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ARTIGO ORIGINAL Comparação do uso de clorexidina versus solução fisiológica na anti-sepsia cutânea dos pacientes portadores de fissura palatina: um projeto piloto randomizado Comparison of the use of chlorhexidine versus saline solution in the cutaneous antisepsis of patients with cleft palate: a randomized pilot project Hermes Willer Olinda Sant Ana, Mário Jorge Frassy Feijó, Edna Maria Costa de Melo 3, Rui Manoel Rodrigues Pereira 4 RESUMO Objetivo: O desenvolvimento da anti-sepsia/desinfecção revolucionou o cuidado com a saúde no final do século IX. A anti-sepsia realizada com emprego de produtos como clorexidine ou sabões específicos no campo pré-operatório está indicada. Nos pacientes submetidos à palatoplastia primária, esta limpeza não é realizada no sítio cirúrgico (cavidade oral), e sim na face, na região peri-oral dos pacientes. Este estudo piloto pretende avaliar a real necessidade da limpeza facial com solução antiséptica nos pacientes submetidos à palatoplastia primária no Centro de Atenção aos Defeitos da Face do IMIP (CADEFI). Método: Foram randomizados (duplo cego) 44 pacientes com palatoplastia primária, divididos em grupos, ambos com pacientes: GA, no qual foi aplicada solução fisiológica para limpeza facial no pré-operatório, e o GB, no qual foi utilizada substância de gluconato de clorexidina %. Todos os pacientes foram observados durante 30 dias de pós-operatório (º,, e 30 dias) quanto às complicações de ordem infecciosa: presença de sinais de infecção (secreção purulenta, febre, hiperemia, dor local, calor e edema de partes moles), presença de deiscência e fistula oronasal. Resultados: Os grupos foram semelhantes quanto a: faixa etária, sexo, condições socioeducacionais, diagnóstico da fissura e técnica cirúrgica utilizada na palatoplastia. Houve 7% de complicações (infecção, fístula ou deiscência) no grupo experimental (clorexidina) e 3% no grupo controle (solução fisiológica), mas essa diferença não foi estatisticamente significativa. Conclusões: A ação da solução fisiológica tem efeito semelhante à solução que contém clorexidina, quando utilizada no campo cirúrgico cutâneo dos pacientes submetidos à palatoplastia primária no CADEFI. Descritores: Fissura palatina. Anti-sepsia. Cirurgia plástica. Infecção dos ferimentos. SUMMARY Purpose: The development of the antiseptics and disinfection techniques changed healthcare in the late years of the th century. The preoperative cleansing with chlorhexidine or other soaps is the usual practice in order to reduce the skin s colonization close to the locale of surgical incision. However, in patients submitted to the palatoplasty this is not carried out exactly on the surgical site (oral cavity), but externally, on the face s skin (lips, chin, cheeks, nose, eyelids, forehead and cervical region). The purpose of this study was to evaluate the real need of facial cleansing with antiseptic solution in patients submitted to primary palatoplasty. Method: The patients (n=44) were randomized into groups, both with patients: group A, applied physiological solution on the external surgical field preoperatively; group B, used chlorhexidine gluconate %. Neither the surgeon, nor the patient knew which product was applied. The patients were observed during the st month regarding complications of infectious order. Results: The groups were similar regarding: age, gender, partner-educational conditions, diagnosis of the fissure and technical surgical utilized in the palatoplasty. 7% complications (infection, fistula or dehiscence) in the experimental group (chlorhexidine) and 3% in the group control (physiological solution) were observed, but without statistically significant difference. Conclusions: The action of saline solution (0.