizados por uma série de fatores que devem ser levados em consideração como o crescimento populacional desordenado e acelerado. A Geomorfologia Urbana envolve as dinâmicas que existem entre a relação do homem no espaço geográfico onde o mesmo passa a ser um agente modelador da paisagem, onde a apropriação do espaço pode causar uma série de mudanças na
morfologia natural do lugar. De acordo com Guerra (2006), a Geomorfologia Urbana procura compreender em que medida as transformações do meio ambiente, causadas pelo homem, podem ser responsáveis pela aceleração dos processos geomorfológicos. O homem, como um ser social, busca sempre expandir suas atividades em busca da sua sobrevivência, como acontece no contexto histórico do processo de crescimento das grandes cidades, onde as áreas de melhor acesso e qualidade foram sendo ocupadas pela população de maior poder aquisitivo, sujeitando a população com poucos recursos financeiros a ocuparem áreas próximas a corpos d água (igarapés) devido à desvalorização dessas terras e a falta de políticas públicas relacionadas à ocupação do espaço urbano de áreas consideradas de risco que acabam se tornando um atrativo para a população desprovida de recursos financeiros. Assim, estudos de Geomorfologia Urbana e Ambiental apresentam-se de extrema relevância nas áreas urbanas quando objetivam estudar os impactos ambientais decorrentes de ocupações irregulares, e dentro desta perspectiva, pesquisas sobre essa temática podem ajudar a evitar e prevenir acontecimentos extremos como enchentes e deslizamentos de terra que causam a morte de pessoas que residem em consideradas de risco e que estão sujeitas a eventos desta natureza. OBJETIVO A pesquisa realizada objetivou identificar e caracterizar as formas de ocupações existentes no bairro da Glória na cidade de Manaus e impactos ambientais associados a estas ocupações, e sua relação com o processo de urbanização da cidade de Manaus nas últimas décadas. METODOLOGIA A pesquisa foi realizada envolvendo três etapas: levantamentos de dados, a sistematização, as análises e discussão dos resultados. A primeira etapa da pesquisa compreendeu o levantamento de material bibliográfico sobre a temática da pesquisa, ou seja, estudos de Geomorfologia Urbana e Áreas de Riscos, e levantamentos de dados
sobre o bairro da Glória junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Prefeitura de Manaus e Defesa Civil do município. A segunda etapa refere-se aos levantamentos de campo, onde se realizou o mapeamento das formas de ocupação do bairro da Glória, através de observações, descrição, registro fotográfico e georreferenciamento dos locais mapeados. A terceira e última etapa compreendeu a sistematização e análise dos dados obtidos nos trabalhos de campo e lançamento das coordenadas geográficas dos pontos georreferenciados em campo na base cartográfica disponível (Google Earth ). Nesta etapa foram elaborados mapas de localização dos tipos de ocupações existentes no bairro e cadastro dos impactos ambientais decorrentes destas ocupações. RESULTADOS E DISCUSSÕES Durante a ocupação e urbanização inicial da cidade de Manaus ocorreu no bairro da Glória, devido a sua localização próxima do centro comercial da cidade, uma grande procura pela população local por terrenos para construção de moradias fato que levou a criação de um bairro caracterizado por ocupações irregulares e sem planejamento urbano. Pesquisas e observações preliminares no bairro da Glória possibilitaram a identificação de formas diversas de ocupação de áreas no bairro destacando-se as
ocupações de áreas de encostas, fundos de vales de igarapés, áreas consideradas de riscos, fomentadas por um crescimento desordenando e sem planejamento. A Figura 02 apresenta a localização das áreas consideradas de risco levantadas durante a etapa de mapeamento. Para Ross (2010) toda ação humana no ambiente natural ou alterado causa algum tipo de impacto em diferentes níveis, gerando alterações com graus diversos de agressão, levando às vezes as condições ambientais a processos até mesmo irreversíveis, assim é extremamente óbvio que qualquer interferência na natureza, pelo homem, necessita de estudo que levem ao diagnóstico, ou seja, a um conhecimento sobre o quadro ambiental, entretanto isso não é tão lógico aos leigos quanto possa parecer aos estudiosos e cientistas em geral. Por outro lado não se deve coibir a expansão de ocupação dos espaços, reorganização dos já ocupados e fatalmente a ampliação do uso
