A SUCESSÃO DO COMPANHEIRO NA UNIÃO ESTÁVEL, NÃO HAVENDO PARENTES SUCESSÍVEIS



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Transcrição:

A SUCESSÃO DO COMPANHEIRO NA UNIÃO ESTÁVEL, NÃO HAVENDO PARENTES SUCESSÍVEIS KAYLER AMADOR LAUAR MELUCCI VIEIRA BERNHAUSS, 1 JUMARA APARECIDA HONÓRIO RODRIGUES 2 DESEMBARGADOR ANTÔNIO BELIZÁRIO DE LACERDA (ORIENTADOR) Resumo: O presente trabalho visa analisar quais seriam os direitos sucessórios do companheiro na união estável nos casos em que não houver parentes sucessíveis. Diante disso, o presente trabalho busca, através de uma pesquisa doutrinária, uma explicação para o tratamento conferido ao companheiro no Código Civil de 2.002, vez que, se a união estável foi equiparada ao casamento pela Carta Magna, não haveria razão para ser o companheiro que viveu com o autor da herança como se casado fosse até seus últimos dias, inferiorizado no que se refere aos direitos sucessórios, sendo colocado, nos casos de não haver parentes sucessíveis, em posição inferior ao Poder Público. Palavras-chave: direitos sucessórios união estável casamento. O presente trabalho tem por objetivo analisar o instituto da união estável para se verificar quais são os direitos patrimoniais do companheiro na hipótese de não existir parentes sucessíveis. A Constituição Federal em seu art. 226, 3, reconhece a união estável como entidade familiar, não ficando mais restrita à legitimidade da família ao casamento, provocando uma mudança em relação ao conceito tradicional de família. A Constituição Federal dispõe que, para a configuração da união estável e, consequentemente, para que sejam conferidos direitos sucessórios aos companheiros, basta a comprovação da existência da convivência publica, contínua, duradoura e que tenha por objetivo a constituição de família. 1 Aluno do 8º período de Direito das Faculdades Promove. 2 Aluna do 8º período de Direito das Faculdades Promove. 1

O CC/02 traz uma polêmica em relação aos direitos sucessórios do companheiro sobrevivente, haja vista que o caput do art. 1790 estabelece que o companheiro terá direito aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável. Entretanto, o inciso IV do mesmo artigo diz que, não havendo parentes sucessíveis, o companheiro terá direito à totalidade da herança. O que se verifica ao analisar o que dispõe o CC/02, é que houve um equívoco ou uma confusão do legislador, uma vez que fica a dúvida se o companheiro terá direito à totalidade da herança ou somente aos bens adquiridos onerosamente enquanto vivia em união estável. Neste contexto, percebe-se que, mesmo sendo reconhecida constitucionalmente a união estável como entidade familiar, o legislador não incluiu o companheiro como herdeiro necessário na ordem sucessória, colocando o mesmo em posição inferior ao cônjuge, gerando duvidas sobre quais seriam os direitos sucessórios do companheiro quando não existirem parentes sucessíveis. No caso de não existir parentes sucessíveis, os bens do de cujus seriam destinados ao Poder Público, deixando o companheiro, que viveu com o autor da herança como se casado fosse, desamparado, ferindo, dessa forma, o que dispõe a Carta Magna, tendo em vista que coloca o companheiro em posição muito inferior ao cônjuge. O presente trabalho, portanto irá analisar os pontos acima descritos, utilizando-se, para tanto, de pesquisas bibliográficas, com o objetivo de constatar possíveis soluções que o legislador poderia dar à questão, para que possa garantir os direitos constitucionalmente estabelecidos, não deixando o companheiro inferiorizado na ordem de vocação hereditária. Para iniciar a compreensão do tema a ser tratado nesse trabalho, é necessário que seja discutido qual é o conceito de família existente hoje no Direito Brasileiro e como este evoluiu ou teve seu conceito expandido para acompanhar a evolução da sociedade. Com a Constituição de 1988, houve uma mudança no conceito de família, uma vez que seu art. 226, 3 reconhece a união estável, formada pela união de homem e mulher não unidos pelo casamento, como entidade familiar, merecendo também, portanto, proteção do Estado. "Art. 226- A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (... ) 3 - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento." Da leitura do artigo acima transcrito, infere-se que o conceito de família foi consideravelmente ampliado, uma vez que conferiu proteção às famílias constituídas, sem estarem vinculadas pelo casamento. O legislador demonstrou, dessa forma, uma evolução do conceito de família, tentando, assim, acompanhar a realidade vivida pela sociedade atual, uma vez que se fazia necessário ser reconhecida a união estável como entidade familiar, conferindo a mesma proteção do Estado. Não havia sentido algum que ela ficasse renegada a uma simples união inferiorizada em relação ao casamento, já que este se diferencia, basicamente, somente em seu aspecto formal. 2

