1 A ESCUTA E O DIÁLOGO COMO PRINCÍPIOS NORTEADORES DA FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES/AS Eixo Temático 2: Didática, profissão docente e políticas públicas Maria Perpétua do Socorro Beserra Soares 1 Subeixo 3: Políticas públicas, formação continuada/desenvolvimento profissional docente RESUMO A formação permanente de professores é um processo abrangente, complexo, inconcluso, inacabado e contínuo que se realiza no transcurso do desenvolvimento profissional docente. Um dos grandes desafios para as instituições e os profissionais formadores de professores é incluir nas agendas e nos planos de trabalhos a escuta e o diálogo sobre as necessidades, as dificuldades e os problemas vivenciados pelos professores no cotidiano de suas ações. Este artigo é parte integrante de uma pesquisa de doutorado em Educação em andamento Formação permanente de professores/as dos anos iniciais do ensino fundamental e sua contribuição para a prática pedagógica: uma perspectiva crítico-libertadora. O texto tem como objetivo refletir sobre a escuta e o diálogo como princípios norteadores do processo formativo de professores/as e apresenta como problema: que princípios devem nortear a formação permanente de professores/as? Utilizamos como estratégia metodológica um estudo teórico fundamentado nos autores: Freire (2001, 2008, 2013) e Saul (2010). As reflexões apresentadas no decorrer da pesquisa demonstram que a escuta e o diálogo são princípios importantes na formação permanente de professores/as, pois proporcionam atitudes de respeito mútuo, confiança no outro, humildade, tolerância, trabalho coletivo, autonomia, construção e reconstrução de saberes. O diálogo contribui para a formação de sujeitos livres, criativos, críticos, curiosos, indagadores e autônomos nos diversos contextos educacionais. Por meio da escuta e do diálogo os/as professores/as podem refletir sobre as suas necessidades, as suas dificuldades e seus problemas concretos e assim realizarem uma análise crítica do seu fazer pedagógico na perspectiva de criar e recriar suas práticas. PALAVRAS-CHAVE: Escuta. Diálogo. Formação permanente. INTRODUÇÃO O presente artigo é parte integrante dos estudos de doutoramento em Educação de uma pesquisa em andamento Formação permanente de professores/as dos anos iniciais do ensino fundamental e sua contribuição para a prática pedagógica: uma perspectiva crítico-libertadora. O texto tem como objetivo refletir sobre a escuta e o diálogo como princípios norteadores do processo formativo e apresenta como problema: que princípios devem nortear a formação permanente de professores/as? Utilizamos como estratégia metodológica um estudo teórico e como interlocutor principal Paulo Freire. 1 Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação: Currículo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC/SP. Email: socorrob@ufpi.edu.br Bolsista do CNPq. 9227
2 REFLEXÕES SOBRE A FORMAÇÃO PERMANENTE DE PROFESSORES/AS: A ESCUTA E O DIÁLOGO COMO PRINCÍPIOS FORMATIVOS A formação de professores é um dos temas em discussão e análise na atualidade e tornou-se objeto de pesquisas, estudos e debates nos últimos anos. A formação de professores é um processo abrangente, complexo, inconcluso, inacabado e contínuo que se realiza no transcurso do desenvolvimento profissional docente em que a formação inicial e a continuada são concebidas de forma interarticuladas. Um dos grandes desafios para as instituições e os profissionais formadores de professores é incluir nas suas agendas e planos de trabalhos a escuta e o diálogo sobre as necessidades, as dificuldades e os problemas vivenciados pelos professores no cotidiano de suas ações, uma vez que os programas de formação já vêm préestabelecidos pelas instituições formadoras, pelas secretarias de educação e, muitas vezes, desconsideram as necessidades e dificuldades dos/as educadores/as em processo de formação. A maioria das ações formativas tem predominado uma formação imbuída de um caráter de transmissão de conhecimentos, métodos, técnicas por meio de teorias repassadas de forma descontextualizadas que não levam em