de recursos naturais, tendo-se o nível de expansão econômica e demográfica da atualidade. A ocupação de encostas geralmente se origina de assentamentos de terra de baixa valorização, ocupadas na maioria dos casos por pessoas que querem construir moradia com os mais baixos custos e hoje, devido ao ritmo intenso dos processos de urbanização nas cidades em desenvolvimento, faz-se necessário uma gestão de território que garanta uma maior preservação do meio natural principalmente nestas áreas nas grandes cidades. A ocupação de encostas é um grande problema no campo dos planejamentos ambientais e urbanos em cidades como a capital do Amazonas. Em Manaus nas últimas décadas esse processo de ocupação vem se intensificando, devido à situação econômica atual do Amazonas com a implantação de investimentos da Zona Franca de Manaus na década de 1960 que trouxe várias pessoas de outras cidades do interior do estado e de outros estados do país. A falta de planejamento urbano adequado para alocar essas pessoas que chegaram e continuando chegando a cidade de Manaus, levou parte da população de baixa renda, sem alternativas de habitações adequadas, a ocuparem áreas consideradas frágeis e que apresentam altos riscos geológicos e socioambientais. Essa forma de ocupação, sem considerar os elementos naturais do meio ambiente, leva a ocorrência de impactos ambientais sobre o estrato geográfico. Esses impactos refletem de maneira acentuada nas áreas de fundo de vale, isso porque essas áreas possuem características ambientais importantes que tem influência nos recursos naturais que deveriam ser preservadas. Segundo Oliveira (2003) ao analisar-se a cidade de Manaus, observa-se que as relações socioespaciais explicitam as contradições resultantes da produção da cidade numa sociedade desigual e afirma que, compreender o espaço urbano significa identificar não apenas os mecanismos que colocam em funcionamento o sistema social e natural, mas também as várias dimensões por meio das quais o sistema social se especializa na cidade.
A influência do componente geológico ou natural na vulnerabilidade das encostas a deslizamentos varia muito, embora seja consenso que as intervenções antrópicas, por meio da supressão da cobertura vegetal, cortes e aterros, despejo de lixo e alteração das linhas de drenagem natural potencializam a instabilidade, fazendo com que, nas áreas ocupadas, a suscetibilidade a esses processos se transforme em risco potencial com ocorrência de vítimas fatais. Entre os processos observados nas encostas urbanizadas no bairro da Glória são marcantes os movimentos de massa de pequena escala, rastejos, que provocam uma série de impactos como problemas na estrutura de algumas residências no bairro que dão a impressão de que postes, casas, muros e cercas estão em movimento, o que gera muitas rachaduras comprometendo a estrutura das moradias e aumentando o risco de desabamento das mesmas, neste ambiente é observado aumento e aceleração da erosão do solo devido a retirada da cobertura vegetação, e a pavimentação de ruas que aumenta a velocidade de fluxo das águas pluviais em direção ao fundo do vale durante as chuvas que são frequentes na região, provocando inundações quando da ocorrência de um evento mais intenso. Outro impacto observado no bairro é a presença de lixeiras viciadas localizadas nas vias localizadas na parte mais altas dessas áreas de encostas onde os carros da prefeitura passam uma vez por dia para a coleta. Dados divulgados pela Defesa Civil do Estado do Amazonas apontam que o bairro da Glória, localizado as margens do igarapé do São Raimundo, está entre os bairros afetados pela cheia anual do Rio Negro e que sofrem a influência da variação anual das cotas do Rio Negro medidas no Porto de Manaus. Em 2014 no período da cheia do Rio Negro foi registrado cerca de 500 residências afetadas pela enchente no bairro da Glória, e algumas medidas foram implantadas pela Defesa Civil como a construção de pontes para facilitar a mobilidade nessas áreas e remoção das famílias das áreas de maior risco. Segundo Guerra e Cunha (1995), o vale fluvial é uma depressão alongada (longitudinal) constituída por um ou mais talvegues e duas vertentes com sistema de
