A relação corpo-alma no Timeu em função do binômio saúde-doença



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Transcrição:

A relação corpo-alma no Timeu em função do binômio saúde-doença Expositor: Ivan Frias 1 Desde os Pré-Socráticos até a contemporaneidade a relação corpo-alma moveu o interesse dos filósofos. Alcméon de Crotona atribuía à alma um movimento de revolução contínuo análogo ao do sol e o distinguia dos ciclos fisiológicos do corpo que são transitórios. Empédocles foi autor de uma doutrina sobre a inteligência, um dos atributos da alma, que se baseia na velocidade de movimento dos elementos primordiais ao nível do sangue. Esta doutrina é similar àquela descrita pelo autor do tratado hipocrático intitulado Do Regime que explica os graus de inteligência da alma através das ligações que ela estabelece com as sensações do corpo. Posteriormente, Platão faz uma síntese dessas doutrinas: no Timeu, além de descrever os ciclos fisiológicos da respiração e da nutrição, o filósofo mostra como se dá a ligação corpo-alma e onde se fixam os laços da vida. Pretendemos mostrar, então, como Platão, neste diálogo, concebe a ligação entre o corpo e a alma, tanto no estado de saúde quanto no de doença. Sobre a concepção platônica de doença da alma nos baseamos nos seguintes pontos: 1 Doutorando do Departamento de Filosofia da PUC-Rio.

112 Ivan Miranda Frias 1º - há na obra de Platão uma reflexão original sobre a relação corpoalma tanto do ponto de vista estritamente filosófico quanto daquele relacionado aos estados de saúde e doença; 2º - o conceito de doença no Timeu diz respeito a um desequilíbrio entre alma e corpo. A saúde do corpo depende da saúde da alma e vice-versa. Chambry, um dos tradutores do Timeu divide o diálogo em três partes: 19a - 27c - mito de Atlântida; 27c - 69a - formação do mundo; 69a - fim - formação da alma e corpo do homem. Há na terceira parte do diálogo uma fisiologia médica propriamente dita. Platão descreve as formações anatômicas, os ciclos fisiológicos, as várias classes de doenças (do corpo e da alma) e, por último, tece algumas considerações terapêuticas. No Timeu, Platão combina a matemática pitagórica com a física de Empédocles - os quatro elementos que formam o corpo - fogo, água, ar e terra - são representados espacialmente por figuras geométricas compostas de triângulos, que são expressões de uma essência numérica. Todos os triângulos são derivados de dois tipos básicos: o isósceles (dois lados iguais e dois ângulos iguais) e o escaleno (três lados diferentes e três ângulos diferentes). Do mais belo triângulo escaleno (aquele cujo lado menor é a metade da hipotenusa) deriva o triângulo retângulo, formado a partir de seis triângulos escalenos deste tipo. Com os triângulos retângulos assim obtidos formam-se então os seguintes sólidos: tetraedro, octaedro e icosaedro que correspondem respectivamente aos elementos: fogo, ar e água. Quando os corpos compostos destes elementos se decompõem é possível o re-arranjo dos triângulos retângulos. Assim, de dois elementos fogo forma-se um elemento ar. De dois elementos ar mais um elemento fogo forma-se um elemento água. O hexaedro que representa o elemento terra é composto com os triângulos isósceles. Platão atribui a estes quatro elementos funções análogas àquelas que os humores desempenham na medicina hipocrática. Segundo o tratado hipocrático

A relação corpo e alma no Timeu em função do binômio saúde-doença 113 Da Natureza do Homem (final do século V a.c.) o corpo humano possui quatro humores - sangue, flegma (muco), bile amarela e bile negra. A saúde depende da justa-proporção dos humores e a doença deriva do isolamento de um deles em um sítio orgânico. Esta doutrina médica, conhecida como Teoria Humoral, foi a base da fisiologia médica até o Renascimento. A Teoria Humoral combina duas doutrinas anteriores: uma do início do século V a.c. - provavelmente a primeira doutrina médica ocidental, elaborada por Alcméon de Crotona que afirmava ser o estado de saúde resultante da isonomia das dynameis do corpo e o estado de doença derivado da monarquia de uma delas; a outra, elaborada em meados do séc. V a.c., é a teoria cosmológica das quatro raízes de Empédocles. Platão dirá, no Timeu, que o estado de saúde depende do equilíbrio entre os quatro elementos e que a doença decorre de uma desarmonia entre eles. Na definição do binômio saúde-doença Platão se refere também a certos humores como a bile e o flegma quando descreve o mecanismo fisiopatológico de algumas doenças. Na República Platão havia dividido a alma em três partes, no Timeu ele localiza no corpo cada uma delas. Inicialmente o filósofo distingue uma porção imortal e outra mortal. A primeira está localizada na cabeça - a alma racional. A segunda, localizada no tronco, se subdivide em duas outras: a porção torácica situada no coração - sede da coragem e a porção abdominal situada no fígado - sede dos desejos. Estas duas últimas estão separadas pelo diafragma - músculo que divide o tronco em dois segmentos. Embora separadas anatomicamente, as partes da alma se comunicam. É possível, então, que a alma racional exerça o comando sobre as demais partes. O Fígado caracterizado por Platão como uma espécie de espelho liso e brilhante é capaz de refletir o pensamento emanado da razão. Assim, a alma racional pode infundir temor na alma concupiscente através do amargor próprio do fígado que adquire uma cor biliosa e um aspecto áspero. Da razão pode também advir um sopro doce que proporciona alegria e serenidade à porção da alma situada na região hepática lhe permitindo entregar-se ao sono e à adivinhação.

