PARECER CREMEC 06/ /02/11. PROCESSO-CONSULTA PROTOCOLO CREMEC n 4198/10

Documentos relacionados
CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE MATO GROSSO

PROF. JOSEVAL MARTINS VIANA ÉTICA MÉDICA - AULA 30 ÉTICA MÉDICA

CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE MATO GROSSO

RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL

CONSULTA Nº /2013

PROCESSO CONSULTA CRM-PB Nº 09/2014 PARECER CRM PB Nº 09/2014

A VISÃO MÉDICA SOBRE A SEGURANÇA DO PACIENTE. Dr. João de Lucena Gonçalves

PARECER CREMEC Nº 4/ /07/2017

PARECER CRM/MS 2/2016

PARECER CONSULTA N 6/2017

Assunto: Transporte intra-hospitalar, anestesia, exames complementares.

Legislação da ResponsabilidadeTécnica. Consa. Eliane Noya Conselheira do CREMEB Diretora do Depto de Fiscalização

LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

DA CONSULTA. Faz considerações acerca desses pareceres, da legislação e a seguir esclarece:

PARECER CREMEC N.º 6/ /05/2018

PARECER CONSULTA Nº

DA CONSULTA: A Dra. L. C. G. da S. Coordenadora do serviço de Oftalmologia do Hospital Geral de DOS FUNDAMENTOS LEGAIS

PARECER CONSULTA CRM/PA PROCESSO CONSULTA PROTOCOLO N 3662/2017 PARECERISTA: CONSELHEIRO ARTHUR DA COSTA SANTOS.

PARECER CREMEC nº16/ /05/2012

PARECER CRM/MS N 05/2016 PROCESSO CONSULTA 17/2015

Crimes de Periclitação de Vida e Saúde (continuação)

Aspectos jurídicos da Violência intra e extra familiar contra crianças. as e adolescentes INSTITUTO WCF LAÇOS DA REDE

PARECER CREMEC N.º 12/ /07/2014

PARECER CFM nº 22/15 INTERESSADO: Sra. S.A.L.B.L. Diretor técnico e diretor clínico Cons. Hermann Alexandre Vivacqua von Tiesenhausen

PARECER CREMEC N.º 08/ /03/2014

PARTE ESPECIAL crimes contra a pessoa integridade corporal

FLORIANÓPOLIS SANTA CATARINA 14 e 15 de outubro de 2015

Solicitação de Parecer Técnico ao COREN MA sobre O que é necessário para o profissional de Enfermagem realizar atendimento domiciliar particular

PARECER Nº 2573/ CRM-PR ASSUNTO: SAMU - RETENÇÃO DE MACAS NOS HOSPITAIS PARECERISTA: CONS.º ADONIS NASR

PROCEDIMENTOS ÉTICOS E JUDICIAIS E RESPONSABILIDADE DO DIRETOR TÉCNICO ÉRICA DE MENESES

Recusa em permitir transfusão de sangue - Resolução CFM 1021 de 26/9/ *****

RESOLUÇÃO CFM Nº 2.171, DE

PARECER CREMEC Nº 34/ /10/2010

PARECER CONSULTA N 012/2015

PROJETO DE LEI DO SENADO Nº, DE 2015

PARECER CREMEC Nº 27/ /09/2010

PARECER CONSULTA CRM/ES N 8/2017

RECOMENDAÇÃO ADMINISTRATIVA N. 001/2014

CFM informa sobre os direitos dos pacientes no SUS.

DA RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL DE ESCOTISTAS E DIRIGENTES INSTITUCIONAIS

PARECER CREMEC Nº 09/ /02/2013

ART. 136 MAUS-TRATOS expor tipo misto alternativo crime de forma vinculada a) Privação de alimentos ou cuidados indispensáveis

CONFLITO DE INTERESSES

Ref: Consulta Pública à Minuta da Resolução Normativa da ANS, a ser publicada em 2010.

JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE. Dr. Eduardo Luiz Bin Conselheiro Regional do CREMESP

PALAVRA CHAVE: Sobre laudo de Rx e atendimentos nos Postos de Saúde

PÓS GRADUAÇÃO PENAL E PROCESSO PENAL Legislação e Prática aula 8. Professor: Rodrigo J. Capobianco

INICIAÇÃO AO DIREITO MÉDICO E DA SAÚDE

PARECER CREMEC N º 14/ /05/07

RESOLUÇÃO Nº 2.147, DE 17 DE JUNHO DE 2016

PARECER CREMEC Nº 21/ /07/2011

PARECER CREMEC nº 09/ /09/2015

CORPO CLÍNICO DIRETOR TÉCNICO DIRETOR CLÍNICO. Dr. Cláudio Bauduino Souto Franzen Março/2013

LEGISLAÇÃO DE TRÂNSITO

CONSULTA Nº /2013

CONSULTA Nº /2014

Regimento Interno da URPA (Unidade de Recuperação Pós- Anestésica)

ATRIBUIÇÃO. Investiga no âmbito da Capital: A) Saúde do Trabalhador

PARECER Nº 2614/ CRM-PR ASSUNTO: VAGAS EM LEITOS DE UTI PARECERISTA: CONS.ª NAZAH CHERIF MOHAMAD YOUSSEF

SESSÃO DA TARDE PENAL E PROCESSO PENAL CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO ASPECTOS CRIMINAIS. Prof. Rodrigo Capobianco

PRONTUÁRIO MÉDICO OU DO PACIENTE PROF. JOSEVAL MARTINS VIANA

PARECER CONSULTA N PARECER CONSULTA N DA CONSULTA

MEDICINA Farmacologia Prof. Luiz Bragança. Aspectos Éticos da Prescrição de Medicamentos.

PARECER CREMEB Nº 57/10

O médico pode ser perito do seu paciente?

PARECER CREMEC N.º 01/ /01/2019

REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL AUTARQUIA FEDERAL CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA DA 9ª REGIÃO ESTADO DO PARANÁ CREF9/PR

PROF. JOSEVAL MARTINS VIANA RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO PLÁSTICO

PARECER CONSULTA N 007/2015

Consa. Eliane Noya Conselheira do CREMEB Vice Diretora do Depto de fiscalização

LEGISLAÇÃO DE TRÂNSITO

EMENTA: Disponibilidade de vagas em UTI neonatal - Responsabilidade CONSULTA

REGIMENTO INTERNO DO CORPO CLÍNICO

FÓRUM SEGURANÇA DO PACIENTE EMMANUEL FORTES S. CAVALCANTI 3º VICE PRESIDENTE CFM BRASÍLIA, 04 DE JULHO 2017

Aula 28 CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO (PARTE I).

Legislação Penal Especial Lei de Tortura Liana Ximenes

PARECER CREMEB Nº 10/17 (Aprovado em Sessão Plenária de 28/11/2017)

PARECER CFM Nº 42/2016 INTERESSADOS:

O PRESIDENTE DO CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA, no uso de suas atribuições estatutárias,

Atendimento de consulta ambulatorial no âmbito do SUS para a especialidade de neurologia.

CRIMES CONTRA A PESSOA

PARECER CREMEC Nº 10/2014

1. O doente tem direito a ser tratado no respeito pela dignidade humana

CONSULTA. CRM-PR Página 1 de 7

Solicita esclarecimentos para as seguintes questões:

Ética e sigilo na divulgação de. médicas. Jorge R. Ribas Timi

PROCESSO CONSULTA Nº 08/2014 PARECER CONSULTA Nº 01/2015

CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE MATO GROSSO

; Palavras chave: Segurança do paciente; Plantão; Estabelecimento de Saúde

Direito Penal. Curso de. Rogério Greco. Parte Geral. Volume I. Atualização. Arts. 1 o a 120 do CP

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ENFERMEIRO NA GESTÃO ASSISTENCIAL

