1. O CONCEITO DE SOBERANIA

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Transcrição:

Conceito Soberania e Legitimidade do Poder 1. O CONCEITO DE SOBERANIA 1.1. ORIGEM DO CONCEITO - O conceito de soberania teve origem na França (souveraineté) e seu primeiro teórico foi Jean Bodin. O Estado moderno precisava de impor-se. Sua formação vinha precedida dos antagonismos da Idade Média entre o poder espiritual e o poder temporal, entre o imperador germânico-romano e os novos reis que surgiam da decomposição dos feudos (exemplo desses antagonismos é a Guerra dos Trinta Anos / 1618-1648). De modo que um poder novo se firmou no Estado moderno e este poder foi o poder dos monarcas independentes. Um poder absoluto, que precisava de uma justificativa teórica.em sua obra Seis Livros sobre a República, Bodin (1529-1596) faz da soberania um elemento essencial do Estado Ele escreve: a República [o Estado] é o justo governo de muitas famílias e do que lhes é comum, com poder soberano.a soberania, segundo Bodin, é um poder supremo, incontrastável, não submetido a nenhum outro poder.características da soberania: una, absoluta, indivisível, inalienável, imprescritível, irrevogável, perpétua. 1.2. DESENVOLVIMENTO E PROBLEMATIZAÇÃO DO CONCEITO DE SOBERANIA - Outros teóricos que afirmam o caráter absoluto da soberania: Hobbes (1588-1679) e Rousseau (1712-1778).Enquanto Bodin afirma a doutrina do poder supremo tendo em vista sobretudo suas implicações nas relações com outros Estados, a teorização de Hobbes do poder soberano visa legitimar internamente a supremacia do monarca sobre os súditos. Em Rousseau, como veremos adiante, a soberania é o poder supremo do povo (soberania popular). Para esses autores, não há Estado sem soberania. - Contra essa visão, o jurista G. Jellinek (1851-1911) afirma: * Do ponto de vista externo, a soberania não é um elemento essencial do Estado, mas apenas uma qualidade do poder, que a organização estatal poderá ostentar ou deixar de ostentar. Ou seja, há Estados soberanos e Estados não soberanos. Do contrário, não se poderia considerar como Estados as comunidades políticas vassalas, os protetorados, bem como as comunidades que compõe uma Federação. Além disso, seria impossível explicar a existência do direito internacional, que necessariamente limita, em alguma medida, a soberania dos Estados. * Do ponto de vista interno, a soberania é a capacidade do Estado a uma autovinculação e autodeterminação jurídica exclusiva. Isso significa que, internamente, a soberania é a

supremacia que faz com que o poder do Estado se sobreponha incontrastavelmente aos demais poderes sociais, que lhes ficam subordinados. A soberania assim entendida fixa a noção de predomínio que o ordenamento estatal exerce num certo território e numa determinada população sobre os demais ordenamentos sociais. Aparece então o Estado como portador de uma vontade suprema e soberana que advém de seu papel privilegiado de ordenamento político monopolizador da coação incondicionada na sociedade (ou: monopólio do uso legítimo da coerção física). Nesse sentido, mas apenas nesse, Estado e soberania coincidem: onde houver Estado haverá soberania. A posição instaurada por Jellinek é a mais seguida na doutrina contemporânea do direito público. - Há, por fim, autores que, com maior ou menor intensidade, buscam eliminar o conceito de soberania da teoria do Estado: Preuss, Duguit e Kelsen. 1.3. SOBERANIA NO ESTADO E SOBERANIA DO ESTADO - Soberania do Estado: expressa a supremacia do Estado sobre os demais grupos sociais internos ou externos com os quais se defronta e afirma a cada passo. Do ponto de vista interno, tais comunidades são a igreja, a escola, a família, as associações etc. Do ponto de vista externo, trata-se da comunidade internacional.- Soberania no Estado: expressa 1) a determinação da autoridade suprema no interior do Estado, 2) a determinação de uma hierarquia dos poderes do Estado e 3) a justificação da autoridade (ou legitimidade) conferida ao sujeito ou titular do poder supremo 1.4. DOUTRINAS DE LEGITIMAÇÃO DA SOBERANIA NO ESTADO - Doutrinas teocráticas: doutrina da natureza divina (faraós, imperadores romanos, príncipes orientais, imperador do Japão), da investidura divina (Luis XIV e Luis XV) e doutrina da investidura providencial (Santo Tomás de Aquino). - Doutrinas democráticas: doutrina da soberania popular e doutrina da soberania nacional * soberania popular: para Rousseau, a soberania popular é a soma das distintas frações da soberania, que pertencem como atributo a cada indivíduo, o qual, membro da comunidade estatal e detentor do poder soberano fragmentado, participa ativamente na escolha dos governantes. Essa doutrina funda a democracia na igualdade política dos cidadãos e resulta no sufrágio universal, quando Rousseau afirma que se o Estado for composto de dez mil cidadãos, cada um deles terá a décima milésima parte da autoridade soberana.problema dessa concepção: como o poder do povo é considerado absoluto, há o perigo do despotismo da maioria. Ou seja: é preciso limitar o poder soberano do povo. A solução para isso virá com a doutrina da soberania nacional. * soberania nacional: a Nação surge nessa concepção como depositária única e exclusiva da autoridade soberana. Aquela imagem do indivíduo titular de uma fração da soberania, com milhões de soberanos em cada coletividade, cede lugar à concepção de uma pessoa soberana: a Nação. Povo e Nação formam uma só entidade, compreendida organicamente como ser novo, distinto e abstratamente personificado, dotado de vontade própria superior às vontades individuais que o compõem.. A diferença entre as duas doutrinas democráticas se mostra sobretudo na participação política do eleitorado, que aqui se limita àqueles que a Nação