Partamos para o conceito de cada instituto para uma visualização mais satisfatória da questão. Casamento é a união estável e formal entre homem e mulher, com o objetivo de satisfazerse e amparar-se mutuamente, constituindo família. (César Fiúza, Direito Civil Curso Completo 2003 pág. 798). Já a união estável, com fulcro no art. 1.723, CC/2002, é reconhecida como entidade familiar entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família. Portanto, infere-se de tal previsão que não é qualquer união entre homem e mulher que se pode chamar de união estável; para esta, é necessário que realmente haja o intuito de constituir família; outrossim, a ausência de formalidade que a difere do casamento não significa ausência de compromisso; ainda, a convivência deve ser pública e ter uma existência temporal significativa, não havendo, entretanto, um lapso temporal definido para sua caracterização, devendo tal requisito ser considerado juntamente com todos os outros para a configuração ou não da união estável como entidade familiar. Não poderia a união estável ser inferiorizada somente porque não houve celebração do casamento, haja vista estarem nela presentes todos os aspectos que se encontram no casamento, vivendo os companheiros como se casados fossem, prestando mútua assistência, companheirismo e afeto. Vale aqui citar o entendimento do professor Rodrigo da Cunha Pereira, na obra "Direito de Família e o Novo Código Civil (2002- pág..7): " Mudam os costumes, mudam os homens, muda a hist6ria; s6 parece não mudar esta verdade: "a atávica necessidade que cada um de n6s sente de saber que, em algum lugar, encontra-se o seu porto e o seu refúgio, vale dizer, o seio de sua família, este locus que se renova sempre como ponto de referência central do indivíduo na sociedade; uma espécie de aspiração à solidariedade e à segurança;a que dificilmente pode ser substituída por qualquer forma de convivência social. Na idéia de família, o que mais importa a cada um de seus membros e a todos a um s6 tempo, é exatamente pertencer ao seu âmago, e estar naquele idealizado lugar onde é possível integrar sentimentos, esperanças e valores, permitindo, a cada um, se sentir a caminho da realização de seu projeto pessoal de felicidade". Dessa forma, percebe-se que o legislador, ao reconhecer a união estável como entidade familiar, procurou ampliar o conceito de família, para melhor protegê-la, uma vez que é dever do Estado tal função, devendo as necessidades da família serem pensadas a partir dos seus anseios, sendo que é necessário ter respeito para com as mesmas como forma de garantir a dignidade da pessoa humana - fundamento da República Federativa do Brasil, disposto no art. 1, inciso III da CF/88 - não podendo as famílias formadas através de laços formais da união conjugal terem privilégios em relação àquelas que vivem em situação diversa. Com ou sem casamento, pode- se instituir o ente familiar, com garantia de incondicional tutela jurídica.(euclides Benedito de Oliveira- Família e Cidadania- O Novo CCB e a Vacatio Legis - pág.173-2002) Um dos principais aspectos a serem estudados versa sobre os direitos do companheiro na união estável quando não houver parentes sucessíveis. 3

