Conselho de Infra-Estrutura Nota sobre o Novo Modelo do Setor Elétrico Brasileiro As Medidas Provisórias n os 144 e 145, de 11/12/03, que tratam da reformulação do setor elétrico nacional, são de grande relevância para a Indústria, uma vez que a disponibilidade, os preços e a qualidade dos serviços de energia elétrica são decisivos para a competitividade industrial. Esta nota analisa aspectos do atual sistema elétrico brasileiro, identificando pontos positivos e negativos da proposta do novo modelo setorial. As observações e contribuições da indústria pretendem afastar a possibilidade de uma eventual escassez de eletricidade cujos impactos seriam altamente negativos para a produção industrial e para a economia nacional. O setor elétrico em perspectiva O setor elétrico nacional se caracteriza pela peculiaridade de sua base de geração hidráulica, pela competitividade em custos e pelo longo prazo de maturação dos investimentos. O planejamento de longo prazo e a coordenação da operação interligada sempre foram pedras angulares do sistema energético, antecipando os níveis de demanda, identificando o potencial hídrico de oferta, ajustando os cronogramas de investimentos e possibilitando a integração energética de diferentes regiões. Até a década de noventa, o setor foi estruturado, quase que exclusivamente, pelas empresas estatais. A crise fiscal do Estado levou o Governo anterior à proposição de uma nova estrutura do setor, baseada nos eixos centrais da competição, desverticalização e privatização. Este modelo, implementado a partir de 1995, tinha como principais objetivos aumentar o número de agentes no mercado de energia, criar um mercado para este bem público, estimular investimentos por intermédio da formação de preços de mercado e atrair investimentos privados. Em suma, o modelo era orientado para ampliar o espaço de atuação da iniciativa privada. Nos anos seguintes, entretanto, assistiu-se a uma implementação parcial do modelo, com o processo de privatização inconcluso, dificuldades de avançar na desverticalização, falta de uma clara definição de funções do poder concedente e da agência reguladora, falta de planejamento, entre outros. O resultado foi uma crise sem precedentes no setor, que levou ao racionamento de 2001.
Governo Lula: novo modelo para o Setor A nova proposta do Governo pretende alcançar objetivos muito semelhantes ao do modelo anterior: tarifas módicas, planejamento de longo prazo, estímulo aos investimentos, garantia de suprimento, desverticalização, definição de competências entre os agentes setoriais, entre outros. Há, entretanto, uma substantiva diferença de ênfase no papel que o setor privado ocupa em cada modelo. Enquanto no modelo anterior a iniciativa privada é o agente principal investidor, operador e comercializador, no modelo ora proposto, a questão central é a garantia de suprimento a preços módicos, implicando dizer que, o modelo proposto, de forma implícita, reserva às empresas estatais um papel de protagonista no setor. O novo modelo cria preocupação na Indústria O que torna a proposta do novo modelo preocupante é o fato de que para atender ao crescimento médio da demanda, o Brasil precisará acrescentar de 3 mil a 4 mil MW por ano ao seu parque gerador. Estima-se que esta ampliação de oferta exija investimentos da ordem de R$ 20 bilhões anuais, e também que, na melhor das hipóteses, o setor público poderá investir cerca de R$ 9 bilhões ao ano e, portanto, a iniciativa privada terá de aportar o restante necessário à expansão do sistema. A criação de um ambiente favorável ao investimento privado em novas usinas e nas redes de distribuição e transmissão de energia é, na visão do setor empresarial, o único caminho para evitar uma nova crise de abastecimento de energia elétrica. Embora o sistema interligado apresente, circunstancialmente, um excesso de oferta de energia, esta situação é temporária, especialmente se o atual processo de retomada da economia prosseguir. Tendo em conta tais condicionantes, deve-se avaliar o novo modelo à luz de sua capacidade de atrair os investimentos necessários à expansão do sistema. A nova regulação deve proporcionar segurança de suprimento e condições de competição, incentivando formas sempre mais eficientes de produção e distribuição da energia, bem como possibilitar o repasse deste benefício à sociedade. Lamentavelmente, a proposta de alteração do modelo institucional do setor foi encaminhada ao Congresso Nacional por meio de duas Medidas Provisórias, o que não permite a discussão desta proposição na forma e no prazo que a relevância do tema impõe. A análise das Medidas Provisórias e do documento elaborado pelo Ministério de Minas e Energia - Modelo Institucional do Setor Elétrico -, divulgado em sua forma final em 11/12/03, permite concluir que a proposta do Governo sofreu adaptações e mostra avanços em relação ao texto original apresentado em julho do ano passado, mas ainda há problemas que precisam ser resolvidos para não afastar investimentos e agravar a crise setorial. Esta análise permite a identificação das seguintes pontos: 2
