AS INSERÇÕES E SUAS FUNÇÕES NO PROCESSO DE RETEXTUALIZAÇÃO DA ELOCUÇÃO FORMAL UM ESTUDO DE CASO

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AS INSERÇÕES E SUAS FUNÇÕES NO PROCESSO DE RETEXTUALIZAÇÃO DA ELOCUÇÃO FORMAL UM ESTUDO DE CASO Priscilla Teixeira MAMUS (PG-UEM) Edson Carlos ROMUALDO (UEM) ISBN: 978-85-99680-05-6 REFERÊNCIA: MAMUS, Priscilla Teixeira; ROMUALDO, Edson Carlos. As inserções e suas funções no processo de retextualização da elocução formal Um estudo de caso. In: CELLI COLÓQUIO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS. 3, 2007, Maringá. Anais... Maringá, 2009, p. 1974-1985. 1. INTRODUÇÃO As inserções são uma marca lingüística da oralidade, responsáveis por causarem um ralentamento do fluxo informacional, uma vez que são inseridas, normalmente, no meio de um tópico discursivo em andamento, ocasionando ruptura não só do tópico, mas também, em alguns casos, da sintaxe do enunciado. Elas são, de modo geral, utilizadas pelo locutor para promover uma melhor interação e facilitar a aceitação daquilo que ele diz aos seus interlocutores. Diferentemente da modalidade oral da língua, a modalidade escrita não permite a ocorrência de alguns fenômenos que aparecem na fala. Considerando que cada forma de representação da língua possui suas especificidades, um texto falado, ao ser retextualizado em um texto escrito, pode perder elementos que denotem seu caráter oral, entre eles, as inserções. Para verificarmos o que acontece com as inserções na retextualização de um texto falado em escrito, analisamos as ocorrências desse fenômeno lingüístico em uma elocução formal e, depois, em sua retextualização. Pretendemos verificar as funções das inserções na fala para, em seguida, observarmos como elas se apresentam na escrita. Nosso corpus de análise constitui-se da transcrição e da retextualização da palestra intitulada O Negro na Universidade: o Direito à Inclusão, proferida pelo Diretor da Fundação Cultural Palmares, Edvaldo Mendes Zulu Araújo, na Universidade Estadual de Maringá, durante o VI Encontro O negro na Universidade: o direito à inclusão, em 2004. A transcrição dessa palestra bem como sua retextualização foram realizadas por acadêmicos do curso de Letras da mesma universidade, os quais participavam do Projeto de Ensino Banco de Dados Midiáticos. 1974

Nossa análise baseia-se nas teorias referentes às relações entre língua falada e língua escrita, nas relativas aos processos de retextualização de gêneros lingüísticos e, evidentemente, naquelas sobre inserções. 2. INSERÇÕES Em Aspectos do processamento do fluxo de informação no discurso oral dialogado, Koch et alii (1990) afirmam que, em relação à progressão temática do discurso, há fenômenos de descontinuidade responsáveis por um ralentamento no fluxo informacional. Entre esses fenômenos, encontram-se as inserções de informações paralelas e subsidiárias no tema em curso. Interessa-nos, em virtude do corpus de nosso trabalho (a elocução formal palestra), as inserções autocondicionadas, ou seja, aquelas que ocorrem quando a iniciativa do encaixamento no tema parte do próprio falante. Segundo os autores, esses fenômenos se manifestam no discurso por meio de fraseshóspedes, de natureza nitidamente parentética. Entendem as frases-hóspedes como segmentos de discurso de extensões bastante variadas, que cumprem um propósito definido de comunicação, depois que o fluxo informacional nuclear já se achava em andamento (KOCH et al., 1990, p. 153). Sua identificação pode ser realizada não somente pela suspensão temporária na linha discursiva, que não chega a afetar totalmente a coesão entre as partes da informação primária, mas também por traços prosódicos como a descida do tom de voz e certo aceleramento do ritmo elocucional, que às vezes acompanham sua enunciação. Para os autores, tais traços são coerentes com sua natureza de predicação paralela inserida na comunicação básica. Apontam como funções comunicativas possíveis dessas inserções: contato, esclarecimentos, citações, atenuações, ressalvas, indicações