TRABALHOS TÉCNICOS Divisão Jurídica RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NOS CONTRATOS DE TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS DA DECLARAÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 71, 1º, DA LEI Nº 8.666/93, PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Tatiana Machado Dunshee de Abranches Advogada O objeto do contrato de terceirização de serviços é atribuir a terceiro a realização de uma atividade útil ao interesse ou aos fins sociais de uma empresa. Os vínculos jurídicos se mantêm entre o trabalhador e a empresa contratada, ainda que o trabalhador esteja inserido no processo produtivo do tomador de serviços. Dessa forma, a relação econômica de trabalho não é associada à relação de direito que lhe é correspondente. Assim sendo, o modelo clássico empregatício, que é essencialmente bilateral, passa a ser trilateral, composto pelo trabalhador, pelo tomador de serviços e pela empresa que terceiriza e assume a posição de empregador daquela mão de obra. A terceirização é um fenômeno relativamente novo, e, em razão disso, a doutrina e a jurisprudência tendem a enxergá-la como exceção, pois na época da elaboração da Consolidação das Leis Trabalhistas (Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943) esta não possuía relevância. Isso somente surgiu a partir dos anos 70, quando passou a ostentar referência normativa no artigo 10 do Decreto-Lei nº 200/67 e na Lei nº 5.645/70, ambos editados com a finalidade de promover a descentralização administrativa por meio da contratação de serviços com empresas privadas. Com a edição da Lei do Trabalho Temporário (Lei nº 6.019/74), a terceirização foi incorporada ao setor privado, que passou a adotá-la de forma crescente, o que levou a jurisprudência trabalhista a regular o tema. O Tribunal Superior do Trabalho editou a Súmula de Jurisprudência nº 256, em 1986, e, em 1993, fez a revisão por meio da Súmula nº 331, que recentemente teve sua redação alterada, com o fim de incorporar o entendimento do Supremo Tribunal Federal, proferido no julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade nº 16, que tratou da constitucionalidade do artigo 71 da Lei nº 8.666/93. O Enunciado da Súmula nº 256 do TST dispunha que:
2 Salvo nos casos previstos nas Leis nº 6.019/74 e 7.102/83, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador de serviços. Verifica-se, assim, que o entendimento dominante era o de que a contratação de trabalhadores por empresa interposta devia se dar apenas em estritas hipóteses. Por outro lado, caso considerada ilícita a terceirização, por ter sido celebrada fora das hipóteses legais, o vínculo empregatício entre o trabalhador e o tomador dos serviços era reconhecido. Com o advento da Constituição da República de 1988, os termos da Súmula nº 256 passaram a afrontar a exigência de concurso público para a admissão de servidores. Assim, em 1994 ocorreu a sua revisão e a edição da Súmula nº 331 do TST, nos seguintes termos: TST Enunciado nº 331 Revisão da Súmula nº 256 Res. 23/1993, DJ 21, 28.12.1993 e 04.01.1994 Alterada (Inciso IV) Res. 96/2000, DJ 18, 19 e 20.09.2000 Mantida - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003 Contrato de Prestação de Serviços Legalidade I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974). II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). (Revisão do Enunciado nº 256 - TST) III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20-06-1983), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993). (Alterado pela Res. 96/2000, DJ 18.09.2000). Ocorre que a Súmula 331, ao prever a responsabilidade subsidiária da Administração Pública quanto aos encargos trabalhistas decorrentes do inadimplemento do empregador, ou seja, da empresa contratada pela execução de determinado serviço, contrariou frontalmente expressa previsão legal em sentido contrário, prevista no artigo 71 da Lei nº 8.666/93. Isso porque o artigo 71 prevê o seguinte: Trabalhos Técnicos
