A INICIATIVA PROBATÓRIA DO JUIZ NO PROCESSO PENAL E O PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE

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Transcrição:

1 A INICIATIVA PROBATÓRIA DO JUIZ NO PROCESSO PENAL E O PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE 1 INTRODUÇÃO Os sistemas processuais no decorrer dos anos sofreram grandes mudanças de suas fases mais primitivas até os sistemas mais modernos. O desenvolvimento do Estado Democrático de Direito trouxe consigo o princípio da imparcialidade e é neste ponto que reside o problema. O sistema acusatório, por suas características, tende a preservar a imparcialidade do juízo, enquanto o sistema inquisitorial, em antítese, pretere a tal princípio. Assim, a partir da analise do sistema processual brasileiro e do princípio da imparcialidade pretende-se verificar a possibilidade, ou não, de iniciativa judicial na instrução probatória pós Constituição da República de 1988. Para, ao fim, estabelecer um posicionamento concreto acerca do cabimento ou descabimento da referida iniciativa do juízo. 2 PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE O princípio da imparcialidade, garantia fundamental, de natureza implícita, corolário do princípio do juiz natural, emerge como a regra principiológica garantidora da distancia do Juiz da produção probatória, segundo este princípio o julgador, ao longo da instrução, deve evitar que suas convicções pessoais afetem sua imparcialidade ao julgar a lide proposta. Nestor Távora leciona a respeito do assunto da seguinte maneira: A imparcialidade é entendida como característica necessária do perfil do juiz consistente em não poder ter vínculos subjetivos com o processo de molde a lhe tirar a neutralidade necessária para conduzi-lo com isenção. O juiz interessado deve ser afastado, e os permissivos legais para tanto se encontram no art. 254 do CPP (hipóteses de suspeição) e no art. 252 (hipótese de impedimento). (TÁVORA, 2009, p. 46). Denota-se da lição do ilustre doutrinador que a imparcialidade reside na isenção do julgador ao julgar. Isenção somente alcançada caso o juiz mantenha seus anseios pessoais e interesses subjetivos afastado do critério de julgamento. Os sistemas democráticos atuais trazem a imparcialidade como uma garantia da observância dos demais direitos contidos na legislação sem a interferência de desejos de

2 cunho pessoal, sendo por meio deste princípio que a prestação jurisdição se dá de maneira plena, eis que se dá desvinculada de outros anseios que não os legais. Dessa maneira, considerando a importância da imparcialidade, faz-se tal princípio de primordial necessidade no Estado Democrático de Direito. 3 SITEMAS PROCESSUAIS PENAIS Os sistemas processuais, observados em suas singularidades, mormente pela diferença existente na legitimidade para investigação, acusação, defesa e julgamento das respectivas lides, podem ser divididos em três tipos de sistemas: acusatório, inquisitivo e misto. No sistema inquisitivo as funções de acusar, defender e julgar se acumulam em um só órgão, o Poder Judiciário, nele não há a observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Acerca do sistema inquisitivo, Guilherme de Souza Nucci assevera que É caracterizado pela concentração de poder nas mãos do julgador, que exerce, também, a função de acusador, a confissão do réu considerada a rainha das provas; não há debates orais, predominando procedimentos exclusivamente escritos; os julgadores não estão sujeitos à recusa; o procedimento é sigiloso, há ausência de contraditório e a defesa é meramente decorativa. (NUCCI, 2011, p. 121). Doutro lado, o sistema acusatório distingue entre os órgãos em carregados da acusação, da defesa e do julgamento. Neste sistema, as três funções não se acumulam em uma mesma pessoa ou órgão, ao acusado, ainda, é garantido o direito à ampla defesa, ao contraditório e a igualdade. Guilherme de Souza Nucci, em sua irretocável lição, ensina que Possui nítida separação entre o órgão acusador e o julgado; há liberdade de acusação, reconhecido o direito ao ofendido e a qualquer cidadão, predomina a liberdade de defesa e a isonomia entre as partes no processo, vigora a publicidade do procedimento; o contraditório está presente; existe a possibilidade de recusa do julgador; há livre sistema de produção de prova; predomina maior participação popular na justiça penal e a liberdade do réu é a regra. (NUCCI, 2011, p.121). O sistema misto, por sua vez, une parte das características de ambos os sistemas, por isto é denominado misto. Inicialmente, em sua fase pré-processual é inerentemente inquisitivo e, sendo, em um segundo momento, acusatório. Novamente preleciona Guilherme de Souza Nucci: Num primeiro estágio, há procedimento secreto, escrito e sem contraditório, enquanto, no segundo, presentes se fazem a oralidade, a publicidade, o contraditório,