atitudinais e modais, avaliações. Em outro estudo ( Organização tópica da conversação ), Jubran et alii (1996) redefiniram o fenômeno de inserção, dentro de um quadro estrutural de processamento do texto oral, como um dos procedimentos de articulação do discurso dialogado. Este estudo é o ponto de referência para Jubran (1996a) realizar seu trabalho Inserção: um fenômeno de descontinuidade na organização tópica. A autora, fundamentada nas concepções de tópico discursivo e de estruturação tópica, apresenta uma nova classificação das modalidades de inserção. Tomando como base o conceito de tópico definido numa perspectiva discursiva, a partir de seus dois traços básicos - a centração e a organicidade -, afirma que a descontinuidade decorre de uma perturbação da seqüencialidade linear, acarretada ou pela suspensão abrupta e definitiva de um tópico, antes de seu necessário desenvolvimento, ou pela cisão de um segmento tópico em partes, que se apresentam de forma não-adjacente na linearidade discursiva (JUBRAN, 1996a, p. 63-64). Neste último caso, em que um tópico é momentaneamente suspenso e reaparece em outros momentos na conversação, temos o fenômeno da inserção, responsável pela divisão do tópico em segmentos não-contíguos. Entre as modalidades de inserção, encontramos a dos parênteses. Jubran (1996b), ao caracterizar os tipos de inserção, explica que a utilização do tópico discursivo como categoria de análise das inserções permite a identificação do fenômeno e seus contextos, no entanto não se mostra suficientemente eficaz para particularizar a natureza do elemento inserido. A aplicação da categoria tópica à análise do elemento inserido levou a constatação de duas modalidades de inserção: 1) na inserção de maior extensão textual, o encaixe tem estatuto tópico, instaurando uma outra centração dentro do segmento-contexto, com as mesmas propriedades estruturais do elemento 1975

estruturador da inserção; 2) na de menor extensão textual, o encaixe não tem estatuto tópico, pois não projeta nem desenvolve um tema sobre o qual se centra a interação verbal, em determinado ponto da conversação, configurando a inserção parentética. Os parênteses identificam-se, portanto, como desvios momentâneos, sem estatuto tópico, do quadro de relevância temática do segmento contextualizador (JUBRAN, 1996b, p. 412). No reconhecimento e delimitação dos parênteses funcionam marcas formais advindas de sua natureza parentética: pausas antes e depois do encaixe; ausência de conectores do tipo lógico, que estabelecem relações lógico-semânticas entre os parênteses e o enunciado no qual se encartam; mudanças prosódicas, como alteração de tessitura e de velocidade de elocução da parte inserida, em contraste com o contexto; ruptura no segmento-contexto, com fatos sintáticos que demonstram a ruptura e a retomada do tópico proposto, por exemplo, marcadores discursivos e repetição de elementos anteriores aos parênteses. Concluímos, com isso, que o parêntese, assim como os demais tipos de inserção, age de maneira informativa e comunicativa em uma interação verbal, já que promove uma melhor compreensão textual pelos seus interlocutores. Silva e Koch (1996), em seu trabalho Estratégias de desaceleração do texto falado, apresentam um classificação das funções das inserções. Segundo as autoras, a inserção parece ter a macro-função cognitiva de facilitar a compreensão dos parceiros. Assim, o locutor suspende temporariamente o tópico em andamento e insere algum tipo de material lingüístico, com o intuito de:. introduzir explicações ou justificativas;. fazer alusão a um conhecimento prévio;. apresentar ilustrações e exemplificações;. introduzir comentários metaformulativos;. formular questões retóricas;. introduzir comentários jocosos;. servir de suporte para a argumentação em curso;. expressar a atitude do locutor perante o dito, por exemplo, atenuações, avaliações e ressalvas. Os mecanismos de identificação dos parênteses propostos por Jubran (1996b) e as funções das inserções apresentados por Silva e Koch (1996) serão a base para a análise de nosso corpus, juntamente com as observações sobre o processo de retextualização apresentadas a seguir. 