Para tanto, será necessária uma diferenciação entre o casamento e a união estável no que se refere aos direitos patrimoniais. Comecemos, portanto, pelo casamento. O Código Civil de 2002, em seu art. 1845, coloca o cônjuge como herdeiro necessário, juntamente com os ascendentes e descendentes, tendo direito aos bens do de cujus, obedecendo-se o regime de bens estabelecido, diferentemente do companheiro que somente terá direito aos bens adquiridos onerosamente, na vigência da união estável nas condições estabelecidas no art.1790 ou por testamento, respeitando-se as legítimas dos herdeiros. Percebe-se, portanto, que a união estável foi tratada, no Código Civil de 2002, de forma hierarquicamente inferior ao casamento no que se refere aos direitos sucessórios, uma vez que o companheiro não figurou como herdeiro necessário, não sendo, portanto, considerado herdeiro legítimo como fora o cônjuge. Em relação à sucessão legítima, não havendo descendentes ou ascendentes, os bens do de cujus serão destinados ao cônjuge sobrevivente, desde que não esteja separado judicialmente, nem separado de fato há mais de dois anos, salvo nesse caso, se o cônjuge sobrevivo provar que a convivência se tornara impossível sem sua culpa, conforme a regra do art. 1830 do CC/02. Há que se dizer que, independente do regime de bens estabelecido, o casal sempre terá um patrimônio comum que pertence a ambos, ou seja, metade da mulher e metade do marido. Aberta a sucessão, a metade que pertence ao cônjuge sobrevivente não integrará a herança que será transmitida aos herdeiros. Isso e a chamada meação, sendo que somente a outra metade integra a herança que será transmitida aos descendentes, ascendentes, ao próprio cônjuge ou aos colaterais, observando-se o que dispõe o art. 1829 do CC/02. Dessa forma, o cônjuge somente concorrerá com os descendentes se o regime de bens estabelecido não for o da comunhão universal, o da separação obrigatória ou o da comunhão parcial, quando o falecido não houver deixado bens particulares (art.1829, I do CC/02). Caso o regime de bens estabelecido seja o da comunhão universal, terá o cônjuge sobrevivente direito ao patrimônio que é 100% comum. Se o regime estabelecido for o da separação obrigatória, presente no art. 1641 do CC/02, o cônjuge terá direito a seu patrimônio particular e aos bens comuns, tendo em vista que os patrimônios não se comunicam, não havendo que se falar em divisão do patrimônio para o cônjuge na qualidade de herdeiro. Quando o regime de casamento for o da comunhão parcial e o de cujus não houver deixado bens particulares, a regra será semelhante a do regime de comunhão total, tendo apenas um patrimônio comum. Na hipótese de não existir descendentes do de cujus, o cônjuge sobrevivente concorrerá com os ascendentes do falecido, independente do regime de bens que fora estabelecido quando do casamento. 4

Não havendo descendentes, nem ascendentes do de cujus, o cônjuge sobrevivente herdará todo o patrimônio deixado pelo falecido. Por fim, se não existir descendentes, ascendentes, nem o cônjuge, o patrimônio do de cujus será dividido aos parentes colaterais. Em relação à união estável, estabelece o CC/02 que o companheiro também tem direitos sucessórios. "Art. 1790 - A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente a que por lei for atribuída ao filho; II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-ihe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança. À união estável, segundo art. 1725 do CC/02, aplica-se às relações patrimoniais, salvo contrato escrito entre os companheiros, no que couber o regime da comunhão parcial de bens. Segundo Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, na obra "Direito das Sucessões e o Novo Código Civil (2004 - pág. 99), "a sucessão de pessoas que viviam em união estável até o momento de sua morte não dependerá, para a concorrência do companheiro com os demais herdeiros, da verificação do regime de bens adotado por contrato de convivência ou mesmo por forma tácita, acatando as regras do regime legal por força de disposição legal supletiva, mas dependerá da origem dos bens que componham o acervo hereditário deixado pelo de cujus". Ressalta-se que os bens a que tem direito o companheiro por ocasião da morte do seu companheiro são somente aqueles adquiridos onerosamente, na vigência da união estável, contrariamente ao que tem direito o cônjuge, conforme já se verificou anteriormente, demonstrando, dessa forma, a inferioridade do companheiro em relação ao cônjuge. Em relação ao dispositivo acima descrito, há que se observar que o inciso I refere-se a filho e o inciso II refere-se a descendente, devendo o inciso I ser analisado ampliativamente para que possa ser incluído aí outros descendentes comuns como os netos, por exemplo. No inciso III, na ausência de descendentes do falecido, o companheiro concorrerá com os outros parentes sucessíveis, recebendo uma terça parte da herança, sendo estes outros parentes sucessíveis os ascendentes e os colaterais ate o quarto grau, observando-se o disposto nos arts.1829 e seguintes do CC/02. Por fim, o inciso IV determina que não havendo parentes sucessíveis, terá direito o companheiro à totalidade da herança. Tal inciso será tratado posteriormente, tendo em vista que se trata do marco teórico desse trabalho. 5