3 a concentração dos atos processuais, a intervenção de juízes populares e a livre apreciação das provas. (NUCCI, 2011, p. 121). Expostas as características de cada sistema processual, temos que nos posicionar em mesmo sentido do indigitado professor, eis que o sistema processual penal brasileiro adota procedimentos de ambos os sistemas, ora pela Constituição Federal ora pelo Código de Processo Penal. 4 DA POSSIBILIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA EX OFFICIO POR PARTE DO JUIZ NO PROCESSO PENAL Discute-se, então, a possibilidade de busca de prova de ofício, por parte do juiz, frente ao princípio da imparcialidade. Alguns doutrinadores entendem que a Carta Política de 1988 adotou como sistema processual unicamente o acusatório, assim, em havendo manifestação constitucional sobre o tipo de sistema adotado por nossa República, não há que se falar em iniciativa probatória do juiz, eis que delimitado pelo princípio da imparcialidade. Neste sentido, Eugênio Pacelli e Nestor Távora. Ainda explana Eugênio Pacelli, pertencente citada corrente, em seu livro Curso Processo Penal Brasileiro que Nesse particular, pensamos que somente uma leitura constitucional do processo penal poderá afastar ou diminuir tais inconvenientes, com a afirmação do princípio do juiz natural e de sua indispensável imparcialidade. Com efeito, a igualdade das partes somente será alcançada quando não se permitir mais ao juiz uma atuação substitutiva da função ministerial, não só no que respeita ao oferecimento da acusação, mas também no que se refere ao ônus processual de demonstrar a veracidade das imputações feitas ao acusado. (PACELLI, 2012, p. 11). Doutro lado, parte considerável da doutrina se posiciona em sentido oposto, lecionando que o sistema processual fixado no Brasil amolda-se de maneira mais fiel ao sistema misto, uma vez que é predominantemente inquisitivo em sua fase pré-processual e acusatório na fase processual. Residem como defensores desta teoria Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró e Guilherme de Souza Nucci. Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró, ao discorrer sobre sua tese, assevera que o juiz poderá sim ter iniciativa na instrução probatória, desde que não atue como um pesquisador, ou seja, que se limite a buscar os meios de provas e jamais as fontes de provas, in verbis:

