ESPELEOGÊNESE EM QUARTZITOS DA SERRA DO IBITIPOCA, SlJDESTE DE MINAS GERAIS

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Transcrição:

Anuário do Inslilulo de Geociências - Volume 20-1'1'. 75-K7-1<)<)7 ESPELEOGÊNESE EM QUARTZITOS DA SERRA DO IBITIPOCA, SlJDESTE DE MINAS GERAIS Atlas V. CORRÊA NETO & João BAPTISTA FILHO Dcpartamenlo de Geologia e-mail : ATI.IIS@IGEOlJFRJ.IlR SPELEOGENESIS IN QUARTZITES FROM THE IBITlPOCA RANGE, SOUTHEASTERN MINAS GERAIS ABSTRACT The caves buill in quartzilcs ai lhe Ibilipoca R.1nge are part of hierarquized underground drainage systems. Spelcogenesis was a two-stage process, following the sanding/piping model. In the first stage, porosity \Vas generatcd by feldspar and phyllosilicates alteration and silica solution from quartzo The essential conditions for cave development were: (I) a large diference bctwccn local and regional base leveis: (2) presence of rock layers spccially susceptible to sanding and piping processes (fine-grained micaceous quartzite) and (3) a sequence of cycles of stability and uplifi. Different cave patterns and sizes can be explained by changes in one or more of the above conditionants. Kc}'\\Ords: speleogenesis, quartzite, Brazi!. RESUMO As cavernas em quartzito na Serra do Ibitipoca s.~o parte de redes hierarqui7.adas de drenagens subterrâneas. A espeleogênese foi um processo de dois estágios, seguindo o modelo sanding 'piping. A alteração intempérica de feldspatos e lilossilicatos e a dissolução de silica gerou porosidade inicial nos quartzitos, durante o primeiro estágio. As condiçõcs essenciais para a espeleogênese foram: (I) grande diferença entre o ní\'ci freático local e o nível de base regional: (2) presença de camadas de rocha especialmente fa"oráveis aos processos de sa!uling e piping (quartzito fino micáceo) e (3) ciclos sucessivos de estabilidade e socrguimelllo. Diferenças na morfologia e tamanho das cavernas podem ser explicadas por mudanças em um ou mais dos fatores acima. Palavras~have : espelcogênese, quartzitos, Minas Gerais. I. INTRODUÇÃO E OBJETIVOS A Serra do Ibitipoca é formada por quartzitos pertencentes ao Gp. Andrelàndia (Ebert, 1955; Trouw el 01, 1983), composto por metassedimentos com médio a alto grau de metamorfismo. Esta serra caracteriza-se por grande número de cavernas desenvolvidas em quartzitos. São conhecidas atualmente 30 cavernas, a maior das quais, a Gruta das Bromélias, atinge 2750 m de desenvolvimento linear (DL) (Corrêa Neto el ai., 1995) Estas cavernas