Conforme já dito anteriormente, o Código Civil retrocedeu consideravelmente a união estável, colocando o companheiro em posição muito inferior ao cônjuge, surgindo, com isso, varias críticas em relação ao art. 1790. Vejamos o que afirma o professor Rodrigo da Cunha Pereira, em sua obra "Concubinato e União Estável" (2004 - Ed. Del Rey - pág. 123-124): "Não há dúvidas de que este artigo apresenta um grande retrocesso para a união estável, vez que colocou o companheiro em posição infinitamente inferior ao cônjuge. Ao que parece, retomou-se a mentalidade de que a união estável é uma 'família de segunda classe' e não uma outra espécie de família, nem melhor nem pior do que o casamento, apenas diferente. Constitucionalmente, todas as espécies de entidades familiares são iguais em dignidade. Tal recuo promove a quebra da 1ógica constitucional da ordem jurídica, que elevou a união estável ao status de família, não tendo razão, diante disso, de se privilegiar o casamento. É certo que este é o paradigma, por tradição, de constituição de família. Mas os outros tipos não podem sofrer quaisquer tipos de restrição. Sem falar nos efeitos injustos que esta norma pode provocar, como o exemplo citado por Zeno Veloso: a companheira de muitos anos de um homem rico, que possuía vários bens na época em que iniciou o relacionamento afetivo, não herdará coisa alguma do companheiro, se este não adquiriu outros bens durante o tempo da convivência. Ficará esta mulher - se for pobre - literalmente desamparada, mormente quando o falecido não cuidou de beneficiá-la em testamento, ou foi surpreendido pela morte antes de outorgar o testamento que havia resolvido fazer." Se a Constituição Federal estabelece que a união estável é reconhecida como entidade familiar, merecendo proteção do Estado, não haveria qualquer sentido o legislador, no Código Civil retirar os direitos já conferidos aos companheiros, conferindo aos mesmos um lugar inferior ao cônjuge, tendo em vista que tal tratamento, em momento algum se mostra compatível com o que estabelece a Carta Magna. E mais, o companheiro, além disso, não foi inserido como herdeiro necessário na ordem de vocação hereditária do art. 1829 do CC/02, como foi o cônjuge, que ocupa a terceira ordem de vocação hereditária, depois dos descendentes e ascendentes. O art.1845 do CC/02 não deixa qualquer dúvida que o cônjuge É herdeiro necessário, condição que ao companheiro não foi atribuída. 0 cônjuge não foi, portanto, somente erigido à condição de herdeiro necessário, mas a condição de herdeiro necessário privilegiado, uma vez que concorre com os descendentes e com os ascendentes do de cujus, estando ora na 1ª classe dos herdeiros legítimos, concorrendo com os descendentes, ora na 2ª classe sucessória, concorrendo com os ascendentes e ocupa, sozinho, a 3ª classe dos sucessíveis. diferente. Já em relação às pessoas que vivem em união estável, a situação é totalmente Inicialmente, verifica-se que o art. 1790 do CC/02 foi colocado dentro do Código Civil, nas "Disposições Gerais", quando esta não deveria ser sua colocação, haja vista que não trata de disposições gerais. Deveria tal artigo estar no capítulo que trata da ordem de vocação hereditária, onde melhor se adequaria. 6

Zeno Veloso (Direito Sucessórios do companheiro- Família e Cidadania - 0 Novo C6digo Civil e a Vacatio Legis - 2002) ressalta que, quando foi apresentada a emenda que resultou no art. 1790, a realidade social do país era outra, não estando ainda nem mesmo a Constituição Federal de 1988 em vigor. Assim, a longa tramitação do Projeto do Código Civil, as transformações sociais e as mudanças legislativas que ocorreram no período, tornaram a emenda desatualizada e precária para a época presente. ao cônjuge. Com as Leis 8971/94 e 9278/96, foram conferidos ao companheiro mais direitos que O que a doutrina afirmava é que não havia razão para que o companheiro ficasse em situação mais vantajosa e benéfica que o cônjuge, defendendo que deveria existir uma modificação na legislação. Contudo, o que se verificou foi um retrocesso e não uma modificação de modo a igualar companheiro e cônjuge, sendo o companheiro colocado em posição muito inferior. O art. 1790, caput do CC/02 confere aos companheiros o direito de participar da sucessão apenas dos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável. Dessa forma, se não houver bens onerosamente adquiridos, o companheiro nada herdará. A limitação contida no caput do art. 1790 do CC/02 quanto aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável pode gerar uma injustiça ao companheiro sobrevivente, tendo em vista que existindo bens adquiridos anteriormente pelo de cujus ou bens recebidos gratuitamente e não havendo nenhum parente capaz de suceder, serão os bens destinados aos cofres públicos em detrimento do companheiro, que viveu com o de cujus seus últimos momentos, como se casado fosse. Em relação ao cônjuge, ao contrário, não existe tal previsão, podendo o mesmo herdar toda a herança, uma vez que ocupa a 3ª posição na ordem de vocação hereditária. Em relação ao Poder Público, o art. 1619 do Código Civil de 1916, com redação dada pela lei 8049/90, dispunha que não sobrevindo cônjuge, nem parente algum sucessível, ou tendo eles renunciado à herança, esta se devolve ao Município ou ao Distrito Federal, se localizada nas respectivas circunscrições ou à União, quando situada em território federal. O Código Civil de 2002, no art. 1844, mantém essa regra, acrescentando apenas a figura do companheiro, junto ao cônjuge e aos parentes sucessíveis, para dizer que, na falta dos mesmos, a herança se atribui ao ente publico. Acontece que, ao se interpretar o art. 1790 do CC/02, o que se verifica é que, mesmo estando vivo o companheiro, se os bens que compõem a herança tiverem sido adquiridos pelo de cujus antes de viver em união estável, o Poder Público é que herdará. Percebe-se, portanto, um conflito, tendo em vista que a regra do art. 1844 do CC/02 diz que aos cofres públicos se devolvem os bens, quando não sobreviverem cônjuge ou companheiro. Se o companheiro está vivo, por que não pode o mesmo herdar os bens da herança, ainda que não tenha contribuído para sua aquisição? 7

