4º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais. De 22 a 26 de julho de 2013.



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Transcrição:

4º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais De 22 a 26 de julho de 2013. A Política de Defesa do Brasil para as Áreas de Fronteira: interação entre governo e agências Área Temática - SI Trabalho Avulso - Painel Stephanie Queiroz Garcia UFPE Belo Horizonte 2013

Stephanie Queiroz Garcia A Política de Defesa do Brasil para as Áreas de Fronteira: interação entre governo e agências Trabalho submetido e apresentado no 4º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais ABRI. Belo Horizonte 2013

RESUMO Stephanie Queiroz Garcia 1 O estado brasileiro tem constituída uma enorme região de fronteira terrestre, onde se interliga com nove países do continente sul-americano, com os quais buscou sempre a manutenção da paz e da harmonia continental. Entretanto, ao longo do tempo as fronteiras do Brasil têm se tornado enormes áreas de risco, suscetíveis aos mais distintos tipos de violações, como contrabando, tráfico de armas e drogas, imigração ilegal e homicídio. Considerando que tais problemas afetam diretamente o bem-estar de brasileiros e estrangeiros residentes nestas regiões, bem como a relação com os países vizinhos, o estado brasileiro enfrenta a problemática como uma questão de defesa nacional. Para tanto, o governo federal tem ampliado os programas de monitoramento e defesa das fronteiras, a fim de assegurar a segurança dessas áreas, tanto no que concerne ao âmbito domestico, quanto ao âmbito internacional. Ressalta-se ainda que tais medidas têm sido possíveis através da cooperação entre órgãos e agências da federação, bem como por meio de cooperação com os estados vizinhos. PALAVRAS-CHAVE: Fronteiras. Defesa. Interação multiagencia. 1 Bacharela em Rel. Internacionais pela UEPB. Bacharela em Direito pelo UNIPE. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política com ênfase em Rel. Internacionais da UFPE. Bolsista CNPQ.

A Política de Defesa do Brasil para as Áreas de Fronteira: interação entre governo e agências 1. Introdução A formação das fronteiras do Brasil remonta as origens da constituição do próprio território nacional, que compreende mais de quinhentos anos de história, onde inúmeros conflitos e disputas trouxeram a temática de fronteiras para o topo da agenda em diversos momentos. As fronteiras brasileiras continuam a ter um papel relevante na agenda de política externa e defesa nacional no século XXI, haja vista seu caráter crucial na manutenção da segurança em dois níveis: o regional e o doméstico. Ademais, é sabido ainda que o ambiente de relativa estabilidade em que o continente sulamericano encontra-se, se deve enormemente ao fato da boa relação cultivada entre o Brasil e os dez países com os quais compartilha suas fronteiras terrestres, onde se busca precipuamente a conservação da ordem e da paz, evitando com que as tensões existentes na região tornem-se conflitos de grandes proporções. Nos estudos tradicionais acerca das fronteiras do Brasil, o foco se dirige para as questões essencialmente militares, verificando a formulação de estratégias e monitoramento destas regiões enquanto parte da estratégia nacional de defesa implementada pelo Ministério da Defesa e as Forças Armadas. A partir deste fôlego foi que emergiram projetos como o Sistema Integrado de Monitoramento das Fronteiras (Sisfron), cuja organização e o gerenciamento competem ao Exército Brasileiro. É notório o empenho dos governos brasileiros que ao longo dos anos foram buscando aperfeiçoar a proteção dessas regiões, investindo na formulação de políticas públicas que possam potencialmente solver questões importantes para essas áreas. Assim, partindo da perspectiva de que o governo federal tem oferecido instrumento de proteção dessas áreas, surge a iniciativa de uma força tarefa multiagência, onde instituições civis e militares passam a buscar agir coletiva e coordenadamente. A opção por uma atuação multiagencia nas fronteiras vem da necessidade de lidar com novos problemas e desafios que se apresentam na vida cotidiana das pessoas que vivem nessas áreas, especialmente, no que tange a questões relacionadas ao narcotráfico, tráfico de armas, contrabando e violência. Assim, o Governo Federal formula a Estratégia Nacional de Segurança Pública nas Fronteiras