%) has similar effect to the chlorhexidine solution, when it s used on the cutaneous external surgical area of the patients submitted to the primary palatoplasty in CADEFI. Descriptors: Cleft palate. Antisepsis. Surgery, plastic. Wound infection.. Médico Residente de Cirurgia Plástica do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP).. Médico Residente de Cirurgia Plástica do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP). 3. Mestre em Saúde da Criança pela UFPE Ortodontista do Centro de Atenção aos Defeitos da Face do IMIP (CADEFI) 4. Cirurgião Plástico e Membro Titular da SBCP e ABCCMF. Regente do CADEFI e do Serviço de Cirurgia Plástica do IMIP. Correspondência: Rui Manoel Rodrigues Pereira Rua dos Coelhos, 300 Boa Vista Recife, PE, Brasil CEP 0070-0 E-mail: ruipereira@realplastica.med.br Rev Bras Cir Craniomaxilofac 00; 3(): 7-7

Sant Ana HWO et al. INTRODUÇÃO O desenvolvimento da anti-sepsia e da desinfecção revolucionaram o cuidado com a saúde no final do século IX e início do século XX. Atualmente, a anti-sepsia é definida como o uso de substâncias antimicrobianas em tecidos humanos, ao passo que desinfecção é o uso destes agentes em objetos inanimados. A ocorrência de infecção na ferida depende de muitos fatores. O mais importante é a contaminação bacteriana da ferida no local da operação. Outros fatores incluem contaminação da ferida no sítio cirúrgico, presença de drenagem aberta, reoperação, exame radiográfico intra-operatório e hematoma da ferida pós-operatório, como fator mais importante. A flora bacteriana da saliva é altamente diversificada, incluindo patógenos aeróbicos e anaeróbios, com contagens que alcançam cerca de 0 por ml 3. Apesar disto, alguns autores informam que o isolamento desses patógenos não corresponde a risco maior de infecção da ferida 4. Para reduzir o risco de infecção de uma inoculação primária, o uso de solução fisiológica, iodo, ou irrigação antibiótica foram reportados previamente como associados à diminuição da contaminação bacteriana e redução potencial do risco de infecção,6. As fissuras palatinas constituem um problema de saúde multidisciplinar que representa o 3º ou 4º defeito congênito mais frequente, com aproximadamente 80.000 indivíduos portadores no Brasil 7. Essas fissuras palatinas são deformidades congênitas ou adquiridas caracterizadas pela presença de uma fenda interrompendo a continuidade óssea e/ou mucosa da abóbada palatina 7. As fissuras palatinas associadas ou não às fissuras labiais podem interferir, de forma marcante, na vida dos pacientes no que se refere a alterações funcionais e estéticas, além de transtornos psicológicos 8. Seus portadores, além de grave problema estético, apresentam distúrbios funcionais, desde alimentação até fonação. Nos pacientes submetidos à palatoplastia primária, a limpeza do campo cirúrgico não é realizada exatamente no sítio cirúrgico (cavidade oral), mas sim externamente, na pele da face do paciente (Figura ), ou seja, na superfície externa da cavidade bucal, envolvendo lábios, mento, bochechas, nariz, pálpebras, fronte e região cervical. Dessa forma, o sítio cirúrgico principal, a mucosa palatina, não sofre nenhum tipo de preparo ou limpeza pré-operatória. Atualmente, o protocolo cirúrgico das cirurgias do Centro de Atenção aos Defeitos da Face do IMIP (CADEFI) preconiza a anti-sepsia química com povidine ou clorexidina para confecção do campo operatório na pele da face do paciente com fissura palatina. Diante dessas evidências, este estudo avaliou a real necessidade da limpeza facial com solução anti-séptica nos pacientes submetidos à correção cirúrgica da fissura palatina, uma vez que este cuidado é feito distante do sítio cirúrgico, a contaminação da cavidade oral permanece inalterada, os produtos químicos utilizados não estão isentos de efeitos adversos e há possibilidade