BAIRRAL, M. e CARPI, A. (2002) Jogar e Desenvolver Competências em Matemática. Pátio Revista Pedagógica, Porto Alegre, n.24, nov./jan., p.32-35. Jogar e Desenvolver Competências em Matemática Prof. Marcelo Bairral Instituto de Educação UFRuralRJ mbairral@ufrrj.br Profª Ângela Carpi Aluna do curso de Especialização em Educação Matemática da FFSD e professora de matemática em Nova Friburgo (RJ). angelacarpi@uol.com.br O que aconteceria com meus alunos? Eles seriam capazes de realizar um tipo de trabalho como este? Que respostas dariam? Perguntas como estas foram objeto de reflexão, aceitação e desafio de uma professora, para desenvolver com seus alunos, uma dinâmica de aula inspirada na leitura de um artigo (Bairral, 2001). O que pretendemos aqui é socializar parte da experiência vivida pela docente e enfatizarmos para a importância do professor acreditar no potencial de seus alunos e assim, favorecer um trabalho que contribua com o desenvolvimento de competências matemáticas. Concluindo, gostaríamos de ressaltar que a prática do professor é ele quem faz e que a atitude positiva de alunos e professores frente à matemática e ao seu processo ensino-aprendizagem é imprescindível para uma compreensão significativa do que acontece na aula. Atenção às competências no currículo Consideramos que para falarmos em competência necessitamos, dentre outras coisas, ampliar nossa idéia sobre os conteúdos curriculares. Ou seja, não podemos mais utilizar uma dinâmica de aula que valorize apenas os conceitos e ignore as atitudes dos alunos e os seus procedimentos construídos continuamente no processo de aprender a aprender. Assim, a competência matemática que todo aluno deve desenvolver ao longo da Educação Básica, deve integrar essas atitudes, procedimentos e uma compreensão conceitual contextualizada e significativa. É importante ressaltar que não podemos reduzir o significado das competências aos tradicionais objetivos mínimos, pois desta maneira continuaríamos contribuindo para reforçar a criação de hierarquias e desigualdades entre os alunos. A matemática é uma componente do patrimônio cultural da humanidade, constitui uma maneira de 1
pensar e deve estar ao alcance de todos. Todos devemos ter oportunidades e competências para: Conhecer, a um nível apropriado, as idéias e métodos fundamentais da matemática e apreciar o seu valor e natureza. Desenvolver a capacidade de utilizar a matemática para solucionar problemas, raciocinar e comunicar, com confiança em si mesmo. Pensar como matemático, isto é, explorar situações matemáticas, buscar modelos, formular e comprovar hipótesis, generalizar e pensar logicamente. Nas aulas de matemática, devemos fazer mais que enfatizar processos algorítmicos e de cálculos, principalmente se estes não têm significado para o aluno. Dentre outras competências a serem desenvolvidas no ensino de matemática, podemos destacar: (1) a comunicação de idéias com a intenção de explicar ou convencer um colega e, (2) o levantamento de conjecturas e a busca de um convencimento mesmo que temporário para as mesmas. Para exemplificarmos estes tipos de competências, vamos apresentar respostas de alunos da 8ª série quando trabalharam com o jogo Torre de Hanoi 1. Trata-se de um jogo com discos e torres, cujo objetivo principal é descobrir o número mínimo de movimentos que podem ser realizados para mover determinada quantidade de discos de uma torre a outra. Um disco maior não pode ficar em cima de um menor e só se pode mover um disco de cada vez. Quanto maior o número de discos, maior a complexidade do jogo. Exemplo de um jogo com 6 discos 1 Para uma descrição mais detalhada do jogo ver Bairral (2001) 2
Nossos alunos: integrando e desenvolvendo competências Este trabalho foi um desafio para mim. Aliar o uso do computador, o lúdico do jogo e a confecção de conjecturas por parte dos alunos eram situações, que juntas, traziam o novo para a sala de aula... Angela A experiência (Carpi, 2002) foi realizada em 2001 e os alunos trabalharam em grupos. Centraremos nossos comentários sobre as respostas de três grupos e as competências desenvolvidas na dinâmica da aula, sem aprofundarmos na análise do conteúdo matemático. O primeiro grupo, produziu uma tabela e observou o jogo em seus detalhes: Nesta estratégia, descrevendo quantos movimentos cada disco fazia, o grupo verificou a presença das potências de 2. Olhar e descrever o jogo em suas partes, em seus mínimos detalhes, de uma forma única, demonstra que o grupo assumiu uma atitude de curiosidade e investigação, que conduziram `a elaboração de uma generalização esboçada a partir de conhecimentos anteriores (as potências). Esta estratégia permitiu que se estabelecesse uma fórmula através da observação e da dedução do que ocorre com as somas das potências de 2. O segundo grupo afirmou de forma singular que o disco maior move-se apenas uma vez, enquanto os outros percorrem em dobro o mesmo número de movimentos. Ao 3