Dessa forma, não há qualquer fundamento para o tratamento que o legislador deu aos direitos sucessórios do companheiro, não havendo razão para que se retirassem os direitos já adquiridos pelos mesmos, nem tampouco deixasse o companheiro em posição tão inferiorizada, colocando até mesmo o Poder Público em uma situação melhor que a sua. Poderia ocorrer uma adequação na legislação para que não fosse o companheiro privilegiado em relação ao cônjuge, como era antes do Código Civil de 2002, quando se analisa a Lei 9278/96, mas nunca inferiorizado como se verifica atualmente. Por fim, vale transcrever o disposto na obra "Curso Avançado de Direito Civil - volume 6 - Direito das Sucessões, dos autores Francisco Jose Cahali e Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (pág. 250): "0 problema maior da norma projetada é ter criado um tratamento totalmente diferenciado do companheiro em relação ao cônjuge, quando as recentes leis sobre a união estável caminharam no sentido de aproximar os dois institutos, inclusive no tocante ao direito sucessório. Veja-se, faz distinção se concorrer com filhos comuns ou só do falecido; não beneficia o companheiro com quinhão mínimo na concorrência com os demais herdeiros; estabelece o direito apenas à metade do que couber aos descendentes só do autor da herança, estabelece um terço na concorrência com herdeiros de outras classes que não os descendentes, quando o cônjuge pode receber até metade, na concorrência com ascendentes do falecido; concorre com um terço também com os colaterais, só chamado a receber a totalidade do acervo na falta destes, quando o cônjuge prefere aos parentes da linha transversal, com exclusividade; e não inclui o companheiro como herdeiro necessário (embora se refira o texto que o companheiro participará da sucessão do outro, nas seguintes condições, e que, na falta de outros parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança, podendo daí ser invocada a imperatividade do dispositivo a impedir a livre disposição voluntária por testamento)." Ao se interpretar o art. 1790 do CC/02, verifica-se que existe uma disparidade entre o caput e o seu inciso IV, tendo em vista que não deixa claro quais são realmente os direitos sucessórios a que tem direito o companheiro sobrevivente, no caso de não existirem parentes sucessíveis. Dispõe o caput do referido artigo que o companheiro ou a companheira participará da sucessão dos bens adquiridos onerosamente, na vigência da. união estável. Entretanto, o inciso IV, dispõe que terá direito a totalidade da herança, se não houver parentes sucessíveis. Mas a qual totalidade se refere o artigo? A totalidade dos bens adquiridos onerosamente pelo casal ou a totalidade de todos os bens deixados pelo de cujus? A redação do artigo é confusa e gera dúvidas sobre qual a intenção do legislador ao estabelecer tal norma, uma vez que, ao se analisar o caput, entende-se que o mesmo se refere aos bens adquiridos onerosamente, dando a entender que, se houverem bens que o companheiro sobrevivente não tenha contribuído para a aquisição, ele nada herdará, sendo, então, convocados os outros herdeiros para suceder. 8