de redução dos custos hospitalares. Figura Anti-sepsia. O procedimento cirúrgico foi realizado no palato (A), que não é submetido à anti-sepsia, a qual é realizada apenas na pele da face (B). MÉTODO Desenvolveu-se um estudo piloto do tipo experimental, randomizado, duplo-cego, entre o período de agosto de 008 a agosto de 00. O local do estudo foi o ambulatório do CADEFI e o bloco cirúrgico pediátrico do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira-IMIP (os pacientes foram operados por 4 cirurgiões plásticos do CADEFI). Foram incluídos na pesquisa os pacientes portadores de fissura de palato ou labiopalatina matriculados no CADEFI, os quais se submeteram a palatoplastia primária no período determinado. Excluiu-se da análise os pacientes submetidos a procedimento intra-oral recente (até 30 dias da palatoplastia), terapia antibiótica recente (até 30 dias da palatoplastia), infecções vigentes, ferida intra-oral aberta, estados de imunossupressão (por exemplo, uso de corticosteróide e insuficiência renal) e aqueles cujos pais ou responsáveis não assinaram o A B Rev Bras Cir Craniomaxilofac 00; 3(): 7-8

termo de consentimento livre e esclarecido para participação na pesquisa. Os pacientes foram divididos em dois grupos: grupo experimental no qual solução fisiológica (soro fisiológico a 0,%) foi aplicada no campo cirúrgico externo (pele da face) pré-palatoplastia, de forma que nesta solução não havia nenhum medicamento ou produto químico de ação anti-sepsia; grupo controle no qual solução a base de clorexidina (gluconato de clorexidina a 4%) foi aplicada no mesmo local. Os pacientes foram aleatoriamente distribuídos seguindo uma sequência definida pelo programa Epi info versão 6.04 para randomização dos dois grupos A e B, de forma que todos os participantes tivessem a mesma chance de serem alocados em cada um dos grupos. Foi escolhida a solução de clorexidina como a solução antiséptica pelo fato desta ser incolor como a solução fisiológica e, desta forma, mascarar o uso diante do cirurgião no momento do procedimento cirúrgico. Após a realização da palatoplastia, os pacientes foram avaliados no º, º, º e 30º de pós-operatório com relação à infecção do sítio cirúrgico. Em cada oportunidade, os pacientes foram analisados quanto aos sinais de infecção (secreção purulenta, febre, hiperemia, dor local, calor e edema de partes moles) e outras complicações com potenciais associações infecciosas, como deiscências parciais (abertura apenas da sutura da mucosa oral) e fístulas oro-nasais (abertura de todos os planos de sutura, com consequente comunicação entre as cavidades oral e nasal). Todas essas alterações foram avaliadas no sítio cirúrgico principal, ou seja, a ferida operatória do palato. A infecção do sítio cirúrgico (ISC) foi definida como aquela diagnosticada pela equipe médica, ocorrida em até 30 dias após a cirurgia e relacionada à mesma. Esta definição está de acordo com os critérios padronizados pelo Centers for Disease Control and Prevention USA (CDC). Foram avaliadas variáveis sociodemográficas, complicações apresentadas, associação entre a incidência de infecção no sítio cirúrgico com as soluções aplicadas em cada grupo, utilizando o teste de qui-quadrado de Person. Todos os pacientes ou responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos do IMIP (N documento: 83-08). Na presente pesquisa não houve nenhum conflito de interesses identificado. RESULTADOS O grupo etário predominante localizou-se na faixa etária do primeiro ano de vida (Tabela ). A idade variou de meses a 30 anos de idade, com média geral de anos (4, anos - clorexidina vs., anos solução fisiológica). Nos grupos observados, pacientes eram do sexo masculino ( clorexidina vs. 3 solução fisiológica), como demonstrado na Tabela. Quanto à distribuição geográfica, 40 (0%) pacientes