3. RETEXTUALIZAÇÃO De acordo com o Marcuschi (2001: 46), a retextualização é um processo que envolve operações complexas que interferem tanto no código como no sentido e evidenciam uma série de aspectos nem sempre bem-compreendidos da relação oralidade-escrita. Essa complexidade se dá porque, para transformar um texto, é necessário que o indivíduo que faz a retextualização compreenda o que o falante quis dizer para, assim, realizar uma transformação do texto falado para o escrito de forma adequada, isto é, mantendo o mesmo sentido que o falante deu ao seu enunciado. Dentro dessa compreensão devemos acrescentar que passar um texto oral para o escrito é fazer uma mudança de representação da linguagem, e não uma passagem de um modelo pior para um melhor, ou vice-versa. 1976

É importante salientar essa relação porque é a partir dela que podemos encontrar as especificidades de cada plano da língua sem a atitude equivocada de classificá-los em mais ou menos relevantes dentro das várias maneiras que a língua pode se configurar. Após esclarecer essa questão, Marcuschi (2001) aponta os tipos de relações que podem haver entre a fala e a escrita dentro dos processos de retextualização. São elas: a) da fala para a escrita; b) da fala para a fala; c) da escrita para a fala; d) da escrita para a escrita. No caso do nosso trabalho, a intenção é analisar o comportamento das inserções na transformação de um texto oral uma situação oral de palestra para o texto escrito. Dessa forma, enquadramos nosso processo de retextualização na possibilidade (a) apontada pelo autor: retextualização da fala para a escrita. A retextualização possui várias etapas que vão desde a transcrição do texto oral até às reformulações e ajustes feitos, conscientemente, pelo indivíduo que a realiza. Essas reformulações e ajustes são vistas por Taylor & Cameron (apud Marcuschi, 2001) como uma idealização da oralidade, ou seja, não consideram o estilo e a topicalidade, mas sim as regras gramaticais, desconsiderando os elementos que causam descontinuidades no fluxo de informação e visando a uma formação frasal adequada. Para apontar qual é a frase-alvo, os autores formulam a regra de eliminação mínima, que consiste em eliminar fatores que provocam descontinuidades temáticas em um texto falado como, por exemplo, repetições, reformulações, correções, inserções, etc. Essa regra é importante para o nosso estudo, pois a pesquisa pretende verificar como as inserções são passadas para a escrita. De acordo com o que foi dito sobre a regra de eliminação mínima, poderíamos já concluir que as inserções são banidas na escrita durante o processo de retextualização, mas vale ressaltar que não é possível generalizar essa regra, uma vez que cada texto possui a sua intenção e contexto, podendo conter elementos que causam descontinuidades, mas que são de grande importância para a sua compreensão efetiva. Essas eliminações se enquadram mais na parte sintática do texto, porém As atividades de transformação, que constituem a retextualização em sentido estrito, dizem respeito a operações que vão além da simples regularização lingüística, pois envolvem procedimentos de substituição, reordenação, ampliação/redução e mudanças de estilo, desde que não atinjam as informações como tal. Seguramente, haverá, em conseqüência, mudanças de conteúdo, mas essas não deveriam atingir pelo menos o valor-verdade dos enunciados. (Marcuschi, 2001: 62) É fundamental, portanto, que o indivíduo que promove a retextualização compreenda o texto falado e o objetivo do seu trabalho para que o texto fruto da retextualização seja verdadeiro e adequado. 4. ANÁLISE DO CORPUS Com base nas teorias expostas, vimos que as inserções são um fenômeno característico da língua falada, que serve tanto como estratégias retóricas, com intuito de argumentação e persuasão, como elementos responsáveis por clarear, explicar, justificar, entre outras atitudes tomadas pelo falante no ato de seu discurso. Elas podem ou não romper com a estrutura sintática ao serem inseridas em um tópico discursivo, mas é certo que elas provocam um certo ralentamento no fluxo temático. Isso está, 1977