Contudo, analisando o inciso IV do mesmo artigo, entende-se que o companheiro(a) teria direito a todo o acervo hereditário deixado pelo falecido e não somente aos bens a que se refere o caput. Diante de tal impasse, qual seria a interpretação correta a ser dada no caso de vir um dos companheiros a falecer, deixando bens que possuía antes de viver em união estável e não houver nenhum parente sucessível, existindo apenas o companheiro sobrevivente? A maioria dos doutrinadores brasileiros entende que em tal ponto, o legislador equivocou-se, tendo em vista que retrocedeu ao colocar o companheiro em situação de inferioridade ao cônjuge, colocando o Poder Público em situação mais privilegiada do que aquele que viveu com o de cujus seus últimos dias, já que será o Poder Público quem ficará com os bens que o companheiro não contribuiu para a aquisição, no caso de não existir parente capaz de suceder. No Direito de Família há um título dedicado à união estável arts. 1723 a 1727 - e a matéria está regulada convenientemente, prestigiando-se a união estável entre o homem e a mulher, com o objetivo de constituição de família, sendo os direitos e deveres dos companheiros bem distribuídos, imitando-se o tratamento dado aos cônjuges. Entretanto, no Direito das Sucessões, aparece o art. 1790, afrontando o que antes havia sido dito e afirmado, colidindo com o ordenamento dos companheiros, parecendo que o referido artigo é norma de outro Código, de outra Nação, porque não guarda correspondência alguma com as que o novo Código Civil Brasileiro, no livro do Direito de Família, dedicou às entidades familiares formadas por uniões estáveis. O legislador quis, no dispositivo legal, privilegiar o casamento, uma vez que, em relação à união estável, faltou generosidade, pois nem de concorrência se pode chamar o que lhe deferiu o texto legal, haja vista que ao companheiro é destinado somente percentual singelo dos bens comuns, ao contrário dos cônjuges, que foram elevados à condição de herdeiros necessários, assegurando-lhes direito à herança e a concorrerem com os herdeiros que lhes antecedem na ordem de vocação hereditária (concorrem com filhos, comuns ou não e concorrem com os ascendentes). Caberia ao Poder Judiciário interpretar de forma a fazer justiça, enquanto o legislador queda-se silente, não podendo os juízes curvarem-se às aberrações legais, não podendo o Direito ignorar a realidade. César Fiúza (Direito Civil - Curso Completo - 2002 - pág. 872), ao explicitar sobre a matéria, afirma que o dispositivo em questão é, em tese, inconstitucional, uma vez que fere as diretivas da Constituição Federal (art. 226, 3 ) e do próprio Código Civil (art. 1726) que, ao facilitarem a conversão da união estável em casamento, adotam este como ideal a ser perseguido para a constituição da família. Sendo assim, não caberia ao companheiro direito a concorrência com os descendentes do defunto. Não havendo nem descendentes, nem ascendentes, nem colaterais, segundo César Fiúza, o companheiro deveria herdar todo o acervo hereditário e não só o adquirido onerosamente durante a união estável, sendo esta a interpretação mais correta. 9

Ao se admitir outra interpretação, o companheiro terá direito a todos os bens adquiridos onerosamente, durante a união estável, incorporando-se os demais bens ao patrimônio do Município em que se acharem. No entanto, tal interpretação seria, na opinião do autor, estapafúrdia e injusta, uma vez que a exegese do texto legal não pode ferir a dignidade da pessoa e da família, ainda que esta não se tenha consubstanciado pelo casamento. Realmente, o legislador, ao esgotar toda a matéria referente aos direitos sucessórios do companheiro, em um único artigo não foi feliz, tendo em vista que tal fato gera várias duvidas em relação à interpretação de tal dispositivo. A interpretação literal da norma do art. 1790 e seu inciso IV, parece indicar que o desejo do legislador foi realmente o de restringir a participação do companheiro em relação aos bens que o falecido adquiriu sem a ajuda do companheiro sobrevivente. Contudo, analisando o histórico da união estável, sua proteção constitucional e a disposição da mesma no campo do Direito de Família, seria possível concluir que o que ocorreu foi um descuido ou um equívoco do legislador ao tratar de tal assunto, uma vez que diante de todo o tratamento dado à união estável, aproximando-a do casamento, não se justificaria que o companheiro ficasse desamparado após a morte de seu convivente, com quem viveu como se casado fosse. Dessa forma, para dirimir as dúvidas existentes, seriam necessárias alterações no dispositivo que trata dos direitos sucessórios do(a) companheiro(a), vez que, se a família é a base da sociedade, tendo proteção do Estado e se a união estável é reconhecida como entidade familiar, sendo equiparadas as famílias assim formadas às famílias matrimonializadas, não há razão para a discrepância entre a posição sucessória do cônjuge supérstite e do companheiro sobrevivente, tendo em vista que tal tratamento contraria as aspirações sociais e os dispositivos constitucionais. O professor Zeno Veloso expõe que, inicialmente, é necessário deslocar o art. 1790, inserindo-o no Titulo II - Da Sucessão Legítima, Capítulo I - Da Ordem de Sucessão Hereditária, em seguida do art. 1838, que trata da sucessão do cônjuge sobrevivente. Para Veloso, o art. 1839 deve ser alterado, passando a ter a seguinte redação: "Se não houver cônjuge sobrevivente, nas condições estabelecidas no art. 1830, nem companheira ou companheiro, na forma do artigo antecedente, serão chamados a suceder os colaterais até o quarto grau." O art. 1831 também deve ser modificado, para estabelecer, como faz o art. 1611, 2 do Código Civil de 1916, que o direito real de habitação só persiste enquanto o cônjuge sobrevivente permanecer viúvo ou não constituir união estável. Assim, com base nos arts. 1829, 1831, 1832, 1837 1838 do Código Civil, que editam normas sobre a sucessão dos cônjuges, o artigo que regula a sucessão dos companheiros, segundo Veloso, com nova localização e outro número, deve ficar redigido da seguinte forma: 10