residiam no estado de Pernambuco, distribuídos nas seguintes subregiões: 4 (3,8%) pacientes da Região Metropolitana, (,3%) da Zona da Mata, 4 (3,8%) do Agreste e (6%) do Sertão. Os demais procediam de outros estados: (4,4%) pacientes da Paraíba, (,%) da Bahia e outro (,%) do Rio Grande do Norte. A quantidade total de habitantes por domicílio teve média de 4,4 habitantes e a renda familiar mensal teve média geral de R$ 83,00. Houve predominância na escolaridade entre o ensino fundamental e o ensino médio (Tabela ). Houve também semelhança entre os grupos no que se refere ao diagnóstico da fissura, de acordo com a classificação de Spina, com um total de % de pacientes com fissura transforame e 48% com fissura pós-forame (Tabela ). Variáveis Tabela - Características dos participantes. Distribuição Etária < ano - anos -6 anos 6- anos > anos Distribuição por Sexo Masculino Feminino Escolaridade Analfabeto Nível Fundamental Nível Médio Nível Superior Clorexidina n (%) 0 (4%) (3%) 3 (4%) (%) (%) (4,%) 0 (4,4%) 8 Distribuição por Tipo de Fissura** Transforame Pós-forame Técnica Cirúrgica Von Langenbeck Veau Furlow Wardill-Kilner Von Langenbeck+ Veau Renda Média Familiar (em Reais) 0 4 Grupos Solução fisiológica n (%) (4%) (%) (3%) (%) 4 (8%) 3 (%) (4%) 3 7 3 3 77, 06,7 P* 0,76 0,36 Número Médio de Habitantes por Residência 4, 3,86 * Teste qui-quadrado de Pearson; ** Segundo Classificação de Spina. Rev Bras Cir Craniomaxilofac 00; 3(): 7-

Sant Ana HWO et al. A maioria dos pacientes (%) foi submetida à palatoplastia pela técnica de Von Langenbeck; nos demais, foram empregadas outras técnicas, como Veau, Furlow, Wardill- Kilner e associações de técnicas (Tabela ). Na casuística deste estudo, 7% dos pacientes apresentaram algum tipo de complicação no grupo experimental (clorexidina), enquanto no grupo controle (solução fisiológica) houve 3% destas. Não houve diferença estatisticamente significativa entre as variáveis analisadas (Figura ), seja isoladamente (infecção, fístula ou deiscência) ou no geral (todas as complicações juntas). Houve apenas um caso de infecção em cada grupo de estudo. Em ambos os casos, cresceu na cultura Staphylococcus aureus. Em todos os casos de infecção, houve desenvolvimento associado de deiscência. Porcentagem 00 7 0 0 Figura Complicações. Distribuição das Complicações nos Grupos 8 7 clorexidina 8 68 solução fisiológica 0,% DISCUSSÃO Infecção e deiscência Fístula oronanal Deiscência Ausência Em Pernambuco, os pacientes portadores de fissuras labiopalatais são encaminhados para o CADEFI, centro de referência no Norte e Nordeste. Criado em abril de 6, no IMIP, composto por uma equipe multidisciplinar, visa à plena reabilitação dos portadores de fissura, onde se opera anualmente uma média de 00 palatoplastias primárias. Entretanto, número relevante de pacientes atendidos no CADEFI procede de outros estados. Nesta pesquisa, identificamos que % dos pacientes procederam da Bahia, Paraíba e Rio Grande do Norte. O melhor momento para a realização da palatoplastia é definido por vários autores entre a 4 meses 0,, mas há os que preconizam o fechamento precoce do palato mole ao redor dos 6 meses de idade e postergam o fechamento do palato duro com o argumento de promover um melhor crescimento da maxila. No Centro de Atenção aos Defeitos da Face do IMIP, as palatoplastias primárias são realizadas entre o e meses de vida. Não obstante a predominância da faixa etária do primeiro ano de vida (Figura ), encontramos em nossa casuística 7% de pacientes submetidos à palatoplastia primária em outras faixas etárias diferentes do período padronizado no CADEFI, demonstrando que os pacientes ainda estão iniciando o tratamento em idade avançada. Em nossa avaliação, houve semelhança entre os grupos quanto a sexo, diagnóstico das fissuras e tipo de técnica