Sustentabilidade orçamental Conceito, práticas, ideias



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Transcrição:

Sustentabilidade orçamental Conceito, práticas, ideias Teodora Cardoso Apresentação às Jornadas Parlamentares do PSD Viseu, 24 Março 2014

Sustentabilidade orçamental Um conceito simples Avaliar a sustentabilidade orçamental corresponde a ajuizar, em cada momento, da capacidade de um país para cumprir as obrigações de serviço da dívida pública que contraiu Uma prática complexa que depende de um grande número de variáveis, financeiras e não financeiras: a posição financeira de partida, as condições associadas à dívida (prazos, taxas de juro, garantias ou outras disposições contingentes) a combinação entre o crescimento nominal da economia e a postura da política orçamental (em especial com respeito ao saldo primário), as variáveis que, em conjunto, geram o espaço necessário ao cumprimento do serviço da dívida.

O papel da política orçamental A sustentabilidade não é um estrito problema de política orçamental, mas esta tem um papel preponderante em garanti-la Na verdade, trata-se de uma questão de coordenação das políticas económicas, sociais e estruturais À política orçamental compete o papel de identificar as restrições que a economia defronta e os riscos que lhes estão associados, contribuindo desse modo para a definição de um quadro de racionalidade das escolhas colectivas que deve presidir a qualquer programa político.

O enquadramento jurídico/político As dimensões da política orçamental que decorrem do enunciado anterior informam o quadro de governância europeu, tanto dentro como fora da Área do euro. No caso português, a sua integração no enquadramento jurídico/político nacional ocorreu de forma minimalista: transposição das directivas europeias, só atendendo de forma muito parcial às alterações complementares indispensáveis ao seu cumprimento. A inatenção à sustentabilidade resultou da visão de cumprimento formal dos objectivos observáveis no curto prazo e conduziu à inobservância mesmo desses objectivos.

Da utopia à realidade As instituições portuguesas referem-se a um mundo ideal em que o orçamento tem por missão financiar as decisões inscritas num plano que, em cada momento, maximiza o bem-estar da sociedade, presumindo-se a sua renovação anual como um elemento da flexibilidade de que devem gozar os responsáveis pela sua elaboração O pensamento sobre esta matéria, tal como as boas práticas internacionais, dão, pelo contrário, atenção crescente ao carácter complexo de um processo de decisão que envolve um grande número de agentes, com motivações e incentivos diferentes, e em que as decisões inscritas em cada orçamento assumem uma dimensão temporal que excede largamente o horizonte anual e pode mesmo, a prazo, reverter totalmente os resultados que se pretendia alcançar

Novos paradigmas do Estado social Desde a década de 1990, os países europeus com modelos sociais avançados têm vindo a reorienta-los, passando de simples mecanismos de protecção do rendimento e correcção de falhas de mercado para sistemas de promoção do emprego e de competitividade das economias As reformas identificaram os novos riscos sociais e interpretaram as despesas sociais como um investimento no futuro do país, integrado num quadro internacional que redefiniu os padrões antes vigentes As reformas, assentes na responsabilidade financeira e na sustentabilidade orçamental, exigiram cortes, mas simultaneamente promoveram a transição de um estado social passivo e correctivo para uma estratégia activa de investimento social

Portugal e o ciclo de crédito internacional O acesso a financiamento fácil pareceu permitir a Portugal ignorar as tendências internacionais a que outras pequenas economias abertas, com modelos sociais desenvolvidos, atenderam Continuou a optar por um modelo de crescimento económico assente nas despesas públicas e no aumento do endividamento, público e privado Esqueceu, nomeadamente, que a dívida pública não precisa de ser paga, mas tem de ser renovada e, para isso, tem de ser sustentável O problema da sustentabilidade só seria reconhecido quando o ciclo do crédito se inverteu o que inevitavelmente haveria de acontecer

Alteração do modelo A crise e a sua solução têm uma inegável dimensão internacional, mas não é possível continuar a pedir crédito fácil se não se alterarem as condições que levaram a desperdiça-lo Essa alteração implica recuperar o tempo perdido na adaptação do enquadramento institucional e das condições estruturais a que ele deu origem Sem isso, o país não poderá tirar partido da recuperação da economia internacional e corre mesmo o risco de ser negativamente afectado pelo endurecimento das condições de financiamento que, mais tarde ou mais cedo, hão de acompanhá-la