3 Art. 71 O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato. 1º A inadimplência do contratado com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o registro de imóveis. 2º A Administração Pública responde solidariamente com o contratado pelos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato, nos termos do art. 31 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. Portanto, o texto legal prevê que os encargos trabalhistas decorrentes da terceirização dos serviços são de exclusiva responsabilidade da empresa contratada e, ainda que inadimplente esta, não há transferência de responsabilidade pelo pagamento para a Administração Pública. A despeito disso, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) editou a Súmula nº 331, cuja previsão é em sentido diametralmente oposto, negando vigência ao artigo 71 da Lei nº 8.666, sem a declaração de inconstitucionalidade pelo seu Plenário, em flagrante contrariedade ao disposto no artigo 97 da Constituição da República (CR), que trata do princípio da reserva de plenário. Além disso, o TST criou para os entes da Administração Pública uma responsabilidade subsidiária não prevista em lei, contrariando também o princípio da legalidade. Em razão disso, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, instado a se manifestar no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC nº 16), julgou, por maioria, procedente o pedido formulado, para declarar a constitucionalidade do artigo 71, 1º, da Lei nº 8.666/93. As razões do julgamento baseiam-se, entre outras, justamente no fato de que os Tribunais Regionais do Trabalho, com o advento daquele verbete, passaram a considerar que haveria a inconstitucionalidade do 1º do artigo 71 da Lei nº 8.666/93, ainda que inexistente a manifestação do Plenário. Quanto ao mérito, entendeu-se que a mera inadimplência do contratado não poderia transferir à Administração Pública a responsabilidade pelo pagamento dos encargos. No entanto, reconheceu-se que, em havendo eventual omissão da Administração Pública na obrigação de fiscalizar as obrigações do contratado, esta poderá vir a ser considerada responsável. Ora, inexistindo lei que determine a solidariedade ou a subsidiariedade do Poder Público quanto ao pagamento dos encargos trabalhistas, não caberá ao intérprete presumi-la. Dessa forma, restaria, então, o parágrafo único do artigo 71 da Lei nº 8.666/93, que, ao excluir a responsabilidade do Poder Público pela inadimplência do contratado, não enseja qualquer confronto com a Constituição Federal. Ademais, cabe ressaltar que a previsão do artigo 37, Trabalhos Técnicos
4 6º, da CR, que trata da responsabilidade objetiva extracontratual, não se aplica à espécie, visto que a responsabilidade contratual da Administração Pública difere da extracontratual. Por fim, o Plenário julgou procedentes duas reclamações, ajuizadas contra acórdãos do TST, nas quais se apontava ofensa à Súmula Vinculante 10, que dispõe que viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte. Sustentava-se que o Tribunal a quo, ao invocar o Enunciado 331, IV, do TST, teria afastado a aplicação do artigo 71, 1º, da Lei nº 8.666/93, sem a devida pronúncia de inconstitucionalidade declarada pelo voto da maioria absoluta dos membros da Corte. Assim, o STF determinou o retorno dos autos ao TST, a fim de que proceda a novo julgamento, manifestando-se à luz da constitucionalidade do artigo 71, 1º, da Lei nº 8.666/93, tal como nessa oportunidade era declarado. Concluiu-se que o TST, ao entender que a decisão recorrida estaria em consonância com a citada Súmula 331, negara implicitamente vigência ao artigo 71, 1º, da Lei nº 8.666/93, sem que o seu Plenário houvesse declarado a inconstitucionalidade. Em virtude do julgamento da ADC nº 16, o TST deu nova redação à Súmula 331, nos seguintes termos: SUM-331 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011 I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974). II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. Trabalhos Técnicos
5 V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. VI - A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral. Em face do exposto, não será mais viável atribuir responsabilidade subsidiária ao Poder Público pelo pagamento dos encargos trabalhistas pelo simples inadimplemento do contratado. Apenas a efetiva demonstração de conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666/93, em especial à ausência de fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais, acarretará a responsabilidade subsidiária do ente público. Dessa forma, será imprescindível adentrar no exame da culpa do administrador e demonstrar ao menos a existência de uma omissão específica, para fins de atrair a hipótese de responsabilização subsidiária. Trabalhos Técnicos