(ENAFRON), cujas competências são divididas entre as Agências Públicas vinculadas ao Ministério da Justiça, Ministério de Defesa e Ministério da Fazenda, a fim de coibir os ilícitos ocorridos nessas regiões. Entretanto, a despeito das diversas políticas existentes para as fronteiras, ainda há muito a ser feito e alcançado com a implementação dessas políticas, para que a população possa vir a sentir de fato os efeitos positivos destas medidas. Neste fulcro, o escopo deste breve paper é apresentar as principais nuances que compõe a proteção das áreas de fronteiras, bem como os principais desafios e perspectivas a serem enfrentados nos próximos anos, e ainda a possibilidade de uma atuação multiagencia. 2. Conceituando fronteira O processo histórico de formação das fronteiras brasileiras, especialmente as terrestres, que é o foco deste estudo, ocorreu de forma complexa e intensa durante os anos que consolidaram a própria formação do estado brasileiro. Logo, é imprescindível conceber a ideia de fronteira sem correlacioná-la às noções de estado, território e soberania. Antes mesmo de adentramos as questões relativas as fronteiras terrestres nacionais, faz-se mister trazer algumas opiniões sobre a conceituação do que, para os estudiosos, pode ser considerado fronteira, haja visto o caráter polissêmico da palavra. Para o geógrafo precursor alemão, Friedrich Ratzel, as fronteiras devem ser compreendidas como o órgão periférico do Estado, que se destacam por duas condições essenciais: fronteira como zona as cidades, e fronteira como linha traçado geodésico. Nesta acepção, linhas e zonas são os limites a serem considerados. No dizeres do autor, as fronteiras são os órgãos periféricos do Estado, o suporte e a fortificação de seu crescimento. (RATZEL, 1895 apud CESAR e ALBUQUERQUE, 2012, p.210; CATAIA, 2008) Entretanto, a despeito da importância da abordagem geográfica da questão, parece claro que esta não mais traduz a real e atual significância do que seja de fato a fronteira, visto que esta é composta por uma diversidade de nuances e características que precisam ser consideradas. Neste sentido, Oliveira (2009 apud LINJARD, 2012, p.14) aduz que é consenso em vários estudiosos que os marcos geográficos não dão conta da tarefa de delimitar o espaço fronteiriço, uma vez que, rotineiramente, eles são

persuadidos a ser esquecidos, ou ignorados. O espaço é apropriado, concreta e simbolicamente, e, por isso, sua delimitação transgride, usualmente, a física da geografia. Neste sentido, a conceituação que interessa a este trabalho deriva inicialmente da contribuição de Rudolf Kjelle, voltada para ciência política, onde a fronteira pode ser compreendida como a epiderme dos estados. Para o sueco, o estado e as fronteiras são apresentados a partir de uma perspectiva organicista, onde o primeiro é comparado a um organismo vivo que nasce, cresce, adquire maturidade e poder, podendo estagnar ou expandir-se. Enquanto que o segundo materializa-se como a epiderme de um corpo vivo, sendo a camada que primeiro recebe e transmite todas as manifestações de poder que se destinam ao centro ( cérebro ) estatal. (SCHERMA, 2012) A epiderme, no caso fronteira, funciona com uma linha, que separa os ambientes internos e externos, que seria aquilo que representa os territórios de estados vizinhos. Outra colaboração fundamental é a do brasileiro General Meira Mattos, que é considerado uma das referências nacionais mais importantes na área de geopolítica, que buscou aglutinar as diversas influências e produziu sua conceituação própria. Segundo o General, A fronteira, destacada ou não como característica essencial da Nação- Estado, sempre existe e é vital é a linha ou faixa periférica que contorna o território, de cuja soberania o Estado não pode abdicar. Sendo, como é, uma região periférica, é a faixa de contato com outras soberanias, com o mar ou com o espaço aéreo cujos limites jurisdicionais e direito de utilização são regulados por leis internacionais. As fronteiras são, portanto, regiões sensíveis, onde os direitos soberanos dos Estados se contatam fisicamente. (ESG, 2007, p.81) Assim, é possível destacar ainda que a existência de área territorial próxima a linha de divisória que é denominada como faixa de fronteira, de forma que amplia territorialmente aquilo que é concebido como fronteira. Acerca da faixa de fronteira entende-se que (...) os limites entre as nacionalidades se caracterizam por uma faixa de transição onde os valores de cada parte, particularmente a língua, raça, religião, ideologia, costumes e comércio, se interpenetram. Realmente, as faixas fronteiriças, quando habitadas, são regiões de endosmose cultural, daí a caracterização sociológica do chamado homem fronteiriço. Esta interpenetração se faz natural e pacificamente quando