As variáveis fundamentais da política económica e o seu enquadramento Estabilidade e sustentabilidade orçamental A qualidade e estabilidade das instituições e das políticas sociais no crescimento da economia e do emprego Enquadramento no médio/longo prazo em que as opções fazem sentido A atenção a estas variáveis supõe a apropriação nacional dos princípios de governância económica na Europa, que Portugal subscreveu, de modo a corresponder às necessidades específicas do país A política orçamental tem de inverter a ordem de prioridades a que tem obedecido, liderada pelas despesas, e passar a assentar na eficiência das despesas e em políticas sociais que dêem prioridade ao investimento e ao emprego, numa economia globalizada onde a incerteza perdura

Coerência da definição de políticas A recuperação e manutenção do espaço orçamental supõe um processo que assegure a adequada coordenação de políticas económicas e sociais, num contexto de estabilidade e sustentabilidade Esse processo integra-se nos princípios definidos no Tratado Orçamental e a força constitucional deste deve ser explicitada Tal não equivale ao reconhecimento formal de regras alheias, mas é uma condição de desenvolvimento da economia e do bem-estar dos portugueses, num enquadramento internacional complexo e instável, cujas oportunidades é necessário aproveitar, mas cujos riscos não podem ser ignorados

Estrutura do enquadramento orçamental A Constituição deve consagrar os princípios de estabilidade e sustentabilidade orçamental determinar a sua especificação e desenvolvimento numa lei orgânica Questões procedimentais relativas à elaboração, aprovação, execução e fiscalização do orçamento, susceptíveis de necessitar ajustamentos periódicos, devem ser objecto de uma lei ordinária, alterável por maioria simples

Lei orgânica de finanças públicas Além da transposição das disposições do Tratado Orçamental, a lei orgânica deve dar particular atenção à necessidade de reforço do enquadramento nacional por forma a garantir o cumprimento dos princípios fundamentais As normas europeias procuram promover a disciplina orçamental e reforçar a coordenação entre as políticas económicas dos Estados-Membros, mas não propõem substituir-se às disposições que regem o enquadramento orçamental de cada país A adequação entre estas e os compromissos assumidos a nível europeu é da responsabilidade da política nacional e deve respeitar o interesse do país

Uma regra de excedente primário Portugal precisa de traduzir para a prática nacional, de forma susceptível de constante acompanhamento, os princípios complexos do normativo europeu. A adopção de uma regra de saldo primário positivo pode ser apropriada para esse fim Permitiria, nomeadamente, assegurar: uma trajectória de redução da dívida pública, um grau de flexibilidade suficiente das opções orçamentais a capacidade de monitorização de um objectivo observável em tempo real, o que não é o caso do saldo estrutural Exigiria um trabalho cuidadoso de definição e de articulação com a regra de saldo estrutural

Documento de Estratégia da Política Económica Igualmente necessário consagrar a coordenação das políticas económicas e sociais e a sua integração num contexto de médio prazo, como base da preparação do Orçamento do Estado A sequência deveria iniciar-se na primavera com um Documento de Estratégia da Política Económica (DEPE) Com base num ponto de situação e na avaliação do estado da economia, da sua resposta às políticas em vigor e das perspectivas, nacionais e internacionais, ele integraria: projecções macroeconómicas sem alteração de políticas para o próximo quadriénio a avaliação dos resultados orçamentais e dos eventuais ajustamentos necessários, a estratégia a prosseguir nas políticas económicas, sociais e estruturais

Reforço do contexto plurianual O DEPE seria a base para o ajustamento da estratégia, dando lugar a um cenário macroeconómico revisto, incorporando o efeito esperado das medidas, em que deveria basear-se a elaboração do orçamento anual O contexto plurianual do DEPE teria de ser sujeito a exigências bem definidas quanto à sua revisão, pondo fim à malograda experiência dos Programas de Estabilidade Esse contexto é essencial à reforma dos procedimentos de gestão das finanças públicas, ao reforço da sua infraestrutura e à correspondente melhoria da sua eficiência e eficácia Mas é também indispensável ao retorno da confiança dos investidores e dos cidadãos em geral

A Política Fiscal Os impostos têm sido entendidos prioritariamente como fonte de receita, sujeitos a em enquadramento legal complexo e instável No actual quadro internacional, o seu papel como instrumento da política económica numa economia aberta é fundamental O que está em causa não é a simples alteração de taxas, mas a necessidade de os repensar, estabilizar e simplificar Exemplos: o carry back no IRC como instrumento contra cíclico, em especial para as PMEs o impacto nos custos do trabalho um imposto directo sobre a despesa em substituição do IRS

O papel das ideias Beyond any structural and/or functional interpretation of reforms, what has shifted the most in the last decades of welfare policies are the interpretative patterns decisionmakers have proposed and debated. New paradigms and ideas have gained momentum and shaped both the interpretation of problems and the definition of solutions. Giuliano Bonoli & David Natali, eds. The Politics of the New Welfare State, Oxford University Press, 2012