investe na função de escolha dos governantes, ao passo que na doutrina da soberania popular ela se universaliza a todos os cidadãos enquanto portadores de uma parcela da soberania. Diz a Constituição francesa de 1791: A soberania é uma, indivisível, inalienável e imprescritível. Pertence à nação; nenhuma seção do povo, nenhum indivíduo pode atribuir-selhe o exercício. Fontes: P. Bonavides. Ciência Política. D.A. Dallari. Elementos de teoria geral do Estado. 2. A legitimidade do poder político: revisitando as teorias contratualistas Nem todo poder é político, e nem todo poder político implica necessariamente o uso da força, como assinala Bobbio (2010, p. 164). O uso da força é uma condição necessária, mas não suficiente para a existência do poder político. Dessa feita, não é todo grupo social com condições de usar a força, até mesmo com continuidade, que exerce um poder político, haja vista a existência de diversas organizações criminosas que legitimam no uso da força sua base de existência, mas, obviamente, a exercem de forma ilegal. Pode-se dizer que o poder político se refere ao domínio, faculdade ou jurisdição que se tem para mandar ou para executar uma ação que afeta aos demais, mesmo contra sua vontade, utilizando-se da força, caso seja necessária. Por conseguinte, atualmente caberá quase que exclusivamente ao Estado o exercício do poder político, e, consequentemente, o monopólio do uso legal da força. O poder político assume a coordenação e a supremacia de todos os outros tipos de poder, constituindo-se no núcleo da ação política, submetendo todos os indivíduos à sua coercibilidade em virtude da crença em sua legitimidade. Nesse diapasão, no que se refere à legitimidade do poder político, ela deve derivar da necessidade de estabelecerse a necessária convivência social, e desse modo, se toleraria um maior ou menor grau de dominação de um grupo sobre os demais com vista a essa finalidade estatal precípua. Quando o poder é despersonalizado, ou seja, é trasladado à figura de um ente despersonalizado como o Estado, o que se nota é que fica facilitada a submissão e aceitação de suas determinações pelos indivíduos. Daí que o poder é considerado legítimo quando é aceito e existe a disposição de obediência por parte daqueles que não o detêm. Por outro lado, será ilegítimo quando exercido por indivíduos ou grupos sociais não aceitos pelos demais, e que impõem sua vontade sob uma resistência. (DIAS, 2010, p. 32).

Embora a força física seja uma condição necessária e exclusiva do poder, não é condição suficiente para a sua manutenção. Em outras palavras, o poder que apenas se sustenta na força não pode durar. Logo, esse poder também precisa ser legítimo, ou seja, ter o consentimento daqueles que o obedecem. A noção de legitimidade é uma das chaves do problema do poder, como ressalta Duverger (1981, p. 15). Na maioria dos grupos sociais, os homens acreditam que o poder deve ter uma natureza específica, repousar sobre certos princípios, revestir-se de alguma forma, fundar-se sobre uma origem, etc., sendo legítimo apenas o poder que corresponda a uma determinada crença. Podemos afirmar que a noção de legitimidade nas sociedades democráticas traduz-se como consenso, ou seja, a conformidade que existe em uma dada sociedade sobre suas estruturas, hierarquia, orientação, autoridade, governo, etc. No período moderno, as teorias contratualistas tornaram-se célebre ao tentar explicar a legitimidade do poder político. Segundo essas teorias, o governo era tido como um produto concebido por um artifício humano, um corpo social cuja legitimação derivava da autorização das próprias pessoas que haviam firmado uma espécie de pacto que lhes permitiria garantir a própria sobrevivência em sociedade. Em Hobbes, por exemplo, a legitimidade do governo deveria fundar-se na segurança física e, de acordo com Locke, na proteção dos direitos naturais e no respeito às leis instituídas. Já para Rousseau (1964, p. 429), a autoridade política deveria ser legitimada em uma vontade geral do povo, único e verdadeiro soberano, não devendo trasladar-se a um corpo político. Segundo ele: A soberania não pode ser representada pela mesma razão porque não pode ser alienada, ela consiste essencialmente na vontade geral e a vontade absolutamente não se representa. O conceito de legitimidade do Estado idealizado por Rousseau e que se funda no exercício da soberania popular é adotado até os dias de hoje pelos países de civilização ocidental e que adotam o sistema democrático, associando-se o poder legítimo ao governo que atende aos preceitos de uma carta constitucional e, portanto, aos anseios do seu povo, verdadeiro soberano e detentor do poder. Referências bibliográficas DIAS, Reinaldo. Ciência Política. São Paulo: Atlas, 2010.

DUVERGER, Maurice. Ciência política:teoria e método. 3. Ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Oeuvres complètes. Paris: Gallimard (Bibliotèque de la Pléiade), 1964. V. 3