CRIMES CONTRA A HONRA. (continuação)

Prefeitura Municipal de Valença publica:

PARECER CREMEC N.º 5/ /05/2016

PROCESSO CONSULTA Nº 02/2012 PARECER CONSULTA Nº 05/2014

PROF. JOSEVAL MARTINS VIANA. Aula n. 79. Pós-Graduação em Direito Médico e da Saúde Tema: SANGUE CONTAMINADO - RESPONSABILIDADE CIVIL

POLÍTICA DE ATIVIDADES DE DIAGNÓSTICO POR IMAGEM E ÉTICA MÉDICA

ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

CONSULTA Nº /2014

Transcrição:

PARECER CREMEC 06/2011 26/02/11 PROCESSO-CONSULTA PROTOCOLO CREMEC n 4198/10 INTERESSADO: DR. FRANCISCO PARENTE VIANA JÚNIOR CREMEC 3218 ASSUNTO: PACIENTE INTERNADO NO SETOR DE EMERGÊNCIA PARECERISTA: CONS. HELVÉCIO NEVES FEITOSA DA CONSULTA Médico dirige-se a este egrégio Conselho Regional de Medicina e formula solicitação de parecer com as seguintes indagações, verbis: 1. De quem é a responsabilidade do paciente internado na emergência que chegou com uma fratura e aguarda transferência ou para enfermaria do próprio serviço ou para hospital de apoio? 2. Caracteriza maus tratos, pacientes em cima de macas por 20 dias e às vezes mais? 3. É ético? 4. De quem é a responsabilidade sobre esses pacientes, do plantonista da emergência ou do médico diarista que se encontra na casa? 5. Quem são os responsáveis pelas iatrogenias, pela demora em resolver as necessidades dos pacientes? DO PARECER Resposta aos quesitos formulados: 1. A Resolução CFM n 1.493/98 resolve: 1 Determinar ao Diretor Clínico do estabelecimento de saúde que tome as providências cabíveis para que todo paciente hospitalizado tenha seu médico assistente responsável, desde a internação até a alta. A Resolução CFM n 1342/1.991 estabelece: Art. 3 - São atribuições do Diretor Clínico: a) Dirigir e Coordenar o Corpo Clínico da instituição. b) Supervisionar a execução das atividades de assistência médica da instituição. 1

Portanto, é de responsabilidade do Diretor Clínico a definição da responsabilidade médica sobre paciente internado em qualquer das dependências do hospital. 2. Para responder a este quesito, recorremos ao que diz a legislação nacional sobre o tema. O Código Penal em vigor prevê uma série de condutas distintas para a incriminação genérica dos "maus-tratos". O denominador comum dessas condutas é a exposição a perigo da vida ou saúde de quem esteja sob a autoridade, guarda ou vigilância do sujeito ativo, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia. Do ponto de vista legal, entende-se por maus-tratos as condutas físicas ou morais praticadas pelo agente expondo a perigo a vida ou a saúde da vítima, seja ela maior ou menor de idade. Castigos imoderados, maus-tratos, imposição de trabalho excessivo, privação de cuidados indispensáveis, estão contidos no art. 136 do Código Penal. Eis o texto legal: Art. 136. Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina: Pena detenção, de 2 (dois) meses a um ano, ou multa 1 Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: Pena reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. 2 Se resulta a morte: Pena reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos. 3 Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos (Incluído pela Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990) Portanto, o crime de maus-tratos é uma tipificação penal, cuja caracterização encontra-se na esfera jurídica, fora da alçada de interpretação ou julgamento dos Conselhos de Medicina. 3. Se é ético manter paciente em cima de macas por 20 dias e às vezes mais? O Código de Ética Médica em vigor, em seu Capítulo I - Princípios Fundamentais estabelece: 2