se trata de Estados amigos e é limitada e mesmo proibida quando se trata de Estados rivais. Mas, se a caracterização jurídica da fronteira é a linha, a sua realidade cultural ou administrativa (instalação de postos de controle, alfândegas, elementos de vigilância ou defesa) é a faixa.(meira MATTOS, 1990, p.34 apud SCHERMA, 2012) Assim, é indubitável a contribuição de Meira Mattos para os estudos de segurança e defesa no Brasil, especialmente, no que se refere às questões relacionadas a território e fronteira, que é o objeto de estudo deste trabalho. A partir de suas constatações foram moldadas políticas e práticas adotadas pelas Forças Armadas, que iniciaram as atividades de proteção e monitoramento das fronteiras, e que até hoje influenciam as ações para essas regiões. Diante desta diversidade de conceituação, e consciente ainda da existência de tantas outras não apresentadas aqui, deve-se ter clarificado que todas as contribuições formam o background fundamental para compreensão do que é fronteira e de suas implicações para todo estado. 3. As fronteiras terrestres brasileiras O Brasil possui uma enorme fronteira que o interliga com diversos países, sendo elas essencialmente dos tipos terrestres, marítimas, fluviais e aéreas. Todos os tipos de interligações existentes contam com uma complexidade de questões e fatores que merecem um estudo mais detalhado acerca de suas realidades. Contudo, o foco deste breve trabalho concentra-se nas fronteiras terrestres, ficando para outra oportunidade a apresentação do outros tipos de interligação. Neste sentido, apresentaremos um sucinto retrato sobre as fronteiras terrestres brasileiras na atualidade. Inicialmente, é necessário dizer que o Brasil possui a regulação de fronteira terrestre disposta no artigo 20 2 da Constituição Federal vigente, onde se encontram os limites e disposições constitucionais sobre o tema. As faixas de fronteiras representam vinte e sete por cento do território brasileiro, delineado por onze estados da federação (RS, SC, PR, MS, MT, RO, AC, AM, RR, AP, PA), contando com cento e cinquenta quilômetros de largura, 2 CF.88 - Art. 20. São bens da União: I - os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos; II - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei (...) 2º - A faixa de até cento e cinqüenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei.

caracterizado pela faixa de fronteira. Esta possui ainda quase 17 milhões de quilômetros de extensão, com os quais faz fronteira com dez países latino-americanos (Guiana Francesa, Suriname, Guiana, Venezuela, Colômbia, Peru, Bolívia, Paraguai e Argentina). Na faixa de fronteira existem quinhentos e oitenta e oito municípios, sendo que cento e vinte e dois deles são limítrofes e fazem contato direto com algum dos dez países da América do sul. Neste universo são aproximadamente onze milhões de habitantes vivendo nestas regiões de acordo com os dados do Ministério da Justiça. (Ministério da Justiça, 2012) Apesar da grandeza dos números, o que gera motivos para grandes preocupações tanto pelo governo quanto pela população são as inúmeras dificuldades que se apresentam nestas regiões. As atividades ilícitas e até mesmo violentas vêm crescendo nessas regiões, demandando uma atenção maior por parte dos ministérios e agencias governamentais. Assim, é possível compreender essa multiplicidade de problemas como vulnerabilidades sérias na região de fronteira, que precisam ser amenizadas ou mesmo aniquiladas para melhorar o bem-estar e o nível de desenvolvimento da área. Desta forma, destacamos os tráfico ilícito de entorpecentes, bem como o tráfico internacional de armas de fogo, munição e explosivos, que atravessam as fronteiras do Brasil, e entram nocivamente na vida cotidiana dos brasileiros, ajudando a elevar os níveis de violência e criminalidade, haja visto o grau de aprofundamento destes problemas na atualidade. Outras vulnerabilidades destacada pelo Ministério da Justiça como problemas a serem enfrentados especialmente na faixa de fronteira são o contrabando, a pirataria, o descaminho e evasão de divisas. Estes ilícitos afetam diretamente a vida econômica da sociedade brasileira e bom funcionamento das instituições financeiras que regulam as questões empresariais no Brasil. Tais problemas demandam respostas efetivas de agencias e ministérios relevantes como a Receita Federal e Ministério da Fazenda. A Imigração ilegal de estrangeiros pela fronteira e o tráfico de pessoas aparecem como problemas dos novos tempos, pois devido ao notável crescimento brasileiro econômico e socialmente, os amigos dos países vizinhos passaram a ver na imigração ilegal uma potencial solução para seus problemas. E ainda mais grave, a questão do tráfico de pessoas, que são trazidas dos seus países de origem para viver e trabalhar em condições desumanas em território brasileiro.