Anuário do Instituto de Geociências - Volullle lo - PI'. 7<,-H7-1'1'17 foram inicialmente descritas por Perez & Grossi (1987). Estudos posteriores foraln rea li zados por Corrêa Neto el a/. (1993, 1995, 1996). Cavernas formadas nos quartzitos do Gp. Andrelândia são também relativamente comuns em outros locais do sudeste de Minas Gerais (ex.: Serras de Luminárias, Carrancas e São Tomé das Letras). O propósito desta contribuição é de descrever brevemente as cavernas formadas em quartzitos da Serra do Ibitipoca e propor possíveis mecani smos de espeleogênese. 2. CONTEXTO GEOLÓGICO E GEOMORFOLÓGICO As formas escarpadas da Serra do Ibitipoca contrastam com seus arredores (figs. 1 e 2), tendo em média altitudes de 1500-1600 m, atingindo valor máximo de 1784 m no Pi co Ibitipoca ou Lombada. A serra é composta por duas Cllestas cujos fl ancos dip-.i'/ope est ão inclinados para o interior do mesmo vale, por onde correm o Rio do Salto e o Córrego da Mata. A diferença entre o nível freático da serra, nas áreas onde formaram-se caverna s, e o nível de base de seus arredores que varia entre 250 m na parte oeste e 350 m na parte sul Na Serra do lbitipoca são comuns vales estreitos, provavelmente gerados por desabamento de cavernas (ex.: Córrego do Pião) e dolinas (ex : Gruta dos Três Arcos) O padrão de drenagem é em treliça, bastante espaçado, com baixa densidade hidrográfica, em especial quando comparada com seus arredores. Os depósitos fluviais são inexpressivos e descontínuos. Nos arredores da serra o relevo é formado por morros e colinas arredondadas e a drenagem é predominantemente subdendrítica (fig. I). Os litótipos predominantes da Serra do Ibitipoca (fig. 2) são quartzitos grossos sacaroidais, pertencentes ás porções basais do Gp. Andrelândia. Subordinadamente, ocorrem quartzitos finos micáceos, biotita-xistos e lentes decimétricas de muscovita-xistos. As camadas mergulham ao redor de 20 para SE na maior parte da serra. O metamorfismo atingiu a fácies anfibolito médio (Nummer, 1991). Nos arredores da serra predominam biotita-xistos e gnai sses A estruturação tectônica da serra foi gerada por três fases de deformação A primeira gerou grandes dobras recumbentes com eixos E - W. Durante a segunda, as estruturas anteriores foram parcialmente reorientadas por empurrões de SE para NW e redobrament os (Nummer, 199 1) As estruturas da última fase correspondem a dobras suaves concên t ri cas com 76

Anuário do Instituto de Geociências - Volume 20 - PP. 75-87 - 1997 eixos NE - SW. A foliação principal, subparalela ao acamadamento sedimentar reliquiar, é relacionada ao primeiro dobramento. Os principais sistemas de fraturas tem direções SW - NE (predominante), N - S e E-W. 3. CAVERNAS DA SERRA DO mltlpoca Em função de diferenças morfológicas e controles geológicos, três grupos de cavernas podem ser identificados na Serra do Ibitipoca (Corrêa Neto el ai., 1993). Os grupos I e II serão descritos aqui. O Grupo III, composto por túneis (extensão máxima de 86 m - Ponte de Pedra) e arcos ao longo de cursos d'água superficiais, é irrelevante para a presente discussão. O Grupo I (Fig. 3a, 3b) é formado pelas maiores cavernas (600 m - 2750 m, desenvolvimento linear- DL), exibindo em planta padrões branchwork com passagens angulares (cf Palmer, 1991). Os condutos têm corte retangular a oval, alguns mostrando formas compostas, com a parte superior oval e a inferior em fenda estreita. O gradiente das galerias é ao redor de 8. Nas partes topograficamente mais elevadas (mais próximas à superficie) das galerias desenvolveram-se dolinas de corte assimétrico e elípticas em planta. Ao longo dos condutos há raras clarabóias. As cavernas do Grupo I possuem controle estrutural (zonas de fratura) e estratigráfico (quartzito micáceo de grã fina e espessura entre 1,5 me 2 m). Há galerias inativas a 1,5 me 3 m acima do nível freático atual. São comuns níveis ricos em pipes, condicionados pelos planos de foliação. Galerias de cavernas do Grupo I condicionadas por fraturas paralelas ao mergulho das camadas, têm padrões distintos das condicionadas por fraturas paralelas à direção. No primeiro caso, formam-se galerias estreitas e longas (fig. 3a), resultando em grande desenvolvimento linear. No segundo (fig. 3b), as galerias são menores, porém mais largas e de maior volume. O desenvolvimento linear é menor. As cavernas do Grupo II (Fig. 3c - 3e) têm desenvolvimento linear entre 186 m e 600 m, com padrões network rudimentares em planta, formados por galerias levemente meandrantes de corte simples (retangulares ou triangulares, raramente em fissura) e com gradiente ao redor de 50. Nos tetos são comuns pipes subverticais. Galerias inativas existem a 1,5 m, 7 meio m acima do atual nível de base. Não há controle estratigráfico claro. 77