declive convergente. O vale fluvial pode ser conceituado também, como planície à margem do rio ou várzea. O fundo de vale pode ser entendido do ponto de vista dos tipos de leito, de canal e de rede de drenagem. Com base nos trabalhos de campo realizados no bairro da Glória, pode-se compreender por fundo de vale o ponto mais baixo do relevo, por onde escoam as águas pluviais. Os principais impactos gerados pela ocupação de fundo de vale nos diversos igarapés existentes no bairro da Glória são a poluição do solo e da água devido ao lançamento de lixo e esgoto in natura diretamente nos cursos d água e no solo, aumentando os processos de eutrofização e assoreamento dos corpos d água e também a ocorrência de alguns vetores de doenças relacionadas com a água. O bairro da Glória também está inserido no PROSAMIM III - Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus, que é um programa do Governo Estadual iniciado em 2011 que consiste em melhorar a qualidade de vida da população residente na área de abrangência do programa, através do melhoramento das condições sanitárias do entorno urbano. As obras abrangem a remoção das palafitas implantadas e o reassentamento das famílias em novas unidades habitacionais às margens dos Igarapés, no bairro da Glória foram retiradas aproximadamente 800 famílias que moravam em condições de risco. CONCLUSÃO Os resultados desta pesquisa permitem uma melhor compreensão de como funcionam as dinâmicas que influenciam na transformação da paisagem dentro de uma cidade em processo de consolidação da urbanização, e estudos sobre esta temática em uma grande cidade possibilitam uma melhor visão dos processos geomorfológicos que interferem na vida da população residente em áreas como o bairro da Glória em Manaus, e contribuem para a elaboração de políticas públicas relacionadas ao planejamento urbano e ambiental.
Essa pesquisa também mostrou como é importante um estudo prévio da área antes de se realizar qualquer construção, para que possa ser evitada a ocorrência de riscos ambientais que resulte na perda de vidas humanas dentro dessas áreas. Embora este estudo seja preliminar, em função do curto período de tempo que foi realizado, ele visa subsidiar novas pesquisas que devem aprofundar os conhecimentos no que tange a relação entre o homem e natureza, Geomorfologia urbana e ambiental, áreas de risco, bem como as influências antrópicas. AGRADECIMENTOS À FAPEAM - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas pela concessão da Bolsa de pesquisa do Programa de Apoio a Iniciação Cientifica (PAIC). REFERÊNCIAS ARAUJO, Gustavo Henrique de Sousa; ARAUJO, Josimar Ribeiro de Almeida; GUERRA, José Antônio Teixeira. Gestão de áreas degradadas. Rio de Janeiro. Bertrand, 2005. CUNHA, Sandra Batista; GUERRA, José Antonio Teixeira. Geomorfologia uma atualização de bases e conceitos. Rio de Janeiro. Bertrand 1995. CUNHA, Sandra Batista; GUERRA, José Antonio Teixeira. Impactos Ambientais urbanos no Brasil: Bertrand Brasil. 2006. DELMIRO, Augusto Bentes. Defesa Civil do Amazonas: disponível em <http://www.defesacivil.am.gov.br/pagina/defesa-civil-no-amazonas/ >. Acessado em 19/06/2014. GUERRA, José Antônio Teixeira. JORGE, Maria do Carmo Oliveira. Processos erosivos de áreas degradadas: São Paulo. Oficina de Texto, 2013. GUERRA, José Antônio Teixeira. Geomorfologia urbana. Bertrand Brasil: Rio de Janeiro: 2011. IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Censo 2010: disponível em <http://www.ibge.gov.br> acessado em 10/10/2013.
OLIVEIRA, José Aldemir de; COSTA, Danielle PEREIRA. A análise da moradia em Manaus (AM) como estratégia de compreender a cidade. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. Barcelona. 2003,1-32p. Universidade de Barcelona, disponível em: <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-24530.htm>. Acessado em 27/04/2014. PROSAMIM III, Relatório de Impacto Ambiental. Manaus-Amazonas; Disponível em: < http://prosamim.am.gov.br/ambiental/prosamim-iii-2/>. Acessado em 20/06/2014. ROSS, Jurandyr L. Sanches. Geomorfologia: ambiente e planejamento ambiental. 8ªed. 3ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2010. VEYRET, Yvette, Os riscos: o homem como agressor e vítima do meio ambiente, São Paulo: Contexto 2007.