Por fim, outro grave problema que há muito tempo assola a região fronteiriça brasileira está ligado aos crimes ambientais, como desmatamento e comercialização ilegal de madeira nos estados amazônicos. A despeito dos avanços que têm sido feito nos últimos anos pra conter essa problemática, muito ainda deve ser feito para que os números possam recuar ainda mais. As riquezas naturais que são as mais diversas nestas regiões devem ser protegidas e monitoradas para a manutenção do patrimônio brasileiro de fauna e flora do país. Assim, resta evidente a importância da faixa fronteiriça brasileira, especialmente, devido a sua extensão e diversidade de problemas. Qualquer solução pronta e rasa que se apresente não irá responder as reais necessidades da região. Ademais, o Brasil sempre buscou manter uma relação amistosa com os vizinhos sulamericanos, de modo que o enfrentamento dessas vulnerabilidades deve respeitar essa relação. 4. A estratégia brasileira e os programas de proteção e monitoramento das fronteiras A agenda de diversos países tem como um nos pontos mais importantes a ser desenvolvida a questão da segurança, principalmente, por ter se instalado nas relações internacionais a ideia de que poder está relacionado com capacidade militar. Tal assertiva é observada no trabalho de Joseph Nye, que sustenta que o poder militar expressar-se-ia por meio de ameaças, permitiria a coerção, dissuasão e proteção, além de dar origem a políticas governamentais como a diplomacia coercitiva, a guerra e as alianças.(...)menciona também a capacidade persuasiva do poder militar, que poderia, em situações específicas, gerar admiração, reconfortar, proteger, auxiliar os desvalidos etc. (ALSINA JR, 2009, p.175) Desta forma, nenhum o estado que tenha pretensões reais de fazer parte assertivamente do sistema internacional pode olvidar-se construir e aperfeiçoar suas potencialidades no setor de segurança e defesa. Logo, o Brasil inclui também na sua missão o aparelhamento e melhoramento condições de trabalho das Forças Armadas. E mais ainda, de maneira clara e o objetiva reafirma sua Estratégia Nacional de Defesa, dispondo dos pontos mais relevantes sobre o tema no Brasil. Na Estratégia Nacional de Defesa é possível então encontrar explicitamente a preocupação do Ministério da Defesa com suas fronteiras, segundo seus dizeres é

