GRANULOMA BLASTOMICOTICO NA MEDULA CERVICAL

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Transcrição:

GRANULOMA BLASTOMICOTICO NA MEDULA CERVICAL REGISTRO DE UM CASO MIGUEL PARAGE FILHO * MILTON RUI GERMANO BRAGA* MARIA LEONOR DE SOUvA KUHN ** A blastomicose sul-americana é doença endêmica no Brasil 4. Na sua forma visceral localiza-se com mais freqüência nos pulmões, baço, fígado e suprarrenais e, mais raramente, nos intestinos, rins, sistema nervoso central, pancreas, ossos e genitais 4. Apesar de mais rara no sistema nervoso central, existem muitos casos registrados, quer na sua forma meningítica ou tumoral 3» 4» 5. e. 7. No sistema nervoso a localização medular é mais rara, tendo sido registrado apenas um caso por Braga e Okamura 1. OBSERVAÇÃO D. F. S., sexo masculino, pardo, 42 anos, fiscal de limpeza, natural de Nova Friburgo (RJ) e residindo há 14 anos em Brasília (D.F.). Paciente internado pela primeira vez no Rio de Janeiro (RJ) em 14-12-71 com diagnóstico de blastomicose pulmonar. Esteve internado mais três vezes, recebendo tratamento com Anfotericina Β. O paciente procurou o HSU (D.F.) onde foi internado em 14-4-75, queixando-se de tonturas, diplopia, tremores de extremidades, principalmente à esquerda e hipocusia à esquerda. Referia também dificuldade para deambular por fraqueza no membro inferior esquerdo. O seu estado geral era regular, mas estava bastante ansioso, apresentando crises de depressão. Deambulava com dificuldade, arrastando o membro inferior esquerdo. Apresentava hipocusia à esquerda; as sensibilidades dolorosa, táctil e térmica estavam diminuídas no dimídio direito a partir da altura da linha mamilar. A face externa do antebraço esquerdo e mão esquerda também apresentavam diminuição das sensibilidades dolorosa, táctil e térmica. A sensibilidade profunda e especial eram normais. Atrofia muscular em todo o domídio esquerda com hipotonia muscular. Força muscular diminuída nos membros esquerdos mais distalmente no membro superior e global no membro inferior. Reflexos profundos mais vivos à esquerda, com exceção do tricipital esquerdo que estava abolido. Coordenação normal. Foi feito o diagnóstico de síndrome de Brown-Séquard. Exames complementares Líquido cefalorraqueano (LCR): punção lombar em decúbito lateral: LCR límpido; pressão inicial 19 cm H2O e pressão final 10 cm H2O; 57 cél/mm3 (91% de linfócitos); cloretos 128,2 meq/1; glicose 55mg%; proteínas totais 210mg%; reação de Pandy positiva; VDRL não reagente. Cintilografia cerebral normal. Radiografias do crânio normais. EEG sem anormalidades. Hemograma completo, exame Hospital dos Servidores da União (HSU). Trabalho apresentado no 3º Ciclo de Estudos Médicos do HSU (Brasília, agosto de 1975): * Neurocirurgião; ** Residente de Clínica Médica. Agradecimentos: Ao Prof. William Barbosa pelos dados relativos à imunoeletroforese; ao Dr. Wilson Eliseu Sesana pelos exames radiológicos; ao Dr. Henrique Leonel Lenzi pelo exame histopatológico.

sumário de urina, dosagens de uréia, creatinine, glicose e colesterol total sem anormalidades. Velocidade de hemossedimentaçâo elevada, 42 mm. V D R L no soro sangüíneo não reagente. Exame parasitológico de fezes evidenciou a presença de ovos de Ascaris lumbricóide8. Radiografias dos pulmões: discretas estrlas de condensação em ambos os pulmões, sobretudo em torno dos hilos (fibrose residual). Cultura do LCR para fungos em meio Sabouraud a 37<>C, em temperatura ambiente e em meio ágar-infusão resultou negativa em duas amostras colhidas com intervalo de um mês. Imunoprecipitaçâo em ágar para blastomicose sul-americana (BSA) positiva no LCR e no soro sangüíneo, título 1/2. Reação por fixação de complemento para BSA no soro sangüíneo: título