cirúrgica utilizada na palatoplastia (Tabela ). Após analisarmos o número de habitantes por domicílio, a renda familiar e o grau de escolaridade, identificamos em nossa casuística um baixo nível socioeducacional em ambos os grupos. Isso talvez contribua com o componente ambiental do mecanismo etiopatogênico multifatorial 3 das fissuras lábiopalatinas. Porém, na pesquisa em questão, os grupos tiveram comportamento semelhante quanto a essas variáveis (Tabela ). Os procedimentos operatórios para a palatoplastia são muito variados, visto que cada fissura é única. Elas variam em largura, extensão, quantidade de tecidos moles e duros disponíveis e extensão do palato 4. Em nossa casuística, identificamos a predominância da palatoplastia à Von Langenbeck (%). Essa é a técnica de eleição para palatoplastia primária no CADEFI. Entretanto, dependendo da situação e do caso, outras técnicas também são usadas. O índice de infecção da ferida é a reflexão mais valiosa de cuidado cirúrgico em qualquer hospital. Os cirurgiões podem diminuir a probabilidade de infecção pós-operatória ao manipular os tecidos suavemente 6. O grau de contaminação intraoperatória é importante como um fator de risco local de infecção cirúrgica. Os procedimentos são classificados quanto ao grau de contaminação em limpo, limpo-contaminado, contaminado e sujo-infeccionado 7. Os índices de infecção nestes locais são,, 0,7, 4,3 e,%, respectivamente 8. A palatoplastia é considerada um procedimento limpo-contaminado. Em nossa pesquisa encontramos um índice de infecção de 4,%, e os grupos foram iguais quanto à incidência de infecção. A capacidade de um micróbio causar infecção depende do equilíbrio entre defesas do indivíduo e patogenicidade do microorganismo 6. Os organismos mais comuns que causam infecção são Staphylococcus aureus, Escherichia coli, Staphylococcus epidermidis e Pseudomonas aeruginosa, em ordem decrescente de prevalência 8. Em cada grupo de estudo, identificamos um caso de infecção. Em ambos os casos, cresceu Staphylococcus aureus na cultura. A incidência de fístulas pós-palatoplastia primária varia de 0 a % 0, podendo alcançar até 34%. As fístulas podem acometer o palato mole, o palato duro ou a transição entre ambos. A ocorrência de fístulas, segundo a literatura, varia em função da gravidade e do tipo de fissura, da técnica utilizada para o reparo, da idade em que esse é realizado e da experiência do cirurgião,3. Em nossa casuística, a incidência de fístula teve média geral de,4% (4,% no grupo clorexidina vs. 8,% no grupo solução fisiológica %), mas essa diferença entre os grupos não foi estatisticamente significativa (p=0,34). Em decorrência do comportamento benigno das deiscências parcial (cicatrizam por segunda intenção), não há muita informação na Rev Bras Cir Craniomaxilofac 00; 3(): 7-0

literatura sobre sua incidência. Há trabalhos que consideram apenas as deiscências totais 4. Mas, quanto aos grupos analisados, também não houve diferença estatisticamente significativa quanto ao surgimento de deiscências parciais (p=0,664). CONCLUSÃO A ação da solução fisiológica tem efeito semelhante à solução que contém clorexidina, quando utilizada no campo cirúrgico externo cutâneo dos pacientes submetidos à palatoplastia primária no CADEFI. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem a Dr. Wagno Acioly Ponte, anestesista do Centro de Atenção aos Defeitos da Face do IMIP, pela constante e coerente indagação sobre a anti-sepia nas palatoplastias: por que vocês limpam o rosto do menino se a boca, que é muito mais contaminada, não sofre nenhum tipo de limpeza?. REFERÊNCIAS. Sabiston DDJ. In: Principles of operative surgery. th ed. Philadelphia: Saunders;7. p.3-4.. Anielski R, Barczynski M. Postoperative wound infections: risk factors related to surgery. Przegl Lek. 8;(3):0-. 