Anuário do Instituto de Geociências - Volume 20 - PP. 75-87 - 1997 As galerias mais extensas são condicionadas por fraturas NE e, mais raramente, N - S. Fraturas NW e E - W geralmente condicionam galerias menores ou pequenos desvios na direção das maiores. As galerias de cavernas do grupo 11 também são caracterizadas por reentràncias com forma oval em planta, topo dômico e fundo com suave inclinação parabólica, no interior do qual há acúmulo de água A~ cavernas de ambos os grupos desenvolveram-se em áreas onde a direção de mergulho das camadas aproximadamente coincide com a direção de inclinação da superficie topográfica. Nas cavernas de ambos os grupos há espeleotemas de silica (opala-a, identificada através de difratometria de raios-x) formando recobrimentos nas paredes das galerias, ligados à exudação de água capilar. Esses espeleotemas assumem geralmente formato de coralóides, também tendo sido encontradas raras formas de bolhas ocas e estalactites com alguns centímetros de comprimento. Os recobrimentos de sílica são mais extensos em cavernas do Grupo 11. Foi encontrada anemolite de silica com 13 cm de comprimento, em caverna do Grupo 11. Escorrimentos de allolàna também são comuns em cavernas de ambos os grupos, associando-se á água corrente a partir de fendas e canais de diâmetros centimétricos. No interior das cavernas dos grupos I e 11, são comuns depósitos de sedimentos, especialmente em galerias inativas e níveis suspensos de condutos ativos. Os sedimentos são de duas origens: fluviais e de gravidade. Os sedimentos fluviais compõem-se de areias grossas a médias (com ocasionais grànulos) mal trabalhadas, com baixos valores de arredondamento e esfericidade média (devido ao formato original dos grãos dos quartzitos sacaroidais) Os depósitos são incoesos e atingem espessuras de até 1,5 m. Nas galerias ativas, onde o fluxo de água causa mais erosão do que deposição, o acúmulo de sedimentos é localizado em pequenas barras após obstáculos. O topo dos depósitos fluviais das cavernas do grupo 11 ocasionalmente apresenta camada de aproximadamente I cm de espessura de material cimentado por sílica. Em algumas cavernas, como na Gruta do Bocào, há estreitos (40 cm - 50 cm) depósitos compostos por seixos de quartzito, cimentados por allofana, com até 30 cm de espessura. Os depósitos de gravidade originam-se da queda de material do teto e das paredes das galerias e salões. Tem forma de cone invertido, compondo-se de areia grossa a muito grossa, 7X

Anuário do Instituto de Geociências - Volume 20 - PP. 75-87 - 1997 blocos e holllclers. São comuns em galerias inativas (sobrepostos aos fluviais), em níveis suspensos nos salões e nas entradas das cavernas. 4. DISCUSSÃO A espeleogênese na Serra do Ibitípoca é tida como processo de dois estágios (Corrêa Neto el ai, 1993), seguindo o modelo salldillg 'pipillg (Martini, 1987), similar à casos na Venezuela (Urbani, 1986), África do Sul (Martini, 1987) e Líbia (Busche & Sponholz, 1992). A aplicação desse modelo é baseada na presença de níveis de pipes, espeleotemas de sílica, padrão das cavernas em planta, e na significativa diferença entre o nível freático local e o nível de base regional. O modelo salldillg íjipillg pressupõe a formação inicial de zonas lineares de porosidade e permeabilidade aumentadas, na interseção de fraturas com planos de foliação e/ou acamadarnento, durante período de prolongada estabilidade do nível de base e baixo gradiente do nível freático. Espaços vazios seriam formados pela dissolução de diminutas quantidades de sílica (sobre a dissolução de sílíca o leitor deve referir-se ~ White el a/., 1966; Young, 1986; Busche & Sponholz, 1992) ao longo do contato de grãos de quartzo. Nessas zonas lineares, a rocha torna-se enfraquecida mecanicamente (o IIJogres de Martini, 1987). Um ponto a ser levantado é a eficíência da dissolução de sílica como mecanismo gerador de porosidade. Apesar da existência de diversas evidências favoráveis a ocorrência de dissolução de sílica durante a espeleogênese em quartzitos (Young, 1986; Busche & Sponholz, 1992), em rochas siliciclásticas, a formação da porosidade secundária, durante a diagênese, é fundamentalmente devido a dissolução incongruente de aluminossilicatos. Este processo resulta na formação de argilominerais, um 'resíduo ' que deve ser removido para evitar a obstrução dos espaços vazios recém formados. Os freqüentes escorrimentos de allofana formados a partir de pipes e fraturas são indício de que, pelo menos parte da porosidade formada na primeira etapa do processo de espeleogênese na Serra do Ibitipoca, foi devida a alteração de aluminossilicatos (feldspatos e micas) Os dados atualmente disponíveis não permitem, entretanto, avaliar a importância relativa da dissolução de sílica e da alteração de alulllinossilicatos na geração de poros durante a primeira etapa da espeleogênese. 7'1