2,6 e no LCR título 2,6. Radiografia da coluna vertebral: segmento cervical normal: no segmento torácico as radiografias simples e as tomografias mostram uma área osteolítica irregular na porção inferior do corpo de T l l, sem esclerose marginal significativa e com pequenos sequestros; o disco intervertebral de T l l e T12 está totalmente pinçado e anteriormente há anquilose óssea; apesar disso não se observam lesões osteolíticas no corpo de T12. O canal raqueano não está comprometido em seus diâmetros. Mielografia com 9 cc de Pantopaque mostrou bloqueio ao nível de C7 por uma lesão expansiva intradural extramedular situada à esquerda, com desvio da medula para a direita. Após a mielografia houve agravamento do quadro neurológico, ficando o paciente triplegia), com paralisia facial periférica à direita e agravamento do estrabismo divergente. Intervenção cirúrgica e evolução Foi feita laminectomia cervical. Aberta a duramater foi encontrada lesão tumoral aderida fortemente à dura mater e à medula. Foi ressecada a lesão tumoral juntamente com a dura e dissecada a parte aderida à medula.

No pós-operatório ocorreu fistula liquórica que foi fechada por novo debridamento e sutura. Também ocorreu no pós-operatório imediato meningite por klebsiella que foi tratada com gentamicina. O paciente foi medicado com Anfotericina Β (50 mg/dia), sulfametoxazol (2,4 g/dia) e trimetropim (480 mg/dia). Apesar dos medicamentos e do tratamento fisioterápico o paciente permanece triplégico. COMENTÁRIOS A referência de granuloma blastomicótico de medula é rara. Encontramos apenas um caso descrito por Braga e Okamura 1, em que o paciente foi submetido a laminectomia. Na literatura revisada existem alguns casos em que os pacientes apresentavam sinais de comprometimento medular mas foram tratados apenas clinicamente. Em revisão sobre granuloma, Bucy e Oberhill 2 sugerem que os granulomas devem ser excisados sendo feito, depois, o tratamento específico. O granuloma blastomicótico não se apresenta em forma única, havendo também envolvimento das meninges e nervos cranianos (tonturas, diplopia, tremores e hipocusia, no caso apresentado), o que tem levado numerosos especialistas a um diagnóstico tardio e muitas vezes só constatado à autópsia. RESUMO Os autores apresentam um caso de blastomicose medular. O paciente apresentava síndrome de Brown-Séquard. Após a mielografia foi submetido à laminectomia cervical. Na operação foi encontrada lesão tumoral que a histologia mostrou tratar-se de um granuloma blastomicótico. O paciente foi medicado com Anfotericina B, associada à sulfametoxazol e trimetropim, assim como tratamento fisioterápico. A despeito do tratamento instituído o paciente não apresentou melhoras no que respeita à sintomatologia neurológica. SUMMARY Blastomycotic granuloma of cervical spinal cord: a case report A case of blastomycotic granuloma of the spinal cord is reported. The pacient had a Brown-Séquard syndrome. He was submitted to myelography and he was underwent a cervical laminectomy. The mass was removed being lately confirmed by histology as a blastomycotic granuloma. Despite the medical treatment with Amphotericin Β and physical therapy there was no improvement of the condition. REFERENCIAS 1. BRAGA, F. Μ. & OKAMURA, Μ. Blastomicose medular. Seara Médica (São Paulo) 1:435, 1973. 2. BUCY, P. C. & OBERHILL, H. R. Intradural spinal granulomas. J. Neurosurg. 7:11, 1950.

3. DEL NERO, G.; MELLO Ε ALBUQUERQUE, F. J. & CAMPOS, E. P. Localização nervosa da blastomicose sul-americana. Rev. Hospital das Clínicas (São Paulo): 64, 1954. 4. DEL NERO, G. & VERONESI, R. Doenças Infecciosas e Parasitárias. Editora Guanabara Koogam, Rio de Janeiro, 1972. 5. PEREIRA, W. C; RAPHAEL, A. & SALLUM, J. Lesões neurológicas na blastomicose sul-americana. Arq. Neuro-Psiquiat. (São Paulo) 23:95, 1965. 6. PEREIRA, W. C.; TENUTO, R. Α.; RAPHAEL, Α. & SALLUM, J. Localização encefálica da blastomicose sul-americana. Arq. Neuro-Psiquiat. (São Paulo) 23:113, 1965. 7. RAPHAEL, A. Localização nervosa da blastomicose sul-americana. Arq. Neuro- Psiquiat. (São Paulo) 24:69, 1966. 8. RITTER, F. H. Tumor cerebral granulomatoso por Paracoccidioides. Arq. Neuro- Psiquiat. (São Paulo) 6:352, 1948. Hospital Presidente Médici Avenida L-2 Norte Quadra 605 70000 Brasilia D.F. Brasil.