porém, longe de comprometer o nível informacional textual. Pelo contrário, são benéficas aos interlocutores e à informatividade transmitida (Koch et alii, 1990). Já retextualização compreende fatores, como já expostos anteriormente, que pretendem fazer a mudança de representação da língua. No caso desse trabalho, foi feita a passagem da modalidade falada para a escrita, levando em conta todos os processos cabíveis como, por exemplo, as questões das marcas da fala que, muitas vezes, se perdem na escrita por não se adequarem a essa forma lingüística, abordando os nove procedimentos propostos por Marcuschi (2001). Dessa forma, na análise do corpus que apresentamos a seguir, mostramos as inserções e suas funções na fala e, posteriormente, expomos como ficaram na retextualização. As inserções serão identificadas em itálico na transcrição, e na retextualização serão sublinhadas. 4.1. Inserções com função de explicação e/ou justificativa Há uma inserção do tipo parêntese no início da justificativa que o falante apresentava, que é: (1)... porque às vezes passa a idéia... e a gente tem ouvido isso ao longo dessa discussão no Brasil... de que nós negros... Está aí presente uma marca das inserções parentéticas: a ruptura sintática da frase é feita para a inclusão de um comentário por parte do falante. Além disso, ele muda o seu tom de voz durante o parêntese. Apesar de ser um comentário do falante, a inserção não apareceu no processo de retextualização da fala, pois isso não comprometeu a informatividade textual, e a sintaxe da frase foi recuperada: Às vezes, nos deparamos com a idéia de que os negros estão pedindo esmolas ou querendo caridade... Na citação seguinte, temos duas inserções. Na primeira, o tópico acaba na própria inserção, havendo uma mudança temática no fluxo informacional quando ela termina. É interessante observar o uso do pronome pessoal nós para indicar os cidadãos negros, uma vez que o falante pertence à raça negra e está defendendo-a: (2)...do mesmo modo nós temos visto... algumas das argumentações utilizadas contra (...) a superação de uma mazela existente na sociedade brasileira... que é a discriminação racial... e eu estou afirmando isso porque nós aqui não apenas trabalhamos forçadamente... nós aqui damos uma contribuição significativa para a construção desse país... é curioso quando a gente vai ao exterior... e eu tenho tido a oportunidade de ir ao exterior não apenas por força do meu trabalho anualmente... mas por força do meu trabalho no exterior... que encontra todo e qualquer brasileiro...quando pretende se indicar enquanto tal no exterior... 1978

Não encontramos marcas que denotem a retomada do tópico em andamento antes da inserção, ou seja, no momento em que o locutor inicia a inserção com e eu estou afirmando isso..., a unidade tópica em desenvolvimento se perde, pois a inserção entra, praticamente, como um novo tópico. Quando o locutor termina essa inserção e inicia outro tema, observamos o surgimento da segunda inserção, na qual o falante tem a finalidade de explicar e justificar o motivo de suas viagens ao exterior para que seus interlocutores compreendam que ele não viaja à passeio, uma vez que o tema de seu discurso são os desfavorecidos. Seu argumento não teria muita credibilidade se os ouvintes percebessem que ele defende a classe baixa, mas não se enquadra nela. Quanto mais empatia mostrar para com os interlocutores, mais fortes serão seus argumentos. Após fazer a justificativa com o parêntese, rompendo a sintaxe, ele retoma o tópico iniciado por meio da conjunção que (a qual parece estar no lugar de e), deixando claro o emprego da inserção. No excerto (2), notamos que a primeira inserção concluiu o tópico em