Anuário do Instituto de Geociências - Volume 20 - PP. 75-87 - 1997 Qualquer que tenha sido o processo predominante, a geração de poros foi originada pela percolação de água meteórica, enriquecida em ácidos orgânicos e COz provenientes do solo, através de fraturas e planos de foliação. Esses compostos aumentam em muito a capacidade da água de atacar os componentes das rochas. A abundância de chuvas da região também teve influência marcante, por prover suprimento constante e renovável de água. No segundo estágio, um soerguimento (regional?) aumenta o gradiente e a velocidade de fluxo do lençol freático. Grãos de quartzo são mecanicamente removidos, formando rede de condutos cilíndricos (pipes), alguns dos quais concentram ainda mais o fluxo. Estes alargamse, tomando-se galerias de caverna, integrando sistema hierarquizado de drenagem subterrânea, também composto por pipes, fraturas e poros interligados. O controle estratigráfico responde pelo maior porte das cavernas do Grupo I. A camada de quartzito fino micáceo é especialmente propícia ao processo, devido à composição mineralógica e a grã fina, que fornece maior superficie de contato dos grãos com a água (Corrêa Neto el ai., 1993). A seqüência composta por um período inicial de estabilidade e posterior soerguimento, parece essencial para a formação de cavernas em quartzíto, tendo sido registrada na Austrália (Young, 1986), Venezuela (Urbani, 1986), África do Sul (Martini, 1987) e Líbia (Busche & Sponholz, 1992). Na Serra do Ibitipoca, feições externas (terraços aluvionares, leitos fósseis de rios) e internas (níveis de galerias abandonadas) registram sucessivos episódios de soerguimento. Se os níveis de galerias abandonadas forem utilizados como indicadores de idade (Palmer, 1987), as cavernas do Grupo 11 seriam mais antigas que as do Grupo I, pois apresentam mais níveis de galerias elevadas. O controle estratigráfico pode ser responsável pelo desenvolvimento mais rápido das cavernas do Grupo I na segunda etapa da espeleogênese. As cavernas em quartzitos das serras de Luminárias (MG) e Carrancas (MG) (fig 4) têm característícas similares às do grupo 11 de Ibitipoca, apresentando porém, maior controle litológico, devido à presença de camadas centimétricas de xistos imediatamente abaixo dos níveis de pipes (Corrêa Neto el ai., 1996). Processos genéticos semelhantes aos acima propostos, provavelmente, também atuaram em Carrancas e Luminárías. 80