4 A categoria poderes instrutórios do juiz é bastante heterogênea, incluindo poderes que vão desde a busca da prova (atividade primordialmente investigativa) até a introdução em juízo de provas de cuja existência já tenha conhecimento. Partindo da distinção entre as fontes de provas e meios de prova, percebe-se, facilmente, que o perigo para imparcialidade está no juiz que é um pesquisador, um buscador de fontes de provas. Já o juiz que, diante da notícia de uma fonte de prova, como a informação de que uma certa pessoa presenciou os fatos, determina a produção do meio de prova necessário o testemunho para incorporar no processo as informações contidas na fonte da prova, não está comprometido com uma hipótese prévia, não colocando em risco sua posição de imparcialidade. Ao contrário, o resultado da produção daquele meio de prova pode ser em sentido positivo ou negativo, quanto à ocorrência do fato...(badaró, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da Prova no Processo Penal:RT, 2003, PP. 119-138). A nosso ver, em que pese as considerações de ambas correntes, temos que nos estabelecer no sentido de ser admissível a produção de prova de ofício somente na fase processual da ação penal, qual seja, a partir do recebimento da denúncia, em nome da busca da verdade real, e desde que tal ato se limite os meios de prova e nunca as fontes de prova. A imparcialidade, como bem explicado acima, somente resta prejudicada no momento em que o julgador passa a tomar iniciativa na busca pela fonte da prova, ou seja, quando atua como verdadeiro investigador dos fatos do processo. Posição totalmente eqüidistante desta, encontra-se no julgador que ciente, a partir de outras provas já contidas nos autos, de uma prova crucial para o deslinde do processo, determina sua realização a fim de se alcançar a verdade real. E com bem foi ressaltado alhures, a prova produzida poderá conduzir a negativa ou afirmação dos fatos alegados pelo Parquet, inexistindo, dessa forma, parcialidade. Logo, pode-se notar que a atuação circunscrita aos meios de prova é extremamente cabível, eis que conduzirá a verdade real, objetivo maior da instrução probatória. Cabe ainda salientar que, segundo nosso entendimento, a participação do juiz na produção probatória antes da propositura da ação penal é manifestadamente contrária ao sistema acusatório proposto pela Constituição da República, mesmo acreditando que não seja acusatório puro. Certo é que, neste momento, o sistema processual é primordialmente inquisitivo e que qualquer participação do julgador nesta fase poderá ensejar a violação ao princípio da imparcialidade, eis que como dito anteriormente atuará como um buscador de provas, o que não condiz o referido princípio. No mesmo sentido também se manifestam Joel Tovil e Denise de Mattos Martinez Geraci: o que não nos parece possível, por absolutamente incompatível com um processo penal democrático, é a atribuição de poderes persecutórios ao juiz antes de deflagrada a ação penal [...] Depois da CF/88, ao juiz não podem mais ser atribuídos poderes inquisitórios na fase processual, e os que forem exercidos ex officio durante

5 o processo hão de sê-lo com comedimento e equidistância, podendo a lei vir a limitar tal atividade, a exemplo do que se faz no direito italiano. (TROVIL; GERACI, 2004, p. 36-37). Infere-se, então, da análise do princípio da imparcialidade em relação ao sistema processual penal que o sistema brasileiro é abrangido por ambas as faces: acusatória e inquisitória, variando de acordo com a fase em que se encontra. \E de mesmo modo, não vislumbramos qualquer vilipêndio ao princípio da imparcialidade quando o juiz atua na fase processual (acusatória) para determinar a produção de provas já identificadas no processo em busca da verdade real. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS É possível chegar à conclusão que o sistema processual adotado pela Constituição da República é misto, eis que dotado de uma fase pré-processual (inquisitorial) e outra processual (acusatória). Doutro lado, mostra-se extremamente temerária a participação do julgador na fase inquisitorial do sistema, assim, para que se busque alcançar o princípio da imparcialidade em sua plenitude, é necessário que se evite sua atuação em sua parte pré-processual em substituição ao Ministério Público. Por fim, concluímos que a iniciativa do juiz, durante a ação penal, na produção de provas, deve ser pautada por extrema cautela e limitada à produção dos meios de provas, nunca a produção das fontes de prova, a fim de evitar qualquer mácula ao princípio da imparcialidade.

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da Prova no Processo Penal. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2003. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 8ª edição, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2011. PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 16ª edição, Editora Atlas, São Paulo, 2012. TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 3ª edição, Editora JusPodivm, Bahia, 2009. TOVIL, Joel; GERACI, Denise de Mattos Martinez. Poderes Instrutórios do Juiz. Revista Síntese de Direito Penal e Processual. N. 26, Porto Alegre, jun-jul., 2004. RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 18ª edição. Editora Lúmen Júris, Rio de Janeiro, 2011.