"Art. (... ) A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, com quem convivia ao tempo do falecimento, nas condições seguintes: I - se concorrer com descendentes, terá direito a um quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, salvo se tiver havido comunhão de bens durante a união estável e o autor da herança não houver deixado bens particulares, ou se o casamento dos companheiros, se tivesse ocorrido, fosse pelo regime da separação obrigatória (art. 1641), observada a situação existente no começo da convivência; II - concorrendo com ascendente em primeiro grau, tocar-ihe-á um teço da herança; caber- Ihe-á metade desta, se houver um só ascendente ou se maior for aquele grau; Parágrafo único - Ao companheiro sobrevivente, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, enquanto não constituir nova união ou casamento, será assegurado a direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar." Na visão de Veloso, esta emenda "não cria fatos, não inventa soluções, não dá pulos, não introduz grandes novidades. Simplesmente procura resgatar a que a Constituição e as leis, atendendo às esperanças e aos sentimentos sociais, já tinham estabelecido, sem que se vislumbre motivo algum para que o quadro fosse mudado. Esta emenda, singelamente, quer fazer justiça aos brasileiros e brasileiras que constituem famílias respeitáveis e dignas, com base nos laços da afetividade, da compreensão, da solidariedade, da lealdade, da mútua assistência moral e material, formando uniões estáveis que merecem o mesmo tratamento dispensado às famílias fundadas no casamento." É, praticamente unânime na doutrina que o art. 1790 do CC/02 deve ser reformado, uma vez que o que dispõe não se relaciona com a realidade que quis o legislador conferir à união estável, quando se analisa o que dispõe a Constituição Federal. Para tanto, conclui-se que é necessário que o(a) companheiro(a) seja colocado, também, como herdeiro necessário, de forma a ter um tratamento igual ao do cônjuge. Ademais, deve o mesmo participar da ordem de vocação hereditária, como exposto acima, ao lado do cônjuge, conferindo aos dois os mesmos direitos, de forma a resguardar os direitos constitucionalmente estabelecidos. Por fim, para não restar dúvidas, deve o art. 1790 ser alterado para que a interpretação não seja duvidosa e confusa, sendo estabelecido de forma clara quais são os direitos sucessórios dos(as) companheiros(as), devendo ser, ainda, garantido aos mesmos o direito de herdar os bens não adquiridos onerosamente deixados pelo de cujus. Enquanto não são feitas as alterações necessárias pelo legislador, caberia aos julgadores uma melhor interpretação do artigo que se refere aos direitos sucessórios dos companheiros, uma vez que é função do Judiciário interpretar o texto legal de forma a adequá-lo à Constituição Federal, já que esta, como exaustivamente exposto, buscou aproximar a união estável do casamento, para que se diminuíssem as discriminações em relação às famílias formadas pelo casamento e as formadas por uniões estáveis, observando-se o Principio da Igualdade. 11