1) Principais pontos positivos do novo modelo Preocupação permanente com o acompanhamento das obras de geração e transmissão, mediante o monitoramento contínuo dos empreendimentos, no horizonte de cinco anos; Recomposição da função de planejamento energético de longo prazo, especialmente para o setor elétrico; Redução do prazo de execução dos investimentos, por meio da antecipação da licença prévia ambiental para aproveitamentos hidrelétricos. A agilização do processo de licenciamento contribuirá ainda para diminuir as incertezas inerentes aos projetos. 2) Principais pontos negativos Embora o Governo tenha se preocupado de dotar o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) de um sistema de governança independente, no tocante aos mandatos dos seus diretores, a proposta aumenta a intervenção do Governo, especialmente quanto à indicação de três dos cinco diretores do ONS. O mesmo acontece com relação à indicação do Presidente do Conselho de Administração da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (órgão que substituirá o MAE) e com as demais instituições propostas. Esta é uma questão extremamente sensível aos investidores privados; O novo modelo é essencialmente regulador na sua complexa formulação, mas a Medida Provisória nº 144 remete para regulamentação posterior questões fundamentais, postergando importantes definições, tais como as condições de contratação de energia, os procedimentos de comercialização e a política tarifária para o setor; O novo modelo impõe um ônus adicional sobre os autoprodutores que destinarem parte da energia hidrelétrica assegurada para comercialização no ambiente de livre contratação. Apesar destes geradores contribuírem para o atendimento da carga do sistema, terão, de uma forma desestimulante, de compensar o mercado regulado pela parcela de energia que não será destinada ao pool ; O prazo para o grande consumidor migrar para o ambiente de livre contratação pode variar de um a três anos e para retornar à condição de consumidor cativo será, no mínimo de cinco anos. Estes prazos são excessivamente longos e dificultam a movimentação do consumidor potencialmente livre entre os dois ambientes de contratação; Por outro lado, a proibição de venda de energia pelas distribuidoras no mercado livre e a obrigação de negociação de suas eventuais sobras de energia no pool restringe oportunidades de negócios, inibindo novos investimentos no setor; 3
A obrigatoriedade de compra pelas distribuidoras de 100% de seu mercado, com antecedência de cinco anos, além de representar maior intervenção governamental no setor, afeta a formação de preços de mercado, restringe a liberdade de negociação e aumenta os custos de transação dos agentes; A proposta prevê a possibilidade de licitação de projetos especiais, de caráter estruturante, que poderão incluir outros objetivos, além do propósito específico de produção de energia elétrica. Os critérios de seleção, que poderão desconsiderar a ordem de mérito econômico dos demais projetos setoriais, não foram definidos na legislação. Quando venham a se concretizar, esses projetos podem desestimular empreendimentos mais eficientes, tanto do ponto de vista energético como ambiental, e comprometer o princípio da modicidade tarifária, ao pressionar a tarifa do pool ; A desverticalização das atividades setoriais exigida das concessionárias contribui para o aumento da competição e da transparência do sistema, possibilitando amplo conhecimento dos resultados da concessão, mas a abrangência da sua aplicação pode vir a se tornar não só um elemento inibidor dos investimentos setoriais como suscitar pleitos indenizatórios das concessionárias atuais; Não há tratamento explícito à questão do risco cambial, em setor que investe substancialmente em moeda estrangeira e tem sua renda gerada em moeda nacional. Essa questão, se não for bem regulamentada, afastará investidores estrangeiros. Na oportunidade, convém lembrar que existem também problemas do setor elétrico, com impacto sobre a sua competitividade, que não dizem respeito diretamente à legislação editada no final de 2003. Entre eles, vale salientar a questão do elevado número de encargos setoriais e sua forte participação no custo final da energia, cuja soma que incide sobre a tarifa de fornecimento chega a 25% de custo total, produzindo uma pressão permanente nos preços e diminuindo a atratividade dos investimentos. Quando estes encargos são agregados aos impostos cobrados na tarifa final, a incidência média chega a 40% a 50% do total. Conclusão Por tudo isso, cabe salientar a preocupação da Indústria quanto ao futuro do sistema elétrico nacional. A expansão do setor precisa ser contínua, mas as condições para que isso aconteça ainda não foram criadas. A indefinição das regras prevalece, impedindo que as intenções de investimentos privados se concretizem no volume e no ritmo necessários. A proposta em questão não explicita como o novo modelo resolverá o dilema entre os objetivos de modicidade tarifária e rentabilidade dos investimentos. 4
Apesar de ter incorporado avanços como resultado das discussões entre o Governo e os diferentes agentes setoriais, o modelo ainda requer importantes ajustes para assegurar a adesão dos investidores e afastar, definitivamente, a possibilidade de novas crises de suprimento, preservando preços competitivos da eletricidade aos consumidores. Ao participar deste debate e somar seus esforços ao trabalho de aperfeiçoamento institucional do setor, a Indústria se empenha na criação de um ambiente favorável ao aporte de capitais privados nos empreendimentos setoriais, condição imprescindível para a expansão contínua dos serviços. 5