Anuário do Instituto de Geociências - Volume 2U - PP. 75-87 - 1997 5. CONCLUSÕES A formação de cavernas em quartzito na Serra do Ibitipoca deve-se à longo período inicial de estabilidade do lençol freático, durante o qual, na interseção de fraturas com planos de foliação, formaram-se de zonas de porosidade e permeabilidade aumentadas, devido à alteração intempérica de feldspatos e filossilicatos e a dissolução de sílica, tornando o qual1zito incoeso e friável. O fluxo de água subterrânea concentrou-se nessas zonas. Um ou mais episódios posteriores de soerguimento, causaram aumento da velocidade do fluxo de água. Ocorreu formação de pipes ao longo das zonas de permeabilidade aumentada, devido a remoção mecânica dos grãos de quartzo. Eventualmente, alguns pipes foram alargados até tornarem-se galerias de cavernas. Níveis suspensos de galerias podem indicar episódios sucessivos de soerguimento. Contribuiram para a espeleogênese: (i) Grande diferença entre o nível freático da Serra do Ibitipoca e o nível de base regional. (ii) Presença de camada (quartzito micáceo de grã fina) especialmente favorável a ocorrência de sal1dil1g e pipil1g, gerando as diferenças morfológicas entre cavernas dos grupos I e 1I Agradecimentos: Os autores desejam agradecer ao IEF-MG e, em especial, à direção do Parque Estadual do Ibitipoca pelo apoio à pesquisa desde 1990. Os trabalhos de campo tornaram-se possíveis graças à Sociedade Carioca de Pesquisas Espeleológicas (SPEC). Luis Cláudio C. Anísio e Aline T. Silva, do curso de Graduação em Geologia da UFRJ, foram de grande auxílio, respectivamente, durante trabalhos de topografia e interpretação de difratogramas de raios-x. 81

Anuário do Instituto de Geociências Volume 20 - PP. 75-87 - 1997 6. REFERÊNCIAS: BUSCHE, D. & SPONHOLZ, B. 1992. Morphological and micromorphological aspects ofthe sandstone karst of eastern Niger. l. Geommph. N.F 85 1-18. CORRÊA NETO, AV.; ANíSIO, LCC & BRANDÃO, CP 1993. Um endocarste quartzítico na Serra do Ibitipoca, SE de Minas Gerais. SIMPÓSIO DE GEOLOGIA DE MINAS GERAIS, 7, Aliais do, Boletim SBG liúcleo MG 12 83-86. CORRÊA NETO, A.V.; ANíSIO, LCC & BRANDÃO, CP & CINTRA, HP 1995. Gruta das Bromélias (MG 042), município de Lima Duarte, MG uma das maiores cavernas em quartzito do mundo.,.,~\pe!eo-tema 18: 1-12 CORRÊA NETO, AV.; DUTRA, G. & BAPTISTA FILIIO, 1. 1996. Espeleogênese em quartzitos comparações entre as serras de Ibilipoca, Luminárias e Carrancas (MG) CONGRESSO BRASILEIRO DE GEOLOGIA, 38. Aliais Jo... Salvador, SBG, Vol 4 555-558 EBERT, H. 1955. Pesquisas na parte sudeste do Estado de Minas Gerais. Relatório Allllal da Divisão de Geolof'ia e Afilleral0f'ia Rio de Janeiro, RJ. 1954 : 78-89. JENNINGS, 1.N. 1983 Sandstone pseudokarst or karst~ ill YOUNG, R.W. & NANSON, G.C, Aspects of Australian sandstone landscapes. Allst. & N.l. Geomorph. Grollp Wollo/lgolIg: 21-30. MARTINI,1. 1987. Karst features in quartzite of South Africa. Karstologia 9:45-52. NUMMER, A R. 1991 Mapeamento geológico litoestrutural e tectônica experimental do Grupo Andrelândia na região de Santa Rita do Ibitipoca-Lima Duarte, Sul de Minas Gerais. Tese de Mestrado, Instituto de Geociências, UFRJ. 190p. PEREZ, R.,c. & GROSSI, W.R. 1987. The quartzitic speleological district of the Parque Florestal Estadual do Ibitipoca, Minas Gerais, Brazil INTERNA T10NAL CONGRESS OF SPELEOLOGY, 9,l)mceedillg~ of., 12-14. PALMER, A. N. 1987. Cave leveis and their interpretation 7he NSS Blllle/ill, 49: 50-66. PALMER, A N. 199\. Origin and morphology of limestone caves. Geological Socie/y of AmericaBlllleti/l, I03 : 1-21 SZCZERBAN, E. & URBANI, F. 1974. Carsos de Venezuela, Parte 4: Formas cársícas en areniscas Precambricas dei Território Federal Amazonas y Estado Bolivar. Rol. Soe. /"elle::oe!alll1 I ~.\pel. 5( I )27-54 URBANI, F. 1986. Notes on the origin of caves in Precambrian quartzites of Roraima Group, Venezuela. IlIterciêllcia 1I (6) 298-300 X2