Se ao Judiciário cabe interpretar a lei da forma mais justa possível, ao legislador cabe a função de rever as leis que tragam algum tipo de discriminação, injustiça ou inconstitucionalidade, como o art. 1790 do CC/02. possível. Com relação a tal dispositivo, sua modificação faz-se necessária o mais rápido Finalizando, é conveniente abordar a indagação do professor Zeno Veloso que pergunta se haverá alguma pessoa, neste País, jurista ou leigo, que assegure que o que dispõe o art. 1790 é a solução mais adequada e justa. Ademais, por que privilegiar a estes extremos vínculos biológicos, ainda que remotos, em prejuízo dos vínculos do amor, da afetividade? Por que os membros da família parental, em grau tão longínquo, devem ter preferência sobre a família afetiva (que em tudo é comparável à família conjugal) do hereditando? Dessa forma, diante de todo o exposto no presente trabalho, não há razão alguma para que o companheiro seja colocado em posição inferior como o foi no Código Civil, devendo, urgentemente, serem feitas as alterações para que o companheiro sobrevivente fique protegido e amparado quando da abertura da sucessão, tendo em vista que constitucionalmente está equiparada a união estável ao casamento, devendo, portanto, ser amparado o companheiro da mesma forma que foi o cônjuge. A própria Constituição Federal de 1988, em seu art. 226, igualou cônjuges e companheiros em direitos e obrigações. Nesse sentido, é inconstitucional toda e qualquer norma que verse sobre tratamento desigual, o que acarreta, obrigatoriamente, na urgente mudança do art. 1790, CC/2002. Diante do desenvolvimento apresentado no presente trabalho, não há qualquer dúvida que o tratamento dado pelo legislador aos direitos sucessórios dos companheiros foi retrógrado, tímido e injusto, uma vez que renegá-los a uma posição tão inferior ao cônjuge vai contra toda a legislação anteriormente existente e contra o que dispõe a Constituição Federal, que reconhece a união estável como entidade familiar, garantido proteção do Estado à mesma. O Código Civil de 2002, seja por equívoco, esquecimento ou qualquer outro motivo, no que se refere aos direitos conferidos aos companheiros quando não houver outros parentes do de cujus capazes de suceder, mostrou-se injusto e absurdo, colocando-se até mesmo o Poder Público em posição melhor que aquele que conviveu com o falecido até seus últimos dias, como se casado fosse, compartilhando de todos os seus momentos. Ao se analisar a proteção que foi dada aos companheiros pela Constituição Federal e o que dispõe o Código Civil no tocante à união estável em sua parte "Direito de Família", não resta nenhuma dúvida de que o art. 1790 deve ser reformulado, tendo em vista que da forma como se apresenta há um desrespeito ao Princípio da Igualdade, sendo o cônjuge muito mais privilegiado quando da abertura da sucessão. 12

Após o advento da Constituição Federal de 1988, todas as famílias passaram a ser tratadas de forma igual, merecendo proteção do Estado, não se fazendo distinção entre as famílias oriundas do casamento e entre as oriundas de uma união estável. Entretanto, o Código Civil de 2002, na contramão de tudo o que dispõe a Carta Magna, retirou direitos anteriormente conquistados por aqueles que viviam em união estável, deixando os companheiros desamparados, quando existir bens do de cujus que o companheiro não contribuiu para a aquisição e não existirem parentes capazes de suceder vez que tais bens serão destinados aos cofres públicos, sendo esta uma situação absurda, já que todo o acervo deveria ser destinado ao companheiro que privou com o falecido de todos os seus momentos. Portanto, diante de todo o exposto,no presente trabalho, pode-se concluir que a melhor solução para a questão seria uma alteração no Código Civil para que o companheiro seja colocado como herdeiro necessário, junto com o cônjuge, na ordem de vocação hereditária, bem como deve o art. 1790 ser alterado para que a dúvida que existe de sua interpretação seja sanada, devendo ser explicitado que, em caso de não haver parentes sucessíveis, os bens, tanto os adquiridos onerosamente, quanto os que o de cujus já possuir antes da vivência da união estável, sejam destinados ao companheiro sobrevivente. Assim, tais alterações devem ser feitas para que o companheiro sobrevivente fique protegido e amparado quando da abertura da sucessão, tendo em vista que o tratamento que é conferido ao mesmo atualmente não está de acordo com a realidade, nem tampouco com o que estabelece a Constituição Federal no seu art. 226, não sendo justo o que dispõe o art. 1790 do CC/2002, uma vez que privilegia vínculos biológicos distantes e, até mesmo, o Poder Público, em detrimento dos vínculos do amor, da afetividade, ficando o companheiro inferiorizado e desprotegido. 13

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