II - O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional. (grifo nosso) VI - O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício. Jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade.(grifo nosso) No capítulo II, que trata dos Direitos dos Médicos, vejamos o que está prescrito: É direito do médico: III - Apontar falhas em normas, contratos e práticas internas das instituições em que trabalhe quando as julgar indignas do exercício da profissão ou prejudiciais a si mesmo, ao paciente ou a terceiros, devendo dirigir-se, nesses casos, aos órgãos competentes e, obrigatoriamente, à comissão de ética e ao Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição.(grifo nosso) No Capítulo IV, que trata dos Direitos Humanos, vejamos: É vedado ao médico: Art. 23. Tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma ou sob qualquer pretexto. (grifo nosso) Entendemos que tal condição constitui-se em falta de zelo e desrespeito à dignidade do paciente, sendo inquestionavelmente prejudicial à saúde do mesmo e colidindo claramente com os princípios e dispositivos éticos acima elencados. Entretanto, tais condições estão no contexto de um caos assistencial no Sistema de Saúde, cuja responsabilidade, no mais das vezes, está acima da capacidade de resolução do profissional médico, a quem o nosso Código de Ética abrange. Há uma crise gerencial crônica do Sistema, em grande parte relacionada aos parcos investimentos, muito aquém das reais necessidades. 3

4. Resposta já contemplada no item 1. 5. Vejamos o que estabelece o Art. 1º do atual Código de Ética Médica. É vedado ao médico: Art. 1º Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência. Parágrafo único. A responsabilidade médica é sempre pessoal e não pode ser presumida. Art. 19. Deixar de assegurar, quando investido em cargo ou função de direção, os direitos dos médicos e as demais condições adequadas para o desempenho ético-profissional da Medicina. Art. 57. Deixar de denunciar atos que contrariem os postulados éticos à comissão de ética da instituição em que exerce seu trabalho profissional e, se necessário, ao Conselho Regional de Medicina. Os casos caracterizados como iatrogenias devem ser denunciados à Comissão de Ética Médica do Hospital ou ao Conselho Regional de Medicina, conforme prevê o artigo 57, para apuração de responsabilidades. De acordo com o parágrafo único do artigo 1º, a responsabilidade médica não pode ser presumida nos casos de imperícia, imprudência ou negligência, ou seja, ela terá que ser comprovada, através de um processo ético-profissional que culmina num julgamento. A Resolução CFM n 1.342/1991 resolve: Art. 1 - Determinar que a prestação de assistência médica nas instituições públicas ou privadas é de responsabilidade do Diretor Técnico e do Diretor Clínico, os quais, no âmbito de suas respectivas atribuições, responderão perante o Conselho Regional de Medicina pelos descumprimentos dos princípios éticos, ou por deixar de assegurar condições técnicas de atendimento, sem prejuízo da apuração penal ou civil. Art. 2 - São atribuições do Diretor Técnico: a) Zelar pelo cumprimento das disposições legais e regulamentares em vigor. b) Assegurar condições dignas de trabalho e os meios indispensáveis à prática médica, visando o melhor desempenho do Corpo Clínico e demais profissionais de saúde em benefício da população usuária da instituição. (...). Portanto, é de responsabilidade do Diretor Técnico da instituição assegurar as condições e os meios indispensáveis para que o médico possa exercer o seu trabalho com dignidade e dentro dos princípios éticos. Entretanto, cabe avaliar 4

o empenho do Diretor Técnico para equacionar os entraves que estão na sua esfera de competências, ou seja, somos de opinião que o mesmo só pode ser responsabilizado eticamente se foi omisso em suas funções. Caso fique comprovado o seu empenho em solucionar deficiências estruturais, que estão acima da sua capacidade de resolução, não podemos penalizá-lo diante do insucesso. Como exemplo, as deficiências estruturais decorrentes da falta de investimentos na saúde pública e a desorganização na hierarquização do setor, a sobrecarregar os hospitais de nível secundário e terciário, extrapolam a esfera de competência do Diretor Técnico. Este é o parecer, s.m.j. Fortaleza, 26 de fevereiro de 2011 Cons. Helvécio Neves Feitosa Conselheiro Relator 5