preciso adensar as unidades da Marinha, do Exército e da Força aérea nas fronteiras. (Ministério da Defesa, 2012) Logo, resta claro a importância que essas regiões têm para os órgãos e agencias responsáveis pela a segurança e defesa do estado brasileiro. Evidentemente, quando no livro da Estratégia nacional nos deparamos com adensar as unidades não se deve interpretar como unicamente um aumento no número contingencial, e sim ampliar e melhorar as ferramentas de proteção e monitoramento para a faixa de fronteira. Desta forma, frente aos novos e antigos desafios que se apresentam nessas regiões, a solução passar demandar novos elementos, e a participação de diferentes instituições, que não somente as Forças Armadas. A interação entre ministérios e agencias passa a fazer parte de uma estratégia específica de proteção, monitoramento e combate a criminalidade nas fronteiras. A proteção das fronteiras do Brasil está dividia em diversos programas, que visam melhorar diversos problemas nestas áreas. Segundo, Superti (2011, p.15) as políticas de defesa e segurança na fronteira internacional assentam-se em duas estratégias principais: aumento da presença militar e promoção do desenvolvimento econômico local. Deste modo, diversos programas estão sendo implementados na tentativa de lidar com essas questões. Não será possível comentar acerca de todos os programas, mas o foco será dado ao Sisfron e ao ENAFRON. O governo Federal buscando adequar-se a Estratégia Nacional de Defesa vem tentando implementar políticas de proteção e monitoramento das fronteiras através de programas institucionalizados. Em conjunto com o Exército Brasileiro, a União está trabalhando no Plano Estratégico de Fronteira, especificamente, na operacionalização do Sistema Integrado de Monitoramento das Fronteiras. Tal programa emerge para garantir uma ampliação na presença do governo nas faixas fronteiriças, bem como um monitoramento mais adequado e moderno. O marco do projeto está em poder utilizar os recursos da Defesa para o crescimento econômico e desenvolvimento social. Assim, torna-se possível transformar as necessidades técnicas e operacionais em alavanca para indústria, ciência e tecnologia brasileira. Segundo PERIN (2011 apud SUPERTI, 2011), o Sisfron prevê alcançar trinta e cinco mil efetivos na região até 2019, e a criação de mais de vinte e oito Pelotões Especiais de Fronteira. Ainda, deverá dotar a força terrestre com equipamentos de alta tecnologia de monitoramento, treinamento e deslocamento, integrando as unidades de

fronteira antes isoladas. De acordo, com o próprio Exército Brasileiro(2011), nas explicitação de suas diretrizes, a implantação do SISFRON é relevante, ao modernizar todos os sistemas operacionais e contribuir para o monitoramento das fronteiras brasileiras. Para o início do projeto foi necessário aproximadamente seis bilhões de dólares, e com o desenvolver do Sisfron os valores deverão ser ainda maiores, contando com crédito externo, parceria público-privada e financiamento do BNDES. Desta forma, o Sisfron constitui-se como um programa de grande importância no Plano Nacional de Fronteiras e, por conseguinte, um dos focos de maior atenção para o governo e o exército. No que se refera a Estratégia Nacional de Segurança Pública nas Fronteiras pode-se compreender que a mesma também surge deste fôlego nacional, porém mobilizando atores outros que não participavam naturalmente destas ações. O ENAFRON busca diminuir objetivamente os indicies de criminalidade e violência nas faixas transfronteiriças, cuja ação pretende amenizar as vulnerabilidades que lá se encontram e proteger seus habitantes. O ENAFRON é fruto de uma articulação multiagencia, que é composta fundamentalmente pela participação de três ministérios, quais sejam Justiça, Defesa e da Fazenda. As ações são articuladas pelas as agencias dos respectivos ministérios, especialmente, utilizando os efetivos das Polícias Militar, Federal, Federal Rodoviárias e Polícia da Receita Federal. (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2012) O projeto ENAFRON ainda tem como principal meta o combate aos ilícitos ocorridos na região de fronteira através da articulação entre o governo federal e os governos estaduais dirigidos aos problemas de segurança pública. Para tanto, foca suas ações em dois pilares: inovação tecnológica e interação dos organismos domésticos ligados a políticas públicas. (NEVES, 2012) O referido projeto ainda está em fase de implementação e consolidação, mas algumas ações já foram executadas em cidades chaves para o projeto. A perspectiva é que outras ações sejam feitas nas faixas de fronteira, para combater as vulnerabilidades já mencionadas. 5. A interação multiagencia