andamento, o qual não foi retomado, mas um novo tema se iniciou. Já a segunda é uma inserção parentética, e tem importante função no que diz respeito ao caráter argumentativo do texto. Vejamos o que ocorreu com elas na escrita: Do mesmo modo, nós temos visto algumas das argumentações utilizadas não apenas contra a implantação do sistema de cotas, mas contra a superação de uma mazela existente na sociedade brasileira que é a discriminação racial. O curioso é saber que, no exterior, os brasileiros se identificam como aqueles que gostam de feijoada, samba e futebol. Tanto a primeira quanto a segunda inserção desapareceram. A primeira não foi acoplada ao texto porque era, de certa forma, uma repetição de algo já deixado claro anteriormente pelo falante, e a parentética, embora exerça papel importante na justificativa do autor, também sumiu. As duas inserções tipo parêntese, analisadas até agora, deixaram de fazer parte do texto quando esse foi passado da fala para a escrita. Na inserção seguinte, marcada pela ruptura da sintaxe, a explicação é feita para esclarecer quem são os indivíduos incluídos no pronome pessoal nós. Agora não são só os cidadãos negros, mas também qualquer cidadão, inclusive os ouvintes e o governo: (3)... e tido isso com a certeza de que nós... governo e sociedade brasileira... não iríamos permitir que a intolerância religiosa... Observando a retextualização, a inserção perde sua característica e o que é dito nela passa a ser o sujeito da frase; de inserção justificativa com caráter sintático de aposto, passa à sujeito, condensando melhor a informação, tornando-a mais direta e objetiva: Com certeza o governo e a sociedade brasileira não permitiriam que a intolerância religiosa... 4.2. Inserções com função retórica Com o intuito de persuasão, de chamar a atenção dos seus ouvintes, o falante faz uso de inserções retóricas, encontradas em forma de perguntas retóricas ou de 1979

enunciados que exprimem uma de suas opiniões. Dessa forma, ele consegue uma maior interação e uma atmosfera de intimidade ou cumplicidade (SILVA e KOCH, Koch, 1996, p. 331). As perguntas retóricas são as seguintes: (4)... a nós esse direito não foi dado... nenhum de nós é capaz de fazer a nossa árvore genealógica... por quê? por conta de uma forma perversa e cruel que foi acrescentada... (5)... pra ser garçom nesse país tem que ter boa aparência... e sabe qual é o significado de boa aparência nesse país que se diz ser plurirracial? tem que ter pele clara... lábios finos... Na inserção (5), além de ter sua função retórica para a argumentatividade textual, ainda faz alusão ao conhecimento prévio do interlocutor, e isso também está relacionado com as questões de interação entre falante e ouvinte. Observamos no fragmento (4) que, mais uma vez, o pronome nós é utilizado para fazer alusão aos cidadãos negros. Vamos ver como essas inserções se apresentaram na escrita:...nenhum deles é capaz de fazer sua árvore genealógica. Por quê? Por conta de uma forma perversa... E qual é o significado de boa aparência no Brasil, que se diz ser plurirracial? O indivíduo tem de ter pele clara... Como definimos as inserções retóricas, elas objetivam favorecer na interação entre falante e interlocutores. A partir disso podemos concluir que inserções com essa função seriam retiradas na escrita, uma vez que nessa modalidade não há interação face-a-face. Mas como vimos, a retextualização do nosso corpus manteve as perguntas. Notamos marcas da fala na escrita. Isso quer dizer que essa retextualização pode passar por mais um processo para, assim, retirar-se os elementos que denotam o discurso oral. 4.3. Inserções com função de expressar a atitude do falante perante o dito Encontramos em nosso corpus inserções indicadoras de uma opinião, um ponto de vista do falante, como vemos nos casos: (6)... é às vezes até visível... para não dizer trágico... quando a gente vê os latifundiários... (7)... ainda encontramos variados segmentos religiosos que... de forma irresponsável... leviana e discriminatória... considero que esses religiosos de matriz africana nesse país têm a ver com o demônio... são... é desconstituidora da família... A (7) é uma inserção parentética que expõe opinião, já que foi acoplada no meio da estrutura sintática sem relações coesivas, e a mudança de tom de voz foi bem marcada. Podemos dizer que o falante expõe essa opinião para mostrar que não concorda com algumas religiões africanas que, apesar da origem negra, não são 1980