conta as reais necessidades e situações problemáticas dos professores impedindo-os de serem protagonistas ativos em seu processo formativo. Numa direção contrária, Paulo Freire (2001) concebe a formação do educador como permanente o que implica a compreensão do ser humano como inconcluso, finito e que está sempre em busca do ser mais. Nas suas palavras: A educação é permanente não porque certa linha ideológica ou certa posição política ou certo interesse econômico o exijam. A educação é permanente na razão, de um lado, da finitude do ser humano, de outro, da consciência que ele tem de sua finitude. Mais ainda, pelo fato de, ao longo da história, ter incorporado à sua natureza não apenas saber que vivia, mas saber que sabia e, assim, saber que podia saber mais. A educação e a formação permanente se fundam aí (FREIRE, 2001, p.12). A consciência do inacabamento do homem, da sua inconclusão e da sua incompletude propiciam infinitas possibilidades e projetos a serem realizados na busca constante do ser mais e que torna possível a sua educação e formação ao longo da vida. Assim, a formação permanente de professores/as deve possibilitar a construção de conhecimentos, de valores, atitudes e fomentar a escuta e o diálogo entre os/as educadores/as para a troca de vivências e experiências. 9228
3 Essa concepção de formação permite também aos/as professores/as por meio da escuta e do diálogo refletirem sobre as suas necessidades e problemas concretos e assim realizarem uma análise crítica do seu fazer pedagógico para criar e recriar as práticas. A escuta como fundamento do diálogo é uma prática e também um conteúdo essencial no processo de formação de professores/as. Não há exercício do diálogo sem o exercício da escuta, nem sem o silêncio como uma atitude fundamental no espaço da comunicação, pois é escutando que se aprende a falar. Por essa razão, em Paulo Freire é possível identificar a escuta como um caminho, uma atitude, saber da formação e como prática pedagógica docente. É com base nessa compreensão que Freire (2001, p. 35) ressalta a importância do ouvir meninos e meninas, sociedade de bairro, pais, mães, diretoras, delegados de ensino, professoras, supervisoras, comunidade científica, zeladoras, merendeiras etc. Portanto, a escuta das pessoas que estão envolvidas com a educação em todos os níveis. Escutar significa, portanto, disponibilizar a atenção ao outro, à fala do outro, ao gesto do outro. A disponibilidade permanente à escuta em Freire é um princípio, um conteúdo da formação humana e profissional como também prática pedagógica. A escuta é um componente importante e fundamental na formação de professores/as. Saber escutar as necessidades, as dificuldades e os problemas enfrentados pelos/as educadores/as na prática pedagógica. Saber escutar contribui também para saber falar com alunos, professores, equipe gestora da escola e a família. Freire (2001, p. 43) diz que é preciso que falem a nós, de como vêem a escola, de como gostariam que ela fosse; que nos digam algo sobre o que se ensina ou não se ensina na escola, de como se ensina. Ninguém democratiza a escola sozinho, a partir do gabinete do secretário. Dessa forma, um dos principais desafios da formação permanente de professores é a inclusão nas suas agendas a prática da escuta dos anseios, sonhos, inquietações e interesses vivenciados pelos educadores no contexto escolar. A escuta favorece uma atitude de respeito mútuo de professores e alunos. É o exercício da prática dialógica. Ao escutar o aluno em suas dúvidas, dificuldades e receios o educador aprende a falar com ele. Freire nos ensina que é ouvindo o educando, tarefa inaceitável pela educadora autoritária, que a professora democrática se prepara cada vez mais para ser ouvida pelo educando (2008, p. 88). A escola 9229