114 Ivan Miranda Frias A bile seria portanto o humor envolvido na doença da relação corpo-alma, o que mais tarde será tematizado no Problema XXX, 1. Neste pequeno texto pertencente a tradição aristotélica, a melancolia é atribuída ao excesso de bile negra. O homem melancólico possui, por natureza, uma preponderância constitucional do humor melancólico. Mas, se a alteração da bile negra for qualitativa, prossegue o autor deste escrito, produzem-se as enfermidades melancólicas como a epilepsia, as fobias, a depressão e o furor. Platão descreve no Timeu dois ciclos fisiológicos: o da respiração e o da nutrição. Ciclo da Respiração: Principia com a expiração - saída de ar pelo segmento cefálico (boca e nariz) e, concomitantemente, entrada do mesmo volume de ar pelos poros do corpo. Este duplo mecanismo está de acordo com a física platônica visto que nela não é possível a existência do vazio. Em um segundo momento ocorre a saída de ar do tórax através dos poros e a entrada compensatória de ar pela inspiração. A causa física destes dois movimentos respiratórios deve-se a: 1º- o ar se aquece no foyer interior (os octaedros do ar se misturam aos tetraedros do fogo); 2º- o ar aquecido sai pelos poros da pele, pela boca e nariz; 3º- há o preenchimento do vazio interior pela entrada de ar fresco proveniente do ambiente exterior. Ciclo da Nutrição 1- as partículas do fogo postas em movimento pelo foyer interior arrastam as partículas sólidas e líquidas provenientes da digestão dos alimentos; 2- no interior dos vasos estas partículas (sólidas e líquidas) misturadas às partículas do fogo tomam a cor vermelha; 3- o sangue assim constituído restitui as perdas do organismo suprindo as lacunas com partículas segundo a lei dos semelhantes. O funcionamento tanto dos ciclos cósmicos quanto dos ciclos fisiológicos obedecem a dois princípios físicos:

A relação corpo e alma no Timeu em função do binômio saúde-doença 115 1º- a força de radiação que no Cosmo provém do Sol e no Microcosmo (seres vivos) do foyer interno; 2º- a força de atração dos semelhantes que depende tanto no Cosmo quanto nos seres vivos da afinidade entre as partículas elementares. Diferentemente dos ciclos cósmicos que se desenvolvem continuamente, os ciclos fisiológicos são transitórios, sua duração vai depender dos triângulos primitivos, cuja natureza varia de um indivíduo para outro e, num mesmo indivíduo, ao longo dos períodos da vida, desde o nascimento até a morte. Segundo Platão é ao nível da medula que se fixam os laços da vida. Alma e corpo estão aí unidos. Os triângulos primitivos, misturados entre si numa certa proporção, são os próprios elementos constituintes da medula, semente universal de toda espécie sujeita à morte. Dela se originam todas as outras partes do corpo. A quantidade de medula presente num sítio corporal está em relação direta com a porção de alma a ela associada. Por esta razão, quando Platão descreve a formação dos ossos ele afirma que da quantidade de medula presente em cada um deles irá depender sua maior ou menor participação na inteligência. No Timeu, Platão utiliza os mesmos termos que o autor do tratado hipocrático Do Regime para designar as revoluções (períodos) da alma e as sensações (aisthésies) que perpassam o corpo, isto é, as impressões das coisas que o acometem. Essas sensações provocam certas perturbações nos ciclos da alma por ocasião da sua entrada no corpo, sendo mais deletérias que o avanço e o recuo da onda portadora do alimento. 2 Assim sendo, os abalos decorrentes da soma desses fatores impossibilitam tanto a revolução do Mesmo, quanto a revolução do Outro. Em virtude de todos esses acidentes, agora como no princípio, a alma começa por ser desprovida de inteligência, quando se vê ligada a um corpo mortal. 3 Platão descreve no Timeu as doenças do corpo e as da alma. As primeiras se subdividem em três classes: 2 PLATÃO. Timeu, 43 b. 3 Idem, ibidem, 44 a-b.

116 Ivan Miranda Frias 1º- doenças que resultam do desequilíbrio entre os elementos constitutivos do corpo - fogo, água, ar e terra; 2º- doenças que resultam da corrupção da medula (as mais graves), ossos, carne e nervos; 3º- doenças causadas pelo ar, pelo flegma ou pela bile. Se a bile penetrar na medula ela dissolve os laços que prendem a alma ao corpo, o que significa a dissolução dos triângulos elementares que são tanto a matéria do sensível quanto do inteligível, visto que a alma para conhecer precisa conter elementos do sensível pois, como já observamos, só o semelhante conhece o semelhante. Doenças da Alma: derivam de distúrbios do corpo. São denominadas por Platão de demência ou desrazão e se subdividem em loucura (manía) e ignorância (amathía). Antes de preconizar o tratamento adequado para as afecções que atingem o corpo e a alma, Platão assinala que deve-se observar a proporção entre alma e corpo. Uma alma superior que habita um corpo débil, dedicando-se ao estudo e às investigações, ou então ao ensino e à erística, provoca neste último o surgimento de certas moléstias. Ocorre o inverso quando o corpo é forte e a alma possui um baixo grau de inteligência: prevalecem os desejos que visam alimentar o corpo em detrimento daqueles que engendram, na alma, a sabedoria; do que resulta a ignorância, a pior doença que pode acometer a alma. Conclusão A percepção platônica a respeito do binômio saúde-doença vai além daquela apresentada pelos autores hipocráticos que viam a doença como restrita ao corpo. No Timeu, Platão afirma que há uma interdependência entre alma e corpo; a alma, que dá vida a um corpo, estabelece com este uma ligação orgânica que só se desfaz com a morte. Não é possível, então, pensar as doenças que afetam a alma como circunscritas a esta última. Como também o inverso não é possível, visto que as doenças do corpo atingem em alguma medida a alma.