benéficas para os afro-descendentes. A inserção (6) é mantida na modalidade escrita, enquanto que a (7) desaparece, e ocorre uma reformulação da fala: Às vezes é até visível, para não dizer trágico, quando vemos os latifundiários... Apesar dessa contribuição, ainda encontramos variados segmentos religiosos que agem de forma irresponsável, leviana e discriminatória. Com certeza o governo e a sociedade brasileira... Já na inserção seguinte, é interessante observar que o locutor dá sua opinião para, de certa forma, afastar-se de qualquer tipo de acusação ou comprometimento, usando a inserção como mecanismo de preservação da face, como ressalva, pois citou alguém muito popular no nosso país: (8)... nós temos a síndrome da Xuxa no Brasil... nada contra... evidentemente... à presença da Xuxa... agora vocês imaginem o que isso significa para a auto-estima de quarenta e cinco por cento dessa população que não se vê na televisão brasileira... Esse comentário não é visto na outra modalidade, na qual a síndrome é determinada como o motivo pelo qual a população negra não se vê na televisão, ou seja, é feita uma analogia em relação ao fato de quase não vermos negros na TV:...tanto na Alemanha quanto na Holanda, que são países anglo-saxônicos, aparecem mais negros e negras na televisão do que no Brasil. Aqui temos a síndrome da Xuxa, isto é, 45% da população brasileira não se vê na televisão. Vemos que existem inserções que denotam opiniões do falante que permanecem, da mesma forma ou com pequenas modificações no texto escrito e as que desaparecem devido às reformulações ou à falta de relevância. 4.4. Inserções com função ilustrativa O objetivo, agora, é expor as inserções encontradas com a função de exemplificar algo mencionado. São, portanto, inserções fundamentais para a melhor compreensão por parte dos interlocutores. Em seu discurso, o Diretor da Fundação Cultural Palmares fala da discriminação racial comentando sobre como o período da escravidão, quando os negros escravos eram maldosamente separados de sua família, resultou em desconhecimento de origem por parte dos descendentes de escravos. Para mostrar a incapacidade que muitos negros têm de saber qual a sua verdadeira origem, ele dá o exemplo do que aconteceu com ele mesmo: (9)... a nós esse direito não foi dado... nenhum de nós é capaz de fazer a nossa árvore genealógica... por quê? por conta de uma forma perversa e 1981

cruel que foi acrescentada... que foi complementada à discriminação e ao racismo nesse país... para além da escravidão se negou a possibilidade... e até mesmo... da gente ter um nome... é por isso que muitos de nós têm um sobrenome português... como por exemplo eu... eu me chamo... o meu nome... o meu nome é Edvaldo Mendes Zulu Araújo... o Mendes Araújo é daqueles que eram proprietários dos meus ancestrais... eu não tive... nem a maioria... eu diria nenhum de nós... eu gostaria de repetir... teve a chance e a oportunidade de... se quer... poder manter o contato com as suas origens... a técnica utilizada pelos colonizadores portugueses aqui no Brasil... era separar no primeiro momento o pai da mulher... o pai da filha... o irmão da irmã... Observamos que, após a exemplificação, começa a falar sobre o que acontecia com as famílias de escravos, voltando ao tópico da razão da falta de origem....aos negros esse direito não foi dado, nenhum deles é capaz de fazer sua árvore genealógica. Por quê? Por conta de uma forma perversa e cruel que foi acrescentada à discriminação e ao racismo. Além da escravidão, negouse a possibilidade dos negros terem, até mesmo, um nome. É por isso que muitos deles têm um sobrenome português ou o sobrenome dos donos de seus ancestrais, sendo impedidos de manterem o contato com suas origens. A técnica utilizada pelos colonizadores portugueses aqui no Brasil era separar... O exemplo foi retirado na escrita, de modo que passou a fazer parte de uma explicação integrada ao texto, sem as marcas de primeira pessoa. 