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Anuário do Instituto de Geociências - Volume 20 - PP. 75-117 - 1997 anibil.pcx.. Base lopogáfica Fot>. Limo Duarte 1 50 000 IBGE OKM 2KM LOCALIZAÇÃO DAS CAVERNAS c$ 1 1- Gruta das Casas 11- Gruta da Cruz 2- Gruta da Pinguça 12- Gruta OOS FugitIvos 3- Gruta dos Coelhos 13- Gruta oos Três Arcos MG 4- Ponte de Pedra 14- Gruta OOS MoretraS 5- Gruta do Gnomo 15- Gruta da Catedral I & 11 6- Gruta do Martiminiano 16- Gruta 00 PiA0 7- Gruta das Bromélias 17- Gruta 00 Bocão TIPOS DE CAVERNA 8- Gruta das Dobras 18- Gruta do BoIagato 9- Gruta do S 19- Gruta dos ViaJantes Grupo I Â 10- Atco do Mete 20- Gruta do Guano Grupo 11 Grupo 111 Rio do Salto COt. da _. Rio V_ho FIGURA 1: Mapa topográfico da Serra do Ibitipoca, com localização das cavidades mais significativas. Ver texto para detalhes. 84

Anuário do Instituto de Geociências - Volullle 20 - PP. 75-117 - 1997 anibi2b.pcx OKM I l'!ii granada biotita-xisto ~ biotila muscovila-xisto p,j.j1 quartzito fino micáceo O quartzito grosso _ granada biotita-gnaisse,-.j'""" contato eixo de sinforme 01 eixo de antiforme 01 eixo de antiforme 02 eixo de sinforme 02 atitude de foliação S1 drenagens principais FIGURA 2: Mapa geológico simplificado da Serra do Ibitipoca. Geologia modificada a partir de Nummer (1991) 85

Anuário do Instituto de Geociências - Volume 20 - PP. 75-87 - 1997 FIGURA 3: (A) Gruta das Bromélias, 2750 m DL (B) Gruta das Casas, 600 m DL (C) Gruta do Bocão, 450 m DL (O) Gruta dos Fugitivos, 186 m DL (E) Gruta do Pião, 126m DL (A) e (B) são cavernas do Grupo I; as restantes são do Grupo" Ver texto para detalhes. Mapas simplificados; cortesia da SPEC. X(,

Anuário do Instiluto dc Geociências - Volumc 20 - PP. 75-K7-19')7 c::::j Aluvião Gp. Andrelândia (principalmente xistos) Falha transcorrente Falha de empurrão Eixo de antiformal Eixo de sinformal E.xo de antilormal recumbcntc Contato l N " 20 km _J -! ':NI'f)If, -c-,o; '}V 1 1!RR±S~ : '; ' I : I I, '. l.. FIGURA 4: Algumas cavernas das serras de Carrancas (8) e Luminárias (C) e (O) (A) Mapa geológico simplificado para fins de localização. (8) Toca de Carrancas, 583 m DL. (C) Toca do Chico Lino, 213 m DL. (O) Tocas Num Sei I e 11, 468 m DL em conjunto. Mapas simplificados, cortesia do SPANS (8) e G8PE (C) e (O). X7