PSICOLOGIA E DIREITOS HUMANOS: Formação, Atuação e Compromisso Social A ESCOLA HÚNGARA DE PSICANÁLISE: ASPECTOS CLÍNICOS, HISTÓRICOS E EPISTEMOLÓGICOS

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Transcrição:

A ESCOLA HÚNGARA DE PSICANÁLISE: ASPECTOS CLÍNICOS, HISTÓRICOS E EPISTEMOLÓGICOS Marcos Mariani Casadore (Bolsista CAPES, Universidade Federal de Uberlândia UFU, Uberlândia/MG, Brasil); Georgina Carolina de Oliveira Faneco Maniakas (Departamento de Psicologia, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos-SP, Brasil); Helio Honda (Capes BEX 0608/11-4, Departamento de Psicologia, UEM, Maringá-PR, Brasil); Marcos Paulo Shiozaki (Universidade Estadual Paulista UNESP, Assis/SP, Brasil). contato: mmcasadore@yahoo.com.br Palavras-chave: Escola Húngara de Psicanálise. Ferenczi, Sándor. Balint, Michael. Técnica psicanalítica. História da Psicanálise. Introdução Temos como proposta geral desse simpósio o objetivo de estabelecer um debate acerca do que denominamos como Escola Húngara de Psicanálise, salientando alguns pontos convergentes acerca de suas propostas teórico-técnicas, os desdobramentos desse pensamento para o desenvolvimento do movimento psicanalítico e, ainda, a importância histórica e contextual da construção desta identidade estabelecida pelos seus pensadores. Para tanto, tomamos como referência as obras de dois de seus mais famosos expoentes: Sándor Ferenczi (1873-1933), médico húngaro da primeira geração de psicanalistas e um dos fundadores da Sociedade Húngara de Psicanálise, é o nome mais conhecido e difundido dentre os pioneiros do movimento psicanalítico; Michael Balint (1896-1970), húngaro radicado na Inglaterra e seu mais famoso discípulo e difusor, também se destaca pela continuidade que dá às linhas de progresso da psicanálise inauguradas pela Escola Húngara. O nome de Ferenczi se destaca dentre os primeiros psicanalistas justamente pelo seu espírito crítico e investigativo, e a valorização que dá aos aspectos clínicos, de um ponto de vista técnico. Mas o psicanalista húngaro também exerce importante papel nas suas postulações teóricas numa proposta de expansão dos limites e fronteiras da psicanálise daquelas primeiras décadas, principalmente empreendidas pelos estudos de caso dos pacientes tidos como difíceis e que questionavam indiretamente, a partir de seus atendimentos

clínicos, alguns preceitos psicanalíticos, e apontavam para uma exigência de ampliação do alcance da psicanálise. Será discutido, enfim, os caminhos abertos, avanços e prolongamentos que se originam em Ferenczi e numa Escola Húngara de Psicanálise e que acabam, por fim, modificando todo o fazer analítico e ajudando a ampliar a potencialidade teórica e prática da Psicanálise. Discussão Num primeiro momento, exporemos alguns aspectos do recorte histórico do desenvolvimento da psicanálise nos seus primeiros anos, com especial atenção aos acontecimentos que ganham forma na Hungria e o delineamento dos caminhos empreendidos pelo grupo de psicanalistas pioneiros daquela associação. Sua importância para o movimento psicanalítico destaca-se, dentre outros motivos, por ser esta associação um dos primeiros pólos psicanalíticos além de Viena (junto com Berlim e Zurique), e concentrar ali importantes figuras que se mostraram essenciais para alguns dos avanços desta ciência que acabava de inaugurar um novo espaço com muito ainda a descobrir e se desenvolver. Ferenczi conseguiria finalmente fundar a Sociedade Psicanalítica de Budapeste em 1913 projeto que levava consigo desde seu primeiro contato com Sigmund Freud e com a ciência psicanalítica, em 1908, intermediado por Carl Jung, e seria seu diretor e principal nome dentre seus membros. A ideia de uma Escola Húngara, porém, não irá se limitar a um território, em específico, ou apenas a um recorte temporal dentro da história do movimento psicanalítico. Buscaremos explorar a compreensão de uma identidade referente às produções desenvolvidas naquele contexto. A nosso ver, os membros componentes da Sociedade Húngara de Psicanálise tiveram um papel essencial e extremamente significativo relacionado à expansão do movimento psicanalítico em vários dos sentidos do termo, como apresentaremos ao longo das comunicações do simpósio. A Escola Húngara de Psicanálise não se limitaria simplesmente à pessoa de Ferenczi, nem se caracteriza como uma escola de treinamento e reprodução sistemática podemos dizer que sua configuração se daria, principalmente, como uma escola de pensamento. Não se impõe nem se institui um pensamento concreto e definido, mas se fomenta o pensar. A originalidade pertinente à Escola Húngara, portanto, não se limitaria somente às suas