3. Johnson JT, Yu VL. Role of aerobic gram-negative rods, anaerobes, and fungi in wound infection after head and neck surgery: implications for antibiotic prophylaxis. Head Neck. 8;():7-. 4. Becker GD. Chemoprophylaxis for surgery of the head and neck. Ann Otol Rhinol Laryngol Suppl. 8;0(3 Pt. 3):8-.. Dire DJ, Welsh AP. A comparison of wound irrigation solutions used in the emergency department. Ann Emerg Med. 0;(6):704-8. 6. Howell JM, Stair TO, Howell AW, Mundt DJ, Falcone A, Peters SR. The effect of scrubbing and irrigation with normal saline, povidone iodine, and cefazolin on wound bacterial counts in a guinea pig model. Am J Emerg Med. 3;():34-8. 7. Lessa S, Carreirão S. Tratamento das fissuras labiopalatinas. ª ed. Rio de Janeiro:Revinter;6. 8. Altmann EBC. Fissuras labiopalatinas. 4ª ed. Carapicuiba:Pró-Fono; 7.. Rezende JRV. Fundamentos da prótese bucomaxilofacial. São Paulo:Sarvier;7. 0. Almeida SG. Fissura palatina. In: Melega JM, Zanini SA, Psillakis JM, eds. Cirurgia plástica: reparadora e estética. ª ed. Rio de Janeiro:Medsi;. p.7-8.. Carreirão S, Silva MO. Conceitos atuais do tratamento cirúrgico da fissura palatina. In: Carreirão S, Lessa S, Zanini SA, eds. Tratamento das fissuras lábio-palatinas. ª ed. Rio de Janeiro:Revinter;6. p.73-.. Schweckendiek V. Speech development after two stages closure of cleft lip and palate. In: Bekeher T, Slongo B, eds. Long term treatment of lip and palate. Bern:Hano Huber;8. 3. Modolin M, Kamakura L, Cerqueira EM. Classificação, etiologia, patogenia e incidência das fissuras labiopalatinas. In: Carreirão S, Lessa S, Zanini AS, eds. Tratamento das fissuras labiopalatinas. ª ed. Rio de Janeiro:Revinter,6. p.3-8. 4. Peterson LJ. Cirurgia oral e maxilofacial contemporânea. 3ª ed. Rio de Janeiro:Guanabara Koogan;7.. Georgiade GS, Georgiade NG, Grandy RP, Goldenheim PD. The effect of povidone-iodine solutions used as surgical preparations on the bacterial flora of the skin. Adv Ther. 0;7():-8. 6. Howard RJ. Surgical infections. In: Schwartz SI, ed. Principles of surgery. 7 th ed. New York:McGraw-Hill;. p.-6. 7. Sumiyama Y, Arima Y. Surgical site infection: SSI. Nippon Rinsho. 00;60():04-. 8. Twum-Danso K, Grant C, al-suleiman SA, Abdel-Khader S, al-awami MS, al-breiki H, et al. Microbiology of postoperative wound infection: a prospective study of 770 wounds. J Hosp Infect. ;():-37.. Hupkens P, Lauret GJ, Dubelaar IJM, Hartman EHM, Spauwen PHM. Prevention of wound dehiscence in palatal surgery by preoperative identification of group A Streptococcus and Staphylococcus aureus. Eur J Plast Surg. 007;:3-. 0. Abyholm FE, Borchgrevink HH, Eskeland G. Palatal fistulae following cleft palate surgery. Scand J Plast Reconstr Surg. 7;3():-300.. Cohen SR, Kalinowski J, LaRossa D, Randall P. Cleft palate fistulas: a multivariate statistical analysis of prevalence, etiology, and surgical management. Plast Reconstr Surg. ;87(6):04-7.. Schultz RC. Management and timing of cleft palate fistula repair. Plast Reconstr Surg. 86;78(6):73-47. 3. Morris HL, Bardach J, Ardinger H, Jones D, Kelly KM, Olin WH, et al. Multidisciplinary treatment results for patients with isolated cleft palate. Plast Reconstr Surg. 3;():84-. 4. Arantes HL, Zampar AG, Oliveira Junior FC, Rosique MJF, Rosique RG, Leal WA, et al. Fístulas e deiscências em palatoplastia primária: uma experiência institucional. Rev Bras Cir Plást. 008;3():-. Trabalho realizado no Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira IMIP, Escola de Pós-Graduação em Saúde Materno Infantil, Centro de Atenção aos Defeitos da Face do IMIP CADEFI, Recife, PE. Apresentado em /0/00 no CLEFT 00 ( th International Congress on Cleft Lip and Palate and Related Craniofacial Anomalies Fortaleza/Brasil September 00). Artigo recebido: 7//00 Artigo aceito: 3//00 Rev Bras Cir Craniomaxilofac 00; 3(): 7-