Nos primeiros anos do século XXI, os estados vêm enfrentando problemas e dificuldades que até então desconheciam, como terrorismos, guerra cibernética, tráfico de pessoas e radicalismos culturais e religiosos. Ocorre que se torna fulcral encontrar soluções que possam ser tão dinâmica quanto os problemas, para que assim respondam de forma eficaz a estas novas demandas. Partindo do pressuposto, que os Estado tem sua parcela de participação na resolução destes problemas, os governos também devem buscar políticas públicas cuja natureza venha a combater estes desafios que se apresentam. Neste escopo, a interação entre diferentes agencias e órgãos estatais se apresenta como uma solução razoável e possível para diversas controvérsias. A interação multiagencia consiste na aplicação prática de determinadas políticas públicas através de uma ação coletiva, onde atores oriundos de diversas agências passam a agir conjuntamente focando um objetivo único. No caso em tela, das áreas trasfronteiriças, a solução parece ser ainda mais factível visto a diversidade de enfrentamentos que se perfazem nessas regiões. Naturalmente, se prática dessas políticas multicoordenadas ainda são escassas, o aparato acadêmico também não oferece um escopo considerável a ser utilizado com pano de fundo teórico. Entretanto, é importante salientar, que a forma de interação que defendemos pressupõe que as agencias envolvidas tenham capacidade e autonomia para desenvolver ações, bem como orçamento e subordinação a ministérios ou os órgãos governamentais. O interessante de pensar um esforço coordenado é saber que cada agencia pode ter seu trabalho complementado pelo trabalho da outra, e vice e versa. Um país de dimensões continentais como o Brasil, necessita de soluções criativas e eficientes para diminuir as mazelas que atormentam a sociedade nas mais diversas áreas. No caso das fronteiras, a interação multiagencia ocorre no campo da segurança pública e defesa nacional. Os esforços que inicialmente voltavam-se para as questões de defesa, objetivando o não surgimento de guerras e conflitos, passam então a voltar-se a questões de segurança pública doméstica. Cabe ainda salientar, que cada vez mais os âmbitos doméstico e internacional estão correlacionados, principalmente, nas regiões transfronteiriças. Resta claro ainda, que com a formulação de programas políticos de defesa e segurança, especificamente o ENAFRON, vem corroborando na construção de um ambiente menos hostil e ilícito nas faixas de fronteira. Como a maioria destes projetos

ainda estão em fase de implementação, não é possível saber com exatidão seus níveis de eficiência. Entretanto, algumas ações pontuais, já amplamente divulgada na mídia podem vir dar o tom de quais serão as consequências destas ações. É importante ainda observar que tais programas ainda deverão vencer desafios essenciais para sua consolidação, como questões orçamentárias e efetiva materialização de acordos e documentos assinados, pois muitas vezes tais planos esbarram nestes limites e acabam por sucumbir às dificuldades. Outro grande desafio é o governo de fato articular todas as entidades envolvidas para garantir o sucesso das operações. A despeito das dificuldades a serem enfrentadas, as perspectivas são, de maneira geral, positivas. Porém, para que nos próximos anos seja possível observar os ganhos, é preciso que as metas e o objetivo sejam alcançados. A expectativa é que nos próximos anos seja possível diminuir as vulnerabilidades das regiões e melhorar as condições de vida da população, via interação multiagencia. 6. Considerações finais As fronteiras brasileiras representam uma parte importante do estado, especialmente, por ser o elo entre o país e as nações sul-americanas vizinhas. A extensão dessa faixa de terra demanda um enorme esforço por parte do governo federal e seus ministérios. É relevante, entretanto, compreender a complexidade de fatores e nuances que fazem da fronteira muito mais do que uma referência geográfica, e sim uma região repleta de vulnerabilidades que necessitam ser amenizadas e combatidas. Para tanto, considerando que as fronteiras são parte importante da estratégia nacional de defesa, diversos programas e políticas estão sendo implementados para melhorar a situação nessas áreas, destacando os objetivos encampados pelo Sisfron e pelo ENAFRON. Por fim, a luta contra novas e surpreendentes ameaças como terrorismo, tráficos de pessoas, entre outros, clamam por soluções mais completas e eficientes. Neste âmago, surge a interação multiagente, onde o governo federal se articula com suas agencias a fim de atingir objetivos comuns voltados as questões de segurança e defesa. Espera-se ainda que as dificuldades e desafios sejam vencidos para que os números no futuro sejam outros.

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