4 democrática deve ser acolhedora em ouvir os outros, ser tolerante e acatar as decisões tomadas pela maioria, mas que não deve faltar o direito de quem diverge de expressar sua contrariedade. Nessa perspectiva, Saul (2010, p.160) afirma que saber escutar é condição para o desenvolvimento de uma prática educativa democrática. A escuta possibilita a capacidade de ouvirmos as pessoas diferentes, isto é, a compreensão do educador em relação aos conhecimentos do educando, a partir da leitura de mundo que ele tem e essa prática de saber escutar exige do educador a aquisição de novos saberes como a humildade, a tolerância e o respeito. O diálogo é um dos temais centrais do pensamento de Freire e constitui-se condição imprescindível no processo formativo. Na concepção de Freire (2013, p. 109) o diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu. É preciso ressaltar que o diálogo não é uma simples conversa ou uma forma de entretenimento ou para fazer amizades, ao contrário, o diálogo pertence a natureza do ser humano, é o pensar crítico. Como nos ensina Freire não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão (FREIRE, 2013, p. 108). Para que ocorra efetivamente a relação dialógica é necessário fundar-se: no amor ao mundo e aos homens, na fé no poder do homem de criar e recriar, na relação horizontal baseada na confiança e na esperança. A dialogicidade implica o pensar crítico e por essa razão a fé é uma condição para a concretização do diálogo, pois sem a fé nos homens, no seu poder de fazer, refazer e transformar a realidade por meio da luta pela sua libertação, emancipação o diálogo torna-se uma farsa, uma manipulação. O diálogo é fundamental no processo ensino-aprendizagem. Uma relação que deve ser alicerçada na confiança, seriedade e responsabilidade, que respeite os saberes de experiência feito dos/as educandos/as. Embora o professor seja diferente do aluno pela sua formação, sua experiência e o seu papel no processo ensinoaprendizagem deve levar em consideração o papel do aluno nesse processo, uma relação democrática, horizontal para desencadear um verdadeiro diálogo na perspectiva de uma educação crítico-emancipatória. METODOLOGIA Neste estudo, utilizamos a pesquisa teórica que tem como foco investigativo a escuta e o diálogo como princípios norteadores da formação permanente de 9230
5 professores. O aporte teórico utilizado nessa investigação está fundamentado em Freire (2001, 2008, 2013) e Saul (2010). DISCUSSÃO E RESULTADOS O estudo apontou, ao longo das discussões, que por meio da escuta e do diálogo os/as professores/as podem refletir sobre as suas necessidades e os seus problemas concretos e assim realizarem uma análise crítica do seu fazer na perspectiva de criar e recriar as práticas. O diálogo é o centro da prática educativa que se pretende democrática, crítica, problematizadora e libertadora, uma vez que na relação dialógica os sujeitos confrontam argumentos, questionam, partilham saberes, experiências e vivências. CONSIDERAÇÕES FINAIS O artigo teve como objetivo fazer uma reflexão sobre a escuta e o diálogo como princípios norteadores do processo formativo de professores/as. As reflexões apresentadas demonstram que a escuta é um componente fundamental na formação permanente de professores/as. Saber escutar as necessidades e os problemas enfrentados pelos/as educadores/as no contexto das suas ações é importante para desencadear a reflexão da prática pedagógica na perspectiva de sua melhoria e transformação. A escuta e o diálogo são princípios e condições necessárias para equacionar as dificuldades e problemas dos/as professores/as no processo formativo. O diálogo e a escuta contribuem para ampliar o respeito mútuo, a formação de sujeitos críticos, indagadores e autônomos na busca constante pela transformação da realidade. O diálogo, portanto, é um instrumento que deve impulsionar a formação permanente de professores/as na perspectiva de uma educação crítico-transformadora. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FREIRE, P. A educação na cidade. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2001.. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho d Água, 2008.. Pedagogia do oprimido. 54. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013. SAUL, A. M. Escutar. In: STRECK, D; REDIN, E; ZITKOSKI, J. J. (Orgs.). Dicionário Paulo Freire. 2.ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010, p. 159-161. 9231