fazer esta representação através da tabela abaixo, o grupo usou a linguagem matemática para mostrar de uma forma clara e precisa que o número de movimentos é sempre ímpar, e continuaram: Para sermos mais objetivos, formulamos esta tabela que indica o número mínimo de jogadas para o número de discos utilizados: Peças Número de Jogadas Total 3 3 1 3 7 4 7 1 7 15 5 15 1 15 31 6 31 1 31 63 7 63 1 63 127 A turma reagiu à apresentação deste grupo, pois a tabela apresentava algo que os outros grupos não haviam observado. Na comunicação estabelecida, o grupo 2 conseguiu mostrar para os colegas que a tabela apresentava de forma fiel o que ocorria durante o jogo. A professora aproveitou esta oportunidade e recorreu ao trabalho do grupo 1 anteriormente e verificou, junto com os alunos, que o olhar feito sobre o movimento de cada peça confirmava que o disco maior movia se apenas uma vez. O trabalho do terceiro grupo foi apresentado através de um texto, afirmando o envolvimento coletivo dos alunos do grupo com o trabalho. Nós conseguimos deduzir, descobrir, a fórmula que estabelece o número mínimo de movimentos para cada quantidade de discos, e aí está ela: 2 n + 1. Nós a descobrimos depois de muito trabalho, depois de passarmos horas e horas com uma folha em frente com o número de discos e seus respectivos números mínimos de movimentos, estabelecendo relações até não poder mais, e vamos tentar explicar como chegamos a essa fórmula. Como quase todos os grupos, este também observou a relação que estabelece o número de movimentos para um determinado número de discos ao enunciarem a fórmula 2n + 1. Tal procedimento implica, por exemplo, que para se mover 20 discos é necessário que se conheça o número de movimentos para 19 discos. Este raciocínio recursivo é natural em alguns casos e, apesar de ser trabalhoso, tem que ser considerado pelo professor como uma das primeiras descobertas e que ajudará na integração e descoberta de outras novas relações. Por exemplo, o grupo percebeu que: 4
Observamos também que todos os números mínimos de movimentos são primos e ímpares, e que todos seguem uma seqüência a partir do último número, e esta seqüência seria: 7, 5, 1 e 3; como podemos ver 7, 15, 31, 63, 127, 255, 511, 1023,...(respectivamente, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10 discos) O destaque para esta descoberta esteve na observação de que todos os algarismos da unidade, dos números que representam os movimentos dos discos, aparecem nesta ordem, ou seja, 7, 5, 1, 3. Além de identificarem esta regularidade, uma importante competência em matemática, o trabalho deste grupo possibilitou ao professor explorar e desenvolver uma outra competência, ou seja, o levantamento de hipóteses e a sua investigação. Por exemplo, é verdade que todos os números mínimos de movimentos são primos? Vamos investigar! Concluindo... A atenção às potencialidades do aluno, tanto individual como coletiva, o problematizar e investigar constantemente fizeram que o processo de fazer e estudar matemáticas (Chevarllard, 2001) fosse cada vez mais enriquecido. Também, propiciou ao professor uma aprendizagem contínua a partir do que desenvolvia e interagia com os seus alunos. As estratégias construídas, validadas, utilizadas ou abandonadas pelos alunos e os diferentes significados que construíram a partir do que negociaram com o professor e com seus colegas, criaram um ambiente de sala de aula que favoreceu a um significativo processo ensino-aprendizagem em matemática e, conseqüentemente, propiciou o desenvolvimento de competências que, neste caso a dinâmica do JOGAR promoveu: conjecturar Organizar o pensamento investigar Argumentar socializar conhecimentos Referências BAIRRAL, M. A. Movendo Discos, Construindo Torres e Matematizando com Futuros Professores. Rio de Janeiro, Boletim GEPEM nº 38, 2001, p. 95-110. 5
CARPI, A. M. A Torre de Hanói e as Diferentes Estratégias Matemáticas dos Alunos. Nova Friburgo: FFSD, 2002. CHEVALLARD, I. et al. Estudar Matemáticas. Porto Alegre: ARTMED, 2001. 6