produções teórico-técnicas, mas também à sua formação e funcionamento. Porém, existe, ainda, pontos de identificação muito bem constituídos no desenvolvimento da Escola Húngara: dentre essas características típicas de uma escola de pensamento, por exemplo, há incidências constantes nas obras que eram produzidas naquele contexto inicial com relação à delineação de estudos que se caracterizariam como interdisciplinares, buscando sempre o estabelecimento de pontos possíveis e plausíveis de debate entre a ciência psicanalítica, aqui in status nascendi, e outras áreas e campos de estudo e conhecimento os que mais se destacariam, nesse contexto, seriam as relações com a pedagogia e com a antropologia. É possível perceber também a importância que os húngaros voltavam à prática clínica da psicanálise, sempre problematizando e postulando experimentações técnicas (referentes ao tipo de paciente atendido, às instituições donde haveria espaço para o trabalho de um psicanalista e, ainda, ás técnicas presentes na análise, com especial atenção à transferência e contratransferência); além disso, no que diz respeito aos estudos teóricos, percebemos o quão valorizado acaba sendo o estudo as relações objetais primárias entre mãe e bebê e o desenvolvimento mais primitivo do sujeito, como centrais para o trabalho psicanalítico. Traremos a figura de Sándor Ferenczi como psicanalista central e expoente das ideias dessa escola: dando prosseguimento às discussões, abordaremos alguns aspectos das propostas teóricas e, principalmente, técnicas, concebidas pelo autor. É possível abstrair, a partir de um estudo das correspondências trocadas entre Sándor Ferenczi e Sigmund Freud, um pouco sobre o perfil do psicanalista húngaro. Fazendo uso deste material bibliográfico rico além do mais, Ferenczi foi o psicanalista com quem Freud mais trocou correspondências e, nelas, aspectos muito importantes da história do desenvolvimento da psicanálise e das figuras dos dois pensadores se fazem presentes podemos ilustrar o reconhecimento e estima que Freud desenvolvia por um de seus mais geniais discípulos, além da capacidade e a desenvoltura do pensamento clínico de Ferenczi e, ainda, seu legado ao desenvolvimento do movimento psicanalítico. Dentre suas ideias originais, destacaremos aquelas que, num primeiro momento, possuíam a potencialidade de ampliação à compreensão do aparelho psíquico e da clínica psicanalítica construídas até então, tendo como principal base a obra freudiana. Seriam justamente estes trabalhos do autor húngaro que se voltam às regressões na clínica e trazem à tona o retorno do traumatismo à cena analítica que seriam os responsáveis por considerarmos,

na psicanálise contemporânea, como imprescindível um retorno à Ferenczi. O fazer clínico que visa os modos arcaicos de funcionamento e organização psíquica do sujeito se proporia a trabalhar com conteúdos impossibilitados de estabelecer associação com alguma representação simbólica, que se repetiriam enquanto excitação excessiva e traumática. Com o intuito de atingir tais conteúdos, uma reconfiguração da técnica analítica também se faria necessária, e nesse ponto Ferenczi propõe uma série de procedimentos a partir das experiências clínicas com tais pacientes que viriam a modificar todo o futuro do movimento psicanalítico. Ao pensarmos sobre a clínica contemporânea, encontramos em Ferenczi um aporte original e bastante pertinente por conta da atualidade dessa modalidade de funcionamento psíquico na sociedade, caracterizada essencialmente como oriunda de expectativas narcisistas e por sofrimentos psíquicos expressos por um vazio, desprovido de significação e sentido, e pela angústia da ausência ou iminência de perda do objeto. Ainda sobre Ferenczi, destacaremos também outros pontos pouco explorados quando estudamos o desenvolvimento das obras do psicanalista húngaro e sua importância para o movimento psicanalítico: apesar de ser bastante reconhecido por conta de seu espírito crítico e pela expansão e aprimoramento de aspectos técnicos na clínica psicanalítica, é possível inferir que Ferenczi deixa também como legado contribuições de caráter epistemológico, para além da clínica e da metapsicologia. A partir de uma leitura utraquista (i.e., em rápida e aproximada definição, a conjunção entre duas coisas ) de Ferenczi acerca das obras freudianas e de sua construção científica, teríamos alguns pontos de vista que podem contribuir com o esclarecimento de questões relacionadas à epistemologia e à história da psicanálise. De acordo com Ferenczi, um mérito inestimável das propostas metapsicológicas de Freud é a construção de uma metodologia que conseguiu reunir em si duas grandes áreas de estudos até então essencialmente distintas entre si, a saber, aquela das ciências biológicas e a das ciências humanas. Freud teria conseguido propor um método investigativo de caráter psicológico que também é passível de ser aplicado às problemáticas biológicas. Tal compreensão metodológica nos indicaria um modo diferenciado e expandido de concebermos o estatuto da psicanálise e seu objeto. Ferenczi, no entanto, não é só responsável pela análise utraquista empreendida a partir das obras freudianas: ele próprio adotaria esse método da psicologia freudiana nas postulações que realiza em Thalassa, livro publicado em 1924, mas escrito uma década antes. Aqui, o

autor também constrói suas ideias a partir da revolução metodológica resultante da psicanálise freudiana e, de certo modo, consegue abolir a separação entre os campos das ciências naturais e humanas no que diz respeito a método e objeto específicos de estudo. Por fim, apresentaremos o desenvolvimento do pensamento de Michael Balint e suas principais contribuições para a psicanálise, levando em consideração o contexto desse autor marcado por encontros com importantes psicanalistas, por dificuldades advindas de guerras e revoluções e, também, pela sua formação na Escola Húngara de Psicanálise. Balint trouxe contribuições advindas da experiência clínica ressignificadas e empregadas novamente no âmbito de sua prática isso ocorria tanto no aspecto técnico quanto no estrutural no que diz respeito à teoria psicanalítica: algumas propostas do autor, como, por exemplo, o conceito de amor primário e a falha básica, centrais no pensamento do autor, desenvolvidos ao longo de seus estudos e experimentos e inspirados pelas propostas teóricas e técnicas da Escola Húngara.