4.5. Inserções com função argumentativa As inserções com função argumentativa são utilizadas no corpus para a construção de um argumento do falante. No fragmento (10), o locutor vinha discorrendo sobre as leis que prejudicaram os negros. A correção que ele faz, ao substituir sociedade brasileira por Estado brasileiro, enfatizando a palavra Estado, faz com que a inserção não funcione somente como ressalva, mas apresente força argumentativa ao mostrar que a questão é governamental. A questão da entonação é fundamental, nesse caso, para salientar a referência ao Estado: (10)... essa foi a medida prévia adotada pela sociedade brasileira... ou melhor dizendo... pelo EsTAdo brasileiro... mas logo após... logo após 1888... em 1889... duas leis foram criadas... Na retextualização, a inserção (10) passou a ser o sujeito do enunciado na escrita, no qual Estado deu lugar a Brasil. O texto eliminou a ressalva para ir direto ao objetivo de indicar a responsabilidade governamental:...e com isso [o Brasil] adotou medidas prévias que provocaram e ainda provocam conseqüências, as quais podem ser notadas nas desigualdades sociais e raciais existentes na sociedade brasileira. A Lei da Terra, de 1850, 1982

proibia todos aqueles que fossem descendentes de escravos ou escravos legítimos de possuir propriedade de terra neste país. Em 1889, duas leis foram criadas no Brasil... A última inserção analisada tem um caráter irônico, o que dá grande força em uma argumentação crítica: (11)... na hora do acesso a ela [universidade] são criados um conjunto de critérios que só possibilitam a elite deste país ter acesso... e dizem que isso é teste de capacidade... há tempo... por exemplo... que o vestibular... ele é meritório... Na hora do acesso a elas, no entanto, é criado um conjunto de critérios que só possibilitam o acesso à elite, e ainda dizem que isso é teste de capacidade. Há tempo que o vestibular... Essa inserção mostra, também, a inconformidade do falante. De forma irônica, identificada por meio de seu tom de voz, ele mostra a sua visão sobre o vestibular. Mas como esse tom irônico não pode ser percebido na escrita, a inserção é mantida na retextualização, fazendo com que o leitor interprete a crítica com base no sentido de todo o enunciado. Para concluir essa parte, na qual foram analisadas as algumas inserções autocondicionadas constituintes na fala de Edvaldo Mendes Zulu Araújo, é fundamental salientar que as questões do discurso falado, como entonação, planejamento realizado simultaneamente à fala, gestualidade, interatividade com interlocutores, intenções, entre outros, foram de total relevância na identificação das inserções e suas funções, assim como questões de ruptura do tópico frasal, ralentamento do fluxo de informação, ruptura da estrutura sintática, etc. No momento em que a fala é retextualizada para a escrita, esses elementos devem estar internalizados naquele que realiza a retextualização, pois, como vimos, alguns tipos de inserção possuem grande valor na argumentação ou trazem outras informações relevantes que não podem ser desaparecer no texto escrito. 5. CONCLUSÃO A análise das funções das inserções pertencentes à palestra de Edvaldo Mendes Zulu Araújo, no VI Encontro O negro na Universidade: o direito à inclusão, mostrou que, em um discurso falado, o locutor precisa se dispor de recursos que melhorem e facilitem a compreensão pelos interlocutores. Isso acontece porque a interação entre falante e ouvinte faz com que o discurso ocorra conforme o objetivo do falante, que é passar a sua mensagem de acordo com a sua intenção. Essa pode ser voltada à crítica, à persuasão ou apenas à informação. Observando as inserções da transcrição, verificamos o quanto elas concorrem para a informatividade, argumentação e clareza textuais. Na retextualização, no entanto, algumas inserções desapareceram, outras foram integradas ao texto com ou sem a mesma função. Podemos concluir que, no processo de transformação do gênero oral para o escrito, as inserções que repetiam, ou melhor, que parafrasearam algum enunciado já exposto, foram abolidas. 1983

Podemos dizer também que na retextualização deu-se preferência à estrutura sintática frasal, desconsiderando as rupturas realizadas pelos parênteses e passando pela normatização da escrita por meio de reconstrução de acordo com as normas sintáticas, uma das características do processo de retextualização. Mas essa reconstrução sintática requer atenção no objetivo do falante, ou seja, ela deve atingir a frase-alvo sem deixar argumentos importantes. Em nosso corpus, as inserções parentéticas analisadas, assim como as de função retórica, são importantes para a interação, para a melhoria do discurso no momento de sua realização. Assim, essas inserções não se fazem necessárias na escrita, uma vez que nessa não há interação face-a-face entre produtor e receptor. Vimos, no entanto, a permanência de algumas inserções com função retórica na versão escrita do nosso corpus, denotando que a retextualização necessita ser revista mais minuciosamente. Algumas inserções foram apresentadas no texto escrito com função sintática diferente da que tinha na fala. Isso mostra que, em alguns casos, embora introduzida no meio de um tópico, a inserção pode ter um conteúdo mais relevante que aquele, ou tão relevante quanto. Assim, ela é acoplada à escrita contribuindo com o tópico no qual foi inserida. Vale ressaltar que as inserções, apesar de causarem ruptura sintática e tópica, estão semanticamente relacionadas ao tema onde foram aplicadas. Por mais que o tema da inserção se difere do tópico no qual ela está, há sempre uma função, um objetivo para a sua presença, e isso pode relacioná-los semanticamente. Os resultados apontam que as inserções permanecem no texto escrito quando contêm informações indispensáveis em relação ao tópico no qual foram inseridas. No entanto, no processo de retextualização, tais informações perdem suas características de inserção, adequando-se semântica e sintaticamente no tópico em desenvolvimento. Mas quando a função, na fala, é somente a de manter a interação entre falante e ouvintes, ou quando retomam o já dito, elas desaparecem na retextualização. REFERÊNCIAS JUBRAN, C. C. A. S et alii. Organização tópica da conversação. In: ILARI, R. (org.). Gramática do português falado. Volume II: Níveis de análise lingüística. 3 ed. Campinas : Editora da UNICAMP, 1996. p. 357-447. JUBRAN, C. C. A. S. Inserção: um fenômeno de descontinuidade na organização tópica. In: CASTILHO, A. T. (org). Gramática do Português Falado. Volume III: As Abordagens. 2 ed. Campinas, SP: Unicamp, 1996a, p.61-74 JUBRAN, C. C. A. S. Parênteses: Propriedades Identificadoras. In: CASTILHO, A.T. ; BASILIO, M. (orgs). Gramática do Português Falado. Volume IV: Estudos Descritivos. Campinas: Editora da Unicamp, 1996b. p. 411-421. KOCH, I. V. et alii. Aspectos do Processamento do Fluxo de Informação no Discurso oral Dialogado. In: CASTILHO, A. T. (org). Gramática do Português Falado. Volume I: A Ordem. Campinas: Editora da Unicamp, 1990. p. 143-184. KOCH, I. V. ; SILVA, M. C. P. S. Atividades de Composição do Texto Falado: a Elocução Formal. In: CASTILHO, A. T. ; BASÍLIO, M. (orgs.) Gramática do 1984

Português Falado. Volume IV: Estudos Descritivos. Campinas: Editora da Unicamp, 1996, p. 379-410. MARCUSCHI, L. A. Da Fala para a Escrita: atividades de retextualização. 2ª ed, São Paulo: Cortez, 2001. SILVA, M. C. P. S. ; KOCH, I.V. Estratégias de desaceleração do texto falado. In: KATO, M. Gramática do Português Falado. Volume V: Convergências. Campinas: Editora da UNICAMP, São Paulo: FAPESP, 1996. p. 327-338. 1985